O sistema financeiro está bancando a
destruição do planeta
Cristiane Mazzetti
e Syahrul Fitra
22 de novembro de
2023 • Leitura de 5 minutos • 0
Comentários
Compartilhado em WhatsappCompartilhado em FacebookCompartilhado em TwitterCompartilhe por Email
Para
combater as crises do clima e da biodiversidade, precisamos alterar os fluxos
financeiros mundiais: o dinheiro deve parar de ir para a destruição e começar a
financiar a regeneração
No Brasil, o avanço do agronegócio sobre ambientes naturais,
como o Cerrado e a Amazônia, segue forte graças ao fluxo financeiro que segue
injetando dinheiro nesse modelo de produção, sem que os riscos sejam seriamente
avaliados pelas instituições financeiras nesse processo. (© Marizilda Cruppe /
Greenpeace)
Já está mais do que
evidente que o mundo está enfrentando múltiplas crises no
que diz respeito ao clima e ao meio ambiente. Somos testemunhas diretas dessa
destruição e do sofrimento que ela causa em nossos respectivos países, Brasil e
Indonésia, dois países que abrigam ecossistemas vitais para o equilíbrio
ecológico do nosso planeta.
Acompanhamos com
preocupação, determinação e esperança os esforços internacionais – discussões
multilaterais – para proteger e restaurar a natureza. Como parte dos esforços
para enfrentar a crise da biodiversidade, quase 200 governos assinaram
o Marco
Global da Biodiversidade (GBF) em Dezembro de 2022, durante a 15a Convenção
de Biodiversidade Kunming-Montreal. Um dos objetivos deste acordo é manter,
melhorar e restaurar a integridade e resiliência dos ecossistemas.
Para que este
objetivo seja alcançado, precisamos parar imediatamente a destruição da
natureza e permitir a recuperação destes ecossistemas. Isto deve aplicar-se não
apenas a florestas tropicais como a Amazônia,
a Bacia
do Congo ou às florestas na Indonésia, mas também a outros
ecossistemas essenciais, como o Cerrado e
o Pantanal. Esta ação
produziria o maior impacto no menor tempo possível. Mas como fazer isso?
Uma
reforma drástica do sistema financeiro é urgente
Área desmatada e queimada já recebe gado em Porto Velho,
Rondônia. Atualmente, atividades como essa conseguem acessar financiamentos e
investimentos sem grandes impedimentos. (© Christian Braga / Greenpeace)
Os compromissos
para enfrentar as crises climáticas e de biodiversidade são diariamente minados
por um sistema
financeiro que prioriza o lucro de empresas poluidoras e de indústrias e
projetos que aceleram a degradação ambiental e a extinção de espécies.
Bilhões de reais continuam a ser investidos incessantemente em atividades
destrutivas.
Portanto, uma
reforma drástica do sistema financeiro é fundamental para enfrentar a perda
contínua de espécies e ecossistemas, e para diminuir as emissões de gases de
efeito estufa. Enquanto o dinheiro continuar a ser direcionado para a expansão
das atividades econômicas que levam à destruição da natureza, não seremos
capazes de cumprir nenhum dos compromissos assumidos com o nosso planeta
(Acordo de Paris e Marco Global da Biodiversidade).
No Marco Global da
Biodiversidade, os governos se comprometeram (meta 14) a garantir que todos os
fluxos financeiros estariam alinhados com os objetivos e metas de conservação
da biodiversidade antes de 2030. Isto significa que os governos precisam
controlar melhor os fluxos de dinheiro público e privado.
Os governos
precisam melhorar as regulações financeiras existentes e desenvolver novas
regras que proíbam os bancos e outras instituições
financeiras de direcionar recursos para atividades que prejudiquem a
biodiversidade no mundo. Isso deve ocorrer associado a processos mais
transparentes e um cumprimento rigoroso das regras, para impedir a destruição
da natureza e responsabilizar aqueles que não as cumprirem.
Trilhões
de dólares continuam a financiar a destruição de ecossistemas naturais
Ativistas do Greenpeace África realizaram um protesto para
demandar que companhias de seguros parem de apoiar a crise climática.
Petrolíferas querem perfurar a floresta tropical do Congo, destruindo
comunidades e biodiversidade. Nos banners lê-se “Não garanta a destruição da
floresta tropical” e “Pergunte-me por que não quero petróleo na floresta
tropical do Congo”. (Greenpeace)
Desde a seca
histórica na Amazônia até as chuvas torrenciais no Sul e outros eventos
extremos no resto do Brasil e no mundo, as crise climática e de biodiversidade
já estão impactando milhões de pessoas, mas os governos e o setor privado
gastam cerca de 3,1 bilhões de dólares
por ano em subsídios e investimentos em setores problemáticos e
prejudiciais ao meio ambiente, como a pecuária, a exploração de madeira e de
óleo de palma, levando à destruição da natureza e a violações dos direitos
humanos.
Precisamos de
regulações que proíbam bancos, gestoras de investimento, entidades de
previdência e outras instituições financeiras de financiarem e
investirem em fazendas, projetos e empresas que prejudicam os ecossistemas
e as comunidades locais que deles dependem. Povos
indígenas e ativistas ambientais continuam a ser atacados, apesar do
trabalho vital que realizam para proteger o planeta e combater a crise climática.
Coletivamente, os
gastos dos governos mundiais direcionados à conservação da biodiversidade são
estimados em apenas 154 mil milhões de dólares por
ano, enquanto as estimativas do total de subsídios e outros incentivos
perversos à economia da destruição são muito mais elevadas, como já mencionado.
O redirecionamento destes investimentos poderia gerar um financiamento
importante para as ações que o Marco da Biodiversidade reconhece como vitais
para a conservação da biodiversidade. Eles também poderiam garantir uma
transição justa em setores como a agricultura industrial e madeireira.
Enquanto os
governos preparam os seus planos para implementar os compromissos que assumiram
no Quadro Global de Biodiversidade de Kunming-Montreal, demandamos a adoção de
regras para o setor financeiro, controlar os fluxos financeiros e parar e
reverter a destruição dos ecossistemas.
Um
crescente movimento popular contra os governos e instituições que destroem a
natureza
Ativistas do Greenpeace Holanda e da organização Extinction
Rebellion bloquearam a entrada da sede do Rabobank, em protesto contra sua
devastadora política de financiamento do agronegócio, que vem levando a
destruição de ambientes naturais em varias partes do mundo. (© Marten van
Dijl / Greenpeace)
Há centenas de anos
os povos
originários e as comunidades tradicionais vem lutando por seus direitos e
contra a destruição da natureza. Nas últimas décadas, o movimento popular
internacional para defender os ecossistemas naturais vem se fortalecendo,
reunindo milhões de pessoas.
Em outubro,
centenas de ativistas ambientais bloquearam os escritórios do Rabobank na Holanda
e exigiram que o banco deixasse de financiar o agronegócio, e pagasse pelos
danos que já foram causados pelos seus investimentos.
O Rabobank, um banco
holandês, lucrou milhões financiando empresas que destroem a natureza ao
longo de muitos anos, não só no seu país de origem, mas também em outros
países, como o Brasil e Indonésia.
Recentemente, muitos outros bancos e
instituições financeiras que estão bancando a destruição do nosso planeta têm
sido alvo de relatórios e de ações em muitos países em todo o mundo,
incluindo JP Morgan, Barclays, Standard Chartered e Deutsche Bank.
É impossível
proteger e restaurar os ecossistemas naturais sem enfrentar um sistema
financeiro que viabiliza o desenvolvimento de atividades destrutivas e
poluidoras e se mantém impune. Os governos devem apresentar planos sérios e com
prazos para reformar o sistema financeiro. E para fazer esse enfrentamento e
transformar essa realidade será preciso muita pressão da sociedade
Cristiane
Mazzetti e Syahrul Fitra são campaigners no Greenpeace Brasil e Greenpeace
Indonésia respectivamente.