quarta-feira, 30 de abril de 2014

Em defesa da liberdade de expressão



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Assinatura que deu origem à nova cátedra do Ibmec

Nesta terça-feira ocorreu o evento “Comunicação & Mercado no Brasil: Desafios e Oportunidades”, no Ibmec da Barra. O diretor do Ibmec, Fernando Schuler, fez a apresentação inicial e passou a palavra a Patrícia Blanco, presidente do Instituto Palavra Aberta. Houve a assinatura do termo de cooperação que criou a cátedra Ibmec Palavra Aberta de Liberdade de Expressão, uma iniciativa louvável que nasceu desta parceria em prol da luta constante pelo direito de se expressar em nosso país.

O professor Eugênio Bucci foi o primeiro palestrante, e defendeu de forma veemente que nenhum tipo de censura prévia pode existir quando se trata de expressão individual. O que devemos é fortalecer a responsabilidade de cada um ao usar tal direito, que não vem do estado – este deve apenas garanti-lo, ou seja, proteger aqueles que desejam se expressar. Caso haja alguma ofensa maior ou abuso, isso deve ser apurado somente depois.

Bucci lembrou que a imprensa, no Brasil, veio depois da censura. Ou seja, a Corte já trouxe a imprensa oficial quando havia um jornal circulando em Londres específico sobre o Brasil, e era proibido ou clandestino por aqui. Combater a censura prévia é tarefa fundamental em nosso país.

A palestrante seguinte foi a ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal, que lançou mão da literatura para tentar definir um conceito mais amplo de liberdade. Citou Cecília Meireles, Clarice Lispector e Guimarães Rosa, e resumiu a liberdade como um “sentimento”. Liberdade seria algo muito maior do que aquilo presente nas leis, e o papel do estado é justamente garantir tais leis, mas não a liberdade nesse lato senso.

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Ministra Cármen Lúcia, do STF

Para Cármen Lúcia, o conceito de justiça muda com o tempo, e as leis devem se adaptar a isso. Cada sociedade terá seus próprios valores, e isso precisa ser levado em conta. Só não ficou claro, para mim, quem teria esse papel, pois uma das coisas que mais temo é exatamente juízes, especialmente ministros do SFT, com uma inclinação mais ativista. O papel legislativo pertence ao Congresso e ao Senado, e o STF é o guardião da Constituição.
O segundo painel contou com palestras de Fábio Barbosa, presidente da Abril, Paulo Tonet Camargo, das Organizações Globo, e de Marcel Leonardi, diretor de Políticas Públicas da Google no Brasil. 

Barbosa destacou a importância do tripé indissociável formado pela liberdade de imprensa, a livre iniciativa e a democracia. O anunciante usa a comunicação e a publicidade para levar aos consumidores informação sobre seus produtos, e isso garante a independência jornalística dos veículos de imprensa, que por sua vez é necessária para manter a democracia.

Barbosa citou ainda duas frases usadas pela presidente Dilma (ao menos na retórica) que definem muito bem a importância da liberdade de imprensa: “O único controle que aceito é o remoto”, lembrando que cada um é livre para simplesmente mudar de canal, ou comprar outro jornal ou revista, caso não aprecie aquele conteúdo. E: “Prefiro os ruídos da imprensa livre ao silêncio ensurdecedor dos porões da ditadura”. Cacofonia, risco de excessos que serão julgados a posteriori, tudo isso é muito mais saudável do que censura prévia.

Outro ponto abordado por Barbosa e que deve ser levado em conta pelos liberais brasileiros é que a desigualdade material em si não é o problema, mas sim a ausência de condições mínimas de oportunidade para todos. Falar em meritocracia, algo de extrema importância, ignorando que falta saneamento básico e educação básica para milhões de brasileiros acaba soando incompleto. Garantir tais direitos aos mais pobres seria crucial para um modelo mais justo, segundo Barbosa.

Tonet colocou muita ênfase nos valores da sociedade, citando como exemplo de uma nação afundada em crise por falta de valores sólidos nossa vizinha Argentina. As pessoas precisam parar de delegar tanto ao estado, pois as mudanças começam por cada um de nós, e é a própria sociedade que precisa resolvê-los.

Tonet alertou ainda para a importância da pluralidade de ideias, para combater o pensamento único, maior ameaça às liberdades. Incluiu o politicamente correto na lista dessas ameaças, justamente por aderir a essa Verdade única que se torna intolerante. Lembrou que o problema não é parcialidade – muitos jornais nasceram de partidos políticos. O problema é tentar impedir o outro de emitir sua própria opinião, ou, como fizeram nas manifestações, impedir o trabalho de jornalistas na cobertura dos acontecimentos.

O povo precisa conviver com as diferenças, respeitar a opinião alheia de forma civilizada, ser mais tolerante, e participar mais do processo de mudanças. Tanto Tonet como Barbosa concordaram que essas mudanças em busca de um país melhor e mais livre devem ocorrer pelas vias institucionais, ou seja, preservando-se a democracia. Para Tonet, o desenvolvimento que queremos não é apenas crescimento econômico, e jamais devemos nos mirar no exemplo chinês. Queremos desenvolvimento econômico e social, preservando as nossas liberdades.

Fernando Schuler, Tonet, Patrícia, Fábio Barbosa e Marcel.
Fernando Schuler, Tonet, Patrícia, Fábio Barbosa e Marcel.

Marcel, da Google, lembrou que palavras bonitas em documentos oficiais não garantem a liberdade de fato, e que a primeira vez em que a expressão “dignidade da pessoa humana” apareceu no Brasil foi no AI-5 da ditadura. Outro ponto que levantou foi a mania brasileira de se ofender muito facilmente. Liberdade de expressão é reconhecer que teremos de conviver com ideias até ofensivas para nós, e à exceção de coisas realmente abjetas, a liberdade deve prevalecer.

Citou um exemplo sintomático do tipo de mentalidade que coloca em risco nossa liberdade de expressão: uma mulher que havia feito comercial para uma empresa no passado, e hoje era contratada pelo concorrente, e queria retirar da busca do Google toda referência ao seu passado na outra empresa.

Por fim, defendeu o Marco Civil da Internet como uma lei importante para preservar certas liberdades de comunicação, lembrando que as prerrogativas que existem de intervenção estatal imediata já eram contempladas pelas leis anteriores, e que o Marco apenas reconheceu isso para as novas plataformas. Mas elogiou principalmente a noção de que a plataforma não pode se responsabilizar por todo o conteúdo publicado pelos usuários, o que seria um impeditivo ao seu funcionamento adequado.

De forma geral, foi um ótimo evento, além de uma excelente iniciativa do Ibmec e do Instituto Palavra Aberta. Sabemos como é delicado preservar uma ampla liberdade de expressão e imprensa, especialmente em um país com pouca tradição e cultura da liberdade. A máxima atribuída a Voltaire não encontrou muito eco por aqui ainda: “Não concordo com uma palavra do que dizes, mas defenderei até a morte seu direito de dizê-las”.

Rodrigo Constantino

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