Publicado em abril 29, 2016 por
Redação
O município de São José de Ubá, no noroeste do Estado do Rio de
Janeiro, tem cerca de 7 mil habitantes, a maioria na área rural. A
economia da cidade é baseada na agricultura familiar, principalmente no
plantio de tomates, com uso excessivo de agrotóxicos e parte da sua
produção é comercializada com outros estados, inclusive São Paulo. A
ocorrência de sintomas respiratórios e alterações da função respiratória
em trabalhadores rurais e familiares expostos a agrotóxicos foi
constatada em pesquisa da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP,
realizada por Rafael Junqueira Buralli.
Em de São José de Ubá (RJ), plantio de tomates tem uso excessivo de agrotóxicos
“O cenário natural montanhoso da região favorece a mobilização dos
agrotóxicos aplicados nas plantações, contaminando o solo do entorno da
cultura e águas superficiais e subterrâneas”, conta Buralli. De acordo
com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apenas
14,2% das residências daquela cidade têm condições de saneamento básico
adequadas. O estudo apurou que grande parte da população está exposta
aos agrotóxicos desde a tenra idade, seja por morar próximo das áreas de
plantio, trabalhando diretamente, ou mesmo ajudando seus familiares.
“No grupo dos produtores rurais, a maioria era do sexo masculino e
afirmou trabalhar com agrotóxicos por várias horas por dia,
principalmente no período da safra. A maioria dos familiares era do sexo
feminino”. Foram avaliadas 82 pessoas (48 trabalhadores rurais e 34
familiares). Entre os trabalhadores rurais, 81,3% afirmaram ter contato
com agrotóxicos no momento da pesquisa, sendo que 77,1% dos produtores e
94,1% dos familiares afirmaram estar expostos domesticamente aos
agrotóxicos.
A maioria dos produtores e familiares era casada, com renda familiar
de até dois salários mínimos, meeiros ou arrendatários de pequenas
áreas, com baixa escolaridade e nunca recebeu treinamento ou orientações
para manipular agrotóxicos. No momento da avaliação, na safra de 2014,
66% das pessoas apresentaram algum sintoma respiratório. Os mais
comumente relatados foram crise de tosse (40,0%), rinite (30,7%),
sensação de aperto no peito (24,0%), sensação de falta de ar (17,3%) e
chiado no peito (13,3%). “Quanto às alterações da função pulmonar, 20%
dos produtores e 22,2% dos familiares apresentaram algum distúrbio
respiratório”, aponta o pesquisador. “Após análises estatísticas, as
alterações respiratórias se mostraram significativamente associadas ao
fato de a pessoa ser produtor, manipular agrotóxicos regularmente e da
quantidade de horas trabalhadas por dia”.
De acordo com bases de dados oficiais de morbidade e mortalidade, as
principais causas de morte entre 2004 e 2010 em São José de Ubá, foram
as doenças do aparelho circulatório, do aparelho respiratório,
neoplasias, causas externas, transtornos mentais e comportamentais,
doenças do sistema digestório, disfunções endócrinas, metabólicas.
“Quanto ao câncer, as neoplasias mais frequentes com o desfecho óbito do
paciente foram as de pulmões, estômago e laringe”, observa Buralli.
Internações
Quanto às internações hospitalares no município, entre janeiro de 2008 e
agosto de 2015, as causas mais comuns foram as doenças do aparelho
circulatório, respiratório, genitourinário e digestivo, neoplasias e
transtornos mentais e comportamentais. “Todas essas doenças já foram
associadas à exposição aos agrotóxicos em outros estudos e podem estar
relacionadas também em SJU”, destaca o pesquisador.
Segundo Buralli, a primeira providência a ser tomada para contornar o
problema seria melhorar o apoio técnico e atenção à saúde das pessoas
que manipulam esses químicos, fornecendo treinamento para lidar com
esses produtos e organizando o sistema de saúde para atender as
necessidades específicas das populações expostas, tanto na prevenção ou
tratamento de doenças relacionadas à exposição aos agrotóxicos. “Na
cidade, não há um banco de dados contendo registros de morbidade e
mortalidade por causas ocupacionais, nem programa específico de
vigilância, promoção de saúde, prevenção e redução de danos à saúde das
populações expostas”, ressalta.
De acordo com o pesquisador, a segunda providência seria a
implantação de políticas públicas mais restritivas quanto à
comercialização e consumo de produtos agrotóxicos. “Hoje, o Brasil é
líder mundial no consumo de agrotóxicos e comercializa diversas
substâncias proibidas no mundo inteiro”, alerta. “Os efeitos disso não
são sentidos somente pelas famílias rurais, mas também pela população em
geral, que vive próximo a áreas de plantio ou consome produtos
envenenados”.
A orientadora do estudo, descrito em dissertação de mestrado, foi a
professora Helena Ribeiro, do Departamento de Saúde Ambiental da FSP. O
trabalho, no entanto, é parte de um projeto de avaliação de risco à
saúde humana por exposição a metais e agrotóxicos em São José de Ubá,
financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (CNPq) e coordenado pelo professor Jean Remy Daveé
Guimarães, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Além da FSP
e da UFRJ, também colaboraram pesquisadores da Faculdade de Medicina da
USP (FMUSP), Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Universidade Estadual do
Rio de Janeiro (UERJ), Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro
(UNI-RIO) e Universidade de Brasília (UnB).
Foto: Wikimedia Commons
Por Júlio Bernardes, da
Agência USP de Notícias, in
EcoDebate, 29/04/2016
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