Mario Mantovani, da Fundação SOS Mata Atlântica
Publicado em janeiro 21, 2014 por
Redação
O geógrafo
Mario Mantovani trabalha há cerca de dez anos como uma espécie de “lobista da natureza” no Congresso Nacional.
Diretor de políticas públicas da
Fundação SOS Mata Atlântica,
ele tenta influenciar os projetos relacionados ao tema e coordena
informalmente a chamada Frente Parlamentar Ambientalista, fórum com
adesão de 187 dos atuais congressistas para debater assuntos da área em
reuniões semanais.
Militante da causa desde 1973, conhecido como um dos mais ativos ambientalistas do país,
Mantovani não parece medir palavras para expor suas opiniões.
A reportagem é de
Ricardo Mendonça, publicada pelo jornal
Folha de S. Paulo, 19-01-2014.
Diz, por exemplo, que a presidente
Dilma Rousseff faz o “pior governo da história” para o meio ambiente. Que a aliada
Marina Silva não deveria ter ido para o PSB. Ou que o melhor parceiro dos ambientalistas em Brasília é o deputado
Zequinha Sarney, filho do ex-presidente que ostenta alta rejeição fora do Maranhão.
Nesta entrevista ele discorre sobre alguns dos principais problemas
ambientais do país e conta que, a exemplo do que já fizeram os
fazendeiros, os ambientalistas também irão sentar com todos os
candidatos à presidência para listar suas reivindicações. O senador
Aécio Neves (PSDB-MG) foi o primeiro deles.
Eis a entrevista.
O ex-ministro Roberto Rodrigues (Agricultura) disse o assédio
dos candidatos à turma do agronegócio nunca foi tão forte e antecipado.
O que achou?
É verdade. Acho que o
Roberto tem toda a razão
quando fala do volume econômico. A situação do Brasil não é boa, a
indústria está ruim. Hoje, o que está bombando são as obras públicas,
Copa do Mundo
e esses eventos, e a indústria da construção. Mas é coisa que circula
aqui dentro, o Brasil não faz caixa. E o que a gente viu agora foi que
esse dinheiro do agronegócio realmente cresceu muito também. O Brasil
está cada vez melhor no agronegócio. E é muito bom isso. Onde está o
problema? É que isso é uma commodity. A decisão não é aqui. O valor da
commodity é decidido na Bolsa de Chicago, em Nova York. Eles já ficam
com o radar ligado, olhando o clima, tudo. E isso cria impacto para todo
lugar.
Mas e a política?
Quem está fazendo política em Brasília, como eu faço, vê que não é
assim. Esse setor [agrícola] é o que mais tem voto de cabresto ainda. É o
que vive especificamente de seus currais eleitorais. É o político de
Ribeirão Preto
que mantém lá todo um grupo ligado a ele, as cooperativas, tudo isso.
Esse pessoal sempre esteve ligado à política partidária. Mas antes era
cada feudo para o seu lado. Dessa vez o governo está vendo [o
agronegócio] como uma grande força. Vem da luta em torno das mudanças do
Código Florestal. Eles [os fazendeiros] se mostraram muito mais eficientes para fazer política do que se mostravam antigamente.
Como foi essa virada?
Os ruralistas acharam um governo que aceitou a chantagem. Até então,
essa chantagem se repetia: “Se vocês não fizerem tal coisa, não vai ter
comida”, diziam. “Se não fizerem isso, o Brasil vai ficar nos rincões”.
Mas o governo não entrava nisso. O governo dizia: “pare de encher o
saco, quem está bancando vocês sou eu.”
Com crédito?
Com crédito agrícola. Que nunca foi tão alto como agora. R$ 150 bilhões hoje.
E quando mudou?
Quando o governo precisou refazer essa base eleitoral. Nós tivemos
uma baita crise com a base, que foi o mensalão. Qual é o setor mais
suscetível e que mais precisa do governo para funcionar? É o setor
agrícola. Se não tiver o crédito, não vai para frente. Eles têm direito a
isso [ao crédito]. Só que no Brasil não funciona assim, com direitos.
Funciona com quem é mais próximo do poder, aí tem menos burocracia. Como
o mensalão quebrou as pernas do governo – repare que na base do
mensalão não tinha ninguém do meio agrícola, era tudo gente das regiões
metropolitanas –, o governo, para refazer a base, buscou os ruralistas.
Até então eles não tinham expressão nenhuma. A gente entrou com esses
caras em muitas brigas, inclusive sobre o
Código Florestal, e eles nunca levaram. Fizemos o
Mais Ambiente (programa de cadastro rural), a
Lei da Mata Atlântica, a
Lei dos Crimes Ambientais, a
Lei das Águas
e outras. Com alguns deles votando com a gente, inclusive. Mas com a
crise do mensalão, quando o governo buscou uma nova frente de apoio, aí
começaram as negociações. E aí eles descobriram que poderiam ir
avançando.
Dê um exemplo desse avanço. Como é na prática?
Ocorreu no
Código Florestal. Eu participei de cada
detalhe da tramitação. Então cada vez eles colocavam um bode na sala.
“Nós queremos que acabe com a função social da terra”. Não dava, o PT
não poderia trair assim. “Então exigimos meia função social da terra”,
diziam. Aí o PT foi fazendo, fazendo, cedendo. E teve o papel do
neocomunista
Aldo Rebelo (deputado do PC do B-SP), que
foi presidente da Câmara, sabia como funcionava a Casa. Eles já tinham
conquistado uma coisa que o governo comeu a maior bola, que foi uma
comissão especial para tratar do Código. Com isso, não passaria mais por
outras comissões. A Força da
CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil) era muito violenta também, a
CNA estava bancando todos os eventos do governo. Então eles avançaram muito.
As disputas não ficaram só sobre o Código, certo?
Eles perceberam a força que tinham no episódio do
Código.
E aí continuaram as pressões: “queremos mais dinheiro para o crédito”,
“queremos agora estrada para levar a produção”. Então, além de estarmos
bancando R$ 150 bilhões de crédito agrícola, você tem dinheiro do
governo hoje para fazer infraestrutura, para fazer mais cidades e até
algumas insanidades. Exemplo é o caso dos motoristas de caminhão que
tinham que descansar de duas em duas horas. Os caras derrubaram isso,
porque agora o caminhão de soja tem de sair de
Rondônia e bater em
Paranaguá
(PR) o mais rápido possível. E tem o dinheiro que começa a financiar
caminhão, também fora do crédito agrícola. Uma estrutura nova do Brasil.
Mas muito disso é legítimo, não? Qual é o grande problema?
A grande sacanagem é ver tudo isso avançando em cima de área pública.
E avançando numa frente na floresta. E conforme avança, uma área fica
para trás, vazia. Essa área fica para especulação.
Como isso ocorre?
Vamos pegar na
Mata Atlântica. Dos 90% que foram
abetos, só 40% tem alguma atividade econômica em cima. O resto é
especulação: região metropolitana, expansão das cidades. E muita área
abandonada. Qual é o jeito de abandonar? Põe pasto.
Quem conduz isso hoje?
Não são as mesmas oligarquias de antes, as velhas oligarquias. Isso
mudou. São as novas oligarquias do crédito. Tem os melhores, como o
próprio
Blairo [Maggi, produtor de soja e ex-governador
do Mato Grosso], que se diz ambientalista. Ele já desafiou os caras:
“eu cumpro a lei e faço mais”.
Mas é bravata ou é real?
É real. Ele está além da conta. Na reserva legal [parte preservada da
mata que toda fazenda precisa ter], ele está acima. E muitas empresas
acabaram fazendo isso. Também porque colocaram como ativo: “eu protejo”,
“eu sou o cara que mais protege”. Isso funciona como marketing.
E isso não racha o setor?
Ainda não. Mas vai rachar. E não é uma questão de estar ou não estar
do lado dos ambientalistas. É uma tendência, não tem jeito, não volta
mais.
Quais são as contas que vocês fazem?
É assim: Dos 860 milhões de quilômetros quadrados que tem o Brasil,
há 5,5 milhões de propriedades que dizem que são donas de 560 milhões de
hectares. Só que em 60 milhões de hectares é onde está a agricultura.
Dentro disso você tem uns 25 ou 30 milhões de soja, 10 de cana, 7 de
celulose e vai indo até a abobrinha. E tem 200 milhões de hectares para
pasto. Para 200 milhões de bois. Bom, então toda a atividade econômica
da agricultura está concentrada aqui: 260 milhões de hectares, somando a
plantação e o pasto. Já não é um bom negócio, pois nessa conta dá um
boi por hectare. Hoje, para ser uma pecuária boa, você precisa de três
bois por hectare. Mas a questão é outra. Se eles têm 560 milhões de
hectares e usam 260 milhões, onde está o resto? Cadê os 300 milhões de
hectares restantes?
Onde está?
Na mão de especulação. Terras devolutas, Unidades de Conservação,
Terras Indígenas. E tem outras coisas que eles não falam. Você tem 30
milhões de hectares para a soja. Se o cara de
Chicago
descobre que agora vai ter dois bois por hectare e, portanto, vai sobrar
100 milhões de hectares, isso não quer dizer que vai dobrar a produção
de soja. Porque se fizer isso, o preço cai. Esse número [30 milhões de
hectares para a soja] é contadinho, não vai crescer. As próprias
produtoras de semente param de vender. Não vão arriscar. Então, na
realidade estamos fazendo a conta mais imbecil. O Brasil fica falando de
“uma agricultura que vai produzir alimento para o mundo, nós queremos
expandir…” Não vai expandir. Está no limite. Celulose está no limite,
cana no limite, soja no limite. Só não está a abobrinha. E desses R$ 150
bilhões do crédito, não chegam R$ 15 bilhões para a agricultura
familiar. E mais uma coisa: 80% dos proprietários têm menos de 20% das
terras. E 20% têm 80% da terra. Então é essa desigualdade toda. E é essa
a bancada que partiu para a chantagem com o governo. E o governo
aceitou.
E o dinheiro?
Para ver como funciona eu fui agora lá no
Agrishow comprar equipamento. Em 2012, fui com o balão “
Veta Dilma”
[sobre o Código Florestal] e fizemos um barulho (risos). Agora eu fui
comprar. Apareci lá falando que estava precisando comprar colheitadeira
de cana, todo o equipamento, caçamba, tudo aquilo. Aí falei: “Como é que
assina esse financiamento aí? Minha propriedade tem todos os problemas
ambientais, como eu faço?”. Sabe qual foi a resposta? “Seus problemas
acabaram!” (risos). Disseram: “Você vai receber sua máquina em um ano,
vai pagar tanto, esquece o problema [ambiental],
Código Florestal…
E se você precisar de uma [picape] Amarok aí, para ir quebrando o
galho, pode pôr na mesma conta, vai receber na hora”. E assim era com
Toyota Hilux, tudo. Era uma grande farra do dinheiro. Eu fui de agroboy
lá, bota, aquele fivelão no cinto (risos). Os caras não perguntavam quem
eu era, nem nada. Tem CPF, faz negócio.
Difícil imaginar que o Brasil deixará de ser fornecedor de produto básico. O que deveria ser feito?
Nós não vamos mudar, deixar de ser um país de commodity. Vai
continuar assim, como já era desde 1500. O ciclo do ouro, o ciclo da
borracha, o ciclo do café, depois o da cana. Agora tem o da soja. A
nossa visão é que agregue nessa commodity a questão ambiental. Então se
você comprar uma tonelada de soja do Brasil, você estará levando
biodiversidade, porque tem corredor de biodiversidade formado pela
APP (Área de Preservação Permanente), tem reserva legal de 20%, está protegendo floresta, tudo isso.
Mas o chinês está preocupado com isso? Vai pagar?
Você tem um mercado maior que o chinês. Para ele tanto faz comprar da
Argentina ou o excedente dos
Estados Unidos.
E a tonelada de soja no Brasil pode custar a mesma coisa. A soja
brasileira tem de ser conhecida no mundo. Como foi com o café. O café do
Brasil era uma marca, todo mundo sabia que era o melhor por isso ou
aquilo. O Brasil precisa pôr uma marca no mundo dizendo “somos
produtores de alimento, o celeiro do mundo, mas o celeiro que protege a
natureza”. O que tem hoje? O que há é uma diplomacia reativa. Como é que
o Brasil não leva isso para uma conferência? Poderia dizer “olha o que
temos de reserva indígena, olha o que temos de parque”.
O que o Brasil fala?
O que a diplomacia fica falando? Fica dizendo assim: “O Brasil não
destrói índio”. É reativo, percebe? Poderia fazer assim: “Compre tudo o
que é feito no
Xingu que é para proteger o
Xingu.
Todos os proprietários lá fizeram a reserva legal e estão fazendo a
proteção dos rios com mata, tudo legal”. É isso que o Brasil tem. Como
eu achei que iria acontecer com o etanol, mas não aconteceu. A
Unica
(União da Indústria de Cana-de-Açúcar) fez um trabalho maravilhoso,
projetou, foi com escritório lá fora e tudo. O que aconteceu? Murchou.
Aqui dentro não teve suporte.
O ex-presidente Lula tratava como prioridade. Pelo menos no discurso, não?
O
Lula dava suporte, mas esse governo não deu. Esse
governo foi atrás do [petróleo da camada] pré-sal, fez uma aposta que
até agora não aconteceu e está aí hoje a conta para ser paga. O que fez a
celulose? Perguntaram: “O que é que tem no mundo aí que é bom? É o
FSC (Forest Stweardship Council), a certificação florestal? Hoje todo mundo é
FSC no Brasil. Falaram assim: “Tem alguma coisa mais para cima que FSC no mundo? Não? Então é isso, somos isso”.
As empresas mudaram?
Pegue a
Veracel [empresa de celulose], que foi minha
inimiga mortal 20 anos atrás, lá no sul da Bahia. Eu fui em audiência
lá em que o pessoal dizia “lincha”. Hoje a
Veracel tem 120 mil hectares protegidos e 90 mil plantados. É muito mais que o necessário. Eles têm o
FSC, que o melhor do mundo, e estão além da lei [na proteção]. Aí você pega
Parque Nacional Monte Pascoal,
Parque Nacional do Descobrimento e
Parque Nacional do Pau Brasil.
Esses três parques não somam 80 mil hectares. Estão abandonados, sem
gente. Por que uma empresa mantém 120 mil hectares, não pega fogo,
ninguém invade? São 120 mil de mata nativa, mata de primeiríssima
qualidade. E os parques do governo, na mesma região, estão cheios de
problemas. Por que o governo não consegue proteger? Aí está a prova. O
Estado é a coisa mais fácil de detonar. Estão lá os políticos fazendo
média, botando família para invadir, movimento de sem terra resolve
brigar com o governo e invade, índio resolve brigar e invade o parque. E
o governo não tem gente para cuidar.
Fale mais dessa história da Veracel.
Eles tinham fama de terem sido detonadores. Foram. Foi provado. A
SOS [Mata Atlântica]
pegou os caras lá, abrimos uma ação contra eles. Então o que eles
fizeram? “Bom, vamos mudar a imagem”. E o governo também teve um papel
nisso. Quem financiou? Quem é que falava para os caras que o
licenciamento era picareta? O
ACM (Antônio Carlos
Magalhães, ex-senador e ex-governador da Bahia) dizia assim: “Pode meter
o trabalho, vai, faz, aqui quem manda sou eu”. Os caras foram nessa, se
ferraram. Hoje é da
Votorantim.
Fibria, como chamam. É nota dez. Eu prefiro trabalhar com a
Fibria em qualquer circunstância. Tudo top. Na celulose, todos têm reserva legal, como exigem, todos têm
APP. E ajudam nós nas brigas. Tanto que não entraram no debate do
Código Florestal
com os ruralistas. Claro que não. Se entrar nisso, não certifica. E
quem dá o certificado não é o governo, é entidade internacional.
Disseram o seguinte para os parceiros deles: “Por que vocês não querem
fazer, se nós fizemos?” Aí o pessoal respondeu: “então vocês não entram
na briga [pela mudança do Código], porque nós vamos brigar”.
Depois de vários anos em queda, o desmatamento voltou a crescer. Qual é a explicação?
É a prova da má gestão. Eu estou há 35 anos em ONG. Não estou em
partido nenhum, nunca tive nenhum vínculo. O que eu vejo que aconteceu?
Eu digo: para o meio ambiente, este é o pior governo da história. Porque
o
Lula pelo menos incorporou, colocou a
Marina Silva [no ministério do Meio Ambiente], fez avanços. A
lei da Mata Atlântica, por exemplo, foi com o
Lula. A
Dilma
simplesmente passou o trator em cima de tudo. Não tinha o desmatamento
na Amazônia porque tinha o controle muito maior, toda a fiscalização.
Com o desmonte da
Dilma nesses anos, mudou. E a
projeção de desmatamento é muito maior daqui para a frente. Ela abriu
todos os controles. O desastre que a
Dilma causou vai ser uma coisa para os próximos 10, 20 anos.
Dê exemplos.
O orçamento do ministério. É o pior. Como é que você quer que o
ministério que faz licenciamento trabalhe se você não tem um técnico
para análise? Acabou com as
Unidades de Conservação, não fez mais nenhuma. A
PEC 215 (Proposta
de Emenda à Constituição que transfere a competência da União na
demarcação das terras indígenas para o Congresso), por exemplo, nasceu
dentro do governo. É um baita desgaste.
Belo Monte, do jeito que foi encaminhado, é uma bola dividida.
Mas era bom antes? Restrição orçamentária tem em todo lugar.
Sim, mas nunca chegou no nível que tem hoje. E nunca teve tanta
demanda como tem hoje. Desde a criação o ministério vinha crescendo,
vinha incorporando áreas, passa a cuidar de parques, cresce, faz o
Instituto Chico Mendes. O que a
Dilma fez foi o inverso. Ela acabou desmontando. Antes traziam recursos, fizeram o controle de satélite que não tinha. A
Dilma realmente desmontou. O setor que mais teve contingenciamento foi esse.
E a ministra (Izabella Teixeira)?
É uma técnica. Muito competente como técnica, mas não tem influência política. O
Zequinha [Sarney, ex-ministro] sabia negociar. Mesmo o [ex-ministro]
José Carlos Carvalho tinha algum suporte. A
Marina fazia uma baita representação. Ela peitava, ia para cima, tanto que peitou a própria
Dilma. O que vimos é que essa ministra [Izabella] ajudou a fechar a porta, foi botando panos quentes.
Vocês estiveram recentemente com o Aécio, né? Como foi a conversa?
Estivemos. Vamos marcar com o [Eduardo]
Campos e também com esse governo. A conversa foi muito boa. Falamos de todas essas dificuldades e outras coisas. O ativo que o
PSDB tem é grande. A legislação ambiental brasileira foi quase toda feita pelo [ex-presidente]
Fernando Henrique Cardoso, uns 90% foram feitos naquele governo. Dissemos. “Vocês vão rasgar tudo isso por causa desse momento?”
Como ele reagiu?
Reagiu com preocupação. E aí depois nós metralhamos. O governo de Minas Gerais é o campeão da devastação no caso da
Mata Atlântica. E por quatro anos seguidos.
O que ocorre por lá?
Carvão, a pior coisa do mundo. E o que é pior: com famílias trabalhando nos fornos. No
Jequitinhonha
[norte do Estado], que é um dos lugares mais pobres, para uso na
siderurgia. Eles usam a mata, transformam em carvão e colocam a família
trabalhando sem nenhum registro. É a coisa mais medieval que tem. O cara
fala que vai fazer um programa ambiental e vem de um Estado que está
liderando na devastação? Aí ele ficou preocupado, disse que iria ver o
que estava acontecendo. E não é só lá. O
Pará também é do PSDB. Também é problemático, com desmatamento.
E no Congresso, como está o meio ambiente hoje?
Em geral, dá para dizer que o meio ambiente vem tendo cada vez mais
adeptos. Esse ano que passou talvez não tanto na questão da
biodiversidade, mas na questão dos animais. Pet, essas coisas. Se você
pegar nas redes sociais, é um fenômeno. Tem mais pet shop no Brasil hoje
do que farmácia. Então tem mais gente ligada à questão de animais. O
pessoal do pet em
Brasília foi o que mais cresceu. É uma coisa impressionante.
A bancada do cão? (risos)
(risos). É a bancada do pet, acho. No nosso café da manhã semanal da
frente ambientalista é a turma que mais tem atividade. É o que mais tem
atraído gente.
Como é essa frente ambientalista? Um levantamento recente do
jornal “O Estado de S. Paulo” mostrou que muitos deputados aparecem na
frente, mas também são da bancada ruralista.
São quase 300 pessoas que já assinaram na frente ambientalista. E não
é uma frente ideológica. É uma frente de formação. Então se o
parlamentar não está comigo hoje na questão do
Código Florestal,
ele está na discussão sobre resíduos sólidos. Se o outro não está num
tema tal, pode estar na discussão sobre pagamento de serviços
ambientais. A questão é saber com quem você pode contar em cada questão.
Então temos os grupos de trabalho: o das águas, o dos serviços
ambientais, o dos animais, que é hoje o mais animado. E tem muitos no do
Código Florestal também, agora acompanhando a implementação.
Os ambientalistas fizeram campanha contra a mudança do Código
Florestal e perderam. Se era ruim, por que agora querem a implementação
rápida?
Mas tinha coisa boa nele. Nós queremos o
CAR (Cadastro Ambiental Rural). Isso vai mostrar quem é quem. Foi a coisa que a
CNA
foi mais contra. Olha, acho que só teve um momento em que a
concentração de terra foi mais desigual que hoje, só na época da
capitania hereditária. O maior problema ambiental brasileiro é
fundiário. Começa aqui mesmo, em
São Paulo, na [represa de]
Guarapiranga, em
Santo André, na [represa]
Billings.
Se você pegar aqui, na zona sul [de São Paulo], eu te garanto: 80% das
pessoas que moram lá não tem nem documento em cartório, o título. Uma
insanidade. O Brasil é completamente irregular. E 90% dessas ocupações
foram feitas por políticos. Você sabe, os políticos que fizeram a
ocupação em
Santo Amaro [bairro da zona sul] são os que mandam aqui em São Paulo hoje, junto com o [prefeito Fernando]
Haddad. O maior problema é o fundiário. Então vamos fazer cumprir o
Código naquilo que os ruralistas têm maior pavor, que é o controle.
Mas o que se sabe hoje?
Nada.
Como nada? Você sabe quem são os grandes. Você mesmo citou o Blairo Maggi, por exemplo.
Ah, você tem dois ou três. Mas não se sabe os grupos que estão atrás,
não sabemos o quem é quem nessas propriedades. E tem um monte de
laranja nisso. Então se você tiver o
CAR de todas as
propriedades, vai saber quem está aonde, como é que está a reserva
legal, os limites exatos da propriedade, tudo georreferenciado. Aí você
vai saber o tamanho desse Brasil. Como era antes? Tinha a lei que dizia
que tinha que tinha que ter
reserva legal, mas você não sabia onde nem como. Tinha a lei que dizia que tinha que ter
APP,
mas não se sabia onde nem como. Agora vamos saber. Quantos
proprietários foram beneficiados com a anistia ampla, geral e irrestrita
[para desmatamentos feitos antes de 2008] que colocaram no
Código?
Vamos saber. Quem são eles? Vamos saber. E esses desmatamentos
anistiados estão aonde? Vamos saber. Então são elementos para você
conhecer e depois entrar na Justiça.
Meio ambiente dá voto?
Nunca deu.
Não é um paradoxo? O tema nunca esteve tão na moda. O apelo
está por toda parte, virou marketing das grandes corporações, mesmo as
que poluem, está nos discursos de todos os partidos, na mídia, nas
escolas…
É, mas ainda não dá voto. O que dá voto? Vai para o cara que faz
asfalto, o que dá cesta básica. É o de sempre. A população ainda não tem
essa visão sobre meio ambiente. São temas universais. É como a
reciclagem: todo mundo é a favor, mas só 2% fazem. Ou saneamento. Todos
sabem que cano enterrado não dá voto. Hoje o cara diz “eu fiz um posto
de saúde, fiz o hospital regional”. Aí você pergunta quantos dos
internados nesse novo hospital são por doenças de origem hídrica. Dá
70%. Agora, se fizer um metro de cano, tira sete internações. Mas aí
ninguém vê. E é tudo muito recente. Muitos desses ruralistas têm razão
quando falam. Eles dizem: “30 anos atrás foi o governo que mandou
derrubar [a mata], mandou colonizar”. Na cidade também é recente. Trinta
anos atrás você não tinha uma lei de uso de solo como tem hoje. Agora
tem de ter recuo de frente, de lado, calçada, tudo. Não existia antes.
Essas coisas serão cada vez mais exigidas, pois estamos vendo que a
cidade fica inviável. Então é muito pouco tempo. Qual é a história do
Brasil? Depreda, depreda, depreda. A natureza era uma coisa a ser
conquistada, a ser incorporada, nunca teve custo. Esgotou a terra? Abre
outra, vai abrindo.
No meio político todo mundo se surpreendeu com a filiação da
Marina Silva no PSB após o fracasso da criação da Rede a tempo de
disputar em 2014. Entre os ambientalistas também houve surpresa?
Também. Eu não esperava. Eu esperava que ela seguisse firme com a história da
Rede e não se entusiasmasse com essa eleição de 2014, que é uma bola dividida. Agora, o que acho que deixou a
Marina
contrariada é que ocorreu uma baita sacanagem, né? Eles já tinham
conseguido as assinaturas [para criar o partido]. Você acha que o
Partido Ecológico Nacional conseguiu as assinaturas? O
Paulinho
[da Força, para criação do Solidariedade]? Então acho que foi uma
resposta dela a esse tipo de agressão. No meio, tem gente que gostou [da
filiação ao PSB] porque acha que tem de ocupar espaço político. Outros
não, como eu. E eu não acho que tem de ter um partido só de meio
ambiente. Muito melhor é ter o assunto permeado em todos, PMDB, PSDB,
PV, PSOL. O PT tinha um grupo muito bom, mas esvaziou. Mas eu não sei se
ela terá tanto ganho quanto teve quando concorreu sozinha.
Quem é melhor parlamentar para tratar de meio ambiente em Brasília hoje?
O
Zequinha (Sarney Filho, PV). É o cara mais nota
dez com quem eu já trabalhei. E vai se ferrar por causa disso, viu?
Porque a base eleitoral dele no
Maranhão é onde está o
agronegócio hoje. E os caras estão jogando pesado contra ele lá. Pesado
mesmo, detonando. Ele vai ter muito problema para se reeleger. O
Zequinha…
Fiz todas as campanhas contra o pai dele… E é uma coisa impressionante,
ele é o meu melhor parceiro lá em Brasília. Desde ministro. Antes até. É
o cara mais coerente de Brasília. Eu o conheci antes da Constituição.
Na Constituição ele nos apoiou, participou daquele primeiro grupo
pequeno, que diziam cabia numa Kombi (risos). E foi aquele grupo que
escreveu o capítulo do meio ambiente na Constituição. O cara teve uma
vida pautada nesse tema. É por isso que foi ministro, já tinha história.
E no Senado?
Tem gente boa. Você tem o senador de Brasília, o [Rodrigo]
Rollemberg (PSB-DF), ele é muito bom. E tinha lá o [Jorge]
Viana (PT-AC), né? Mas foi uma das maiores traições que a gente teve, um terror. [
Viana
foi um dos relatores das mudanças do Código Florestal e, na avaliação
dos ambientalistas, atuou em desacordo com os interesses do meio
ambiente]
Já acertaram as contas com ele?
Ah, não. Vai ser difícil. Foi terror. Eu mesmo nunca mais falei com
ele. E olha que eu converso com todo mundo. Ele traiu. Traiu a
Marina até.
E a senadora Kátia Abreu (PMDB-TO, presidente da CNA), que aparece como porta-voz dos fazendeiros?
Ela é a amiga da presidente, né? Aparecem de mãos dadas. A
Kátia
é aquela coisa… É o problema pessoal dela. É tudo complicado. Essa
mulher tem interesse particular, não é nem interesse corporativo. Eu
acho que a bola lá está dividida por lá. Acho que o
Roberto Rodrigues, por exemplo, tem uma visão totalmente diferente da dessa mulher. É possível conversar com o
Roberto.
Com ela, nem pensar, é impossível. E ela tem bala, tem 20 e tantos
assessores parlamentares, os melhores jornalistas estão com ela agora,
cada dia produzem uma nota. E ela está bem. Bancou o Brasil no
Fórum Mundial de Água. Ela tentou colocar aquela tese de que se o Brasil tem
APP então todos os países tinham que ter. Nós fomos lá e demos o “
Troféu Copo Vazio”
para ela (risos). Aí eles ficaram bravos, “quem banca esse estande
somos nós”. É desse jeito, é ridículo. Então ela está fazendo confronto,
não faz diálogo. Todos os posicionamentos dela são agredindo. Muito do
que foi o
Aldo Rebelo no fim. Aquela conversa “as ONG internacionais”, “os que querem impedir o Brasil”. Ora, eu não sou ONG internacional.
(
EcoDebate, 21/01/2014) publicado pela
IHU On-line, parceira estratégica do EcoDebate na socialização da informação.