sexta-feira, 18 de abril de 2014

O País no plano inclinado do autoritarimo ---BLOG A verdade sufocada

17/04/14 -


Por  Sérgio Paulo Muniz Costa* – Diário do Comércio 15/04/2014

 


Nas últimas semanas, consumou-se o linchamento midiático agendado para o 31 de março de 2014. O noticiário e a atitude acrítica da sociedade cristalizaram um veredicto sobre 1964. Satisfeitos, os operadores do pensamento já tratam de mudar o cenário, pois a opinião pública convencida da verdade única deve voltar a ser entretida com a novela dos escândalos, um grande sucesso de audiência protagonizado pelos insuperáveis canastrões da política brasileira. 

Entretanto, a encenação das últimas semanas, mais do que um logro ou um embuste, foi peça de curto enredo e de não muitos atores, com os elementos de uma comédia de costumes: uma farsa, por qualquer acepção da palavra. Seu grande sucesso não se deu nos aplausos dos néscios que costumam consumi-las, mas na sua aceitação pelo pensamento brasileiro.

A falsidade que devia ser tomada por um farsalhão, foi, na verdade, uma farsada, com farsistas, farsantes e farsantas em cena.

Nessa peça de um ato só, a esquerda revolucionária se apropriou de quase toda História do Brasil no século XX, uma conclusão da qual poucos discordarão, mas que pouquíssimos assumirão. Afinal, seria reconhecer, segundo os termos e pensamento orwellianos, o controle do passado, presente e futuro pelos atuais detentores do poder. E essa parece ser uma conclusão a que não nos é permitido chegar, enlevados que devemos continuar na ilusão de que vivemos numa democracia consolidada.

Nas últimas semanas assistimos a episódios que desmentem essa crença ingênua de que vivemos num Estado de Direito. Residências e associações são vandalizadas sob o olhar complacente da polícia, a justificativa da imprensa e o beneplácito de autoridades. Palavras de opositores são cassadas em plenário pela imoralidade e amoralidade que dominam nossa representação política. 

Espaços públicos destinados ao conhecimento são ocupados por milícias patrocinadas e apoiadas pelo governo para difundirem a não História.
Isso é democracia? Ou se trata da depredação pública e ostensiva dos fundamentos do Estado de Direito no Brasil?

Relativismo e fraqueza se instalam, à medida que escorregamos no plano inclinado do autoritarismo. Um ex-presidente vem a público pregar que as Forças Armadas peçam o perdão que ele não ousou exigir delas quando comandante supremo. Um senador da oposição pede, pateticamente, que o governo deixe a oposição cumprir o seu papel. Personalidades que há poucos anos se notabilizaram por sua oposição à politica governamental enxergam, agora, um quadro róseo do País.

Nas redações dos jornais e periódicos, sem a menor cerimônia, ideias contrárias à interpretação hegemônica do passado recente do País são marginalizadas ou estigmatizadas. Chefes se calam e, em datas emblemáticas, consentem o esvaziamento de sua autoridade e a desmoralização das instituições que representam. Todos alimentando a esperança de uma sobrevida que, no íntimo, sabem que lhes é tacitamente negada.

Com isso, a vitória alcançada há quarenta anos pelas Forças Armadas brasileiras nos campos, selvas e cidades contra um inimigo interno financiado, treinado e orientado por potências estrangeiras é anulada pela chantagem da tortura. Assim, a evolução política que o País alcançou nos últimos 50 anos é negada pela invenção da ditadura, uma esperteza da esquerda que construiu, e continua a construir, carreiras e fortunas.

Mas não é a primeira vez que o Brasil despreza os sacrifícios e as vitórias de seus militares. Mais uma vez, a política brasileira olvida a História, ignorando contextos e significados de acontecimentos cruciais para a evolução de nossa sociedade.

Há mais democracia hoje do que existia em 1995?

Durante esses vinte anos, desde a aplicação do conto do vigário da responsabilização do Estado até a presente perseguição ilegal de pessoas, passando pela desconstrução da atual República mediante a tentativa de ocultamento do mensalão, o lançamento do PNDH-3, as muitas afrontas às instituições e a proliferação das comissões da "verdade" temos mais transparência, participação e responsabilidade na administração da res publica? 

Enfrentando essas questões, poderíamos decifrar o enigma da presente farsa.

Mas isso parece estar num futuro distante.

Até lá, a única oposição ao que se passa no País haverá de ser moral, no recôndito das consciências individuais.


Sérgio Paulo Muniz Costa é historiador

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