Por Luana Michels*
Sabidamente, nosso ordenamento jurídico contém dois regimes para regulamentar as relações jurídicas: o de bens e o de pessoas. No entender do Código Civil Brasileiro, bens são objetos denominados como materiais ou imateriais, e, os animais, por não se enquadrarem como pessoas, apesar de seres portadores de sentimentos, são considerados bens coisificados, ou seja “coisas”, as quais, são suscetíveis de apropriação e que possuem um valor econômico.
No dia 08 de agosto p.p., na votação que ocorreu no Senado Federal, uma grande batalha foi travada pelos direitos dos animais. O Projeto de Lei n. 27 de 2018 (PL27/18), apresentado, propôs mudar o status jurídico dos animais não humanos – que, até então, eram tidos como “coisa”, a fim de reconhecê-los como seres biológicos, ecológicos e sencientes, tendo, portanto, natureza emocional. Ademais, estabeleceu seus direitos especiais e sua personalidade própria, de acordo com sua natureza “sui generis” e com suas características específicas, por lhes definir também como sujeitos de direitos despersonificados.
O PL27/18 alerta para o fato de que a legislação deve ser adequada às normas da Carta Magna brasileira, definindo um regime jurídico especial aos animais não humanos, o que é essencial para uma proteção específica, por ser voltada ao seu bem-estar e aos seus direitos especiais.
Em apenas cinco (5) artigos, dos quais quatro (4) definem seus objetivos, o PL27/18 visa não apenas a proteção dos animais, mas a construção de uma sociedade mais consciente e solidária para com os animais. Não obstante, foram excetuados dessa proteção, com base em emenda aprovada (Emenda n.2), os animais empregados na produção agropecuária, em pesquisas científicas e aos que participam de manifestações culturais registradas como bem de natureza imaterial integrante do patrimônio cultural brasileiro, uma vez preservada a sua dignidade.
Obviamente, por alterar o conteúdo inicialmente proposto, que almejava beneficiar a todos os animais, tal emenda não se mostrava favorável aos interessados. Todavia, ao ser vislumbrado que o PL n. 27/18 não alcançaria a aprovação, devido a interesses econômicos e por divergências sociais, foi preciso realizar tratativas que visassem uma possível aprovação, esforço este que resultou em duas (2) emendas.
A primeira, objetivava beneficiar somente os animais domésticos, entretanto, foi rejeitada, possibilitando maior abrangência, como era desejado precipuamente, ou seja, continua se estendendo não só aos animais domésticos, mas também aos domesticados, aos silvestres, aos nativos, aos exóticos e aos selvagens [1].
Já a segunda emenda foi aprovada, excluindo do reconhecimento atribuído aos animais citados acima, a proteção estabelecida no projeto inicial. Aqui, cabe chamar a atenção, para o fato de que, ao estabelecer a expressão “empregados na produção agropecuária”, também ficaram protegidos pelo texto inicial, os animais utilizados para o consumo, mas que não estejam situados na linha de produção, nem sejam usados em manifestações culturais, conforme já explicado, a exemplo de galinhas domesticadas e bovinos, que não tenham tais destinações..
Ademais, os equídeos, as cabras, as ovelhas, os suínos e outras espécies podem devem se enquadrar na proteção, pois embora alguns sejam usados na indústria, outros são selvagens e até domésticos contemporaneamente.
Eis a íntegra do texto final, com a Emenda, que altera o artigo 3º do PLC nº 27, de 2018 que passa a vigorar com a seguinte redação:
Assim, há que se ter em conta que, embora o PL 27/18 não alcance a
todos os animais, representa uma quebra de paradigma que trará diversos
benefícios no que tange à proteção da maioria das espécies, incluindo as
discriminadas, que não se enquadrem no texto dessa emenda.
É importante, ainda, pontuar que a matéria é de extrema complexidade e demasiadamente divergente dentro do contexto atual, exigindo um estudo mais aprofundado da matéria excetuada. Certo é que os animais em situação de exclusão no projeto de lei não cairão no esquecimento e poderão obter em um futuro, distante ou nem tanto, a mesma tutela legislativa.
No reverso do entendimento, incorre em evidente equívoco quem afirma que o PL 27/18 trouxe um retrocesso em relação à proteção dos animais, quando sabidamente até então sempre foram considerados meros objetos.
Basta relembrar, que o Código Civil vigente, em sua primeira parte, tem redação idêntica ao anterior que datava de 1916, determinando móveis, os bens suscetíveis de movimento próprio, é dizer, os semoventes.
Ao se abordar o tema, faz-se necessário não apenas o olhar humanitário, mas também um empenho multidisciplinar, sob pena de se recair em mera argumentação desprovida de conhecimento científico suficiente, tornando tal igualdade provavelvelmente longínqua. Logo, é possível afirmar, de maneira inegável, que o PL27/18 deu o primeiro passo, sem o qual, não seria possível dentro do ordenamento jurídico brasileiro um avanço da legislação para a preservar efetivamente a dignidade dos animais.
[1] – Considerando que não serão citadas a lei específica atribuída a cada espécie.
Referências bibliográficas
1. BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponivel em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 07 de julho de 2019.
2. BRASIL, Lei n. 10.406/2002, institui o Código Civil. Publicada no Diário Oficial da União, de 11 de janeiro de 2002. Disponivel em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 07 de julho de 2009.
* Luana Michels é advogada Criminal dos Direitos dos Animais, mestre em Ciências Criminais pela PUC/RS, graduanda em Medicina Veterinária da UNIRITTER e esteve presente na votação do #PL27 – #animalnaoecoisa.
Sabidamente, nosso ordenamento jurídico contém dois regimes para regulamentar as relações jurídicas: o de bens e o de pessoas. No entender do Código Civil Brasileiro, bens são objetos denominados como materiais ou imateriais, e, os animais, por não se enquadrarem como pessoas, apesar de seres portadores de sentimentos, são considerados bens coisificados, ou seja “coisas”, as quais, são suscetíveis de apropriação e que possuem um valor econômico.
No dia 08 de agosto p.p., na votação que ocorreu no Senado Federal, uma grande batalha foi travada pelos direitos dos animais. O Projeto de Lei n. 27 de 2018 (PL27/18), apresentado, propôs mudar o status jurídico dos animais não humanos – que, até então, eram tidos como “coisa”, a fim de reconhecê-los como seres biológicos, ecológicos e sencientes, tendo, portanto, natureza emocional. Ademais, estabeleceu seus direitos especiais e sua personalidade própria, de acordo com sua natureza “sui generis” e com suas características específicas, por lhes definir também como sujeitos de direitos despersonificados.
O PL27/18 alerta para o fato de que a legislação deve ser adequada às normas da Carta Magna brasileira, definindo um regime jurídico especial aos animais não humanos, o que é essencial para uma proteção específica, por ser voltada ao seu bem-estar e aos seus direitos especiais.
Em apenas cinco (5) artigos, dos quais quatro (4) definem seus objetivos, o PL27/18 visa não apenas a proteção dos animais, mas a construção de uma sociedade mais consciente e solidária para com os animais. Não obstante, foram excetuados dessa proteção, com base em emenda aprovada (Emenda n.2), os animais empregados na produção agropecuária, em pesquisas científicas e aos que participam de manifestações culturais registradas como bem de natureza imaterial integrante do patrimônio cultural brasileiro, uma vez preservada a sua dignidade.
Obviamente, por alterar o conteúdo inicialmente proposto, que almejava beneficiar a todos os animais, tal emenda não se mostrava favorável aos interessados. Todavia, ao ser vislumbrado que o PL n. 27/18 não alcançaria a aprovação, devido a interesses econômicos e por divergências sociais, foi preciso realizar tratativas que visassem uma possível aprovação, esforço este que resultou em duas (2) emendas.
A primeira, objetivava beneficiar somente os animais domésticos, entretanto, foi rejeitada, possibilitando maior abrangência, como era desejado precipuamente, ou seja, continua se estendendo não só aos animais domésticos, mas também aos domesticados, aos silvestres, aos nativos, aos exóticos e aos selvagens [1].
Já a segunda emenda foi aprovada, excluindo do reconhecimento atribuído aos animais citados acima, a proteção estabelecida no projeto inicial. Aqui, cabe chamar a atenção, para o fato de que, ao estabelecer a expressão “empregados na produção agropecuária”, também ficaram protegidos pelo texto inicial, os animais utilizados para o consumo, mas que não estejam situados na linha de produção, nem sejam usados em manifestações culturais, conforme já explicado, a exemplo de galinhas domesticadas e bovinos, que não tenham tais destinações..
Ademais, os equídeos, as cabras, as ovelhas, os suínos e outras espécies podem devem se enquadrar na proteção, pois embora alguns sejam usados na indústria, outros são selvagens e até domésticos contemporaneamente.
Eis a íntegra do texto final, com a Emenda, que altera o artigo 3º do PLC nº 27, de 2018 que passa a vigorar com a seguinte redação:
Artigo
3º. Os animais não humanos possuem natureza jurídica sui generis e são
sujeitos com direitos despersonificados, dos quais devem gozar e obter
tutela jurisdicional em caso de violação, vedado o seu tratamento como
coisa.
Parágrafo
único. A tutela jurisdicional referida no caput não se aplica ao uso e
disposição dos animais empregados na produção agropecuária, pesquisa
científica e aos que participam de manifestações culturais registradas
como bem de natureza imaterial integrante do patrimônio cultural
brasileiro, resguardada a sua dignidade. (NR)
É importante, ainda, pontuar que a matéria é de extrema complexidade e demasiadamente divergente dentro do contexto atual, exigindo um estudo mais aprofundado da matéria excetuada. Certo é que os animais em situação de exclusão no projeto de lei não cairão no esquecimento e poderão obter em um futuro, distante ou nem tanto, a mesma tutela legislativa.
No reverso do entendimento, incorre em evidente equívoco quem afirma que o PL 27/18 trouxe um retrocesso em relação à proteção dos animais, quando sabidamente até então sempre foram considerados meros objetos.
Basta relembrar, que o Código Civil vigente, em sua primeira parte, tem redação idêntica ao anterior que datava de 1916, determinando móveis, os bens suscetíveis de movimento próprio, é dizer, os semoventes.
Ao se abordar o tema, faz-se necessário não apenas o olhar humanitário, mas também um empenho multidisciplinar, sob pena de se recair em mera argumentação desprovida de conhecimento científico suficiente, tornando tal igualdade provavelvelmente longínqua. Logo, é possível afirmar, de maneira inegável, que o PL27/18 deu o primeiro passo, sem o qual, não seria possível dentro do ordenamento jurídico brasileiro um avanço da legislação para a preservar efetivamente a dignidade dos animais.
[1] – Considerando que não serão citadas a lei específica atribuída a cada espécie.
Referências bibliográficas
1. BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponivel em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 07 de julho de 2019.
2. BRASIL, Lei n. 10.406/2002, institui o Código Civil. Publicada no Diário Oficial da União, de 11 de janeiro de 2002. Disponivel em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 07 de julho de 2009.
* Luana Michels é advogada Criminal dos Direitos dos Animais, mestre em Ciências Criminais pela PUC/RS, graduanda em Medicina Veterinária da UNIRITTER e esteve presente na votação do #PL27 – #animalnaoecoisa.