quinta-feira, 20 de maio de 2021

 


SALADA VERDE

MPF quer saber por que ICMBio mudou foco de operação no Pará

Com base em informações da Ascema, MPF investigará o cancelamento de retirada de gado em reserva no Pará. Ministro transferiu gabinete e divulgou data e local da operação

DANIELE BRAGANÇA ·

19 de maio de 2021

Salada Verde

Sua porção fresquinha de informações sobre o meio ambiente

O Ministério Público Federal abriu investigação para saber por que a diretoria do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) mudou repentinamente o foco da operação de fiscalização programada há um ano e preferiu não retirar gado ilegal de dentro de uma unidade de conservação no Pará. 

Desde fevereiro de 2020, servidores do ICMBio estudam como retirar 1 mil cabeças de gado de uma fazenda no interior da Reserva Biológica Nascentes da Serra do Cachimbo que já registra 15 autuações que somam mais de R$59 milhões em multas, e mais de 2,2 mil hectares de áreas embargadas. 

A operação foi adiada algumas vezes por causa da pandemia, mas estava tudo programado para ser realizada no dia 06 de maio, porém foi cancelada às vésperas por ordem do diretor de Criação e Manejo de Unidades de Conservação (Diman), o tenente-coronel da Polícia Militar do Estado de São Paulo, Marcos de Castro Simanovic.

Na semana seguinte ao cancelamento, o gabinete do ministro do Meio Ambiente e dos presidentes das autarquias foi transferido para a mesma região onde seria realizada a operação cancelada. 

Com base em denúncias feitas pela Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Especialista em Meio Ambiente (Ascema), o MPF requisitou acesso à documentação das investigações e justificativas técnicas sobre a mudança de enfoque dos trabalhos.


Associação de servidores pede exoneração do ministro Ricardo Salles

 


SALADA VERDE

Associação de servidores pede exoneração do ministro Ricardo Salles

Em carta, servidores da área ambiental saem em defesa da operação da Polícia Federal e acusam o ministro de perseguição e aparelhamento

DANIELE BRAGANÇA ·

19 de maio de 2021

Ascema

ibama

PF

Ricardo Salles

Salada Verde

Sua porção fresquinha de informações sobre o meio ambiente

A Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Especialista em Meio Ambiente (Ascema) se pronunciou por meio de nota a favor da operação da Polícia Federal deflagrada hoje que afastou 9 autoridades do Ibama e do Ministério do Meio Ambiente acusados de agir para facilitar a exportação de madeiras após encontro com representantes do setor. Além dos afastamentos, foram apreendidos documentos e computadores. 

Para a Ascema, há um desmonte em curso e é preciso reestabelecer a autonomia dos servidores civis da área ambiental. “O Ibama e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) precisam voltar a atuar de forma técnica, comprometida com a proteção ambiental prevista na Constituição Federal de 1988”, diz a carta.

Os servidores reforçam que há uma crescente militarização no Ministério do Meio Ambiente e perseguição aos servidores públicos da área ambiental. “A Ascema Nacional mais uma vez pede a exoneração de Ricardo Salles, este, que envergonha os servidores do meio ambiente e atinge a honra dos órgãos ambientais que vêm por décadas protegendo as pautas ambientais e que, até esse governo, exerciam seu trabalho arduamente, mas que são impedidos pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e o atual ministro do MMA. Presenciamos hoje a situação mais grave de aparelhamentos do Estado desde os tempos da ditadura!”, denunciam. 

Leia a carta na íntegra.

 

PF diz que Salles montou esquema criminoso para favorecer madeireiras

 


REPORTAGENS

PF diz que Salles montou esquema criminoso para favorecer madeireiras

Operação deflagrada hoje a pedido do STF cumpre mandados de busca e apreensão contra o ministro do Meio Ambiente e afasta 9 autoridades, incluindo o presidente do Ibama, Eduardo Bim

DUDA MENEGASSI ·

19 de maio de 2021


O ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles é investigado pela Operação Akuanduba por facilitação de contrabando de produtos florestais. Foto: Ministério do Meio Ambiente/Flickr

exploração ilegal de madeira

ibama

polícia federal

Ricardo Salles

STF

A Polícia Federal cumpriu 35 mandados de busca e apreensão em endereços ligados ao ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, em São Paulo, Distrito Federal e no Pará, com o objetivo de apurar crimes de corrupção, advocacia administrativa, prevaricação e facilitação de contrabando de produtos florestais no Ministério. A operação, batizada Akuanduba, teve início por ordem do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, que também determinou a quebra de sigilos fiscal e bancário de Salles. Além disso, Moraes ordenou o afastamento preventivo de 9 agentes públicos ocupantes de cargos e funções de confiança no Ibama e no Ministério do Meio Ambiente, entre eles Eduardo Bim, presidente do Ibama desde o começo da gestão de Salles.

Além de Bim, foram afastados também o assessor especial do gabinete do ministro do Meio Ambiente, Leopoldo Penteado Butkiewicz; o superintendente de Apuração de Infrações Ambientais, Wagner Tadeu Matiota; o diretor de Proteção Ambiental do Ibama, Olímpio Ferreira Magalhães; o analista ambiental e diretor de Uso Sustentável da Biodiversidade e Florestas do Ibama, João Pessoa Riograndense Moreira Junior; o também analista ambiental e coordenador-geral de Monitoramento do Uso da Biodiversidade e Comércio Exterior do Ibama, Rafael Freire de Macedo; o coordenador de Operações de Fiscalização do Ibama, Leslie Nelson Jardim Tavares; o coordenador de Inteligência de Fiscalização do Ibama, André Heleno Azevedo Silveira; e o analista ambiental do Ibama no Pará, Artur Vallinoto Bastos. Outro nome investigado é o de Olivandi Alves Azevedo Borges, que ocupou o cargo de diretor de Proteção Ambiental entre janeiro de 2019 e abril de 2020, e depois de secretário adjunto da Secretaria de Biodiversidade do Ministério do Meio Ambiente, onde ficou até setembro do ano passado.

Conforme apurado pela Polícia Federal, o esquema criminoso envolveria ainda cinco empresas madeireiras: Conflorestas, Associação das Indústrias Exportadoras de Madeira no Pará (Aimex), Ebata Produtos Florestais, Tradelink Madeiras, e Wizi Indústria Comércio e Exportação de Madeiras.

Além de Ricardo Salles, a Petição (PET) 8975 emitida pelo STF também determinou a medida cautelar de busca e apreensão contra os outros investigados pela Operação, tanto os agentes públicos quanto as empresas madeireiras, assim como a quebra do sigilo bancário e fiscal.

O mandado inclui a apreensão de bens e objetos que tenham envolvimento direto com as infrações em apuração, além da autorização judicial “para o acesso aos dados constantes nos discos rígidos, mídias e telefones celulares apreendidos, incluindo-se, neste último caso, o histórico de mensagens trocadas por SMS (Short Message Service) e por meio de aplicativos que permitem comunicação telemática (WhatsApp e Telegram), e de correspondências eletrônicas que eventualmente estejam armazenadas nas mídias/aparelhos ou em ‘nuvens'”.

O STF determinou ainda a suspensão imediata do Despacho nº 7036900/2020/GAB/IBAMA, publicado em fevereiro de 2020, que revogou a necessidade de autorizações para exportação de madeira, e, com efeito retroativo, legalizou milhares de cargas que teriam sido exportadas entre os anos de 2019 e 2020, sem a respectiva documentação. Com isso, volta a valer a regra anterior, estabelecida pela Instrução Normativa nº 15/2011.

O presidente do Ibama, Eduardo Bim, foi suspenso do cargo por medida cautelar enquanto é investigado pela PF. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Em fevereiro de 2020, atendendo pedidos da Associação Brasileira de Empresas Concessionárias Florestais (Confloresta) e da Associação das Indústrias Exportadoras de Madeira do Estado do Pará (Aimex), o presidente do Ibama eliminou a necessidade de autorização específica para exportação de madeira de origem nativa em geral, como estabelecia a IN 15/2011. A autorização passou a ser necessária apenas em casos que envolvam espécies em perigo de extinção. A decisão de Bim foi assinada logo depois de uma reunião com representantes de madeireiras multadas em R$ 2,6 milhões, no início de fevereiro do mesmo ano, como mostrou à época a reportagem de Leandro Prazeres, em O Globo.

A apuração da Polícia Federal, que embasa a operação do STF, confirma a participação de Eduardo Bim na reunião com representantes do setor produtivo, da qual teriam participado ainda servidores do ibama, parlamentares e o próprio ministro, e na qual teria sido apresentado o pleito das madeireiras que motivou o despacho publicado em seguida. O texto da decisão judicial reforça ainda que além do esforço incomum e pessoal de Bim para atender a demanda apresentada pelas madeireiras para legalização das exportações já realizadas, “os depoimentos colhidos demonstraram, em tese, uma gestão voltada ao esvaziamento do órgão sob seu comando (especialmente dos setores incumbidos da fiscalização) e uma franca política de perseguição contra os servidores que a ela se oponham, em verdadeiro descompasso com o seu cargo”.

O afastamento do presidente do Ibama e de outros oito agentes públicos no âmbito do Ministério do Meio Ambiente foi justificado pelo ministro do STF em sua decisão, como medida cautelar, visto que, ao menos nesse primeiro momento da investigação, a “manutenção dos agentes públicos nos respectivos cargos poderia dificultar a colheita de provas e obstruir a instrução criminal, direta ou indiretamente por meio da destruição de provas e de intimidação a outros servidores públicos”.

O texto ressalta ainda que quatro testemunhas ouvidas pela PF manifestaram medo de sofrer represálias do Ibama após os seus depoimentos, uma vez que os acusados ocupam cargos mais altos na hierarquia do órgão.

((o))eco entrou em contato com as assessorias de imprensa do Ibama e do Ministério do Meio Ambiente em busca de um posicionamento sobre a operação da Polícia Federal, mas até a publicação da reportagem não obteve resposta. O espaço segue aberto.

Autoridades americanas foram ouvidas pela PF

A Embaixada dos Estados Unidos também forneceu à Polícia Federal amostras das respectivas madeiras apreendidas pelas autoridades norte-americanas. O material passará por perícia na PF para verificação da origem geográfica das madeiras. Em janeiro de 2020, o United States Fish and Wildlife Service (FWS) deteve para inspeção três containers de madeira exportados do Brasil pela empresa Tradelink. Como as cargas não possuíam documentação do Ibama, o FWS solicitou ao órgão ambiental a confirmação relativa à legalidade dos embarques. Uma semana depois, uma carta do Ibama informou que as cargas não foram analisadas e que as cargas haviam sido exportadas sem autorização prévia. Entretanto, no mês seguinte, o então superintendente do Ibama no Pará, Walter Mendes Magalhães, enviou diversas cartas na tentativa de garantir a liberação das cargas, e apesar da determinação anterior de ilegalidade e notificação de violação feita anteriormente pelo próprio Ibama, as cartas do superintendente legitimavam os envios e defendiam sua libertação da detenção.

“Em 25 de fevereiro de 2020, o FWS recebeu uma cópia da Ordem de Interpretação Despacho n° 7036900/2020-GABIN, Processo nº 02001.003227/2020-84, assinada pelo Presidente do IBAMA, Eduardo Bim. Nas páginas finais e Conclusão, a carta forneceu uma explicação das ações do escritório do IBAMA no Pará e uma interpretação de vários processos do IBAMA e das Instruções Normativas, concluindo finalmente que um DOF [Documento de Origem Florestal] de Exportação é suficiente para exportar madeira nativa do Brasil”, conta um trecho do ofício encaminhado pela Embaixada dos EUA. “No entanto, apesar de todas as informações fornecidas pela TRADELINK e IBAMA, os embarques permanecem retidos, em aparente violação de várias Instruções Normativas do IBAMA (lei brasileira), enquanto a verdadeira origem e legalidade da madeira permanece em questão. À luz do exposto, o FWS tem preocupações com relação a possíveis ações inadequadas ou comportamento corrupto por representantes da TRADELINK e/ou funcionários públicos responsáveis pelos processos legais e sustentáveis que governam a extração e exportação de produtos de madeira da região amazônica. O FWS abriu uma investigação relativa à TRADELINK EUA, suas práticas de compras, histórico de importação do Brasil e possível envolvimento em práticas corruptas, fraudes e outros crimes”, completa o texto assinado por Bryan Landry, do FWS.

Salles em vistoria na madeireira no dia 31 de março. Foto: Twitter/Ricardo Salles

O assessor de Salles

Um dos depoimentos ouvidos pela Polícia Federal, feito pelo servidor do Ibama Hugo Leonardo Mota Ferreira, lotado na Superintendência de Apuração de Infrações Ambientais (SIAM/GAB/IBAMA), indicou o envolvimento do assessor do ministro, Leopoldo Penteado Butkiewicz, que desde janeiro de 2021 teria passado a atuar de forma direta no Ibama. De acordo com a depoimento, o assessor, braço direito de Salles, participaria dos grupos de Whatsapp da superintendência e “tendo por diversas vezes dado ordens diretamente ao depoente e intercedido em favor de autuados”.

Em maio deste ano, Leopoldo Penteado e a testemunha, o servidor Hugo Ferreira, protagonizaram um bate-boca na sede do Ibama, no dia seguinte à publicação de um relatório, assinado por Hugo, que evidenciava a ineficiência do novo modelo de autuações e sanções ambientais impostos pela atual gestão. O episódio rendeu uma denúncia, protocolada por Hugo na corregedoria do Ibama, na qual o servidor relata ameaças feitas por Leopoldo Penteado, endossadas pelo superintendente Wagner Tadeu Matiota.

Despacho já era questionado na Justiça

Em junho de 2020, o Instituto Socioambiental, a Associação Brasileira dos Membros do Ministério Público do Meio Ambiente e o Greenpeace Brasil, com subsídios técnicos do Observatório do Clima, já havia protocolado na 7ª Vara da Justiça Federal do Amazonas, uma ação civil pública que solicitava a suspensão imediata dos efeitos do despacho publicado em fevereiro do ano passado, que revogou a necessidade de autorização para exportação de madeira.

Em abril deste ano, a Câmara de Meio Ambiente e Patrimônio do Ministério Público Federal também pediu a abertura de investigação para apurar a eventual responsabilidade do presidente do Ibama por assinar despachos que liberaram a exportação de madeira sem fiscalização ambiental, para averiguar se houve improbidade administrativa.

Por decisão liminar de Alexandre Moraes, a validade do despacho foi suspensa nesta quarta-feira (19).

“Vamos ver agora quais crimes que serão descobertos. O fato é que Salles montou um verdadeiro escritório do crime ambiental no Ministério do Meio Ambiente e um dia teria que responder por isso”, disse Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima.

A decisão judicial do ministro do Supremo ressalta ainda um Relatório de Inteligência Financeira (RIF) envolvendo o ministro, que indicou uma movimentação extremamente atípica envolvendo o escritório de advocacia de que Salles é sócio com 50% de participação. Conforme o RIF, no período entre 1º de janeiro de 2012 e 30 de junho de 2020, foram movimentados R$14,1 milhões. “Situação que recomenda, por cautela, a necessidade de maiores aprofundamentos”, aponta Moraes.

Reabertura do caso

O teor da petição (PET 8975) veio de uma notícia-crime apresentada no ano passado contra o ministro Salles pelos senadores Randolfe Rodrigues (Rede-AP) e Fabiano Contarato (Rede-ES), pela deputada federal Joênia Wapichana (Rede-RR) e pelo deputado Alessandro Molon (PSB-RJ), que apontava os supostos crimes de prevaricação e crimes de responsabilidade em razão da manifestação de Salles durante a reunião ministerial realizada em abril de 2020, que eternizou a frase “vamos passar a boiada”.

O caso havia sido arquivado em outubro do ano passado, quando o ministro Alexandre de Moraes acolheu parecer do Procurador-Geral da República, Augusto Aras, que argumentou que na reunião Salles se limitou a manifestar opinião sobre “temas relacionados às diretrizes que poderiam vir a ser, ou não, adotadas pelo Poder Executivo” e que não havia, na petição, nenhum indício real de fato típico praticado por ele. O ministro do STF determinou o desarquivamento a pedido da PF, que apresentou por meio de representação novas provas relacionadas aos fatos descritos na petição.

Líder da oposição na Câmara dos Deputados e um dos parlamentares que assinou a notícia-crime que motivou a petição, Alessandro Molon comentou em suas redes sociais a necessidade de instaurar uma CPI do Meio Ambiente. “Essa operação de hoje da Polícia Federal só reforça a necessidade de se instalar a Comissão Parlamentar de Inquérito [CPI] na Câmara dos Deputados com o objetivo de investigar a gestão de Ricardo Salle. Desde que assumiu a pasta, diversas denúncias de atos ilícitos envolvendo o ministro ou subordinados seus se acumulam, e já passou da hora de investigar essas denúncias. Por isso, nós da Oposição vamos reforçar a coleta de assinaturas para instalar a CPI e a nossa expectativa é alcançar o número necessário ainda hoje”, declarou Molon no vídeo publicado nesta quarta-feira (19).


Duda Menegassi

Jornalista ambiental especializada em unidades de conservação e montanhismo. Escreve para ((o))eco desde 2012. Autora do livr... 

 

Amazônia – Desmatamento causado por mineração ilegal aumenta 90% entre 2017 e 2020

 

Amazônia – Desmatamento causado por mineração ilegal aumenta 90% entre 2017 e 2020

 


Mineração clandestina, em especial de ouro, contamina rios, afeta vida aquática e traz riscos à saúde das comunidades ribeirinhas e populações indígenas

Por Júlio Bernardes, Jornal da USP

A taxa de desmatamento ilegal em áreas de mineração aumentou mais de 90% na Amazônia entre 2017 e 2020, revela artigo escrito por pesquisadores da Escola Politécnica (Poli) da USP e publicado na revista Mudança Ambiental Regional.

De acordo com o trabalho, o avanço da mineração clandestina, especialmente de ouro, além de desmatar áreas de floresta que não são recuperadas, contamina os rios próximos, afeta a vida aquática e causa riscos à saúde das comunidades ribeirinhas e populações indígenas. Os pesquisadores recomendam o rastreio da produção mineral por meio de certificação, ações locais e nacionais para controle do desmatamento, e alertam para os riscos da simplificação da legislação ambiental.

“O artigo procura entender tendências de avanço no desmatamento da mineração nos últimos anos, analisando tanto as taxas anuais em áreas de mineração industrial como alertas anuais de desmatamento resultantes de mineração ilegal”, conta a pesquisadora Juliana Siqueira-Gay, uma das autoras do artigo. O trabalho é parte de uma pesquisa de doutorado que busca investigar os impactos da mineração das florestas. “Os motivos que influenciam no aumento da mineração ilegal, principalmente de ouro, vão desde fatores globais, como a demanda global pelo metal, a fatores locais, como incentivos para expansão das atividades garimpeiras.”

O artigo aponta que a taxa de desmatamento ilegal cresceu mais de 90% de 2017 a 2020, atingindo mais de 100 quilômetros quadrados (km²) no ano de 2020 em comparação com 52 km² em 2017. “A mineração ilegal opera sem compromissos ou regulações ambientais, portanto, não há responsabilização pelos danos causados por essas atividades. O desmatamento e degradação florestal resultantes dessas atividades ocorrem desenfreadamente, sem qualquer comprometimento com a recuperação das áreas afetadas”, relata Juliana. “Além da perda de floresta em si, corpos d’água são contaminados, afetando a vida aquática e ameaçando a saúde de comunidades ribeirinhas e povos indígenas que vivem nas proximidades dessas áreas.”

De acordo com a pesquisadora, para a implantação e operação de projetos de mineração industrial são necessárias licenças ambientais, para as quais são elaborados estudos e são propostas medidas mitigadoras para os impactos significativos. “Dessa forma, busca-se evitar, minimizar e compensar os impactos resultantes dessas atividades”, relata. As licenças são emitidas pelo órgão ambiental responsável que faz o acompanhamento do processo de licenciamento”, relata.

Legislação ambiental

“Atualmente há uma tendência de simplificação da legislação ambiental que vai justamente na contramão de todas as necessidades atuais de devida avaliação das consequências ambientais dos projetos”, alerta Juliana. “A discussão no Congresso do Projeto de Lei 3729, que propõe o fim do licenciamento ambiental, é uma das tentativas de extinguir um dos principais instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente.”

O artigo propõe dois caminhos para o controle do desmatamento decorrente da mineração ilegal, explica a pesquisadora. “Primeiramente, evidenciamos a necessidade de rastreamento do ouro por meio de esquemas de certificação. A rastreabilidade permite que a origem do ouro seja certificada e apenas ouro produzido de forma lícita seja comercializado”, destaca. “Assim, a pressão de compradores para consumo de produtos que tenham sido produzidos de acordo com padrões sociais e ambientais tem potencial de minimizar e coibir o comércio de ouro originado de garimpos ilegais

Além das iniciativas relacionadas especificamente ao comércio de ouro, estratégias locais e nacionais para controle do desmatamento precisam ser fortalecidas. “Estas estratégias, como a criação e manejo de áreas protegidas bem como criação e implementação de instrumentos regulatórios, têm papel fundamental para controle do desmatamento na Amazônia”, conclui a pesquisadora.

Juliana relata que, embora o artigo trate da Amazônia brasileira como um todo, para a pesquisa de doutorado houve visitas em área ameaçada pela mineração ilegal na região do Jari, nos Estados do Amapá e do Pará. “Apesar dos locais de mineração visitados não estarem ativos, o Jari é uma região com altíssimos valores de biodiversidade e com diversas áreas protegidas que permanecem ameaçadas caso a mineração avance na região”, afirma.

O artigo foi elaborado por Juliana Siqueira-Gay, doutoranda do Programa de Pós-Graduação de Engenharia Mineral da Poli, com supervisão do professor Luis Enrique Sánchez, do Departamento de Engenharia de Minas e de Petróleo da Poli.

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 20/05/2021

 

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Poluentes degradáveis se infiltram rapidamente na água subterrânea

 

Poluentes degradáveis se infiltram rapidamente na água subterrânea


Todo o ecossistema do planeta, incluindo os humanos, depende de água limpa. Quando a rocha carbonática sofre erosão, áreas cársticas são formadas, das quais cerca de um quarto da população mundial obtém sua água potável.

Os cientistas têm estudado a rapidez com que os poluentes podem chegar ao abastecimento de água subterrânea em áreas cársticas e como isso pode afetar a qualidade da água potável. Uma equipe internacional liderada pelo Professor Júnior Dr. Andreas Hartmann, da Cadeira de Modelagem Hidrológica e Recursos Hídricos da Universidade de Freiburg, comparou o tempo que a água leva para escoar da superfície para a subsolo com o tempo que leva para os poluentes se decomporem em regiões de rochas carbonáticas na Europa, Norte da África e Oriente Médio. Os pesquisadores publicaram seus resultados na revista científica Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS).

As aplicações anteriores de modelos hidrológicos continentais ou globais enfocaram principalmente a ocorrência de enchentes ou secas e a disponibilidade geral de água potável. No entanto, os cientistas têm negligenciado predominantemente a qualidade da água como um fator importante para a potabilidade da água nessas grandes escalas, em particular a rapidez com que os poluentes podem vazar da superfície da terra para o lençol freático através de rachaduras ou fissuras.

Os resultados da pesquisa atual de Hartmann e sua equipe mostram que em regiões cársticas, que são caracterizadas por um aumento na ocorrência de rachaduras ou fissuras, o risco de poluição por poluentes degradáveis como pesticidas, produtos farmacêuticos ou patógenos é significativamente maior do que o esperado anteriormente. Embora os poluentes sejam considerados de curta duração, até 50 por cento deles ainda podem atingir as águas subterrâneas, dependendo do período de sua decomposição. A principal razão para isso, mostram os pesquisadores, são as vias de infiltração rápidas que permitem que grandes quantidades de água infiltrada atinjam as águas subterrâneas em um curto período.

Particularmente em regiões com solos finos, como a região do Mediterrâneo, os poluentes na superfície podem se infiltrar rapidamente e em altas concentrações na subsolo durante grandes eventos de chuva.

Os pesquisadores de Hartmann demonstraram as consequências usando o exemplo do pesticida degradável Glyphosate. De acordo com seus cálculos, o transporte rápido de glifosato para as águas subterrâneas pode fazer com que exceda seus valores permissivos por um fator de até 19.

O aumento do risco de poluição da água potável ou dos ecossistemas que dependem das águas subterrâneas é particularmente relevante para regiões onde a agricultura depende de fertilizantes degradáveis e pesticidas.

Esta pesquisa foi financiada pelo Programa Emmy Noether da Fundação Alemã de Pesquisa (DFG) no âmbito do projeto de Andreas Hartmann “Avaliação Global do Estresse Hídrico em Regiões Cársticas em um Mundo em Mudança”

Referência:

Hartmann, A. et al. (2021): Risk of groundwater contamination widely underestimated because of fast flow into aquifers. In: PNAS 118 (20). DOI: 10.1073/pnas.2024492118

 

Henrique Cortez, tradutor e editor, a partir de original da University of Freiburg

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 18/05/2021

 

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Poluição das Grandes Fazendas Brasileiras – Quantas Mortes por Ano?







Pesquisa recente publicada pela Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos, a primeira sobre poluição do ar nas fazendas americanas, mostra que mais do que 17 mil mortes por ano são registradas no país.

A agricultura animal é o mais mortal emissor de partículas de poluição do ar, responsável por 80 por cento das mortes da poluição relacionadas com a produção de alimentos.

Os gases associados com estercos e alimentação animal produzem pequenas partículas, que irritam o pulmão, sendo capazes de flutuar por vários quilômetros. Por sua vez, a brisa soprada de uma fazenda de porco carrega gases perigosos: metano, amônia e sulfato de hidrogênio. Além disto, o odor das fazes de porco é muito forte.

Assim sendo, a pobre qualidade do ar é o maior risco de saúde ambiental nos Estados Unidos e no mundo e a agricultura é a maior fonte de poluição do ar, com a produção agrícola causando mais mortes anualmente do que as emissões das fábricas de carvão, de acordo com o estudo acima citado, sendo a maioria das mortes causadas pela produção de alimentos.

Apesar disto, das discussões sobre os impactos de alimentos na saúde ambiental, a qualidade do ar tem sido ausente. Enquanto a poluição das fábricas de carvão e de veículos é bastante regulamentada, o mesmo não acontece com a regulação da qualidade do ar das grandes fazendas. O estudo mostrou ainda as mortes relacionadas com as emissões das cadeias de suprimentos, sendo a produção de determinadas commodities como carne e porco as que mais se destacam. Os locais ou municípios que apresentaram o maior número de morte foram identificados.

Como já foi dito aqui no EcoDebate, “é fundamental que haja mais compreensão sobre as causas e riscos apresentados pela pecuária” no Brasil, considerando o alerta de cientistas “há décadas sobre os riscos das práticas agrícolas intensivas para a saúde pública”.

O danoso modelo agrícola do Brasil, concentrador de terras e frigoríficos e seu insustentável modelo de agronegócios tem que ser estudado considerando seus maléficos efeitos sobre a poluição do ar, que pode ser uma das piores do mundo.

Além disto tem-se que começar a registrar o número de mortes anualmente, causadas pela péssima qualidade do ar oriunda das grandes fazendas, fazendas industriais, frigoríficos e cadeias de suprimentos internacionais. Com a Pandemia, o mundo começou a compreender melhor como o capitalismo nas fazendas industriais e grandes cadeias de abastecimentos funcionam no Brasil, cujo propósito e coletar lucros enquanto o resto de nós arcamos com as consequências.

Para a professora Jannifer Jacquet do Departamento de Estudos Ambientais da Universidade de Nova York, a indústria de carnes está fazendo exatamente o mesmo o que as grandes companhias de petróleo fizeram para enfrentar ações climáticas, conforme matéria do Jornal Washington Post. Contudo, o público aprendeu sobre as táticas destas empresas ao longo de décadas de investigações por jornalistas, pesquisadores, juristas e grupos da sociedade civil como o Centro de Investigação do Clima.

A agricultura americana está começando a ser investigada da mesma forma, embora elas tenham preferência pelas condições climáticas em termos de energia e transporte. Para a professora Jannifer Jacquet, as promessas dos Estados Unidos para o acordo de Paris fez apenas uma referência às “fazendas de animais” e nenhuma à “carne”. Para ela, é tempo de se perguntar por que?

Enquanto os parlamentos das principais economias mundiais estão votando legislações voltadas para um capitalismo responsável, tentando aliviar o sofrimento nestes tempos difíceis, o parlamento brasileiro aproveita o silencio e isolamento da Pandemia para votar o que existe de pior contra a sociedade, a exemplo da recente lei geral do licenciamento ambiental, já chamada da “mãe de todas as boiadas”, em favor do lucro dos gananciosos e uma poluição desenfreada, que vai afetar a saúde e qualidade de vida da população. Ações desta natureza envergonham o mundo, que começa despertar para ações sustentáveis em defesa do meio ambiente e de gerações futuras.

Espera-se que as mudanças externas possam influenciar o nosso modelo agrícola perverso, baseado em atividades agrícolas intensivas, que vem destruindo a Amazônia, os biomas e todos os recursos ambientais da natureza.

Estamos vendo a Comunidade Europeia defendendo sistemas alimentares baseados numa agricultura local e regional, evitando importar toneladas de alimentos das cadeias de suprimentos internacionais, que deixou o mundo assustado e chocado, diante de suas ações antiéticas de enfrentamento do vírus.

Empresas e investidores começam a se interessar pelo chamado ESG (sigla em inglês que significa melhores práticas ambientais, sociais e de governança). Países como Canadá e Estados Unidos começam também a incentivar uma agricultura local e regional, além do surgimento de gigantes da carne de plantas.

A indústria de carnes é muito poderosa em países como Brasil e Estados Unidos, onde a carne ainda é um alimento saboroso, mas os estilos de vida estão mudando. Tanto no Canadá como nos Estados Unidos os guias alimentares buscam reduzir o consumo de carne, sem falar da China que está sugerindo a seus cidadãos uma redução pela metade do consumo de carne.

Enfim, pesquisa do Instituto Gallup mostrou que, em 2019, um em cada quatro americanos reduziu o consumo de carne, principalmente por razões ambientais e de saúde. Com a Pandemia, as questões éticas foram acrescentadas. Os líderes mundiais começam a observar as preferências e desejos dos consumidores, que num período pós-pandêmico podem trazer grandes surpresas. Não se pode esquecer o que disse o ativista Leah Garcés: é mais fácil levar metade dos americanos às comidas vegetarianas do que tornar metade deles vegetarianos.

*José Rodrigues Filho é professor da Universidade Federal da Paraíba. Foi pesquisador nas Universidades de Johns Hopkins e Harvard. Recentemente foi professor visitante na McMaster University, Canadá. https://jrodriguesfilho.blogspot.com/

 

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 20/05/2021

 

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