[EcoDebate] É crescente o número de pesquisadores que se dedicam ao estudo da contaminação química urbana. Uma consequência benéfica da divulgação de trabalhos científicos é o gradativo aumento da conscientização da população e também de legisladores e gestores municipais que estão percebendo da necessidade de se avaliar e monitorar o ambiente urbano.
Solos e poeiras urbanas são importantes indicadores de exposição humana aos metais traços no ambiente terrestre urbano. Ao contrário das áreas rurais e suburbanas, os solos, no ambiente urbano, ocupam áreas relativamente restritas. Eles são comumente encontrados ao longo das estradas e em áreas de lazer, tais como praças, parques infantis e jardins. As instalações públicas de lazer, como os parques, são um componente de integração da vida urbana, frequentemente visitados por crianças e idosos.
A ingestão de solo e poeira é uma via de exposição comum para crianças de produtos químicos presentes no ambiente. A criança pode, por exemplo, provocar esse contato com o solo através do movimento da mão para a boca ou ao comer alimentos que caíram no chão (Reis et al., 2014).
Produtos químicos tóxicos no ambiente pode causar deficiência do desenvolvimento neurológico, e o cérebro em desenvolvimento pode ser particularmente sensível a contaminantes ambientais (US EPA, 2009, in Reis et al. 2014). Por exemplo, elevados níveis de chumbo no sangue e exposição pré-natal a níveis relativamente baixos de Pb podem resultar em distúrbios comportamentais e reduções de função intelectual em crianças (Lanphear et al, 2005;. Landrigan et al., 2005). Em diversos estudos de casos, a ingestão de solo é considerada como uma provável fonte de exposição ao Pb em crianças que apresentam níveis elevados de Pb arterial (Johnson and Bretsch, 2002; Laidlaw and Filippelli, 2008; Morrison et al., 2012).
A dispersão e a distribuição de metais dependem do tamanho das partículas e das propriedades do material superficial. A suspensão para o ar de partículas finas representa uma grande preocupação da saúde, uma vez que elas podem ser facilmente inaladas e incorporadas ao pulmão humano (Luo et al., 2012). Contaminação de metais são especialmente pronunciadas próximo a rodovias que recebem contaminantes de descargas de veículos (Pb, Mn), desgastes de pneus (Zn, Cd), corrosão de chapas de metais soldadas (V, Ce, Ni, Cr) e a combustão de óleos lubrificantes ( Cd, Cu, V, Zn, Mo). Acrescenta-se a presença de elementos do grupo da platina, como Pd, Pt e Rh, associados com conversores catalíticos (Chambers et al., 2016).
Wong e Tam (1978) identificaram contaminações de Pb em solos e vegetais ao lado de estradas em Hong Kong. Li et al. (2001) conduziram uma extensiva pesquisa sobre qualidade de solo em Hong Kong, coletando 600 amostras de solo em profundidade entre 0 a 15 cm. Uma comparação das concentrações de Cu, Pb, Zn em solos nos parques urbanos e rurais indicou que os solos no ambiente urbano foram geralmente mais enriquecido do que aqueles que estão fora do perímetro urbano.
Li et al. (2004) desenvolveu uma sistemática amostragem de solo urbano na área fortemente urbanizada e povoada de Kowloon, com uma densidade populacional de 17.200 pessoas/km2. Esse estudo revelou uma forte associação entre o enriquecimento metais traços e os locais de cruzamentos de rodovias, estradas principais e edifícios industriais.
Para avaliar o impacto de elementos potencialmente nocivos no solo / poeira sobre a saúde das crianças, Reis et al. (2014) realizaram um levantamento urbano de Lisboa, amostrando solos e poeiras de jardins públicos, parques e pátios escolares. Os resultados mostram que frações significativas de Pb ocorrem em formas bioacessíveis, em solos e em poeiras e o risco associado é maior para a ingestão de poeira do que para a ingestão de solo em áreas recreativas da cidade de Lisboa.
Os exemplos citados acima e muitas outras pesquisas têm demonstrado que os solos urbanos podem influenciar diretamente a saúde da população, especialmente das crianças, através de poeira em suspensão ou ingestão direta do solo. Os estudos geoquímicos sobre os solos urbanos são importantes, portanto, para os urbanistas e gestores municipais criarem um racional uso da terra e um adequado planejamento urbano que valorizem a saúde e bem estar dos seus habitantes.
Referências Bibliográficas
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Laidlaw, M.A.S., Filippelli, G.M., 2008. Resuspension of urban soils as a persistent source of lead poisoning in children: a review and new directions. Appl. Geochem. 23, 2021–2039.
Landrigan, P.J., Sonawane, B., Butler, R.N., Transande, L., Callan, R., 2005. Early environmental origins of neurodegenerative disease in later life. Environ. Health Perspect. 113, 1230–1233.
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Morrison, D., Lin, Q., Wiehe, S., Liu, G., Rosenman, M., Fuller, T., Wang, J., Filippelli, G., 2012. Spatial relationships between lead sources and children’s blood lead levels in the urban center of Indianapolis (USA). Environ. Geochem. Health.
Reis, A.P.; Patinha, C.; Wragg, J.; Dias, A.C.; Sousa, A.J.; Batista, M.J.; Prazeres, C.; Costa, C.; Ferreira da Silva, E.; Rocha, F. 2014. Urban geochemistry of lead in gardens, playgrounds and schoolyards of Lisbon, Portugal: Assessing exposure and risk to human health. Applied Geochemistry 44 (2014) 45–53.
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Wong, M.H., Tam, F.Y., 1978. Lead contamination of soil and vegetables grown near motorways in Hong Kong. Journal of Environmental Science and Health, Part A e Environmental
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Carlos Augusto de Medeiros Filho, geoquímico, graduado na faculdade de geologia da UFRN e com mestrado na UFPA. Trabalha há mais de 30 anos em Pesquisa Mineral.
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 24/03/2017
"Praças, Parques e Geoquímica Urbana, artigo de Carlos Augusto de Medeiros Filho," in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 24/03/2017, https://www.ecodebate.com.br/2017/03/24/pracas-parques-e-geoquimica-urbana-artigo-de-carlos-augusto-de-medeiros-filho/.
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