Imagine que há 1% de chance de um meteoro cair na Terra e destruir o
mundo. O que você faz: tenta evitar a tragédia, mesmo o risco sendo
baixo, ou não faz nada e conta com os 99% de sorte? Uma equipe de
prestigiados pesquisadores brasileiros e internacionais, talvez cansados
de contar com a sorte da paralisia nos esforços contra o
aquecimento global, decidiu avaliar o risco do
cenário mais pessimista de
mudanças climáticas. A conclusão é que vale a pena agir para impedir mesmo as catástrofes mais improváveis.
O estudo foi liderado pelo climatologista do IPCC e presidente da Capes,
Carlos Nobre,
e conta com pesquisadores de órgãos como a Embrapa, Fiocruz e
Coppe-UFRJ. O trabalho segue a metodologia criada pelo cientista
representante do governo do Reino Unido, sir
David King,
já aplicada em países como Reino Unido, Índia e China. Em evento em
Brasília nesta segunda-feira (28), King explicou que a ideia é fazer com
o tema das mudanças climáticas uma
análise similar a que foi feita com o risco de um surto de
gripe aviária.
>> Primeiro semestre de 2015 foi o mais quente já registrado no mundo
O Reino Unido calculou o risco do vírus H5N1 sofrer uma mutação e
infectar humanos em 1% nos próximos dez anos - um risco pequeno. Porém,
os danos caso esse risco se concretize seriam enormes, podendo gerar
milhões de vítimas. Ao fazer esse balanço, o país decidiu investir em
uma vacina em vez de ficar esperando para saber se o vírus sofreria
mutação. Seguindo essa lógica, um dos
efeitos do aquecimento global, o aumento de mais de
10 metros do nível do mar,
tem poucas chances de acontecer neste século, mas o mero fato de essa
possibilidade existir seria o suficiente para os governos se mobilizarem
e impedir o
derretimento do gelo no Ártico.
>> Nível do mar pode subir até 6 metros com temperaturas atuais
No caso específico brasileiro, os pesquisadores analisaram quatro
áreas. Descobriram que, escondido no cenário mais pessimista, há
perdas enormes de lavoura,
apagões,
mortes por ondas de calor e
desaparecimento da rica fauna brasileira.
Os dados ainda são preliminares. O estudo ainda está em andamento, e
será divulgado oficialmente no ano que vem, mas já temos alguns
resultados.
Agricultura – O Brasil tem tecnologia, ou está
aprimorando, para conseguir adaptar suas principais lavouras para um
clima mais quente. Já há formas de produzir soja ou café, por exemplo,
com sementes resistentes ao calor. Mas isso tem um limite. "É possível
adaptar lavouras para um aquecimento de 2C. Passou disso, o risco é
muito grande", diz Eduardo Assad, pesquisador da Embrapa e um os autores
do estudo. Caso o mundo fique 4C mais quente, a probabilidade de danos
às culturas de arroz, milho e soja é muito alta. No cenário mais
pessismista, a produção agrícola brasileira entra em colapso.
Energia – O Brasil é muito dependente de
usinas hidrelétricas para a geração de eletricidade. Essas usinas dependem da quantidade e distribuição das
chuvas.
Os modelos climáticos mostram que, em um cenário de 4°C de aquecimento,
o Brasil poderá perder um quarto de seu potencial de geração de energia
hídrica.
Secas e apagões poderão se tornar frequentes.
Saúde humana – Ondas de calor como a
que recentemente matou milhares de pessoas na Índia podem se tornar
comum no Brasil. O ser humano tem um limite fisiológico do quanto ele
aguenta de calor. Pessoas devem evitar ficar expostas por muito tempo a
temperaturas acima de 35°C com muita umidade. No cenário mais grave,
qualquer um que não tiver ar condicionado estará em risco.
Biodiversidade – Para o país com uma das maiores biodiversidades do mundo, o Brasil tem muito a perder. A
Amazônia pode sofrer um processo de
savanização, e o
semiárido pode virar um
semideserto. O resultado é que calcula-se que
16% das espécies brasileiras seriam
extintas.
Como evitar os cenários mais extremos? Há estratégias de adaptação e
reflorestamento.
Mas para Nobre, só é possível resolver o problema
controlando a
emissão de gases de efeito estufa. "Se
não queremos correr esses riscos, precisamos pagar o seguro, e o seguro é
manter a concentração de gases de efeito estufa na atmosfera abaixo de
350 partes por milhão (ppm)." Tarefa difícil. A concentração atual está
em 400 ppm, e as propostas apresentadas pelos governos mundiais mostram
que essa trajetória dificilmente será mudada.
>> E se o El Niño deste ano for igual ao de 1997?
*O repórter viajou a Brasília a convite da Embaixada Britânica no Brasil.