terça-feira, 10 de junho de 2014

'Demissão é política', diz metroviário demitido por telegrama





Até esta segunda-feira, 42 haviam sido demitidos pelo Metrô.


'Governo quer desmoralizar a categoria', diz agente de estação.



 Do G1 São Paulo


O metroviário Bruno Everton, demitido após a greve  (Foto: Letícia Macedo/ G1) 
O metroviário Bruno Everton, demitido após a greve


Metroviários demitidos pelo Metrô de São Paulo por telegrama nesta segunda-feira (9) atribuem a medida a uma decisão política e afirmam que a intenção do governo é desmoralizar os grevistas. A paralisação completou cinco dias e as tentativas de acordo realizadas pela Justiça trabalhista não prosperaram. 

No domingo, o Tribunal Regional do Trabalho (TRT) julgou a greve ilegal.  Ficou definido ainda que não haverá estabilidade de emprego para os grevistas e que os dias parados serão descontados.  Até esta segunda, 42 grevistas haviam sido demitidos.

O agente Bruno Everton, de 27 anos, há dois no Metrô recebeu o telegrama informando seu desligamento no fim da manhã desta segunda. "Eu sou da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CIPA) e estou no 10º mês de mandato. Não posso ser demitido" afirmou. "O governo negociou com o cassetete na mão. Nossa demissão é política. Ele decidiu cortar as cabeças para estancar o movimento", disse ele, na sede do sindicato, enquanto aguardava o início da assembléia.


A metroviária Camila Lisboa, demitida após greve (Foto: Letícia Macedo/ G1 ) 
A metroviária Camila Lisboa, demitida após greve

"Informamos o seu desligamento da companhia por justa causa a partir de 9/6/2014, com fundamento no artigo 482, alínea b da Consolidação das Leis do Trabalho e no artigo 262 do Código Penal. 

Fica assegurado o seu direito de interposição do recurso administrativo previsto no acordo coletivo, no prazo de três dias úteis a contar do recebimento deste telegrama", diz o documento que ele recebeu.

A agente de estação Camila Lisboa, de 29 anos, trabalha há dois deles no metrô. Ela é diretora de base do sindicato e também recebeu o telegrama de demissão na manhã desta segunda. "Eu sou super ativa na greve: participei de todas as assembleias, apareci na TV. O governador quer desmoralizar nossa categoria, fazer a gente sair de cabeça baixa. A greve aconteceu por causa da intransigência do governador. Ele teme que outras categorias façam o que nós estamos fazendo". Ela acredita que o governo vai rever as demissões. "A gente não vai sair de cabeça baixa", afirmou.
 

Cinco especialistas em direito trabalhista ouvidos pelo G1 dizem que as demissões por justa causa são possíveis quando os trabalhadores desrespeitam uma decisão judicial. Entenda o caso e confira o que o governo e os grevistas podem ou não fazer:

O que querem os grevistas?
A paralisação dos serviços do Metrô começou na quinta-feira (5) para cobrar aumento salarial. Os sindicalistas pedem 12% de reajuste, mas o Tribunal Regional do Trabalho (TRT) determinou 8,7% na decisão sobre o dissídio de greve. Na noite de domingo, no entanto, os sindicatos decidiram, em assembleia, manter a greve.


O presidente do sindicato dos metroviários, Altino de Melo Prazeres, já deu declarações à imprensa que pretende aproveitar a Copa do Mundo, neste mês, e o período pré-eleitoral no fim do ano, para pressionar o governo a negociar com a categoria. "Tem uma Copa do Mundo aqui, é o maior evento esportivo do mundo. 

O governo do estado tem eleições no fim do ano. Tem que negociar. Temos que enfrentar o governo”, disse.

O que decidiu a Justiça?
No último domingo (8), o TRT considerou a greve “abusiva” e determinou o pagamento de multa diária de R$ 500 mil aos dois sindicatos da categoria, dos metroviários e dos engenheiros.


O desembargador Rafael Pugliese, relator do processo do dissídio de greve, considerou a paralisação ilegal por não ter assegurado o serviço mínimo à população, descumprindo decisão judicial anterior para garantir 75% da frota durante o dia e 100% nos horários de pico. Por unanimidade, os magistrados determinaram ainda o desconto dos dias parados e a não estabilidade no emprego.

O governo pode demitir os grevistas por justa causa?
“Sim, o governo pode demitir os funcionários por justa causa porque a greve foi declarada abusiva”, disse o desembargador Sergio Pinto Martins, do TRT. “Toda vez que a Justiça considerar uma greve abusiva, o empregador pode demitir quem não voltar ao trabalho, porque o retorno teria de ser imediato.” Segundo o magistrado, por medo de demissões, é comum grevistas retornarem ao trabalho após saberem de decisões judiciais que consideram paralisações abusivas.


Para Estevão Mallet, professor da Faculdade de Direito da USP, a democracia preconiza direitos de se manifestar, mas com responsabilidade de que isso não vá ferir outros direitos legais. "Se cada um se der o direito de ignorar uma decisão judicial, o estado de direito terminou e voltamos à barbárie. É a instalação do caos”. Segundo Mallet, "as demissões são justas porque a Justiça determinou o retorno ao trabalho e isso não foi feito", disse. "Desse modo, o empregador pode contratar outros trabalhadores."

O advogado Eli Alves da Silva, presidente da Comissão de Direito Material do Trabalho da OAB-SP (Ordem dos Advogados do Brasil em São Paulo), concorda: “A decisão da Justiça de julgar a greve abusiva permite ao governo demitir funcionários porque está havendo abuso pelos grevistas. Quem descumprir a ordem judicial deve ser demitido por justa causa. Senão vamos cair no caos. Liberdade precisa de responsabilidade".

“Eles [metroviários] estão em campanha salarial e estão em processo de negociação. Isso deixa a greve em normalidade. Mas, a partir do momento em que descumprem uma ordem judicial de retorno ao trabalho, isso configura desobediência e é passível de demissão”, disse o advogado e professor do curso de direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie, José Francisco Siqueira Neto.

Apesar disso, o professor espera que as demissões aplicadas pelos empregadores sejam mesmo "justas". “Precisa mandar embora todos os que não voltaram ao trabalho, porque senão vai parecer perseguição a sindicalistas.”

Quantos já foram demitidos?
Pela manhã, a assessoria de imprensa do Metrô de São Paulo informou que "cerca de 60 funcionários" que aderiram à greve serão demitidos. O órgão, porém, não divulgou os nomes dos grevistas. No fim da tarde, o secretário dos Transportes Metropolitanos, Jurandir Fernandes, corrigiu o número e disse que 42 foram demitidos e outros 13 casos estão em análise.


O que pretendem fazer os sindicatos?
A assessoria de imprensa do Sindicato dos Metroviários de São Paulo informou que seu departamento jurídico vai recorrer da decisão da Justiça que considerou a greve abusiva e aplicou as multas. E que também recorrerá das demissões de funcionários que estão sendo feitas.


Pela legislação, os trabalhadores podem recorrer das decisões do TRT?
O presidente da comissão da OAB, Eli Alves da Silva, diz que os defensores dos sindicalistas podem recorrer da decisão do TRT sobre as multas. “Com certeza, vão tentar reverter a decisão ou reduzi-la, o que pode demorar muito tempo.”


Para Estevão Mallet, professor da Faculdade de Direito da USP, a continuidade da greve é uma “afronta grave” à decisão do tribunal. "Se os metroviários não concordam com a decisão, podem recorrer. Enquanto não for julgado o recurso, têm de aceitar o que foi determinado judicialmente", afirmou.

Nelson Picchi Júnior, advogado e professor de direito trabalhista, diz que os sindicalistas podem recorrer das decisões judiciais contrárias a categoria nas instâncias superiores da Justiça. "Em tese há possibilidade de recursos para tribunais superiores, que TST [Tribunal Superior do Trabalho] e até STJ [Superior Tribunal de Justiça] e STF [Supremo Tribunal Federal]."

Procurado pelo G1, o TRT informou que “pessoas demitidas por justa causa podem abrir um processo trabalhista na Justiça do Trabalho, cabendo ao juiz determinar a reintegração no emprego, manter justa causa ou converter a demissão por justa causa em demissão sem justa causa, o que permitiria ter acesso ao seguro desemprego.”


Os grevistas podem impedir a entrada nas estações?
Desde quinta-feira, grevistas tentam barrar os portões das estações de Metrô para impedir a entrada de funcionários que querem trabalhar. O governador autorizou a Polícia Militar (PM) a agir para permitir a segurança dos usuários e dos funcionários que querem ir ao serviço.



Em duas ocasiões, a PM interveio com o uso da força: na sexta-feira (6), quando um sindicalista foi detido por suspeita de desacato, e nesta segunda-feira, quando 13 grevistas acabaram detidos porque estariam depredando o patrimônio público. Eles foram encaminhados ao 36º Distrito Policial, no Paraíso, Zona Sul da capital paulista.


De acordo com Nelson Picchi Júnior, professor de direito trabalhista, o artigo 6º da Lei de Greve assegura direitos aos grevistas, mas não permite a eles impedir o acesso de outros funcionários ao trabalho. “Isso seria constranger o direito dos outros ao trabalho, com atos de persuasão”, disse o advogado, que também citou o artigo 10. “Ele diz que o transporte coletivo é essencial.”

Quem apoia os grevistas?
Nesta segunda-feira, os sindicatos dos metroviários tiveram apoio do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) e do Movimento Passe Livre (MPL). Pela internet, os movimentos sociais convocavam seus membros a participar das paralisações nas estações de Metrô. O sindicato dos metroviários é filiado à Central Sindical Popular (CSP-Conlutas), que tem ligação com o PSol e PSTU.



 

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