domingo, 11 de janeiro de 2015

Dilma promete mais “direitos” e governador petista privatiza supermercado estatal

LIBERTATUM



Joel Pinheiro da Fonseca  


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Em seu discurso de posse, Dilma falou que não pode dar passos atrás, e nem tirar direitos.  Que os direitos devem ser sempre mais.



Ao dizer isso, a presidente ecoa as convicções de muita gente bem-intencionada.


Já eu, que suspeito das boas intenções como que por instinto, penso que a criação de direitos — isto é, coisas boas que a lei determina que sejam estendidas a todos — é um obstáculo para a qualidade de vida geral.


Entendo que esse é o modo petista de medir o sucesso: pelo esforço gasto; pelo papel gasto.  Se está lá no papel que o salário mínimo subiu, ou que domésticas agora têm direitos trabalhistas, isso é bom em si, posto que é o justo; e tudo que está fora disso é inaceitável, mesmo se o salário mínimo maior não fizer os trabalhadores mais ricos, e mesmo se as novas leis de domésticas tiverem dificultado muito encontrar postos de trabalho nessa função.


O efeito que o discurso de direitos tem na mentalidade é também deletério.  Se algo é um direito, ele deveria estar vigorando para todos os casos.  Se não está, então uma injustiça foi feita.  E se uma injustiça foi feita, temos que encontrar o culpado: alguma classe que não contribui como deveria, alguma instância do governo que é corrupta ou lenta, o egoísmo da cultura em geral, "todos nós que jogamos papel de bala no chão" etc.


Isso serve para gerar raiva e indignação, sentimentos que levam à impotência, posto que nada podemos fazer contra as gritantes injustiças de todo um sistema.  Em nada ajudam a encontrar soluções criativas que melhorem efetivamente aquilo que consideramos ainda insatisfatório.  Encontrar culpados e bater o pé no chão para que "algo seja feito" roubam os esforços que deveríamos dedicar a fazer algo.


O direito também fossiliza nossa concepção sobre como o mundo deve ser.  Direitos trabalhistas eternizaram relações de trabalho que estão cada vez mais datadas.  Mas como o estado não é capaz de aceitar seus próprios limites, ele precisa exigir que todas as outras relações se pautem pelos critérios que ele estabeleceu.  O resultado cultural disso é gente jovem em pleno século XXI sonhando com carteira assinada ou — o que é a lógica dos direitos levada a seu extremo — o funcionalismo público.  Trabalho assegurado, bem remunerado, fácil, de baixa intensidade e com amplo tempo livre.



O mesmo vale para outros campos: o direito à educação nos internalizou a ideia de que todos necessitam de 11 a 15 anos de estudo formal em salas de aula, com conteúdos pré-determinados pelo estado e sendo submetidos a constantes avaliações, seguindo um modelo muito particular de educação que se universalizou como sendo o único possível.


O direito à saúde nos fez todos adotar a ideia de que serviços de tratamento devem estar prontamente disponíveis e gratuitos a todas as pessoas.  O que, com o aumento da tecnologia e da longevidade, revela-se uma impossibilidade técnica.


E, mais do que isso, associou-se "direito à saúde" a tratamento, e não à prevenção ou à busca de uma vida saudável.  Se esses crescerem em importância na cultura, a velha ideia do direito à saúde irá se enfraquecer — principalmente agora que até o próprio governo federal encara os planos de saúde privados como o melhor jeito de diminuir seus próprios custos com os cuidados à população.


O direito legal tenta materializar uma instância fictícia da nossa imaginação: o dever ser.  As pessoas "devem" ter saúde, educação, lazer, cultura etc.  Mas ele não faz nada para criar e manter esses bens desejados socialmente.  Nada além de instilar um vago sentimento de obrigação, justamente o pior tipo de motivador da conduta.


Pensando nisso, minha dica para 2015 a todos que querem um mundo melhor é que gastem menos tempo lutando para colocar direitos no papel, menos tempo exigindo que direitos que já existam sejam concretizados, e mais tempo pensando, criando, produzindo e espalhando as coisas boas que queremos ver sendo difundidas.


Que o eterno "dever ser" ceda espaço para um "é" cada vez melhor.


Na Bahia, ainda existia um supermercado estatal


Cesta_do_Povo_4464700401-636x395.jpg"Não há sentido em tirar dinheiro da saúde e da educação para sustentar um supermercado".



 É com essas palavras, racionais, simples, límpidas, que o governador eleito da Bahia, Rui Costa,anuncia a privatização (se parcial ou total, ainda não se sabe) da rede de supermercados Cesta do Povo, única rede de supermercados estatal do Brasil.


A estatal foi criada, vejam só, por Antônio Carlos Magalhães nos anos 1970.  A esquerda privatizando a estatal da direita.


Esquerda e direita não descrevem a realidade, apenas nomeiam grupos rivais em luta pelo poder.  E em face de um supermercado estatal que só no ano passado custou 15 milhões de reais aos cofres públicos, não há partidarismo que discorde: é preciso vender.


Quando o governador diz que a rede não tem como competir com a agilidade e liberdade de negociação das empresas privadas, ele está dizendo a mais pura verdade. O Cesta do Povo tem um sistema pra lá de antiquado para encontrar e admitir novos fornecedores, e adota uma política de preços que segue conveniências políticas, mas que, ao mesmo tempo, não oferece preços muito mais baixos que a concorrência. Por que a diferença?


O Cesta do Povo, como a maioria das empresas estatais, vê-se numa encruzilhada: por um lado não pode ser apenas mais uma empresa maximizadora de lucro (pois pra isso o estado não é necessário); por outro, precisa de mecanismos que impeçam que os recursos públicos que o sustentam sejam desviados em esquemas de corrupção.


A empresa não tem um dono, não tem acionistas e não tem doadores voluntários que se sentiriam lesados caso gastasse mal seu dinheiro, e que portanto têm todo o incentivo para torná-la mais eficiente.  Em vez disso, ela conta apenas com os procedimentos burocráticos de qualquer atividade estatal, que por um lado são engessantes e não permitem mudanças bruscas ou inovações sem longas diligências e licitações, e por outro são facilmente burláveis.


Ao mesmo tempo, ninguém ali dentro tem incentivos para melhorar a empresa, torná-la mais eficiente, inovar.  Se ela der lucro ou prejuízo, a vida de seus gestores não muda em nada.  E já que é bem mais fácil ser ineficiente…


"O Cesta do Povo não é capaz de concorrer com as redes privadas de supermercado. As grandes do setor têm agilidade na hora de negociar e definir preços, muito diferente de uma empresa pública", justificou Costa.


A rede chegou a fechar em meados da década passada, e foi reaberta pelo governador Jaques Wagner, também do PT, em 2007, que encontrou aquela massa falida e apostou que ela era viável se gerida com mais eficiência e menos corrupção. Agora o sonho acabou. Para o contribuinte baiano, o pesadelo.



O lampejo de lucidez de Rui Costa foi além do mero reconhecimento de que a rede não tem condições de se viabilizar no mercado; ele toca, talvez sem que o próprio perceba, em um ponto mais importante: o da prioridade do gasto estatal.



Vamos aceitar por um segundo a premissa utópica de que o estado serve, ou visa a servir, o bem comum.  As pessoas dizem isso e se contentam com um estado que promove — e gasta recursos com — uma série de causas e atividades boas.  Em um mundo de recursos escassos (dica: como o nosso), só isso não é o suficiente.  Que algo seja bom, desejável, não é critério suficiente para concluir que o estado deva investir naquilo.  Precisamos ir uma pergunta além: aquele gasto traz o melhor retorno possível em termos de bem comum? O real ali investido produz o máximo bem para o maior número de pessoas? Se não, que seja cortado.


O estado da Bahia, que já sofre com uma segurança pública em frangalhos e com desempenhos muito ruins na educação (mesmo para a média brasileira), não pode se dar ao luxo de esbanjar recursos para subsidiar um supermercado.


Se aceitarmos essa lógica — e parece impossível não aceitá-la —, nossa forma de encarar o governo muda.  Não é porque algo é desejável que ele deve ser subsidiado com dinheiro público.  Não basta ser bom; tem que saber utilizar da melhor maneira possível os recursos escassos.  E isso o estado já demonstrou que não sabe fazer.


Pensando assim, pode ter certeza de que há muitos "Cestas do Povo" por esse Brasil aguardando nosso corte.



Joel Pinheiro da Fonseca é mestre em filosofia, editor da revista Dicta&Contradicta e escreve no blog Ad Hominem.

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