sábado, 17 de maio de 2014

Da necessidade de estar “onde as coisas estão acontecendo”. Ou: Tudo pelas aparências!



Eu com "minha" McLaren em busca de holofotes
Eu com “minha” McLaren em busca de holofotes

Há tempos escuto falar do restaurante Prime 112 em Miami, bem no comecinho da movimentada Ocean Drive. Mas sempre que vinha aqui, desistia de ir lá conhecer a famosa boutique de carnes. O preço me assustava, confesso. Uma vez passei em frente e só vi Ferrari, Maserati e Bentley estacionados. Desta vez, porém, resolvi lutar contra meu lado mais “muquirana” (uma vez na vida, ora!) e fiz a reserva, com alguma antecedência, pois sabia que o lugar era concorrido. Só não estava preparado para aquilo

Ok, era uma sexta-feira. Mas nada explica o que eu vi ali dentro. Ou explica, como veremos adiante. Minha reserva estava marcada para às 22h, e cheguei em ponto. O local estava apinhado, completamente amontoado. Tinha gente pendurada no lustre, como diria Nelson Rodrigues. Para conseguir chegar até o rapaz da recepção, que cuidava das reservas (ou seja, o Deus todo-poderoso do lugar, bajulado por todos de forma constrangedora), tive de esperar uns 20 minutos, lutando para obter passagem, espremido entre alguns brutamontes.

Nenhuma carne pode ser tão boa assim. Esta poderia ser a primeira impressão de alguém mais desatento: a comida é tão espetacular, tão maravilhosa, tão inesquecível, que as pessoas estão dispostas a se estapear numa sexta-feira para obter o inestimável troféu, um bife de ancho ou um rib-eye inigualáveis. Eu não sou tão ingênuo. E sou leitor de Tom Wolfe…

O jornalista americano é mestre em dissecar esse tipo de fenômeno. Em Sangue nas Veias, que se passa justamente em Miami, ele retrata com perfeição o motivador psicológico desse tipo de gente, desesperada por estar “onde as coisas estão acontecendo”. Tal expressão é repetida diversas vezes no livro, pois talvez exprima com exatidão sua mensagem principal. Fala da carência, da insegurança, da extrema necessidade que alguns têm de se sentir amados, queridos e importantes.

Narcisismo. Vaidade. Somos todos vítimas em algum grau. E todos queremos nos sentir amados. No mais, quem não aprecia um lugar badalado, com gente jovem, bonita e exalando “felicidade”? Se tiver boa comida, então, melhor ainda. Longe de mim, condenar esse tipo de coisa. Deixo o discurso de asceta contra marcas, roupas de grife e consumismo para os “intelectuais” de esquerda, muitas vezes hipócritas que adoram seus iPhones ou suas bolsas da Louis Vitton, ou então invejosos que cospem no capitalismo porque outros têm mais.

Meu ponto é outro. Falo do evidente excesso. Nenhuma qualidade intrínseca de um restaurante justifica uma fila de horas, mesmo com reserva feita, numa sexta-feira. Não! Aquelas pessoas não estão lá pela comida, pelo ambiente agradável (agradável, ficar horas na fila?) ou pela qualidade do restaurante, e sim para ser vistas, para compartilhar do mesmo local das celebridades, para estar onde as coisas estão acontecendo. Tom Wolfe, brincando com o nome das celebridades, escreve sobre um de seus personagens:

Do outro lado do aposento, notou dois astros do cinema, Leon Decapito e Kanyu Reade. Sem dúvida alguma! Lean Decapito e Kanyu Reade… em carne e osso! Leon Decapito e Kanyu Reade… e eu… somos convidados no mesmo coquetel.

Essa sensação de ser um VIP, pois está na presença de celebridades, é um entorpecente e tanto. Quem não fica um pouquinho só mexido por estar perto de uma pessoa mundialmente famosa? Ser visto por outros perto de gente assim, curtindo o mesmo local, mostrando-se coolin, uma pessoa antenada na última moda, eis o desejo de muitos. Vale tudo pelas aparências…

Não vou negar que a vida exige um pouco de semblante, que genuinidade plena talvez nem seja algo possível. Se as pessoas conhecessem cada pensamento íntimo nosso, ninguém teria amigos ou esposas. Mas daí a transformar a vida toda num grande baile de máscaras, vai uma longa distância. E como deve ser cansativo!

A busca por prazeres genuínos é fundamental, em minha opinião. E tenho sérias dúvidas se aqueles bonecos e bonecas, todos arrumados em cada detalhe para expressar o quão “descolados” são, desfilando com seus carrões ou mini-saias e saltos-altos, estavam efetivamente felizes. Meu rápido estudo “antropológico” diz outra coisa. Ao observar aquela gente toda, com uma postura um tanto artificial, tive a impressão de que estava no museu Madame Toussaud.

Fui embora após minha breve “pesquisa de campo”, para um restaurante mais discreto, mais barato, e com ótima comida, onde as pessoas estavam mais preocupadas com suas próprias conversas em suas respectivas mesas do que com quem famoso chegou agora naquela outra Ferrari. Deixei para conhecer o famoso restaurante em outra ocasião, de preferência em uma segunda-feira mais mortinha…

Rodrigo Constantino

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