sexta-feira, 14 de fevereiro de 2020

O Globo – Conselho da Amazônia é perda de oportunidade / Editorial

O Globo – Conselho da Amazônia é perda de oportunidade / Editorial

Retirar os governadores do organismo significa torná-lo apenas um instrumento político

Parecia que a reativação do Conselho Nacional da Amazônia Legal indicava alguma revisão no grande equívoco cometido pelo governo Bolsonaro de trabalhar contra a preservação da Amazônia, entendida pelo presidente como algo nascido de uma conspiração internacional para retirar a região do controle do Brasil —fantasma que costumava assustar meios militares. Achavase que esta psicose nacionalista havia sido atenuada, mas a chegada de Bolsonaro e família ao Planalto mostra que a síndrome persecutória ainda existe.

Ao anunciar a medida no mês passado, o presidente disse que o Conselho ficaria sob a responsabilidade do vice Hamilton Mourão, general da reserva que demonstra mais habilidade que Bolsonaro no trato de questões delicadas. Mourão tem ainda a vantagem de haver comandado na Amazônia uma brigada de infantaria de selva. Mas o decreto assinado por Bolsonaro que restabelece o conselho, existente desde 1995, retirou dele os governadores dos estados da Amazônia Legal (Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins, Mato Grosso e Maranhão). Ou seja, o fórum volta esvaziado.

Mourão ainda tentou contornar a frustração, ao garantir à TV Globo que “os governadores serão consultados para que estabeleçam suas prioridades”. Mas não é o mesmo que estar presente no cotidiano do trabalho dos membros do grupo. O Conselho tem representantes de 14 ministérios.

Mourão faz bem em estabelecer a rotina de encontros trimestrais, com a possibilidade de reuniões extraordinárias. Se assim for, poderá reduzir o risco, sempre presente em governos, de a criação de conselhos ser o mesmo que adiar decisões.

A integração e coordenação de políticas em nível federal para a Amazônia, objetivo do organismo, segundo Mourão, são de fato importantes.

Mas, sem a participação ativa dos governadores, que conhecem muito de perto a agenda das dificuldades amazônicas, não dará certo, por mais que o vice-presidente se dedique ao trabalho.

O conselho só renasce no papel. Na prática, continua morto. O escanteio dos governadores locais não tem lógica —se a intenção fosse mesmo enfrentar a imensa questão da Amazônia —, e por isso o decreto de Bolsonaro não passa de uma tentativa, sem chance de êxito, de dar uma resposta a quem no mundo se preocupa com o destino da Floresta sob a guarda do governo Bolsonaro. Aqui se incluem os poderosos de Davos, as ONGs sérias — também amaldiçoadas pelo bolsonarismo —, governantes de dentro e fora do país e as pessoas sensatas em geral.

Ainda há tempo de o presidente Bolsonaro evitar que a boa iniciativa de remontar o Conselho não passe de um pífio gesto de marketing. É só reeditar o decreto, corrigido.



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