sábado, 17 de maio de 2014

Direitos de trabalhador para as prostitutas

Atividade é informal e não oferece qualquer garantia ao profissional. Há projetos para reverter situação
 
Renan Bortoletto
renan.bortoletto@jornaldebrasilia.com.br


Oferecer o corpo em troca de dinheiro nunca foi o sonho de uma adolescente. Os motivos para quem entra no mundo da prostituição são diversos, mas na maioria dos casos apresentam um fator em comum: a falta de oportunidades e o início de uma vida sexual precoce. No Distrito Federal, a “oferta” de profissionais do sexo é bastante variada e atende todos os gostos. Menores de idade, jovens entre 18 e 25 anos, mulheres mais experientes, e até   “prostitutas de luxo” com atendimento com hora marcada disputam o apetite masculino.

Por não ser considerado crime no Brasil, a prostituição tem sido cada vez mais comum nas esquinas e até mesmo em áreas nobres de Brasília. Atento à demanda crescente, políticos já se movem para que elas (e eles) ganhem o direito de desempenhar a profissão livremente. Projeto de Lei   4211/12, de autoria do deputado federal Jean Wyllys (PSOL-RJ), tramita na Câmara dos Deputados e prevê a regulamentação da atividade dos profissionais do sexo. Este não é o primeiro texto parlamentar que pede a regulamentação da profissão no País.

Aposentadoria

O deputado quer que estes profissionais tenham o direito à contribuição junto ao INSS e possam se aposentar pelo tempo de serviço. Cita que o reconhecimento do trabalho “é mais do que uma etapa, uma vitória contra a marginalização da profissão.”

“Regulamentar a profissão é permitir que elas tenham acesso à Justiça em casos de abusos, aos programas de saúde ao trabalhador, à dignidade, segurança e higiene e trabalhem em locais que sejam fiscalizados pelos órgãos de vigilância sanitária. Fiscalizar é também uma forma de combater o abuso sexual de crianças e adolescentes, o que não ocorre hoje”, rebateu o deputado.

Enquanto a regulamentação não é aprovada, as garotas de programa seguem trabalhando normalmente à espera de dias melhores. Sem perspectivas quanto ao futuro, as mulheres oferecem o corpo para garantir o sustento, por valores que partem, muitas vezes, de R$ 50.

O que diz o Código Penal 
 
A prostituição não é crime no Brasil, mas artigos preveem penalidades:
Art. 228 -  Induzir ou atrair alguém à prostituição, facilitá-la ou impedir que alguém a abandone:
Pena:  reclusão, de 2 a 5 anos.
§ 1º -  Se ocorre qualquer hipótese do § 1º do artigo anterior:
Pena:  reclusão, de 3 a 8 anos.
§ 2º -  Se o crime é cometido com violência, grave ameaça ou fraude:
Pena:  reclusão, de 4 a 10 anos, além da pena correspondente à violência.
§ 3º -  Se o crime é cometido
 com o fim de lucro, 
aplica-se multa.
 
Rufianismo 
 
Art. 230 -  Tirar proveito da prostituição, participando de seus lucros ou fazendo-se sustentar por quem a exerça:
Pena:  reclusão, de 1 a 4 anos, e multa.
§ 1º -  Se ocorre qualquer das hipóteses do § 1º do art. 227:
Pena:  reclusão, de 3 a 6 anos, além da multa.
§ 2º -  Se há violência ou ameaça:
Pena:  reclusão, de 2 a 8 anos, além da multa e sem 
prejuízo a pena correspondente
 à violência.
 
Doze anos oferecendo o corpo
 
No aguardo de um cliente na Praça do Relógio, em Taguatinga, Lúcia,   43 anos, aproveitou um evento beneficente de uma igreja para conversar com o pastor que pregava para meia dúzia de fiéis. Após ser ouvida e rezar, ela vai a uma barraca ao lado para comer e em seguida volta para a escadaria de um hotel. “Na verdade, fui até lá mais pela comida de graça, já que rezar numa situação dessas é um pouco de hipocrisia”, confessa. 
 
Ela diz que a competição com garotas mais jovens é difícil, mas lembra de quando entrou para esta vida, há 12 anos. “Já foi o meu tempo de pensar em algo mais para a vida. Não fiz faculdade, não tive a oportunidade de ser alguém melhor. Só restou me prostituir”, diz.
 
Por conta da opção, ela afirma que nunca pensou em se casar, mas se gaba de não depender de ninguém para nada. “Faço o que bem entender, não tenho ninguém mandando em mim. É assim que sigo a vida.”
 
Quando   questionada se gostaria de ter a profissão regulamentada e poder se aposentar, ela é taxativa: “Claro que sim, seria a chance de muita mulher trabalhar dignamente. Sou totalmente a favor”, reforça.
 
Preconceito precisa ser vencido
 
A procuradora do Ministério Público do Trabalho (MPT) Lysiane Chaves Mota, que também está à frente da Coordenadoria Nacional de Promoção de Igualdade de Oportunidades e Eliminação da Discriminação do Trabalho (Coordigualdade), ressalta que é necessário abrir mão de iniciativas conservadoras para acabar com a discriminação da profissão.
 
“Essa condição da não regulamentação dá uma sensação de desproteção, como se elas estivessem à mercê da sociedade. Somos totalmente contra a  prostituição de menores de 18 anos, mas a partir desta idade temos que ter o reconhecimento da classe e oferecer direitos como qualquer outro trabalho”, defendeu.
 
Para ela, existe uma batalha nos bastidores do assunto. “Nosso mercado de trabalho é muito discriminatório, ao passo que o Congresso Nacional é muito conservador. Isso não envolve só a questão das prostitutas, mas uma série de outras profissões que lutam para garantir seus direitos e benefícios perante a legislação”, emendou.
 
Aliciamento
 
Já a delegada-chefe da Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (Deam), Patrícia Bozolan, aponta que o grande desafio da polícia é acompanhar e desmistificar o trabalho de pessoas que aliciam menores e adultos.
 
“Essas pessoas estão cada vez mais se adequando à situação e tentando passar despercebidas pela polícia. Acredito que a resposta judicial para quem é pego cometendo este crime ainda é leve. Nós seguimos fazendo investigações e apurando denúncias das próprias prostitutas que são coagidas pelos cafetões. Mas o número de denúncias que recebemos, ou aquelas que têm a coragem de vir até a delegacia, ainda é muito pequeno”, admitiu, ao reforçar que o maior número de ocorrências  está ligado a prostitutas que não receberam pelo programa combinado com o cliente.
 
Patrícia afirmou que o esquema de prostituição sempre encontra um jeito de se renovar. “Sabemos que existem prostitutas que fecham um pacote com o dono de um hotel ou motel. Ela se prontifica a usar somente o local, o dono concede um desconto e também leva uma parte do que é arrecadado com o serviço. Isso pode ser enquadrado como crime, e o proprietário está sujeito às penalidades”, avisou.
 
Mais de dez programas por dia
 
Em Taguatinga Sul, próximo ao setor de motéis, garotas de programa e travestis andam seminus pelas ruas. Ali, os preços variam de R$ 60 a R$ 150, dependendo do tipo de serviço que o cliente quer. A rotatividade é grande, bem como as abordagens dos motoristas. Muitas delas chegam a fazer mais de dez programas na noite.
 
“Tem que aproveitar quando o dia está bom, fazer algo diferente para agradar o cliente e também um precinho bacana. Saio com solteiros, casais, homens casados... Você acaba criando uma agenda de clientes”, conta Luana. 
 
Para ela, a regulamentação da profissão seria uma vitória para as mulheres de programa. “É meu emprego, como é o de muitas que não têm outra coisa para fazer e ganhar a vida. Se regulamentasse, pelo menos estaríamos contribuindo e teríamos nossos direitos assegurados.”
 
A negociação do programa é rápida:   um carro encosta próximo às prostitutas e a pessoa pergunta pelo preço daquela que ele mais gostou. Se topar, eles seguem para um motel próximo (por conta do cliente) e fazem o programa por meia hora. “Se quiser ficar mais eu fico, mas aí cobro o dobro”, conta Luana.
 
 
 
Fonte: Da redação do Jornal de Brasília

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