domingo, 8 de março de 2015

Partidos em xeque - MERVAL PEREIRA O GLOBO - 08/03

domingo, março 08, 2015


O PP foi praticamente dizimado nessa primeira etapa das investigações do petrolão, com 18 dos 40 deputados da bancada federal na lista de Janot, e mais dez ex-deputados, inclusive ex-ministros, dois senadores e um vice-governador, que, aliás, se destacou entre os citados pela maneira grosseira com que comentou sua inclusão na lista.

É provável que o mesmo aconteça com PT e PMDB quando vierem à tona as acusações e delações premiadas referentes aos ex-diretores Nestor Cerveró, indicado pelo PMDB, e Renato Duque, o homem do PT no petrolão. Os respingos da corrupção do PP atingiram fortemente o PT e o PMDB, e por tabela alguns outros partidos, inclusive o PSDB, imaginem quando a investigação for direta nos dois maiores partidos da coligação governamental.

Mesmo que Duque, como bom petista, não tenha aberto a boca e negue qualquer delito, seu subordinado Pedro Barusco já se comprometeu a devolver US$ 100 milhões de dinheiro desviado e descreveu, com planilhas e todos os detalhes possíveis, como era feito o repasse de dinheiro, calculando que ao longo dos anos, de 2004 a 2014, o tesoureiro do PT João Vaccari recebeu de US$ 150 milhões a US$ 200 milhões em propina para distribuir ao partido.

Novas listas surgirão, e o que está em xeque não é o financiamento privado das campanhas eleitorais, mas o sistema de coalizão partidária que está montado sob as bases do tempo de televisão e das coligações proporcionais. A compra de apoio político, já demonstrada no processo criminal do mensalão, está sendo confirmada em escala muito maior no petrolão, e a depuração de nosso sistema político eleitoral é a tarefa mais urgente neste momento.

Não é possível termos 40 partidos políticos com direito a tempo de propaganda no rádio e televisão, nem é aceitável a criação de partidos para desvirtuar o voto dado nas urnas em interesses próprios de ocasião. Não é possível mais dividir o tempo de propaganda eleitoral no rádio e televisão pelas coligações montadas a toque de caixa, não na origem militar do termo, mas de caixa registradora mesmo, sem o menor contato programático entre si, mas apenas interesses pontuais que geram os petrolões e mensalões de nossa vida política.

Proibido o financiamento privado, todo esse dinheiro que roda por baixo dos panos continuará sua busca de receptadores dispostos a fazer negócios. O que precisa haver é uma rigorosa regulamentação das doações eleitorais, limitando as de pessoas físicas e jurídicas, e especialmente proibindo empresas que tenham negócios com governos, em todos os níveis, de serem doadores como pessoas jurídicas.

Com a redução de partidos com direito a atuação no Congresso, a campanha eleitoral já será mais barata naturalmente, e será bem-vinda a proibição dessas mágicas dos marqueteiros que encarecem a eleição, além de serem responsáveis por tornar quase verdadeiros os estelionatos eleitorais que os políticos costumam vender como realidade.

A instituição do sistema de recall, onde o eleitorado pode destituir seu representante que não cumpre o prometido, seria uma ótima decisão para uma reforma eleitoral que objetivasse uma reorganização séria de nosso sistema político, fragilizado pelos últimos acontecimentos.

A denúncia do procurador-geral Rodrigo Janot, a exemplo do mensalão, acusou a existência de uma "complexa organização criminosa", o que afasta o perigo de se colocar toda a culpa do acontecido nas empreiteiras, como se para existir corruptores não fosse necessário existir o corrompido.

Ninguém é corrompido por pressão irresistível, como também não há cartel que se forme a pedido de políticos sedentos por dinheiro. Os esquemas que estão sendo desmontados mostram que se juntaram a fome e a vontade de comer para saquear os cofres públicos, num projeto criminoso onde todos ganhariam, e somente a sociedade brasileira sairia perdendo.

E Dilma com isso? - ELIANE CANTANHÊDE

O Estado de S. Paulo - 08/03

É sob o impacto da "lista do Janot" e do zunzum crescente de uma "conversa de estadistas" entre Lula e Fernando Henrique que a presidente Dilma Rousseff faz hoje um pronunciamento no rádio e na TV. Para dizer o quê?

Dilma não é de fazer mea culpa, nem caprichou na maquiagem só para falar de flores, mostrar os efeitos da dieta Ravenna e saudar o Dia Internacional da Mulher. Muito menos para falar da meia centena de políticos da lista, que pega de jeito sua base de apoio.

Sobra a Dilma uma única opção: assumir, finalmente, a responsabilidade pelo ajuste fiscal, fundamental para corrigir os erros do primeiro mandato e sinônimo de medidas amargas para empresas, contribuintes e consumidores.

Até aqui, Dilma se recolheu a uma zona de conforto, trancada em palácios com petistas que pensam exatamente como ela, sem contraditório, enquanto o ministro Joaquim Levy bota a cara para assumir os anúncios impopulares. E quem tem de aprovar é o Congresso.

Não está funcionando. Levy é uma ilha cercada de súditos do império petista no BC, BB, CEF, BNDES e Petrobrás, sem falar no Planejamento. Nem o mercado nem os parlamentares são bobos. Todo mundo nota. Também não funciona porque Dilma tem a maior base aliada do planeta, mas o Congresso está ferido e em polvorosa com os 49 políticos sob investigação do Supremo Tribunal Federal pela roubalheira na Petrobrás.

E há aquele problemão. O PMDB não aceita o desgaste com as empresas - que financiam suas campanhas - para aprovar o fim das desonerações e o aumento de 150% na folha de pagamento. E o PT não topa bater de frente com sua base sindical - a começar da CUT -, aprovando endurecimento de seguro-desemprego e pensões.

Resumindo a história: cadê o ajuste fiscal? O gato comeu. No mínimo, está mastigando, devagar, calmamente, enquanto o circo pega fogo.

É aí que entra a crescente ansiedade de líderes do PT por algum tipo de, senão negociação, pelo menos conversa com o PSDB. E veem nas declarações particularmente cautelosas do senador José Serra uma boa porta de entrada.

Possível é, porque os grandes homens públicos (eles existem!) têm obrigação de pensar mais, melhor e mais longe. A crise na economia, na política e na ética saiu do âmbito do governo e é do País, e ninguém melhor do que o sociólogo FHC para entender isso.

Não é fácil, porém, dar uma mão para o PT, que virou as costas para os três grandes pactos nacionais pós-ditadura - eleição de Tancredo, Constituinte e governo Itamar Franco. E, agora, quando ele é o alvo, vem falar de pacto.

Mais: por trás de um político, há uma pessoa. Ponha-se no lugar de FHC, que, mal ou bem, com erros e acertos, estabilizou a economia, arrumou a casa e garantiu uma sucessão segura para Lula, mas depois teve de engolir o slogan "herança maldita" - que, injustamente, colou. E, ainda hoje, tem de engolir o "Foi o FHC" - que, justamente, não colou.

É nesse contexto que Dilma vai hoje à TV e ao rádio, mas não custa lembrar que seu histórico de pronunciamentos no primeiro mandato deixa muito a desejar. Num, ela botou o dedo na cara dos bancos, vangloriando-se de ter baixado os juros na marra. Bem... eles dispararam de novo e acabam de bater em 12,75%.

Noutro, subiu no palanque e só faltou pedir votos explicitamente ao anunciar a bengalada na conta de luz. Bem... a conta das empresas e dos domicílios também disparou e, entre outras coisas, faz um baita estrago na inflação. (Sem contar que a bengalada desestruturou o setor pelos próximos muitos anos).

Então, temos Dilma sem ter o que dizer, com o Executivo em ritmo de barata tonta, o Congresso em pé de guerra e o Judiciário arregaçando as mangas para o petrolão. E o País, perplexo, à deriva, à espera de um pacto dos sonhos, mas de viabilidade prática extremamente difícil.


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