A bronca dos jovens contra seus avós por causa do
desrespeito aos bens naturais
26/12/2018 09h18 Atualizado há 2 semanas
Greta Thunberg, de 15 anos, protesta em frente ao Parlamento
da Suécia com o cartaz: 'Greve das escolas pelo clima' — Foto: TT News
Agency/Hanna Franzen via Reuters
A história da menina sueca Greta Thunberg, de 15 anos, que
ostentou um cartaz em frente ao Parlamento de seu país onde se declarava em
greve na escola enquanto os políticos não tomassem uma atitude decente contra
as mudanças climáticas que afetariam diretamente sua vida adulta, é emblemática
de nossa era. Thunberg foi também à Polônia, durante a COP24, onde falou para
os líderes na abertura da Conferência:
"Como nossos líderes se comportam como crianças,
teremos que assumir a responsabilidade que eles deveriam ter assumido há muito
tempo", disse ela.
Há 26 anos, a canadense Severn Suzuki, na época com 13 anos,
calou os líderes mundiais durante a Rio92 chamando a atenção para a disparidade
entre gestos e intenções. Seu discurso ganhou os devidos holofotes da mídia e ela não
poupou críticas aos governantes.
Severn é hoje uma ambientalista atuante em seu país, teve um
filho e, em 2010, o diretor Jean-Paul Jaud fez um documentário sobre ela,
mostrando algumas das atrocidades cometidas pela indústria alimentícia e
eternizando as palavras da menina:
“Vocês vivem dizendo que nos amam, mas eu os desafio a
tomarem atitudes que reflitam, verdadeiramente, essas palavras”.
Usar os bens naturais hoje, de maneira a preservá-los para
as gerações futuras, é uma expressão que começou a ser conhecida depois da
publicação do Relatório Brundtland – “Nosso futuro comum” – em 1987. O
texto foi escrito por 21 líderes, encabeçados por Gro Brundtland, então
primeira-ministra da Noruega e escolhida pelas Nações Unidas para chefiar a
Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento e se aprofundar no tema.
Fica muito claro, na nova visão das relações homem-meio
ambiente exposta pelo Relatório, que não existe apenas um limite mínimo para o
bem-estar da sociedade; há também um limite máximo para a utilização dos
recursos naturais, de modo que sejam preservados.
Na visão de muitos ambientalistas que hoje fazem uma espécie
de mea culpa, o discurso apresentado pelo Relatório estava perfeito, a não ser
por um ponto. Ele joga para o futuro distante, fim do século XXI, os efeitos
causados pelo impacto que hoje se provoca ao meio ambiente. Este foi um dos
problemas.
Se já está difícil viver as privações de hoje, como aceitar
ser necessário cuidar do futuro, ainda por cima com uma data determinada tão
longínqua? Um exemplo claro: se não há consciência sobre o lixo plástico, que
continua sendo jogado nos rios, mares e oceanos, como educar os cidadãos a não
criar problemas para o fim do século?
A marca de nossa civilização tem sido o imediatismo, o desrespeito
à natureza é parte do afã de acumular coisas, de consumir demais. Seria
necessária uma mudança de paradigma profunda, uma tomada de consciência que vai
se delineando aos poucos, mas num ritmo muito mais lento do que o desejado. E
as broncas dos netos, será que funcionarão?
Faz sentido que sejam cobrados os líderes dos países,
aqueles que podem e deveriam criar políticas públicas para uma economia e um
desenvolvimento pró-pessoas, não apenas visando ao lucro. Mas é preciso também
lembrar o papel das indústrias. Tão logo se apagaram os holofotes da Rio-92, um
grupo de 50 empresários criou suas próprias metas num documento chamado
“Mudando o Rumo”, em que promessas foram feitas por um caminho melhor, de
investimentos em tecnologias, sempre visando a um futuro menos poluído.
Esperavam, talvez, mais mimos do que receberam por parte dos
governantes.
Um empresário que se destacou, tornando-se ele mesmo um
garoto-propaganda de sua história foi Ray Anderson, morto em 2011, fundador da
Interface, de carpetes, que escreveu o livro “Lições de um empresário radical”.
Também logo depois da Rio-92, Anderson começou a se dar conta do quanto
retirava da Terra para obter lucro, sem devolver nada em troca. E foi por causa
do incômodo que sentiu quando não conseguiu responder à pergunta de uma cliente
sobre o que a empresa fazia em prol do meio ambiente, que o empresário decidiu
mudar tudo.
No livro, ele reinventa a definição de sustentabilidade:
“Operar este negócio dependente do petróleo de uma maneira que só retire da
terra o que for natural e rapidamente renovável – nenhuma gota nova de petróleo
– e não causar nenhum dano à biosfera”. E afirma que conseguiu seu objetivo,
com métodos nem sempre simples, mas bastante efetivos. Passou a dar palestras,
seduzindo novos empresários a seguirem seu caminho.
“Estamos deixando um legado terrível de veneno e de impactos
ao meio ambiente para nossos netos e para os netos de nossos netos, gerações
que ainda nem nasceram. Algumas pessoas chamam a isso de tirania
intergeracional, uma forma de taxação sem representação da geração que virá. É
um jeito errado de fazer as coisas”, disse ele no
depoimento ao documentário “The Corporation”.
Enquanto relia este texto que escrevi ontem à noite para ser
publicado hoje, quarta-feira (26), as notícias que chegam do Japão não deixam
sombra de dúvidas que, sim, estamos fazendo tudo errado. O país decidiu
deixar de participar da comissão que protege as baleias e liberou de novo a
caça a estes animais. A desculpa é que elas servem para pesquisas científicas,
mas todo mundo sabe que a carne delas é vendida comercialmente.
Outra desculpa é que comer carne de baleia é uma tradição
cultural, na Noruega e em outros países.
Mas, se as baleias estão acabando por
conta da caça indiscriminada, por que não pensar numa mudança de cultura? E
olha que nem estou falando no horror que é a caça a um desses animais, horror
também para os humanos que trabalham nisso. Hão de dizer que matar boi também é
horrível, e eu concordo.
No fim e ao cabo, precisamos dar um jeito de reinventar
nossa civilização. E o período de festas de fim de ano é muito bom para pensar
a respeito.