Por Carlos I. S. Azambuja
A afirmação de que o terrorismo foi uma reação ao movimento de 1964
é mais uma desculpa esquerdista para justificar seus desmandos.
“A
tendência dominante no Brasil é o abstracionismo” (Pietro Maria
Bardi, em abril de 1990, quando diretor do Museu de Arte de São Paulo)
Nunca é
demais recordar a história da luta armada no Brasil. História que as novas
gerações, intoxicadas pelas mentiras difundidas por certa mídia esquerdizada
com o aval de ex-guerrilheiros, hoje elevados à condição de heróis e
recompensados financeiramente por terem lutado pela democracia, por aquele
mesmo Estado que queriam derrubar. Um caso inédito em todo o mundo:
guerrilheiros urbanos e rurais, depois de anistiados, são recompensados pelos
assaltos, seqüestros, mortes cometidas e, enfim, pela derrota!
Parodiando
o jornalista e ex-guerrilheiro urbano Franklin Martins – que foi assessor do
governo Dilma e, diz-se, será o “comandante” de sua próxima campanha
eleitoral-, no prefácio que escreveu para o livro “Viagem à Luta Armada”
(escrito pelo terrorista Carlos Eugênio Sarmento Coelho da Paz, o último dos Grandes
Comandantes da ALN, que desertou, em meados dos anos 70 após receber
treinamento de guerrilha em Cuba, indo viver em Paris), o período de luta
armada foi uma época em que mercado era o lugar onde as donas de casa
faziam compras e não a todo-poderosa entidade globalizada que hoje comanda a
humanidade com a sua mão invisível; massa era a denominação dada ao
povo a caminho de encontrar seu destino revolucionário e não, uma tentação para
os que estão em dieta; abrir significava revelar informações à repressão; cair significava
ser preso;expropriação era o eufemismo utilizado para designar roubos e
assaltos;quadro era a denominação dada ao militante experiente, com cargo
de direção na Organização; e justiçar não significava distribuir
Justiça e sim, assassinar os companheiros que começassem a pensar com suas
próprias cabeças, demonstrando dúvidas sobre a ciência do
marxismo-leninismo ou se tornassem suspeitos de colaborar com o inimigo de
classe.
Foi um
tempo em que se propalava que o capitalismo estava com os dias contados. Um
tempo em que as revoluções eram consideradas iminentes, seguindo aquela
modelada pelos guerrilheiros cubanos, que instalaram em Cuba uma república
democrática popular (ou seja, instalaram um pleonasmo:um governo do povo
popular) e procuravam estender esse pleonasmo a todo o continente.
Um tempo
de mudanças e de contestações, onde se propalava que era“proibido proibir”.
Um
tempo, enfim, em que um punhado de companheiros, sem dinheiro, sem doutrina e
sem equipamento, mas com disposição e vontade - companheiros que nada
reivindicam, nem mesmo compreensão -, no início por conta própria, é verdade,
erradicaram o terrorismo, os seqüestros de diplomatas e de aviões e as
guerrilhas urbana e rural.
A doutrina, o dinheiro, a organização e o
equipamento foram substituídos pela imaginação, pelo desprendimento e pelo
forte sentimento anticomunista. Os procedimentos iam sendo inventados, na
medida das necessidades, face à rapidez com que os acontecimentos se sucediam.
Somente
a partir de janeiro de 1970, com a constituição dos DOI/CODI, passou-se a atuar
organizadamente.
Tudo
isso, no entanto, aconteceu não sem a perda de vidas, não sem sangue, suor e
lágrimas e não sem que reputações fossem manchadas, carreiras abreviadas,
injustiças e erros cometidos. E não sem que esses companheiros sejam, até hoje,
vítimas de um revanchismo dos que nunca se conformaram com a derrota.
Revanchismo orquestrado por uma parte da mídia que não hesita em deturpar fatos
e mentir despudoradamente.
Foi um
tempo duro, diferente e difícil. Um tempo, no entanto, que devemos nos orgulhar
de ter vivido e participado. Um tempo que jamais voltará.
Após
tudo isso, foi colocada e permanece na ordem do dia uma discussão acadêmica,
sobre a qual, infelizmente, muitas pessoas não têm clareza: a do que quem
nasceu primeiro, se o ovo ou a galinha. Ou seja, se a luta armada desencadeada
pela esquerda radicalizada nos anos 60 e 70, foi fundamentalmente uma reação à
Revolução de Março de 1964, como uma grande parte da mídia, políticos,
escritores e cientistas sociais afirmam hoje.
Não. Não
foi, como os fatos históricos comprovam.
O
projeto de luta armada foi anterior a 1964. Desde o início dos anos 60 a
esquerda radicalizada alimentava o ovo da serpente, estimulada pelo exemplo da
revolução cubana. Isso sem falar nas propostas de revolução armada que vinham
de muito antes, na melhor tradição bolchevique de assalto ao Palácio de
Inverno, como o levante comunista de 1935.
No
período de agosto de 1961 - quando o presidente Jânio Quadros renunciou - a 31
de março de 1964, foi colocada em xeque, no Brasil, a chamada ordem
constitucional burguesa, segundo o jargão das esquerdas.
No
governo de João Goulart já existiam organizações e grupos voltados para a
utilização de formas de luta “mais avançadas”:
- As Ligas
Camponesas de Francisco Julião - mais tarde, em 21 de abril de 1962,
efemeramente denominadas de Movimento Revolucionário Tiradentes-, são o
exemplo mais nítido. Já em 1961, diversos integrantes das Ligas foram mandados
a Cuba para receber treinamento militar, tão logo Francisco Julião regressou de
uma viagem àquele país.
Ainda mais remotamente, deve-se recordar que, em 1957,
quando como deputado federal efetuou uma viagem à União Soviética, Julião
solicitou a autoridades militares daquele país o fornecimento de armas, para
equipar as Ligas e “fazer a revolução no Brasil” (declarações de Oleg Ignatiev,
jornalista da Agência Tass, publicadas pela imprensa em agosto de 1996);
- A POLOP,
Política Operária, uma organização constituída em 1961, agrupando elementos de
várias tendências alternativas ao PCB, que se destacou pelo intenso trabalho de
doutrinação e formação de quadros. Em maio de 1964, decorridos menos de dois
meses da Revolução de Março, adiantou-se aos acontecimentos que viriam marcar a
dinâmica das esquerdas por quase uma década, tornando público um documento que
definiu a guerrilha e a luta armada como “o caminho a seguir”;
- O PC
do B, constituído em 1962, a partir de uma cisão no PCB, que ainda antes de
1964 mandou um grupo de militantes para treinamento militar na Academia Militar
de Pequim. Esses militantes constituíram o núcleo da Guerrilha do Araguaia.
- A Ação
Popular, também constituída em 1962, que exercia domínio indiscutível sobre a
UNE. Também a AP, logo após a Revolução, mandou um grupo de militantes para
treinamento político-ideológico em Pequim. Esse grupo, no regresso ao Brasil,
transformou a AP numa organização marxista-leninista-maoísta (livro “No Fio da
Navalha”, editora Revan, 1996; um depoimento de Herbert José de Souza - “Betinho”
-, então coordenador nacional da Ação Popular, a um grupo de jornalistas);
- o Partido
Operário Revolucionário Trotskista-Posadista, constituído na década de 50;
- os
famosos “Grupo dos Onze”, uma inspiração de Leonel Brizola, então deputado
federal, em 1963. Nesse ano, Brizola ofereceu a coordenação nacional do Grupo
dos Onze a Herbert José de Souza, então assessor do ministro da Educação (livro
“No Fio da Navalha”).
O
projeto de luta armada foi anterior a 1964, repetimos. Isso é reconhecido por
aquela esquerda onde há seriedade e um mínimo de vida inteligente, como o
ex-guerrilheiro urbano Daniel Aarão Reis Filho “Antes da radicalização da
ditadura, em 1968, e antes mesmo da sua própria instauração, em 1964, estava no
ar um projeto revolucionário ofensivo.
Os dissidentes se estilhaçariam em torno
de encaminhamentos concretos, formando uma miríade de organizações e grupos,
mas havia acordo quanto ao nó da questão: chegara a hora do assalto. Neste
quadro, os revolucionários não resistem, atacam. Alegaram, em seu favor, que os
autênticos revolucionários não pedem licença para fazer a revolução (...).
Aprisionados por seus mitos, que não autorizavam recuos, insensíveis aos
humores e pendores de um povo que autoritariamente julgavam representar,
empolgados por um apocalipse que não existia senão em suas mentes, jogaram-se
numa revolução que não vinha, que, afinal, não veio, e que não viria mesmo” (artigo
“Este Imprevisível Passado”, na revista“Teoria e Debate” nº 32,
julho/agosto/setembro de 1996, editada pelo Partido dos Trabalhadores).
Nesse
contexto, foi rápida a conversão das bases radicalizadas do Partido Comunista
Brasileiro - “que estava no governo mas ainda não detinha opoder”, como
disse Luiz Carlos Prestes em entrevista, em Recife, em fevereiro de 1964 - à
tática da luta armada.
Cerca de
700 militantes do Partido Comunista Brasileiro, desde a década de 50 até o
desmantelamento do socialismo real, receberam treinamento
político-ideológico no Instituto de Marxismo-Leninismo, na União Soviética e em
outros países do Leste-Europeu, e cerca de 300, dos grupos voltados para a luta
armada, treinamento militar em Cuba e na China.
Entretanto,
com exceção do “Projeto Araguaia” - do Partido Comunista do Brasil,
na época seguidor dos ensinamentos do livrinho vermelho de
Mao-Tsetung -, cuja implantação teve início tão logo essa facção desprendeu-se
do PCB, em 1962, nenhum grupo de esquerda chegou a reunir, jamais, as condições
mínimas de infraestrutura para a instalação daquilo que o cientista social
francês Regis Debray, companheiro de Che Guevara nas selvas da Bolívia, definiu
como “foco guerrilheiro”, em seu livro “Revolução na Revolução”.
Os
seqüestros de diplomatas estrangeiros e de aviões comerciais, os assassinatos,
inclusive de companheiros, a título de “justiçamentos”, a avidez com
que eram praticados os roubos de armas, de agências bancárias, de residências
e, até mesmo, já no descenso, a trocadores de ônibus, para financiar a
instalação do “Foco” e como propaganda armada para “estimular as
massas” - com a participação, diga-se de passagem, de pessoas que integram
o partido do atual governo -, foram transformados em tática militar e viriam a
consumir os principais quadros e dirigentes dessas organizações, levando ao seu
total desmantelamento no início dos anos 70.
Igualmente
não é verdadeira outra tese: a de que a luta armada foi deflagrada após a
radicalização, pelo governo, do processo revolucionário, com a edição do Ato
Institucional nº 5, que teria deixado a oposição sem alternativa política.
Ora, o
Ato Institucional nº 5, assinado pelo presidente Costa e Silva em 13 de
dezembro de 1968, foi uma resposta a algo que já existia: ao assassinato, em 28
de março de 1966, do sargento do Exército Carlos Argemiro Camargo, no Paraná,
pelos guerrilheiros comandados por Jeferson Cardim de Alencar Osório, então
exilado no Uruguai (“um tresloucado”, segundo o depoimento de “Betinho” no
livro “O Fio da Navalha); aos assassinatos, em 25 de julho de 1966, do
jornalista Edson Regis de Carvalho e do almirante Nelson Gomes Fernandes,
mandados pelos ares por uma bomba, no aeroporto dos Guararapes, em Recife
(bomba colocada por um militante da Ação Popular); ao assassinato cruel do
soldado Mario Kosel Filho, sentinela do Quartel-General do II Exército, em São
Paulo, quando da explosão de um carro-bomba, atirado contra o portão daquele
quartel; e do assassinato, em 12 de outubro de 1968, de Rodney Chandler,
capitão do Exército dos EUA, em São Paulo, por terroristas da Ala Marighela,
precursora da Ação Libertadora Nacional, ao sair de sua casa, perante seus
filhos.
Segundo os panfletos deixados no local, ele foi “julgado e
justiçado” por ser “agente da CIA”.Um dos que participaram do “julgamento” é
hoje professor na UNICAMP; um dos que atiraram em Chandler foi assessor do Partido
dos Trabalhadores no Rio Grande do Sul, afastado por corrupção; a mulher que
efetuou o levantamento dos hábitos do capitão Chandler, que hoje vive em São
Paulo, diz-se uma vítima dos torturadores. Todos foram anistiados.
O
AI-5 não passou, portanto, de um ato de legítima defesa do Estado.
A
conclusão de tudo isso é que a discussão acadêmica de todos esses anos para descobrir quem
deu o primeiro tiro, não passa, como no caso do ovo e da galinha, de uma “masturbação
sociológica” (royalties para o ex-ministro e ex-militante da Ação
Popular Sérgio Motta, autor da frase, ao qual, aliás, “Betinho” - segundo
afirmou em “No Fio da Navalha” - passou a Coordenação Nacional da AP, em
1970, antes de exilar-se no Chile).
Carlos I. S. Asanbuja é Historiador.