quarta-feira, 21 de abril de 2021

As plantas prosperam em um mundo complexo, comunicando-se, compartilhando recursos e transformando seus ambientes

 




As plantas prosperam em um mundo complexo, comunicando-se, compartilhando recursos e transformando seus ambientes

Como espécie, os humanos são programados para colaborar. É por isso que o lockdown e trabalho remoto pareciam difíceis para muitos de nós durante a pandemia da COVID-19.

Para outros organismos vivos, o distanciamento social é mais natural. Sou uma cientista vegetal e passei anos estudando como os sinais de luz afetam as plantas, desde o início de seu ciclo de vida – a germinação das sementes – até a queda das folhas ou morte. Em meu novo livro, “Lessons from Plants”, exploro o que podemos aprender com o ajuste ambiental dos comportamentos das plantas.

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Uma lição importante é que as plantas têm a capacidade de desenvolver interdependência, mas também evitá-la quando a conexão pode ser prejudicial. Geralmente, as plantas estão constantemente se comunicando e engajadas com outros organismos em seus ecossistemas. Mas quando essas conexões contínuas ameaçam causar mais danos do que benefícios, as plantas podem exibir uma forma de distanciamento social.

O poder da conexão e da interdependência

Quando as condições são boas, a maioria das plantas trabalha como uma rede de conexões. A grande maioria delas possui fungos que vivem sobre ou dentro de suas raízes. Juntos, os fungos e as raízes formam estruturas conhecidas como micorrizas, que se assemelham a uma teia em forma de rede.

As micorrizas aumentam a capacidade de suas plantas hospedeiras de absorver água e nutrientes, como nitrogênio e fosfato, por meio de suas raízes. Em troca, as plantas compartilham açúcares, que produzem por meio da fotossíntese, com seus parceiros fúngicos. Assim, os fungos e as plantas hospedeiras estão fortemente interconectados e dependem uns dos outros para sobreviver e prosperar.

As conexões micorrízicas podem ligar várias plantas em uma rede em funcionamento. Quando as plantas produzem mais açúcar do que o necessário, elas podem compartilhá-las por meio dessa rede interconectada de fungos de raiz. Ao fazer isso, elas garantem que todas as plantas da comunidade tenham acesso à energia de que precisam para sustentar seu crescimento.

Dito de outra forma, essas conexões se estendem além de uma única planta hospedeira e seu parceiro fúngico. Elas criam relacionamentos comunitários e redes interdependentes de plantas e fungos. Fatores do ambiente externo, como a quantidade de luz disponível para a fotossíntese e a composição do solo ao redor das plantas, ajustam as conexões nessas redes.

As micorrizas também servem como canais de comunicação. Cientistas documentaram que as plantas passam produtos químicos defensivos, como substâncias que promovem resistência contra pragas de insetos, para outras plantas por meio de redes de fungos. Essas conexões também permitem que uma planta que foi atacada por pulgões ou outras pragas, sinalize às plantas vizinhas para ativar preventivamente suas próprias respostas de defesa.

Quando é mais seguro manter distância

Compartilhar recursos ou informações que ajudam outras plantas a evitar o perigo é um exemplo valioso do poder da conexão e da interdependência nos ecossistemas vegetais. Às vezes, no entanto, a sobrevivência exige que as plantas se desconectem.

Quando sinais ambientais, como luz ou nutrientes, tornam-se escassos o suficiente para que uma planta hospedeira produza açúcares por meio da fotossíntese para suportar apenas seu próprio crescimento, permanecer ativamente interconectado em uma rede comunitária maior pode ser perigoso. Sob tais condições, a planta hospedeira perderia mais com o compartilhamento de suprimentos limitados de açúcar, do que ganharia em água e nutrientes com a rede de conexão.

Em momentos como esses, as plantas podem limitar o desenvolvimento e as conexões micorrízicas, restringindo a quantidade de materiais que trocam com seus parceiros fúngicos e evitando fazer novas conexões. Esta é uma forma de distanciamento físico que protege a capacidade das plantas de se sustentarem quando têm suprimentos de energia limitados, para que possam sobreviver por um longo prazo.

Quando as condições melhoram, as plantas podem retomar o compartilhamento com seus parceiros fúngicos e estabelecer conexões adicionais e interdependência. Mais uma vez, elas podem se beneficiar do compartilhamento de recursos e de informações sobre o ecossistema com suas comunidades estendidas de plantas e fungos.

https://twitter.com/n_j_day/status/1030502546190741504

Reconhecendo parentesco e colaboração

O distanciamento social não é o único truque que as plantas usam para abrir seu caminho no mundo. Elas também reconhecem plantas relacionadas e ajustam suas habilidades para compartilhar ou competir de acordo. Quando as plantas interconectadas por uma rede de fungos são parentes genéticos próximos, elas compartilham mais açúcares com os fungos dessa rede do que quando as outras plantas são aparentadas de maneira mais distante.

Priorizar parentes pode parecer altamente familiar para nós. Os humanos, como outros organismos biológicos, frequentemente contribuem ativamente para ajudar seus parentes a sobreviver. As pessoas às vezes falam disso como um trabalho para garantir que o “nome de família” continue vivo. Para as plantas, sustentar parentes é uma forma de garantir que carreguem seus genes.

As plantas também podem transformar aspectos de seu ambiente para melhor apoiar seu crescimento. Às vezes, os nutrientes essenciais que estão presentes no solo são “presos” de uma forma que as plantas não conseguem absorver: por exemplo, o ferro pode se ligar a outros produtos químicos em formas muito semelhantes à ferrugem. Quando isso acontece, as plantas podem excretar compostos de suas raízes que essencialmente dissolvem esses nutrientes, em uma forma que as plantas podem usar prontamente.

As plantas podem transformar seus ambientes dessa forma, individualmente ou coletivamente. As raízes das plantas podem crescer na mesma direção, em um processo colaborativo conhecido como enxameação, que é semelhante a enxames de abelhas ou bandos de pássaros. Esse enxame de raízes permite que as plantas liberem muitos produtos químicos em uma determinada região do solo, o que libera mais nutrientes para o uso das plantas.

Melhores juntas

Comportamentos como simbiose micorrízica, reconhecimento de parentesco e transformação ambiental colaborativa sugerem que, em geral, as plantas são melhores juntas. Ao permanecer em sintonia com seu ambiente externo, as plantas podem determinar quando trabalhar em conjunto e promover a interdependência é melhor do que trabalhar sozinha.

Quando reflito sobre essas conexões ajustáveis ​​e de interdependência entre plantas e fungos, busco inspiração constante – especialmente durante este ano de pandemia. À medida que avançamos em um mundo em constante mudança, as plantas oferecem todos os tipos de lições para os humanos sobre independência, interdependência e apoio mútuo.

Fonte: The Conversation / Beronda L. Montgomery
Tradução: Redação Ambientebrasil / Maria Beatriz Ayello Leite
Para ler a reportagem original em inglês acesse: 
https://theconversation.com/plants-thrive-in-a-complex-world-by-communicating-sharing-resources-and-transforming-their-environments-156932

Governo e ruralistas pressionam por lei polêmica que beneficia desmatadores da Amazônia

 


Governo e ruralistas pressionam por lei polêmica que beneficia desmatadores da Amazônia

Ambientalistas dizem que aprovação da proposta de Irajá alimentaria a grilagem de terras, uma das principais causas para o desmatamento na Amazônia – AFP

Enquanto o Brasil é cobrado no exterior a reduzir o desmatamento na Amazônia, o governo Jair Bolsonaro e a bancada ruralista pressionam pela aprovação de um Projeto de Lei que mudaria as regras para legalização de áreas públicas de floresta e que, segundo críticos, poderia facilitar que desmatadores se apropriem legalmente de áreas ocupadas.

O Projeto de Lei (PL) 510/2021 alteraria as regras atuais o que possibilitaria que terras públicas desmatadas ilegalmente se tornem propriedade de quem as ocupou.

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A iniciativa busca, segundo seus defensores, corrigir injustiças históricas e atender agricultores que não têm títulos das áreas onde operam.

governo e a bancada ruralista dizem que a proposta promoveria a “regularização fundiária” em terras da União, o que impulsionaria a produção de alimentos e até mesmo facilitaria o controle do desmatamento.

Já críticos dizem que a iniciativa premiaria a grilagem (apropriação ilegal de terras públicas) e estimularia a destruição de novas áreas de floresta.

A proposta poderia abrir caminho para a privatização até de áreas derrubadas atualmente, quando o desmatamento na Amazônia registra seus maiores índices em 12 anos.

Há outra proposta semelhante em tramitação na Câmara dos Deputados, o PL 2.633/2020, mas ruralistas e o governo têm dado preferência ao Projeto de Lei 510/2021, de autoria do senador Irajá Abreu (PSD-TO), filho da também senadora Kátia Abreu (PSD-TO), ex-ministra da Agricultura no governo Dilma Rousseff..

A proposta está no plenário do Senado, pronta para ser votada. Em 25 de março, a ministra da Agricultura, Tereza Cristina (DEM-MS) esteve na Casa e defendeu a aprovação do projeto.

Sem destinação definida

O PL510/2021 trata dos critérios para a privatização de terras públicas federais não destinadas. A expressão significa que essas terras pertencem à União mas não tiveram uma destinação definida, como virarem parques nacionais ou assentamentos para reforma agrária, por exemplo.

Terras públicas não destinadas são alvos preferenciais de grileiros, que as invadem apostando que um dia elas acabarão se tornando sua propriedade e que eles poderão lucrar com a venda dos lotes.

A proposta teria validade em todo o território nacional, mas seu impacto seria maior na Amazônia, que concentra a maior parte das terras públicas não destinadas no país.

Preservação da Amazônia é considerada crucial para atenuar as mudanças climáticas, pois a floresta em pé armazena grande quantidade de carbono – GETTY IMAGES

Segundo o Ministério da Agricultura, na Amazônia, essas áreas somam cerca de 57 milhões de hectares, ou pouco mais do que o território da França.

Pedido de rejeição

Na última semana, 40 parlamentares alemães enviaram aos presidentes do Congresso brasileiro uma carta pedindo a rejeição a três projetos de lei que, segundo o grupo, elevariam o desmatamento e a violência contra povos indígenas no Brasil.

A proposta sobre regularização fundiária é uma das três, ao lado de um projeto que regulamentaria a mineração em terras indígenas e de uma proposta para alterar regras de licenciamento ambiental.

A iniciativa alemã se soma a uma série de queixas sobre o desmatamento no Brasil por parte de autoridades estrangeiras, que consideram a preservação da Amazônia central para o combate às mudanças climáticas.

No fim de março, o Departamento de Estado dos EUA afirmou a jornalistas em Washington que espera ver uma redução no ritmo de destruição na Amazônia ainda neste ano e que não descarta impor sanções contra o Brasil se o país não se empenhar no tema.

O desmatamento na região também tem sido usado por países europeus como argumento para frear as negociações do acordo de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia.

Facilidades para privatizar terras públicas

O texto do Projeto de Lei 510/2021 se baseia numa Medida Provisória (MP) editada pelo presidente Jair Bolsonaro em 2019, que caducou por não ter sido aprovada no Congresso dentro do prazo.

Mas a proposta apresentada pelo senador Irajá vai além da MP e gera facilidades adicionais para a privatização de terras públicas desmatadas ilegalmente.

Pela lei atual, só podem ser privatizadas sem licitação áreas públicas desmatadas até 22 de dezembro de 2011. Pela proposta de Irajá, o prazo seria prorrogado em três anos, até dezembro de 2014.

Entre as condições exigidas para a privatização citadas na proposta do senador estão:

– a ocupação da terra ser “mansa e pacífica” (exercida sem oposição e de forma contínua);

– não haver no local trabalhadores em condições análogas à escravidão;

– a área não estar embargada por conta de infração ambiental;

– existir na área “cultura efetiva” (qualquer atividade “agropecuária, agroindustrial, extrativa, florestal, pesqueira, de turismo ou outra atividade similar que envolva a exploração do solo”) desde antes de dezembro de 2014.

Normalmente, mudanças na lei de regularização fundiária buscam postergar o chamado marco temporal das ocupações. Marco temporal é o prazo até o qual áreas públicas ocupadas podem ser privatizadas. Ou seja, postergando-se o marco temporal, amplia-se a quantidade de pessoas capazes de regularizar suas ocupações.

A proposta de Irajá, porém, inova ao criar uma brecha para a regularização de terras ocupadas mesmo após o marco temporal estabelecido no próprio projeto de lei, que é dezembro de 2014. Áreas desmatadas após esse prazo também poderiam ser regularizadas, desde que esses terrenos não suscitem “interesse público e social”.

Autor da proposta, Irajá Abreu (PSD-TO) é filho da ex-ministra e também senadora Katia Abreu (PSD-TO) – AGÊNCIA SENADO

Isso porque um trecho do projeto diz que as áreas rurais que não cumpram os requisitos para regularização ainda assim “poderão ser alienadas (vendidas) por meio de licitação pública, no limite de dois mil e quinhentos hectares, garantindo-se o direito de preferência à pessoa natural ocupante do imóvel”.

Para Brenda Brito, pesquisadora do Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia), a brecha na proposta do senador “busca atender todo mundo que teve pedidos (de regularização) rejeitados ou venha a ter”.

“Se isso passa, o marco temporal da ocupação (dezembro de 2014) pouco importa, pois até quem ocupar uma área hoje poderá conseguir o título”, afirma Brito, doutora em Ciência do Direito com ênfase em direito ambiental pela Stanford University (EUA).

Questionado pela BBC News Brasil, Irajá confirmou que a proposta permitiria a legalização de terras desmatadas após 2014.

Em resposta por escrito às perguntas enviadas, ele afirmou que o projeto busca atender “milhares de famílias de produtores que aceitaram o desafio proposto pelo governo de ocupar áreas não povoadas (na Amazônia) na década de 1970 e até hoje, passados mais de 50 anos, não receberam os títulos de suas propriedades.”

Segundo o senador, “147 mil famílias de pequenos produtores aguardam desde a década de 1970 os títulos definitivos de suas propriedades para financiarem suas atividades como custeio e investimentos”.

A BBC então questionou: se o projeto foi pensado em quem ocupou a Amazônia na década 1970, por que permitir a regularização de áreas desmatadas até os dias de hoje?

A assessoria de Irajá respondeu então que o projeto “não visa exclusivamente quem recebeu terra em 1970”. “Isso (ocupação da Amazônia) é um processo que vem desde aquela época até hoje”, disse um assessor.

Segundo Irajá, a “regularização fundiária garante empregos e renda no campo, além de permitir que os órgãos de controle (…) possam fiscalizar se as leis estão sendo cumpridas por seus proprietários”.

“A ideia é trazer produtores e famílias para dentro da formalidade, dar dignidade, estimulando a produção formal e econômica, dando a essas pessoas os seus direitos até para poder cobrar delas as suas obrigações junto ao Estado”.

Para o analista ambiental Hugo Loss, no entanto, é improvável que grandes desmatadores usem os próprios nomes para registrar os lotes a serem regularizados.

Ele afirma que, assim como já fazem hoje, muitos deverão recorrer a terceiros (“laranjas”) para driblar a fiscalização.

Preços abaixo do mercado

Pela proposta de Irajá Abreu, áreas desmatadas até maio de 2012 poderiam ser doadas ou vendidas aos postulantes por valor entre 10% e 50% do preço de tabela do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), que são mais baixos que os preços de mercado.

Para as áreas desmatadas entre maio de 2012 e dezembro de 2014, seria cobrado o valor máximo da tabela do Incra.

Outra mudança na proposta de Irajá trata da exigência de vistoria nas áreas a serem regularizadas, quando fiscais checam in loco se os terrenos cumprem os requisitos para a privatização.

Na legislação atual, ficam dispensados de vistoria os lotes com até 4 módulos fiscais, área que corresponde a até 400 hectares em algumas partes da Amazônia.

O projeto de Irajá ampliaria a dispensa de vistoria para lotes com até 2.500 hectares, extensão que configura uma grande propriedade rural em qualquer parte do Brasil.

A checagem sobre a data de ocupação do lote seria feita por imagens de satélite.

Outra mudança na proposta do senador é a possibilidade de que pessoas que já tenham outras terras em seus nomes consigam regularizar um terreno desmatado ilegalmente, se a soma total das áreas não ultrapassar 2.500 hectares.

Hoje só quem não possui terras em seu nome pode regularizar terrenos ocupados ilegalmente.

Segundo Irajá, a mudança busca atender pessoas que tenham recebido pequenas propriedades como herança.

“Esse produtor encarou o desafio proposto pelo governo, partiu para áreas inóspitas deixando sua vida para trás e merece ter o título definitivo de sua propriedade mesmo que tenha ao longo do caminho recebido uma herança”, afirma o senador.

Mudanças sucessivas

A legislação atual já prevê formas de regularizar terras ocupadas na Amazônia – ainda que com critérios menos flexíveis.

O projeto do senador busca mudar principalmente a Lei 11.952, de 2009, e que foi alterada pela última vez em 2017.

Para Brenda Brito, do Imazon, em vez de alterar a lei mais uma vez, o Congresso e o governo deveriam trabalhar para que a lei atual seja aplicada. Isso implicaria aumentar os investimentos no Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), contratando e qualificando os profissionais responsáveis pela regularização fundiária.

Nos últimos anos, porém, ela afirma que o órgão tem perdido receitas e prestígio junto ao governo.

Embora ministros de Bolsonaro digam que a regularização fundiária é uma prioridade da gestão, em 2019, o governo entregou um único título de propriedade rural definitivo na Amazônia.

Em 2020, foram 553 – ainda assim bem abaixo da média de 3.190 títulos/ano, medida entre 2009 e 2020.

Brito diz ter recebido os dados com base na Lei de Acesso à Informação.

Para a pesquisadora, mudanças frequentes na lei geram a expectativa de mudanças futuras que flexibilizem ainda mais os critérios de regularização, estimulando novos ciclos de desmatamento.

O poder da expectativa

Desmatamento na Amazônia atingiu em 2020 o maior índice dos últimos 12 anos – GETTY IMAGES

Em artigo recente na revista acadêmica digital Amazônia Latitude, o analista ambiental Hugo Loss analisa como a expectativa de ganhos futuros alimenta a grilagem na Amazônia.

No texto, intitulado “Grilagem como causa do desmatamento na Amazônia”, ele diz que grileiros invadem e desmatem terras com base na expectativa de que lucrarão com a comercialização da área.

“Custa caro desmatar, é um investimento. E esse investimento só vale se houver expectativa de recompensa”, ele afirma à BBC News Brasil.

“Quando há a expectativa de regularizar, há estímulo para que se invista mais (no desmatamento)”, afirma.

Segundo Loss, quando autoridades defendem flexibilizar os critérios para a regularização fundiária, há tendência de aumento no desmatamento.

Loss diz que dados do Prodes, o sistema de monitoramento do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), mostram que a grilagem é a causa de 60% do desmatamento na Amazônia.

O analista afirma que o Brasil já dispõe de tecnologia eficiente para detectar o desmatamento, portanto ele não considera prioritário investir em novas técnicas.

Para ele, a ênfase deveria ser investir em recursos humanos, para investigar e desarticular quadrilhas de grileiros.

Além disso, Loss diz que “o Estado tem de transmitir para a sociedade uma mensagem coesa e unívoca de que o desmatamento ilegal vai ser punido”.

“Na medida em que se transmite essa mensagem, a expectativa que move a grilagem tende a baixar.”

A BBC News Brasil pediu à Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), principal associação agropecuária brasileira, uma entrevista sobre a proposta de Irajá. Em seu site, a organização defende a aprovação do projeto.

A assessoria de órgão respondeu solicitando que as perguntas fossem enviadas por escrito. A CNA, porém, não respondeu as questões.

Fonte: BBC

Estudo liga montadoras europeias a desmatamento na Amazônia

 


Estudo liga montadoras europeias a desmatamento na Amazônia

COURO PROVENIENTE DE GADO CRIADO EM ÁREAS DE DESMATAMENTO ILEGAL POSSIVELMENTE VIRA ASSENTOS DE CARROS DA VOLKSWAGEN, BMW, DAIMLER, GRUPO PSA E RENAULT, APONTA RELATÓRIO DA RAINFOREST FOUNDATION NORWAY.

Para especialistas, monitorar origem do couro é ainda mais complicado que a da carne

Pela complexa rede de comércio internacional que usa produtos ilegais vindos da Amazônia, a indústria automotiva europeia provavelmente não passa ilesa. Assentos de couro dos veículos de montadoras como Volkswagen, BMW, Daimler, grupo PSA (Peugeot, Citroen, Opel) e Renault possivelmente carregam marcas de desmatamento ilegal, difíceis de serem rastreadas, denuncia um relatório publicado nesta sexta-feira (16/04) pela Rainforest Foundation Norway.

Maior exportador de couro bovino do mundo, o Brasil fornece cerca de 30% desse material para a indústria automotiva mundial. Até virar estofado de veículos, o couro pode ter sido removido do gado criado numa área desmatada ilegalmente na Floresta Amazônica, aponta a fundação sediada em Oslo.

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“O objetivo do relatório é dar uma visão ampla de que há um setor que precisa ser estudado e que precisa de transparência”, afirma à DW Joana Faggin, principal autora do estudo, sobre a  contribuição indireta da indústria automotiva para o desmatamento. “Atualmente, nenhuma montadora consegue provar que não está envolvida nisso”, complementa.

Com ritmo acelerado de destruição, a Amazônia perdeu em 2020 a maior área dos últimos 12 anos, 11.088 km², segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). A criação de gado continua sendo o principal motor da devastação: mais de 90% do desmatamento é ilegal e dá lugar a pastos, apontam estudos do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon).

Seguir os vestígios dos animais que ocupam essas áreas desmatadas ilegalmente é um grande desafio. “Se o consumidor europeu quiser saber de onde vem o couro, ele vai esbarrar em muitas dificuldades. Essa indústria tem uma cadeia de fornecedores complexa, é muito difícil seguir o caminho do produto depois do matadouro”, diz Faggin.

Uma rota obscura

Para tentar entender a origem do couro de componentes usados pelas montadoras, o relatório se aprofundou nas trocas comerciais. O mapeamento foi feito com base em documentos das empresas, pesquisas já publicadas, estudos de casos que mostram crimes ambientais cometidos por fazendas que vendem gado no Brasil, e informações disponíveis na plataforma Panjiva – base de dados sobre o comércio global.

A análise identificou três rotas principais de exportação: Brasil – Ásia (China, Indonésia e Tailândia); Brasil – América do Norte (México e Estados Unidos); Brasil – Europa (Itália, Alemanha e Eslovênia).

Dos curtumes brasileiros até os carros europeus, a matéria-prima chega ao continente em maior quantidade pela Itália, em forma de couro cromado, chamado de wet blue.

Depois de mais uma etapa de beneficiamento, o material é vendido para as fábricas de assentos. É principalmente na República Tcheca e na Alemanha, que detêm 22% e 13% desse mercado global, respectivamente, que os bancos são finalizados e entregues para as montadoras. 

Segundo o estudo, quem compra dos grandes fornecedores brasileiros não pode assegurar que o material não tenha vindo de áreas desmatadas. “Ao contrário, o relatório mostra uma alta probabilidade de que o desmatamento seja um fator nessa cadeia de abastecimento”, diz o documento.

A maior parte do que é exportado pelo Brasil vem de curtumes localizados na Amazônia Legal, que extraem a pele do gado criado e abatido na região. JBS Couros, Minerva Couros, Vancouros, Fuga Couros, Durlicouros, Mastrotto Brasil e Viposa, os sete maiores fornecedores da indústria europeia, são listados como empresas que têm alguma ligação com o corte da floresta, não necessariamente ilegal.

Burlando as regras

Como ocorre na cadeia da carne, o ponto de partida para rastrear a origem do couro é o gado. No Brasil, que tem cerca de 214 milhões de cabeças e o maior rebanho bovino do mundo, esse trajeto pode esconder armadilhas.

Metade desses animais estão na Amazônia e avançam sobre a floresta, onde muitos produtores burlam leis ambientais para vender, com aparência de legalidade, o gado que ocupa áreas desmatadas e unidades de conservação.

A prática mais conhecida é a “lavagem de gado”, transferência de animais de fazendas ilegais para outras que são autorizadas a fazer a venda final, um método que engana os sistemas de monitoramento.

“Todo mundo sabe, inclusive os frigoríficos, que é no fornecedor indireto que está o problema. Apesar dos grandes frigoríficos terem assinado um acordo para acabar com isso, nenhum deles conseguiu muitos avanços no monitoramento dos fornecedores indiretos”, comenta Faggin sobre o esquema.

Embora a prática clandestina seja bastante conhecida, as empresas que compram gado da Amazônia têm feito pouco para se livrar do risco, avalia Paulo Barreto, pesquisador do Imazon. O instituto desenvolveu uma metodologia que mede o grau de exposição ao desmatamento de cada frigorífico da região com base em informações sobre o local onde o gado é adquirido, distância da fazenda, existência de estradas, entre outros.

O que dizem as exportadoras de couro

Das sete empresas citadas no relatório, quatro responderam aos questionamentos da DW Brasil até o fechamento desta reportagem. 

A JBS, gigante do setor, negou qualquer ligação com desmatamento ilegal e citou uma ferramenta online criada que faria o rastreamento do couro, a JBS360.

Sobre o problema da ilegalidade escondida nos fornecedores indiretos, a empresa afirmou que a Plataforma Pecuária Transparente, lançada em 2020, estende o “alcance de seu monitoramento aos fornecedores de seus fornecedores” e que trará uma “solução definitiva” até 2025.

A Minerva, por sua vez, diz ter firmado o compromisso de eliminar de toda sua cadeia o desmatamento ilegal, e que planeja integrar uma nova ferramenta “ao seu sistema de monitoramento geográfico para a Amazônia, que proporciona uma avaliação de riscos relacionados às fazendas fornecedoras indiretas”. Os prazos, por outro lado, não são claros.

A empresa admitiu ainda o desafio de garantir a origem do couro, mas afirmou possuir um sistema de rastreabilidade das peles após a saída do frigorífico e processamento nos curtumes que garante “100% dos couros processados nas suas unidades do Brasil”.

A Vancouros se limitou a afirmar que tem uma “politica de compra de matéria-prima, assim como certificações ligadas a esse tema”.

A Viposa enviou uma resposta semelhante, afirmando ter “uma política para compra de matéria-prima (couro), além de certificações e ações relacionadas aos temas de rastreabilidade, sustentabilidade e meio ambiente”.

O que dizem as montadoras

A Volkswagen criticou o relatório alegando imprecisões. “Para as marcas do Grupo Volkswagen, podemos afirmar que o couro brasileiro costuma ser curtido ao cromo. No entanto, na Europa, o grupo Volkswagen usa apenas couro curtido sem cromo”, informou.

A montadora diz ter “compromisso por escrito” de todos os fornecedores de que nenhum material tem relação com desmatamento ilegal na Amazônia. 

A BMW afirmou ter a mesma garantia de seus fornecedores. Segundo a marca, o couro do Brasil representa atualmente cerca de 5% do seu estoque total usado. “Isso representará 1% no final do próximo ano, o que irá diminuir para 0% no médio prazo, conforme reestruturarmos nossas cadeias de suprimentos de couro e não dependermos mais do couro da América do Sul”, diz a nota enviada à DW Brasil.

A Daimler, fabricante da Mercedes-Benz, alega exigir nos contratos com fornecedores que os produtos entregues sejam livres de desmatamento ilegal. “Especificamente, o fornecedor deve confirmar que as peles processadas para os produtos entregues à Mercedes-Benz são provenientes de bovinos criados fora das áreas da Amazônia, Cerrado, Pantanal, Gran Chaco, Mata Atlântica e Chocó-Darién”, complementou.

A PSA preferiu não se pronunciar até ter acesso à totalidade do relatório da Rainforest Foundation Norway.

A Renault não se manifestou.

Certificação e pressão internacional

Citado por algumas exportadoras, o Leather Working Group (LWG), organização de certificação de couro mais aceita internacionalmente, teria algumas limitações para garantir a origem do material, segundo a Rainforest Foundation Norway.

“O fornecedor entrega uma declaração ao LWG dizendo que não tem ligação com desmatamento. Não há uma verificação rigorosa”, diz Faggin.

É por isso que, para os autores do estudo, a indústria automobilística se torna cúmplice se continuar comprando de quem adquire a matéria-prima vinda do desmatamento na Amazônia, como aponta o relatório.

“Todas as cinco grandes montadoras de automóveis da Europa [Volkswagen, BMW, Daimler, grupo PSA e Renault] não têm um política forte de controle sobre isso”, conclui o estudo.

Para Paulo Barreto, do Imazon, é importante que o debate gere grande repercussão internacional.

“Monitorar a origem do couro é ainda mais complicado que a da carne. Tivemos mudanças por causa da pressão internacional, mas são muito pequenas diante do tamanho do problema. Existem muitas brechas, há várias responsáveis, como empresas e setor financeiro, que têm um braço internacional grande”, diz. “É preciso muito mais esforço.”

Fonte: Deutsche Welle