Recentemente foi sancionado, pelo Presidente Michel Temer, o Plano
Nacional de Regularização Fundiária, que permite, entre outras coisas, a
legalização de áreas públicas invadidas na Amazônia, além da retirada
de exigências ambientais para a regularização fundiária, daí a referida
lei ter sido batizada de “lei da grilagem” (não há nome mais oportuno!).
Algumas das consequências desastrosas da referida lei
são redução de áreas protegidas, anistia aos proprietários que
desmataram até 2011 e incentivos de compra das terras públicas ocupadas
por grileiros de até 50%. Resumo da ópera: mais desmatamento!
A situação se torna ainda mais alarmante porque antes da sanção da
referida lei, dados coletados pelos satélites do Instituto Nacional de
Pesquisas Espaciais (INPE) e, divulgados pelo Projeto de Monitoramento
do Desflorestamento na Amazônia Legal (PRODES), estimaram que quase 8
mil quilômetros quadrados da floresta foram desmatados entre 2015-2016, o
que corresponde a um aumento de 30% em relação aos níveis da última
década. Sabendo disso, a Noruega, a maior financiadora internacional do
Fundo Amazônia, (que custeia programas de prevenção e monitoramento do
desmatamento na região), já anunciou um corte significativo do valor
financiado, o que deve ser seguido pela Alemanha, o segundo maior
financiador.
Como se não bastasse à sanção da lei 13.465/2017, e ainda, contrariando
as piores expectativas ambientais, o governo enviou ao Congresso
Nacional um projeto de lei (em regime de urgência!), o PL 8107/2017, que
pretende transformar cerca de 25% (350 mil hectares) da Floresta
Nacional do Jamanxin, uma das principais unidades de conservação do
país, localizada no Pará, em área de preservação ambiental (APA). Essa
categoria permite a propriedade privada além de atividades de
agropecuária e mineração, por isso é a mais frágil dentre as 12
categorias de unidades de conservação existentes no Brasil.
Edward Osborne Wilson, um dos mais importantes biólogos do mundo,
considerado o “Papa” da biodiversidade e o fundador da sociobiologia
escreveu inúmeros livros dentre os quais, “Diversidade da vida” (1994) e
“A Criação” (2008) que, frente aos inúmeros retrocessos ambientais aos
quais estamos experimentando, servem de alerta para a população
brasileira, em especial, o legislativo e o executivo.
Na primeira parte do livro “Diversidade da vida” Edward Wilson descreve
alguns processos naturais ocorridos no planeta que foram responsáveis
por empobrecer a diversidade biológica (as tempestades sobre as
florestas tropicais, a erupção vulcânica que dizimou a ilha de Krakatau e
os cinco eventos de extinção em massa). Já na segunda parte, o autor
descreve os processos responsáveis pelo aumento da biodiversidade, em
especial, as forças evolutivas. Descreve também, a diversidade de
diversos ecossistemas e o que resta da biosfera inexplorada. E por fim,
na terceira parte, o autor cita o impacto da espécie humana sobre os
diversos ecossistemas e a ameaça que paira sobre toda a biodiversidade.
Nas três partes do livro, a região amazônica e, em especial, a floresta
brasileira são os pontos fortes. Enquanto nas partes iniciais, é dado
destaque à riqueza e aos mais diversos aspectos da floresta, na última
parte o autor faz um alerta no capítulo 12 (A perda da biodiversidade),
“…Durante os anos 80, o ritmo de desflorestamento acelerou-se em toda a
parte, atingindo proporções trágicas na Amazônia brasileira. Lá as
pessoas aprenderam a reconhecer três estações: a da seca, a das chuvas e
a das queimadas.
Em 1987, exércitos de pequenos fazendeiros e peões
contratados por latifundiários atearam fogo à mata para limpar o terreno
de árvores e arbustos caídos. Cerca de 50 mil quilômetros quadrados em
quatro estados da Amazônia (Acre, Mato Grosso, Pará e Rondônia) foram
derrubados e queimados em quatro meses, de julho a outubro.
Uma área
equivalente foi destruída no ano seguinte. O desflorestamento é
incentivado pela construção de estradas florestais e por programas de
colonização patrocinados pelo governo, ambos parte da política oficial,
atingindo as proporções de um holocausto cujos efeitos se propagaram por
vastas áreas do Brasil…”. É inimaginável pensar que os relatos de fatos
negativos ocorridos há quase quatro décadas ainda são uma realidade!
Já no livro “A Criação”, Wilson acredita na ideia de que a salvação da
biodiversidade e, consequentemente do Planeta, estão no entendimento
entre a ciência e a religião e que, não há nada mais prioritário para
ambos. Para tanto, o autor faz um apelo em forma de carta para um pastor
– que na verdade representa todas as religiões – com o intuito de
salvar a vida no Planeta já que, a mesma, nunca esteve tão ameaçada.
Apesar do tom conciliador do autor, a questão é polêmica uma vez que a
própria visão acerca da “criação” seja por parte da ciência ou por parte
da religião se fundamentam em princípios contrastantes.
A sociedade brasileira não deve se indignar menos com a lei 13.465/2017 e
o PL 8107/2017, tomando como base, por exemplo, a decisão absurda do
Presidente americano Donald Trump de abandonar o acordo de Paris. Não
oficialmente é como se tivéssemos feito o mesmo. E, mesmo que uma
parcela do poder público (legislativo e executivo) tente extirpar o Art.
225 da nossa constituição (Todos têm direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia
qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever
de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações), cabe
a nós, a coletividade, defender a região e a floresta de maior
biodiversidade do Planeta.
Nota Biográfica
Thiago Lustosa Jucá, Biólogo, Doutor em Bioquímica de Plantas pela UFC.
Atualmente trabalha como Técnico Químico de Petróleo na Refinaria de
Lubrificantes e Derivados do Nordeste, PETROBRÁS, onde é membro titular
da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes e Coordenador do Grupo de
Trabalho do Benzeno.
Referências Bibliográficas
Edward O. Wilson. Diversidade da Vida. Ed. Companhia das Letras, Pag. 525, 1994.
Edward O. Wilson. A Criação – como salvar a vida na Terra. Ed. Companhia das Letras, Pag. 192, 2008.
Lei Nº 13.465, de 11 de julho de 2017. (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/L13465.htm)
Projeto de Lei (PL) 8107/2017 (http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2145333)
Temer anistia grilagem de terras
(http://www.observatoriodoclima.eco.br/temer-anistia-grilagem-de-terras/)/
Governo propõe ao Congresso cortar 350 mil hectares de floresta no Pará
(http://www.observatoriodoclima.eco.br/governo-propora-cortar-350-mil-hectares-de-floresta-no-para/).
Fonte: EcoDebate