terça-feira, 27 de outubro de 2015

QUEM É O LÍDER? QUEM TRAZ UM SOPRO DE RENOVAÇÃO?



Uma grande ilusão acomete o cidadão brasileiro, hoje: a de achar que, agora, ou vai ou racha. Por exemplo: para quem defende o impeachment de Dilma, a queda da presidente no meio do mandato resolverá tudo. Bobagem. Não resolverá nada.


Estaremos reféns, dependendo de uma cascata de circunstâncias, de Temer, de Renan e até de Cunha (se não estiver preso), no caso de convocação de eleições antecipadas.


Desde quando Temer, Renan ou Cunha à frente do turbilhão são boa perspectiva? E, em caso de novas eleições, quem é o grande líder de que dispõe o Brasil? Nem Lula mais é líder, e no PT quem um dia se habilitou ao cargo maior foi queimado na trilha das escolhas dele, que culminaram na inépcia abissal de Dilma.


Do lado da oposição, Aécio Neves, junto com os seus, virou uma espécie de piada saudosista de um partido que já representou certa compostura, que já foi até “de esquerda” naquele espírito social-democrático, e hoje é identificado com um nefasto outro lado.


Campos morreu. Marina continua a ser um mito indecifrável situado entre os mais altos princípios ecológicos e os mais baixos equívocos cosmogônicos; entre o discurso inspirador e a síndrome de pânico na hora de enfrentar seus adversários. E Alckmin? Esse integra uma ordem de perigosas alquimias.
PERMANÊNCIA DE DILMA


Já para quem combate o impeachment, a permanência de Dilma num cenário de aplacamento da crise política retomaria o trilho das coisas. 


A questão é que, no vergonhoso quadro formado pelas relações entre o Executivo e o Legislativo, o STF tem que intervir semanalmente, passando de tribuna especial para o varejo do descumprimento sistemático da Carta. 



E o custo de frear a fúria pró-impeachment criará (já está criando) uma teia de concessões, constrangimentos, pressões e contrapressões, gargalos e falsas alianças que forçará, fatalmente, um esgarçamento moral capaz de tornar o ar ainda mais irrespirável.


E como cheira mal o Brasil neste momento! Não venham dizer que cheira mal só na atmosfera política: esta é outra ilusão típica da miopia brasileira — crer que os políticos são extraterrestres, uma categoria genética à parte, um outro animal, uma “raça” desgraçada. 

O que fede mesmo é o Brasil, o Brasil brasileiro, construído desde o Descobrimento.(ler comentário a respeito NB)


O Brasil da exploração em benefício da Coroa e, depois, de meia dúzia em meia dúzia até o topo. Brasil em que irmão maltrata irmão e dinheiro na mão é vendaval. Brasil de ódio disfarçado em democracia racial.

Brasil da informalidade quando se precisa da ordem, e dos formalismos quando a liberdade precisa vingar. Brasil pleno de hipocrisia, servilismo, truculência. 

Brasil no qual a alma de tudo que é bom (e o que é bom existe em todos os estratos) é ofuscado pela ganância, pela fome de poder (também presente em todos os estratos) que reverbera na sociedade, prevalece no seio mesmo das famílias, nas cartilhas das escolas, nas capatazias, passa de geração em geração e envenena as crianças.

EXCLUSÃO
Brasil da exclusão, nascido da recusa de assentar os libertos pela Abolição (em especial no Rio): “Se veio a liberdade, que fique então essa gente solta por aí”, foi o que quis, e assim foi.

Por isso é que hoje, tanto um grupo quanto o outro, os que querem Dilma fora, os que querem Dilma dentro, não enxerga que, com Dilma ou sem Dilma, a vaca já foi para o brejo.

Não é uma perspectiva catastrofista. É um brejo velho conhecido, no qual, vira e mexe, nos embrenhamos, ou embrejamos, depois emergimos de novo — quando parece que uma luz insiste em vencer a escuridão.

Então, até dá pinta de que se avança um pouco, mas não o suficiente — só o suficiente — para que tudo logo se estrague, moído por engrenagens velhas que custam uma eternidade a emperrar de vez, que não admitem reposição de peças, ou, quando admitem, encaixam em si os mesmos modelos, recauchutados, guaribados, gastos.

E torna a fumaça espessa, escura, a cobrir o pouco de luz viva, e o mofo volta a prosperar, e os seres da lama revolvem-se nos esgotos e vêm à tona fazer a festa, imiscuir-se por todas as frestas — e é o que se vê, hoje, objetivamente, no Brasil. O que não se vê é que, seja o que for, não há horizonte visível.

NOVAS ELEIÇÕES?

Ou então me digam. Qual o horizonte? Convoquem-se hoje eleições. Quem é o líder? Quem é o grande orador? Quem traz um sopro de renovação? Que ideia apaixona o brasileiro? Onde está nossa pujança, nossa vontade, nossa criatividade, nossa voz? Estão por aí, misturadas nas instituições.

Inteligência difusa que sustenta um bom-senso sem cara. E impede, dentro de uma lógica de interações complexas, que do brejo se colha uma tempestade verdadeiramente diluidora da coesão social. É essa força, hoje, que sustenta o Brasil.

Uma liderança invisível, compartilhada, em que uma ponta de juízo autônomo bloqueia os estratagemas mais extremos e perversos cada vez que o abismo se aproxima. É o que temos, enquanto o dia não amanhece.


26 de outubro de 2015
Arnaldo Bloch
O Globo 

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