Em 2018, uma nova espécie de peixe foi descoberta em águas profundas do Nordeste. Com apenas 6 centímetros e exibindo uma paleta variada de cores - do rosa e roxo ao verde, laranja e amarelo -, ele foi encontrado pela primeira vez por pesquisadores brasileiros no arquipélago de São Pedro e São Paulo, em uma área distante a mais de 1 mil km da costa de Pernambuco. Hoje sabe-se também que o Tosanoides aphrodite, como foi batizado, pode ser observado em Fernando de Noronha. Mas além dessas ilhas oceânicas brasileiras, esse animal não é encontrado em nenhum outro lugar do mundo.
Responsáveis pela descrição desse peixinho há sete anos, os pesquisadores Hudson Pinheiro e Luiz Rocha são autores agora de um estudo que acaba de ser divulgado na publicação internacional Peer Community Journal em que alertam sobre o alto número de espécies marinhas endêmicas em ilhas e arquipélagos, ou seja, únicas e exclusivas dos locais onde habitam.
No artigo, Pinheiro, pesquisador do Centro de Biologia Marinha da Universidade de São Paulo (USP) e membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN), Rocha, curador de Ictiologia (estudo dos peixes) da Academia de Ciências da Califórnia, e Juan Pablo Quimbayo, cientista da Universidade de Miami, defendem ainda a criação do conceito de “endemismo insular-provincial”, que inclui não só espécies exclusivas a uma ilha específica, mas também aquelas que ocorrem em um conjunto de ilhas de uma mesma província biogeográfica e não colonizam áreas continentais próximas.
“Percebemos que as ilhas brasileiras possuem uma importância muito maior do que pensávamos. Elas quase não eram citadas quando se falava em endemismo, mas nossos dados e novas interpretações mostram que são verdadeiros laboratórios naturais da evolução das espécies”, afirma Pinheiro.
Durante a pesquisa*, foram analisadas mais de 7 mil espécies de peixes recifais em 87 ilhas e arquipélagos ao redor do mundo, entre elas as ilhas brasileiras de Fernando de Noronha, São Pedro e São Paulo e Trindade, que segundo os autores do estudo, estão entre as mais importantes do planeta em termos de endemismo marinho.

O nome do Tosanoides aphrodite, encontrado nas ilhas oceânicas brasileiras, é uma homenagem
à deusa grega do amor e da beleza, Afrodite
Foto: Luiz Rocha
A análise apontou que cerca de 12% da biodiversidade mundial de peixes recifais é formada por espécies endêmicas de ilhas. "Em alguns casos, ilhas distantes apresentam conexões genéticas mais fortes entre si do que com regiões continentais próximas - como ocorre com Santa Helena e Ascensão, no Atlântico Sul, e com Galápagos e Rapa Nui, no Pacífico -, desafiando ideias tradicionais sobre isolamento e dispersão de espécies", relatam os pesquisadores.
“Algumas espécies endêmicas de Fernando de Noronha, por exemplo, ocorrem também no Atol das Rocas ou na Ilha de São Pedro e São Paulo, e vice-versa. Mas são espécies que não colonizaram a região costeira. Portanto, como são ilhas que estão relativamente próximas, as espécies que ocorrem por lá são consideradas endêmicas pelo critério que propomos”, explica Pinheiro.

Arquipélago de São Pedro e São Paulo
Foto: Daniel Venturini
Distribuição limitada e ameaças de extinção
Por serem encontradas apenas em ilhas e arquipélagos, muitas vezes com distribuição geográfica limitada, muitas dessas espécies endêmicas são mais vulneráveis e correm maior risco de extinção. É o caso, por exemplo, da Azurina eupalama, peixe de Galápagos, que desapareceu na década de 80 após uma temporada com a presença de um El Niño bastante forte, cita Quimbayo. “Pequenas alterações em ilhas oceânicas podem causar grandes consequências para espécies que vivem somente ali. O desaparecimento de cada espécie pode gerar um efeito cascata, provocando desequilíbrio ecológico, especialmente em locais mais isolados, onde ocorrem um número reduzido de espécies em comparação à costa."

Choranthias salmopunctatus é um exemplo de espécies endêmicas exclusiva do Arquipélago de São Pedro e São Paulo
Foto: Luiz Rocha
No artigo, os pesquisadores ressaltam que, embora muitas áreas de proteção marinhas terem sido criadas ao redor de ilhas oceânicas em todo o mundo, muitas delas não protegem diretamente os recifes costeiros e as espécies endêmicas. Para eles, esse novo conceito de endemismo insular-provincial também deve ser incorporado pela ciência e levado em conta por políticas públicas quando forem traçadas novas estratégias de conservação.
“Dimensionar corretamente o tamanho e a vulnerabilidade das populações da fauna de um determinado ambiente é fundamental para as estratégias de proteção marinha. Se o conhecimento é limitado ou restrito, as políticas de conservação tendem a ser limitadas também. O endemismo é uma das características que devem ser consideradas para definir as áreas prioritárias para a conservação”, destaca o membro da RECN.

Cerca de 40% das espécies marinhas endêmicas insulares apresentam distribuição extremamente limitada, afirmam pesquisadores
Foto: Daniel Venturini
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*A pesquisa sobre o alto endemismo de peixes em ilhas e arquipélagos teve o apoio da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza
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Foto de abertura: Daniel Venturini (imagens aéreas ilhas) e Luiz Rocha (peixes)
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