Por Lúcia Chayb e René Capriles, da Revista Eco21 –
Edição 266
Há 30 anos, no dia 22 de Dezembro de 1988, Chico Mendes foi assassinado por ruralistas e desmatadores do Acre.
O disparo já silenciou há muito tempo, mas o morto vive, há muito
tempo. Do corpo enterrado nasceu uma nova floresta verde, obstinada em
germinar novas vozes mais fortes do que o chumbo das balas, mais duras
do que o destino, mais tenras do que as flores e mais vivas do que a
própria morte.
Trinta anos depois, o sangue das veias abertas da floresta continua
espirrando na região amazônica e além dela. No ano passado quase 60
ambientalistas foram mortos no Brasil e outros tantos nos países
vizinhos. E a devastação continua: em 2018, o desmatamento tanto da
Floresta Amazônica quanto a do Cerrado aumentou 40%, só no nosso país.
Até Julho do ano passado, a maior parte do desmatamento (62%) ocorreu em
áreas privadas; o restante foi registrado em assentamentos de Reforma
Agrária (19%), Unidades de Conservação (15%) e Terras Indígenas (4%).
Entre 2000 e 2017 o Brasil perdeu meio milhão de km2 de vegetação
nativa. Já na Venezuela, o Governo liberou quase 115 mil km2 para
exploração de minérios colocando em perigo não somente as comunidades
indígenas como a própria biodiversidade. A Bolívia, a Colômbia e o Peru
não ficaram atrás. Ao derrubarem a floresta nativa também destruíram o
hábitat da rica fauna e flora sul-americana. Basta mencionar a quase
extinção da emblemática arara-azul e a do maior felino da região: a
onça-pintada.
Com a perspectiva de um 2019 mais quente do que todos os anos
anteriores, a vida animal e vegetal sofrerá severas alterações. O
aquecimento das águas dos oceanos gerará tempestades e chuvas mais
intensas e destruirá os corais, que são o berço da vida marinha. Segundo
um recente relatório da NASA, a Antártida, entre 2009 e 2017, perdeu
cerca de 252 gigatoneladas de massa gelada por ano, o que significa 6
vezes mais do que nos anos anteriores. Como resultado, até o final do
século, o nível do mar pode subir em 30 cm. inundando Miami, Buenos
Aires e o Rio de Janeiro.
O maior problema do mundo, e da nossa região, hoje, é que há
governantes que negam a crise climática e a da biodiversidade inspirados
na demência de Trump. Por isso, para sobreviver, o melhor a fazer é
manter viva a floresta de Chico Mendes.
Gaia Viverá!
(#Envolverde)
terça-feira, 22 de janeiro de 2019
Governo liberou registros de agrotóxicos altamente tóxicos
Ana Maria 21/01/2019
Pedro Grigori, Agência Pública/Repórter Brasil –
Entre eles está o Sulfoxaflor, liberado nos últimos dias do ano passado, que já foi acusado de exterminar as abelhas nos EUA
Especialistas ouvidos pela reportagem apontam uma aceleração na permissão de novos registros, que estaria em “nível desenfreado”.
Pedro Grigori, Agência Pública/Repórter Brasil –
Entre eles está o Sulfoxaflor, liberado nos últimos dias do ano passado, que já foi acusado de exterminar as abelhas nos EUA
Quarenta novos produtos comerciais com agrotóxicos
receberam permissão para chegar ao mercado nos próximos dias. O
Ministério da Agricultura publicou no Diário Oficial da União de 10 de
janeiro o registro de 28 agrotóxicos e princípios ativos. Entre eles um
aditivo inédito, o Sulfoxaflor, que já causa polêmica nos Estados
Unidos. Os outros são velhos conhecidos do agricultor brasileiro, mas
que agora passam a ser produzidos por mais empresas e até utilizados em
novas culturas, entre elas a de alimentos.
Na edição desta sexta-feira (18/1) do Diário Oficial, a
Coordenação-Geral de Agrotóxicos e Afins do Ministério Agricultura
publicou lista com mais 131 pedidos de registro de agrotóxicos
solicitados nos últimos três meses de 2018. Eles ainda passarão por
avaliações técnicas de três órgãos do governo.
Especialistas ouvidos pela reportagem apontam uma aceleração na permissão de novos registros, que estaria em “nível desenfreado”.
As autorizações publicadas em 10 de janeiro foram aprovadas
no ano passado, ainda durante o governo de Michel Temer (MDB). Nas duas
primeiras semanas do governo Bolsonaro, mais 12 produtos receberam
registro para serem comercializados, segundo apuraram a Agência Pública e
a Repórter Brasil. A aprovação sairá no Diário Oficial nos próximos
dias, diz o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.
Dos 28 produtos já publicados, um é considerado
extremamente tóxico, o Metomil, ingrediente ativo usado em agrotóxicos
indicados para culturas como algodão, batata, soja, couve e milho. Além
dele, quatro foram classificados como altamente tóxicos. Quase todos são
perigosos para o meio ambiente, segundo a classificação oficial.
Quatorze são “muito perigosos” ao meio ambiente, e 12, considerados
“perigosos”.
Os mais tóxicos são o Metomil e o Imazetapir, o qual foi
emitido registro para quatro empresas. Eles são princípios ativos, ou
seja, ingredientes para a produção de agrotóxicos que serão vendidos aos
produtores rurais.
Apenas três fazem parte do grupo de baixa toxicidade, o
menor nível da classificação toxicológica: o Bio-Imune, Paclobutrazol
250 e o Excellence Mig-66, indicados para culturas de manga e até mesmo
para a agricultura orgânica.
Segundo o Ministério da Agricultura, os produtos não trazem
riscos se usados corretamente. “Desde que utilizado de acordo com as
recomendações da bula, dentro das boas práticas agrícolas e com o
equipamento de proteção individual, a utilização é completamente
segura”, afirmou a assessoria de imprensa do órgão.
Dos 28 produtos com o registro publicado na última semana,
18 são princípios ativos e serão usados na produção de outros defensivos
agrícolas. Vinte e um deles são fabricados na China, país que vem se
consolidando como um dos maiores produtores, exportadores e usuários de
agrotóxicos do mundo.
No ano passado, 450 agrotóxicos foram registrados no Brasil, um recorde histórico. Destes, apenas 52 são de baixa toxicidade.
Sulfoxaflor ligado ao extermínio de abelhas
Um produto polêmico fora do país é o Sulfoxaflor, aprovado
nos últimos dias do governo Temer, em 28 de dezembro, o único novo
químico entre os 40 que tiveram o registro publicado.
O responsável pelo registro é a Dow AgroSciences, que faz
parte da gigante americana Dow Chemical Company. O produto entrou em
circulação nos EUA em 2013. Dois anos depois, organizações defensoras de
polinizadores levaram ao Tribunal de Apelações de São Francisco a
denúncia de que o uso do pesticida estaria ligado ao extermínio de
abelhas. Eles solicitaram revisão da permissão de comercialização.
“O tribunal considerou que o registro não era apoiado por
evidências que demonstrassem que o produto não era prejudicial às
abelhas, e por isso retiraram o registro”, relata a decisão da Agência
de Proteção Ambiental Americana (EPA). Em setembro daquele ano, o
registro de todos os produtos à base de Sulfoxaflor nos Estados Unidos
foram cancelados devido ao potencial extermínio de abelhas.
No ano seguinte, a agência americana deferiu uma nova
licença para o produto, mas com ressalvas.
“O Sulfoxaflor terá agora
menos usos e requisitos adicionais que protegerão as abelhas. A EPA
tomou essa decisão após uma análise cuidadosa dos comentários do público
e do apoio científico”, informou a agência. A partir daí, o produto
passou a ser proibido para culturas de sementes e só pode ser utilizado
em plantações que atraem abelhas após a época do florescimento. Entre
elas estão uva, tomate, pimenta, batata, feijão e cranberry.
As avaliações da Anvisa e do Ibama classificaram o
Sulfoxaflor como medianamente tóxico e perigoso ao Meio Ambiente. É
usado como ativo para agrotóxicos eficazes contra pragas de insetos que
se alimentam de seiva da planta. Foi indicado para culturas de algodão,
soja, citros, nozes, uvas, batatas, legumes e morangos.
A Dow AgroSciences abriu a solicitação de registro em 28 de
junho de 2013, mas a aprovação do projeto só se apressou no fim de
2018. “A Anvisa convocou consulta pública para o produto no fim de
novembro, que durou curtíssimo tempo. Com isso, debateu-se pouco um
ativo que nos Estados Unidos chegou a ser proibido por um tempo”,
explica Karen Friedrich, membro do grupo temático de saúde e meio
ambiente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco).
A Anvisa abriu a consulta pública durante 30 dias em 23 de novembro de 2018. O deferimento do registro pelos três órgãos ocorreu 35 dias depois.
Proibidos fora do país
Dos 40 registros aprovados no Brasil, 11 não são permitidos
na União Europeia. Um deles é o Fipronil, inseticida que age nas
células nervosas dos insetos e, além de utilizado contra pragas em
culturas de maçã e girassol, é usado até mesmo em coleiras antipulgas de
animais domésticos. O produto é proibido em países europeus como a
França, desde 2004, também acusado de dizimar enxames de abelhas. É
permitido no Brasil e, segundo o registro publicado no Diário Oficial,
classificado como medianamente tóxico e muito perigoso ao meio ambiente.
Ele é legalizado e indicado para culturas de algodão, arroz, cevada,
feijão, milho, pastagens, soja e trigo.
A importância da preservação das abelhas é a relação direta
entre a vida dos insetos e da humanidade. Na busca por pólen, elas
polinizam plantações de frutas, legumes e grãos. “Na França, os apiários
registravam morte de cerca de 40% das abelhas, a partir daí países da
Europa começaram a proibir o Fipronil, que continua permitido no Brasil
mesmo após sofrermos impactos semelhantes”, explica Murilo Souza,
professor de recursos naturais do Cerrado na Universidade Estadual de
Goiás.
Produtos à base de Imazetapir, herbicida aplicado por
pulverização em culturas como a da soja, também são proibidos na União
Europeia desde 2004. Quatro deles tiveram registro deferido por aqui. O
Diquate, que está entre os ativos aprovados no Brasil na última semana,
teve registro cassado na União Europeia no fim de 2018 após comissão de
avaliação ter identificado alto risco para trabalhadores e residentes de
áreas próximas à aplicação do produto, além de risco para aves.
O Sulfentrazona foi banido em toda a União Europeia em 2009
e nunca chegou às mesas do continente. Já no Brasil, o registro foi
deferido no fim do ano para as empresas brasileiras Tradecorp, Rotam e
da Nortox – todas têm indústrias na China como endereço de fabricante. E
neste ano, mais três permissões, agora para as empresas brasileiras
Ihara, Allierbrasil e Helm.
Pressão para aprovar rápido
Antes de chegar ao mercado, a substância precisa passar por
avaliação do Ministério da Agricultura, Ibama e da Anvisa. Os órgãos
fazem diversos testes para medir, por exemplo, o grau toxicológico e o
potencial de periculosidade ambiental.
O prazo de avaliação de registro pode chegar a cinco anos,
mas vem se tornando mais rápido. De acordo com o Ibama, a diminuição dos
períodos de avaliação ocorre “devido ao aperfeiçoamento de
procedimentos e incorporação de novos recursos de tecnologia de
informação”, segundo a assessoria do órgão.
Já no Ministério da Agricultura, a aprovação mais rápida se
deve a uma nova política que prioriza os produtos de baixa toxicidade,
que contêm organismos biológicos, microbiológicos, bioquímicos,
semioquímicos ou extratos vegetais. Para estes, o tempo médio total
entre o pedido de registro e a conclusão do processo varia de três a
seis meses. O que explica a rápida aprovação do Bio-Imune e do
Excellence Mig-66.
O longo prazo de avaliação do registro é uma das principais
críticas dos ruralistas, que apostam no Projeto de Lei 6.299/2002 para
acelerar a liberação das substâncias. Conhecido pelos opositores como
“PL do Veneno”, uma das medidas previstas pelo texto é que, caso o
período de análise do químico passe de dois anos, o produto ganha o
registro automaticamente.
No momento, o Ministério da Agricultura, a Anvisa e o Ibama
estão avaliando o pedido de registro de mais 1.345 agrotóxicos e
ingredientes ativos. Grande parte das empresas que querem vender esses
produtos no Brasil é do exterior, como Estados Unidos, Alemanha e,
principalmente, a China.
Como “farmácias em cada quadra”
Dos 40 produtos autorizados, 39 são ingredientes ativos ou
pesticidas já permitidos no país. O pedido de registro de um produto
anteriormente liberado é comum, segundo quatro especialistas consultados
pela reportagem. “A partir do momento que as empresas produtoras
iniciais pedem a patente, as demais começam a solicitar registro para
usar esses ingredientes ativos e produzir novos produtos agrícolas”,
explica Murilo Souza, da Universidade Estadual de Goiás.
Para Leonardo Melgarejo, vice-presidente da regional sul da
Associação Brasileira de Agroecologia, a aprovação dos registros está
em ritmo “desenfreado”. “Temos aprovadas variações sobre o mesmo item.
Não precisamos de todos os produtos comerciais para uma mesma
finalidade. Estamos chegando perto do lance da ‘automedicação’, com duas
farmácias em cada quadra, todas vendendo variantes das mesmas drogas”,
afirma.
Para o professor Murilo Souza, é surpreendente a rapidez
com que as aprovações vêm ocorrendo. Ele critica também o fato de que
produtos originalmente aprovados para determinada cultura sejam
liberados para outras. “A maioria dos produtos são testados apenas em
plantações de grande escala, como soja, algodão e cana de açúcar. Poucas
pesquisas são feitas para entender os impactos nas culturas menores”,
explica.
*Esta reportagem faz parte do projeto Por Trás do
Alimento, uma parceria da Agência Pública e Repórter Brasil para
investigar o uso de Agrotóxicos no Brasil. A cobertura completa está no site do projeto.
(#Envolverde)
Até quando iremos silenciar as primaveras?, por Sucena Shkrada Resk
Até quando iremos silenciar as primaveras?, por Sucena Shkrada Resk
12/12/2012 10:20 Há cinco décadas, a bióloga marinha Rachel Carson (www.rachelcarson.org) desnudava por meio da literatura, um processo desencadeado no frenesi industrial da sociedade contemporânea, em que o uso excessivo de agrotóxicos (pesticidas) sintéticos, nos EUA, resultava na aniquilação de espécies de aves e peixes, consequentemente comprometendo a saúde humana. Ela rebatia principalmente o argumento de que o uso do agente químico Dicloro-difenil-tricloretano (DDT) utilizado à época era justificável pela necessidade de conter as pragas nos cultivos na agricultura. Assim nascia a obra “Primavera Silenciosa”, resultado de sua persistência, verdadeiro altruísmo, diante de um inimigo poderoso que eram as indústrias do setor e toda a retaguarda política que sustentavam suas práticas.
Quando me volto hoje, especialmente à realidade brasileira, vejo que o alerta que ela deu é tão atual e ganha contornos bem mais amplos, tendo em vista, que o país é o maior consumidor de agrotóxicos do planeta, há pelo menos, três anos consecutivos. Segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), enquanto, nos últimos dez anos, o mercado mundial de agrotóxicos cresceu 93%, o mercado nacional cresceu 190%.
Em 2008, o Brasil ultrapassou os EUA e assumiu o posto de maior mercado mundial desses produtos. O que é estarrecedor. Um terço dos alimentos consumidos diariamente, por nós, no Brasil, está contaminado pelos agrotóxicos, de acordo com a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) .
O Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos (PARA) da ANVISA demonstra que o consumo indevido dos produtos (em excesso dos registrados ou de não autorizados) leva à contaminação de vários alimentos. O relatório de atividades de 2010, publicado em dezembro de 2011, apresentou os resultados do monitoramento de 18 alimentos: abacaxi, alface, arroz, batata, beterraba, cebola, cenoura, couve, feijão, laranja, maçã, mamão, manga, morango, pepino, pimentão, repolho e tomate. Dessa lista, os índices mais graves foram apresentados em pimentões, morangos e pepinos.
Em tese, o que não deveria acontecer, é realidade cotidiana. O documento aponta que ocorreram 7.677 casos de intoxicação aguda (7,64% do total de casos de 2009) por agrotóxicos de uso agrícola, ou desviados ilegalmente para o uso como raticida domiciliar, registrados por 24 dos 36 Centros de Informação e Assistência Toxicológica brasileiros.
O que especialistas constatam é que o efeito cumulativo de todas essas substâncias tóxicas é uma porta para doenças crônicas endócrinas, imunológicas, neurológicas como também comprometem a fertilidade e resultam em cânceres.
Eu me pergunto quantas primaveras estamos silenciando aos poucos, em doses homeopáticas e letais, que nos silenciam das mais diferentes maneiras. Que cenários futuros estão sendo construídos? Pergunta incômoda, mas que precisa ser feita de forma incessante, pois a perspectiva é que não ouviremos mais os sons das aves e nem de nossas próprias vozes, se continuarmos nessa inoperância diante dos fatos.
Em agosto deste ano, o governo federal lançou a Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Pnapo) – lei nº 7.794. Cláudia Calório, diretora de Extrativismo da Secretaria de Extrativismo e Desenvolvimento Rural Sustentável do Ministério do Meio Ambiente, disse na ocasião, que “Com as ações esperamos reduzir o uso de agrotóxicos e aumentar os índices de conservação da agrobiodiversidade, além de tratar-se de mais um instrumento público que busca construir agenda sustentável para a sociedade brasileira" . Transformar essas diretrizes em realidade é que qualquer cidadão consciente ou inconscientemente deseja. Agora, quando a práxis ocorrerá é que ninguém consegue projetar.
Enquanto isso, as mobilizações ocorrem das mais diferentes formas. O documentário “O Veneno está na Mesa” (https://www.youtube.com/watch?v=8RVAgD44AGg), de Silvio Tendler, é uma das reações que ocorrem por meio das organizações sociais e marca seu espaço em redes sociais.
Décadas de alertas
E ao voltar à iniciativa de Rachel Carson, com “Primavera Silenciosa”, é preciso retornar um pouco mais na história e observar que foi gestada bem antes, desde 1945, quando a bióloga começava a questionar os testes feitos com o produto, em Maryland, nas proximidades de onde morava. Mas apesar das tentativas de publicar um artigo a respeito, houve resistência editorial, para que conseguisse expor o que ocorria à época.
No ano de 1958, mais um fato a revolta: ela se deparou com uma grande mortandade de pássaros, em Cape Cod, em Massassuchets, em decorrência do uso do DDT. Novamente, a tentativa de publicar a respeito foi em vão...Por meio de suas pesquisas, já havia comprovado que o produto havia provocado a morte de espécies importantes locais, como o falcão peregrino e a águia careca. Afinal, o produto era cancerígeno e comprometia a saúde humana.
Ela enfrentou a “artilharia pesada” do mercado, que tentava desqualificá-la como cientista, por sinal, uma das pioneiras também a tratar dos oceanos, com contribuições, como os títulos A Sea Around US (1952) e The Edge of the Sea (1955). Imagino como deve ter sido difícil para Rachel manter a resiliência. Dois anos depois da publicação, ela se calou para sempre, por causa de um câncer, mas a sua contribuição foi tão intensa, que até hoje, provoca respeito e o sentimento da necessidade de se provar que seu trabalho não foi em vão.
#Pulverizaçãoaérea: Sabemos realmente as externalidades negativas do ciclo do que comemos?
#Pulverizaçãoaérea: Sabemos realmente as externalidades
negativas do ciclo do que comemos?
03/04/2018 09:05
Por Sucena Shkrada Resk
O quadro de vulnerabilidade a que somos expostos com a
“insegurança” alimentar e ataque aos direitos humanos mais básicos é cada vez
maior no Brasil. Inúmeros casos de sobrevoos de pulverizações aéreas de
agrotóxicos são notificados pelo país, mas a maioria de nós, sequer sabe
quando, quem e o que recebeu a carga destes produtos químicos e seus efeitos,
em nome de combate a pragas a monocultivos ou a vetores de doenças. Afinal,
como delimitar na prática, o espaço aéreo e área em solo e corpos d`água e seres
vivos atingidos, que certamente vão muito além da região das “culturas”
previstas, que chegarão à nossa mesa? Estudos apontam que a distância pode ser
ampliada em mais de 30 km do ponto planejado (a chamada deriva). Sabemos,
então, realmente o que está por trás do ciclo do que comemos?
O país vai na contramão de outras nações nas Américas e na
Europa, que estão abolindo esta prática. Aqui, de acordo com especialistas,
somos submetidos ao ecossistema afetado, cujas externalidades negativas se
avolumam, incorporadas à saúde ambiental e causam efeitos de curto a longo
prazos, que afetam pontos-chave, como a polinização e a saúde humana. A
transparência à sociedade a respeito desta agenda é crucial, pois as
informações são esparsas, dispersas e não contemplam a população.
Um dos casos de maior repercussão no Brasil a este respeito
é o da ocorrência no dia 03 de maio de 2013, quando cerca de 100 alunos,
professores e funcionários da Escola Municipal Rural São José do Pontal, no
Projeto de Assentamento Pontal dos Buritis, em Rio Verde, GO, foram
intoxicados. O Ministério Público Federal (MPF/GO) entrou com uma ação civil
pública por danos morais coletivos e no último dia 14 de março (cinco anos
depois), saiu
uma sentença no Tribunal Regional Federal da Primeira Região, que vale a
pena ser lida, e ser objeto de reflexão. São vários ângulos a serem
considerados, que abrem jurisprudência para que a sociedade possa se defender.
Presenciar a ação dessas pequenas aeronaves dispersando os
elementos químicos é impossível de se esquecer. Até hoje me recordo nitidamente
quando, há alguns anos, estava em um taxi em uma estrada vicinal no Vale do
Ribeira, no estado de São Paulo, em direção a uma comunidade para fazer uma
reportagem e em um voo bem próximo, o pequeno avião passou e jogou o
agrotóxico, cujas gotículas ficaram impregnadas no vidro do veículo. A sensação
de impotência e desrespeito foi grande e o motorista disse, que essa situação
era algo recorrente. Fiquei imaginando como os povos tradicionais daquela
região se sentiam e não me enganei.
Por que priorizar este tema? Estima-se que 25% da aplicação
de uso de agrotóxicos no país ocorrem por essa via. Em algumas culturas, chega
a atingir 100%. Especialistas apontam a importância do princípio da precaução.
Quando se analisa a instrução normativa do Ministério da Agricultura, Pecuária
e Abastecimento (MAPA), de 2008, que estabelece a distância mínima de 500
metros para pulverizar próximo a cidades, vilas, bairros, de mananciais de
captação de água para abastecimento de população e 250 metros de mananciais de
água, moradias isoladas e agrupamentos de animais, a realidade aponta que não é
possível estabelecer essa precisão.
A corrida contra o descaso sobre esta agenda, no entanto, é
contínua e desafiadora, visto que a prática de pulverização aérea em locais de
monoculturas extensivas permanece em boa parte do país, baseada em legislações
vigentes desde 1969, como alternativas praticamente únicas para o combate às
“pragas”. Algumas decisões contrárias têm ocorrido em diferentes municípios que
estão criando leis para proibir a prática. Entre os mais recentes, estão Boa
Esperança, Nova Venécia e Vila Valério, no Espírito Santo; Quitandinha e Campo Magro,
no Paraná. No final de 2017, a Assembleia Legislativa do estado de Santa
Catarina também aprovou sua legislação a respeito.
No Senado, tramita o PLS
541/2015, do senador Antonio Carlos Valadares/PSB-SE, que “altera a Lei nº
7.802, de 11 de julho de 1989, para proibir o registro de agrotóxicos, seus
componentes e afins em cuja composição química estejam presentes os
ingredientes ativos que especifica, bem como veda a pulverização aérea de
agrotóxicos para toda e qualquer finalidade”, que se encontra na Comissão de
Assuntos Sociais. Na Câmara dos Deputados, estão em análise na Casa, as
propostas (PLs 740/03e 1014/15).
Pareceres e notas contrárias à pulverização aérea se
avolumam ao longo dos anos mas ainda requerem uma postura mais aprofundada das
autoridades a respeito, de forma contundente. Entre as organizações que são
contra estão o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional
(Conseas), a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco). Os próprios
Departamentos de Vigilância em Saúde de Populações Expostas a Contaminantes
Químicos; e de Saúde Ambiental e do Trabalhador, do Ministério da Saúde alertam
sobre este perigo. A Campanha
Permanente Contra o Uso de Agrotóxicos e pela Vida, criada em 2011, tem
esta pauta como uma de suas bandeiras.
Trabalhos acadêmicos se debruçam sobre esta questão, como o
artigo da pesquisadora Maria Leonor Paes Cavalcanti Ferreira – “A
Pulverização aérea de agrotóxicos no Brasil: cenário atual e desafios”,
publicada na Revista de Direito Sanitário, da Universidade de São Paulo (USP),
em 2014. Outros pesquisadores, como Larissa Mies Bombardi, do Departamento de
Geografia Agrária, da USP, que lançou recentemente o “Atlas
Geografia do Uso de Agrotóxicos no Brasil e Conexões com a União Europeia”,
e Antonio Wanderley Pignati, da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT)
estudam os impactos.
Entre os estudos, que Pignati desenvolve, está dos efeitos
da dispersão dos agrotóxicos via aérea, que atingiram a região da sub-bacia do
Juruena, entre Mato Grosso e Pará, e na região do Xingu, atingindo algumas
terras indígenas, como dos Marãiwatsédé, entre outras. Denúncia recente feita
pela Operação Amazônia Nativa (OPAN). O flagrante foi registrado.
O pesquisador Francco Antonio Neria de Souza e Lima, em sua
dissertação de mestrado “Saúde,
ambiente e contaminação hídrica por agrotóxicos na Terra Indígena
Marãiwatsédé”, de 2016, na UFMT, discorre sobre o tema. Povos indígenas, da
região de Dourados, no Mato Grosso do Sul, também sofrem esta pressão há anos,
que já foi objeto de liminar favorável a eles, em 2016, contra a pulverização
praticada por fazendeiros.
No outro lado, em defesa da prática da pulverização aérea,
estão setores do agronegócios e da aviação agrícola, como algumas pesquisas,
entre elas, esta de pesquisadora da Embrapa.
Enquanto isso, em um terreno distante dos gabinetes e arenas
do campo político, agricultores familiares e pequenos agricultores, indígenas
de diferentes povos, quilombolas têm sofrido pressões no “chão”, sobre suas
terras, como também o consumidor nas zonas urbanas. São personagens reais que
também se veem ameaçados em seu modo de vida de prática orgânica ou sem
agrotóxicos. Nós, da sociedade como um todo, nos vimos privados de uma
discussão mais ampla que deixe claro tudo que realmente está em jogo e que não
nos é exposto em rótulos de produtos ou em informações precisas contínuas a
respeito. E a pergunta se repete: realmente sabemos o que estamos comendo?
#Pulverizaçãoaérea: Sabemos realmente as externalidades negativas do ciclo do que comemos?
03/04/2018 09:05
Por Sucena Shkrada Resk
O quadro de vulnerabilidade a que somos expostos com a “insegurança” alimentar e ataque aos direitos humanos mais básicos é cada vez maior no Brasil. Inúmeros casos de sobrevoos de pulverizações aéreas de agrotóxicos são notificados pelo país, mas a maioria de nós, sequer sabe quando, quem e o que recebeu a carga destes produtos químicos e seus efeitos, em nome de combate a pragas a monocultivos ou a vetores de doenças. Afinal, como delimitar na prática, o espaço aéreo e área em solo e corpos d`água e seres vivos atingidos, que certamente vão muito além da região das “culturas” previstas, que chegarão à nossa mesa? Estudos apontam que a distância pode ser ampliada em mais de 30 km do ponto planejado (a chamada deriva). Sabemos, então, realmente o que está por trás do ciclo do que comemos?
O país vai na contramão de outras nações nas Américas e na Europa, que estão abolindo esta prática. Aqui, de acordo com especialistas, somos submetidos ao ecossistema afetado, cujas externalidades negativas se avolumam, incorporadas à saúde ambiental e causam efeitos de curto a longo prazos, que afetam pontos-chave, como a polinização e a saúde humana. A transparência à sociedade a respeito desta agenda é crucial, pois as informações são esparsas, dispersas e não contemplam a população.
Um dos casos de maior repercussão no Brasil a este respeito é o da ocorrência no dia 03 de maio de 2013, quando cerca de 100 alunos, professores e funcionários da Escola Municipal Rural São José do Pontal, no Projeto de Assentamento Pontal dos Buritis, em Rio Verde, GO, foram intoxicados. O Ministério Público Federal (MPF/GO) entrou com uma ação civil pública por danos morais coletivos e no último dia 14 de março (cinco anos depois), saiu uma sentença no Tribunal Regional Federal da Primeira Região, que vale a pena ser lida, e ser objeto de reflexão. São vários ângulos a serem considerados, que abrem jurisprudência para que a sociedade possa se defender.
Presenciar a ação dessas pequenas aeronaves dispersando os elementos químicos é impossível de se esquecer. Até hoje me recordo nitidamente quando, há alguns anos, estava em um taxi em uma estrada vicinal no Vale do Ribeira, no estado de São Paulo, em direção a uma comunidade para fazer uma reportagem e em um voo bem próximo, o pequeno avião passou e jogou o agrotóxico, cujas gotículas ficaram impregnadas no vidro do veículo. A sensação de impotência e desrespeito foi grande e o motorista disse, que essa situação era algo recorrente. Fiquei imaginando como os povos tradicionais daquela região se sentiam e não me enganei.
Por que priorizar este tema? Estima-se que 25% da aplicação de uso de agrotóxicos no país ocorrem por essa via. Em algumas culturas, chega a atingir 100%. Especialistas apontam a importância do princípio da precaução. Quando se analisa a instrução normativa do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), de 2008, que estabelece a distância mínima de 500 metros para pulverizar próximo a cidades, vilas, bairros, de mananciais de captação de água para abastecimento de população e 250 metros de mananciais de água, moradias isoladas e agrupamentos de animais, a realidade aponta que não é possível estabelecer essa precisão.
A corrida contra o descaso sobre esta agenda, no entanto, é contínua e desafiadora, visto que a prática de pulverização aérea em locais de monoculturas extensivas permanece em boa parte do país, baseada em legislações vigentes desde 1969, como alternativas praticamente únicas para o combate às “pragas”. Algumas decisões contrárias têm ocorrido em diferentes municípios que estão criando leis para proibir a prática. Entre os mais recentes, estão Boa Esperança, Nova Venécia e Vila Valério, no Espírito Santo; Quitandinha e Campo Magro, no Paraná. No final de 2017, a Assembleia Legislativa do estado de Santa Catarina também aprovou sua legislação a respeito.
No Senado, tramita o PLS 541/2015, do senador Antonio Carlos Valadares/PSB-SE, que “altera a Lei nº 7.802, de 11 de julho de 1989, para proibir o registro de agrotóxicos, seus componentes e afins em cuja composição química estejam presentes os ingredientes ativos que especifica, bem como veda a pulverização aérea de agrotóxicos para toda e qualquer finalidade”, que se encontra na Comissão de Assuntos Sociais. Na Câmara dos Deputados, estão em análise na Casa, as propostas (PLs 740/03e 1014/15).
Pareceres e notas contrárias à pulverização aérea se avolumam ao longo dos anos mas ainda requerem uma postura mais aprofundada das autoridades a respeito, de forma contundente. Entre as organizações que são contra estão o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Conseas), a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco). Os próprios Departamentos de Vigilância em Saúde de Populações Expostas a Contaminantes Químicos; e de Saúde Ambiental e do Trabalhador, do Ministério da Saúde alertam sobre este perigo. A Campanha Permanente Contra o Uso de Agrotóxicos e pela Vida, criada em 2011, tem esta pauta como uma de suas bandeiras.
Trabalhos acadêmicos se debruçam sobre esta questão, como o artigo da pesquisadora Maria Leonor Paes Cavalcanti Ferreira – “A Pulverização aérea de agrotóxicos no Brasil: cenário atual e desafios”, publicada na Revista de Direito Sanitário, da Universidade de São Paulo (USP), em 2014. Outros pesquisadores, como Larissa Mies Bombardi, do Departamento de Geografia Agrária, da USP, que lançou recentemente o “Atlas Geografia do Uso de Agrotóxicos no Brasil e Conexões com a União Europeia”, e Antonio Wanderley Pignati, da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT) estudam os impactos.
Entre os estudos, que Pignati desenvolve, está dos efeitos da dispersão dos agrotóxicos via aérea, que atingiram a região da sub-bacia do Juruena, entre Mato Grosso e Pará, e na região do Xingu, atingindo algumas terras indígenas, como dos Marãiwatsédé, entre outras. Denúncia recente feita pela Operação Amazônia Nativa (OPAN). O flagrante foi registrado.
O pesquisador Francco Antonio Neria de Souza e Lima, em sua dissertação de mestrado “Saúde, ambiente e contaminação hídrica por agrotóxicos na Terra Indígena Marãiwatsédé”, de 2016, na UFMT, discorre sobre o tema. Povos indígenas, da região de Dourados, no Mato Grosso do Sul, também sofrem esta pressão há anos, que já foi objeto de liminar favorável a eles, em 2016, contra a pulverização praticada por fazendeiros.
No outro lado, em defesa da prática da pulverização aérea, estão setores do agronegócios e da aviação agrícola, como algumas pesquisas, entre elas, esta de pesquisadora da Embrapa.
Enquanto isso, em um terreno distante dos gabinetes e arenas do campo político, agricultores familiares e pequenos agricultores, indígenas de diferentes povos, quilombolas têm sofrido pressões no “chão”, sobre suas terras, como também o consumidor nas zonas urbanas. São personagens reais que também se veem ameaçados em seu modo de vida de prática orgânica ou sem agrotóxicos. Nós, da sociedade como um todo, nos vimos privados de uma discussão mais ampla que deixe claro tudo que realmente está em jogo e que não nos é exposto em rótulos de produtos ou em informações precisas contínuas a respeito. E a pergunta se repete: realmente sabemos o que estamos comendo?
O quadro de vulnerabilidade a que somos expostos com a “insegurança” alimentar e ataque aos direitos humanos mais básicos é cada vez maior no Brasil. Inúmeros casos de sobrevoos de pulverizações aéreas de agrotóxicos são notificados pelo país, mas a maioria de nós, sequer sabe quando, quem e o que recebeu a carga destes produtos químicos e seus efeitos, em nome de combate a pragas a monocultivos ou a vetores de doenças. Afinal, como delimitar na prática, o espaço aéreo e área em solo e corpos d`água e seres vivos atingidos, que certamente vão muito além da região das “culturas” previstas, que chegarão à nossa mesa? Estudos apontam que a distância pode ser ampliada em mais de 30 km do ponto planejado (a chamada deriva). Sabemos, então, realmente o que está por trás do ciclo do que comemos?
O país vai na contramão de outras nações nas Américas e na Europa, que estão abolindo esta prática. Aqui, de acordo com especialistas, somos submetidos ao ecossistema afetado, cujas externalidades negativas se avolumam, incorporadas à saúde ambiental e causam efeitos de curto a longo prazos, que afetam pontos-chave, como a polinização e a saúde humana. A transparência à sociedade a respeito desta agenda é crucial, pois as informações são esparsas, dispersas e não contemplam a população.
Um dos casos de maior repercussão no Brasil a este respeito é o da ocorrência no dia 03 de maio de 2013, quando cerca de 100 alunos, professores e funcionários da Escola Municipal Rural São José do Pontal, no Projeto de Assentamento Pontal dos Buritis, em Rio Verde, GO, foram intoxicados. O Ministério Público Federal (MPF/GO) entrou com uma ação civil pública por danos morais coletivos e no último dia 14 de março (cinco anos depois), saiu uma sentença no Tribunal Regional Federal da Primeira Região, que vale a pena ser lida, e ser objeto de reflexão. São vários ângulos a serem considerados, que abrem jurisprudência para que a sociedade possa se defender.
Presenciar a ação dessas pequenas aeronaves dispersando os elementos químicos é impossível de se esquecer. Até hoje me recordo nitidamente quando, há alguns anos, estava em um taxi em uma estrada vicinal no Vale do Ribeira, no estado de São Paulo, em direção a uma comunidade para fazer uma reportagem e em um voo bem próximo, o pequeno avião passou e jogou o agrotóxico, cujas gotículas ficaram impregnadas no vidro do veículo. A sensação de impotência e desrespeito foi grande e o motorista disse, que essa situação era algo recorrente. Fiquei imaginando como os povos tradicionais daquela região se sentiam e não me enganei.
Por que priorizar este tema? Estima-se que 25% da aplicação de uso de agrotóxicos no país ocorrem por essa via. Em algumas culturas, chega a atingir 100%. Especialistas apontam a importância do princípio da precaução. Quando se analisa a instrução normativa do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), de 2008, que estabelece a distância mínima de 500 metros para pulverizar próximo a cidades, vilas, bairros, de mananciais de captação de água para abastecimento de população e 250 metros de mananciais de água, moradias isoladas e agrupamentos de animais, a realidade aponta que não é possível estabelecer essa precisão.
A corrida contra o descaso sobre esta agenda, no entanto, é contínua e desafiadora, visto que a prática de pulverização aérea em locais de monoculturas extensivas permanece em boa parte do país, baseada em legislações vigentes desde 1969, como alternativas praticamente únicas para o combate às “pragas”. Algumas decisões contrárias têm ocorrido em diferentes municípios que estão criando leis para proibir a prática. Entre os mais recentes, estão Boa Esperança, Nova Venécia e Vila Valério, no Espírito Santo; Quitandinha e Campo Magro, no Paraná. No final de 2017, a Assembleia Legislativa do estado de Santa Catarina também aprovou sua legislação a respeito.
No Senado, tramita o PLS 541/2015, do senador Antonio Carlos Valadares/PSB-SE, que “altera a Lei nº 7.802, de 11 de julho de 1989, para proibir o registro de agrotóxicos, seus componentes e afins em cuja composição química estejam presentes os ingredientes ativos que especifica, bem como veda a pulverização aérea de agrotóxicos para toda e qualquer finalidade”, que se encontra na Comissão de Assuntos Sociais. Na Câmara dos Deputados, estão em análise na Casa, as propostas (PLs 740/03e 1014/15).
Pareceres e notas contrárias à pulverização aérea se avolumam ao longo dos anos mas ainda requerem uma postura mais aprofundada das autoridades a respeito, de forma contundente. Entre as organizações que são contra estão o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Conseas), a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco). Os próprios Departamentos de Vigilância em Saúde de Populações Expostas a Contaminantes Químicos; e de Saúde Ambiental e do Trabalhador, do Ministério da Saúde alertam sobre este perigo. A Campanha Permanente Contra o Uso de Agrotóxicos e pela Vida, criada em 2011, tem esta pauta como uma de suas bandeiras.
Trabalhos acadêmicos se debruçam sobre esta questão, como o artigo da pesquisadora Maria Leonor Paes Cavalcanti Ferreira – “A Pulverização aérea de agrotóxicos no Brasil: cenário atual e desafios”, publicada na Revista de Direito Sanitário, da Universidade de São Paulo (USP), em 2014. Outros pesquisadores, como Larissa Mies Bombardi, do Departamento de Geografia Agrária, da USP, que lançou recentemente o “Atlas Geografia do Uso de Agrotóxicos no Brasil e Conexões com a União Europeia”, e Antonio Wanderley Pignati, da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT) estudam os impactos.
Entre os estudos, que Pignati desenvolve, está dos efeitos da dispersão dos agrotóxicos via aérea, que atingiram a região da sub-bacia do Juruena, entre Mato Grosso e Pará, e na região do Xingu, atingindo algumas terras indígenas, como dos Marãiwatsédé, entre outras. Denúncia recente feita pela Operação Amazônia Nativa (OPAN). O flagrante foi registrado.
O pesquisador Francco Antonio Neria de Souza e Lima, em sua dissertação de mestrado “Saúde, ambiente e contaminação hídrica por agrotóxicos na Terra Indígena Marãiwatsédé”, de 2016, na UFMT, discorre sobre o tema. Povos indígenas, da região de Dourados, no Mato Grosso do Sul, também sofrem esta pressão há anos, que já foi objeto de liminar favorável a eles, em 2016, contra a pulverização praticada por fazendeiros.
No outro lado, em defesa da prática da pulverização aérea, estão setores do agronegócios e da aviação agrícola, como algumas pesquisas, entre elas, esta de pesquisadora da Embrapa.
Enquanto isso, em um terreno distante dos gabinetes e arenas do campo político, agricultores familiares e pequenos agricultores, indígenas de diferentes povos, quilombolas têm sofrido pressões no “chão”, sobre suas terras, como também o consumidor nas zonas urbanas. São personagens reais que também se veem ameaçados em seu modo de vida de prática orgânica ou sem agrotóxicos. Nós, da sociedade como um todo, nos vimos privados de uma discussão mais ampla que deixe claro tudo que realmente está em jogo e que não nos é exposto em rótulos de produtos ou em informações precisas contínuas a respeito. E a pergunta se repete: realmente sabemos o que estamos comendo?
Leia mais: https://cidadaosdomundo.webnode.com/news/pulverizacaoaerea-sabemos-realmente-as-externalidades-negativas-do-ciclo-do-que-comemos/
Folha de S. Paulo – Ministério do Meio Ambiente quer punir fiscais que apliquem multas consideradas inconsistentes
Autos de infração depois derrubados são alvo; agentes falam em intimidação e fragilização da fiscalização
Bruno Boghossian
BRASÍLIA
O Ministério do Meio Ambiente quer criar regras que permitam punir fiscais que apliquem multas consideradas inconsistentes pela pasta. O plano é responsabilizar os servidores que tenham autos de infração revertidos em outras instâncias.
O ministro, Ricardo Salles, encomendou um levantamento das multas aplicadas pelo Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) nos últimos cinco anos para identificar esses casos.
Na prática, a medida tem o objetivo de ampliar o controle sobre o trabalho dos servidores do órgão. Para muitos fiscais, no entanto, a ação pode intimidar os funcionários e enfraquecer o serviço de fiscalização ambiental.
A apuração sobre o trabalho dos auditores faz parte de um plano do novo ministério para alterar procedimentos de fiscalização de casos de desmatamento, extração ilegal de madeira e outras infrações.
O presidente Jair Bolsonaro é um crítico da atuação dos órgãos de fiscalização ambiental. Ele já disse que vê excessos de servidores do Ibama para punir esses crimes. Grupos políticos, produtores rurais e o próprio Bolsonaro batizaram a ação dos fiscais de “indústria da multa”.
O presidente foi beneficiado por decisão administrativa do Ibama que anulou uma multa ambiental de R$ 10 mil por pesca irregular no litoral do Rio de Janeiro em 2012.
A anulação ocorreu após parecer da AGU (Advocacia-Geral da União) sobre o caso. O órgão entendeu, seis anos depois de a multa ser aplicada, que Bolsonaro não teve direito à ampla defesa nem teve resguardada a garantia de contraditório. A multa se encontra temporariamente suspensa e poderá ser rediscutida.
Em 2012, o então deputado Jair Bolsonaro foi fotografado por fiscais em um bote, com uma vara de pescar, dentro de uma estação ecológica, em Angra dos Reis, no litoral fluminense.
Para a equipe do ministério, o caso ilustra os processos que são derrubados por decisões de instâncias superiores ou da Justiça devido a falhas de autuação.
O ministério pretende analisar as estatísticas dos autos de infração para identificar servidores cujas multas foram revertidas após a apresentação de recursos administrativos ou judiciais. Para a equipe da pasta, esse seria um indicador de que a punição aplicada pelo fiscal não seguiu critérios rigorosos ou que foi aplicada indiscriminadamente.
A partir do levantamento, o ministério cobrará explicações do servidor e, caso seja constatada má-fé, ele poderá ser penalizado por medidas de controle internas. Um dos mecanismos em estudo seria cobrar do fiscal os prejuízos causados à pasta pelos custos das ações judiciais decorrentes desses processos.
Servidores do Ibama alegam que a ideia coloca em risco a aplicação da própria legislação ambiental.
Integrantes do ministério rebatem com o argumento de que só haverá punição para casos considerados abusivos.
O Ibama já realiza um controle interno em sua corregedoria. O órgão analisa e investiga denúncias de irregularidades cometidas por seus servidores e casos de corrupção.
Em declarações recentes, Salles afirmou que pretende ser rigoroso com crimes ambientais como o desmatamento e que haverá repressão dura aos infratores. Mas o ministro também disse acreditar que há um descontrole na fiscalização.
De acordo com dados do Ministério do Meio Ambiente, dos 77 mil autos de infração emitidos desde 2014, menos de 1% foi efetivamente pago. Os demais aguardam manifestação da defesa ou julgamento de recurso.
O ministro afirmou em entrevista à Folha na última semana que os números refletem um serviço de fiscalização inadequado. “Seu trabalho está sendo jogado no lixo. Ou você está trabalhando mal, ou a questão está mal endereçada”, declarou.
Salles também disse que “excessos de fiscalizações e injustiças cometidas fizeram com que populações de várias áreas tenham uma postura antagônica com o órgão ambiental”.
Outras medidas devem integrar o plano de mudanças nos procedimentos de fiscalização do Ibama. O primeiro passo deve ser a informatização dos autos de infração dos últimos anos.
O Ministério do Meio Ambiente também pretende acelerar o agendamento de audiências dos infratores no Ibama para que eles possam apresentar suas defesas e negociar condições para o pagamento da multa.
Assinar:
Postagens (Atom)