quinta-feira, 31 de janeiro de 2019

MPT atribui tragédia de Brumadinho à mais grave violação de normas da história

investigação

MPT atribui tragédia de Brumadinho à mais grave violação de normas da história

Atuante na força-tarefa para enfrentar o crime socioambiental, instituição divulga nota contra a negligência da Vale e diz que vai apurar responsabilidades criminal, civil e trabalhista
por Redação RBA publicado 27/01/2019 16h41 
 
Cadu Rolim /Fotoarena/Folhapress
moradores observam o rio paraopeba.jpg
Moradores de Brumadinho observam de uma ponte as águas do Rio Paraopeba, dominadas pela lama da Vale

São Paulo – O Ministério Público do Trabalho (MPT) vai realizar um diagnóstico do crime socioambiental de Brumadinho, com vistas à apuração de responsabilidades criminal, civil e trabalhista, afirmou a instituição em nota divulgada neste domingo (27). Para a instituição, a tragédia representa um dos mais graves eventos de violação às normas de segurança do trabalho na história da mineração no Brasil.

O procurador-geral do Trabalho, Ronaldo Fleury, constituiu grupo específico de trabalho para investigação e adoção das medidas de responsabilização cabíveis em relação aos trabalhadores vitimados e ao Meio Ambiente do Trabalho. “Essa tragédia demonstra a precariedade das condições de trabalho a que estão expostos os trabalhadores no Brasil e a imprescindibilidade dos órgãos de defesa dos direitos sociais”, disse Fleury. “Imperioso ressaltar que a grande maioria das vítimas são trabalhadores que perderam suas vidas nas dependências da empresa”.

No rompimento da barragem de Mariana, em 2015, o MPT investigou e apontou as irregularidades e as deficiências nas medidas de prevenção. As principais medidas não foram aceitas pelas empresas Samarco/Vale, na tentativa de acordo na via administrativa. Entre elas, verificar a estabilidade da mina, condições de higiene e segurança do trabalho e realização de estudos e projetos exigidos pelos órgãos fiscalizadores e pagamento de dano moral coletivo pelos prejuízos. Isso levou o MPT a propor Ação Civil Pública perante a Vara do Trabalho de Ouro Preto, em outubro de 2017, que ainda se encontra pendente de julgamento. Há audiência marcada para o dia 27 de fevereiro e pedidos de liminares, para acelerar o trâmite, não foram atendidos.



Confira a íntegra da nota:


O Ministério Público do Trabalho (MPT) vem a público externar a sua mais ampla preocupação com o rompimento da barragem de Brumadinho em Minas Gerais, que ocasionou um dos maiores acidentes de trabalho já registrados no Brasil.

O trágico acontecimento se repete há pouco mais de três anos daquele ocorrido em Mariana em 2015 e demonstra negligência com o cumprimento das normas de segurança no trabalho na atividade de mineração.

Desde o primeiro episódio, ocorrido em Mariana, em 2015, o MPT investigou e apontou as irregularidades e as deficiências nas medidas de prevenção e segurança no trabalho.

Naquele primeiro caso, as medidas preventivas que poderiam ter evitado inclusive essa nova tragédia do rompimento de barragens de rejeitos da mina Córrego do Feijão, da empresa Vale, em Brumadinho, na última sexta-feira (25) não foram atendidas pela empresa na via administrativa.
Entre elas, verificar a estabilidade da mina, condições de higiene e segurança do trabalho e realização de estudos e projetos exigidos pelos órgãos fiscalizadores.

Por esse motivo, o MPT propôs ação civil pública perante a Vara do Trabalho de Ouro Preto em 26/10/2017 que ainda se encontra em andamento, com audiência designada para 27/02/2019, tendo sido indeferidos os pedidos liminares formulados e que tinham por objetivo a prevenção de outros acidentes de trabalho, provocados por negligências no cumprimento das normas de segurança do trabalho.

Diante da gravidade da situação e da repetição de fatos trágicos, foi instituída força-tarefa integrada pelas instituições com atribuição sobre o caso, com a participação do MPT. A prioridade são ações de socorro. Em seguida, haverá o diagnóstico do desastre com vistas à apuração de responsabilidades criminal, civil e trabalhista.

A Procuradora-chefe do MPT em Minas Gerais, Adriana Augusta Souza, esteve presente em Brumadinho, externando imensa preocupação com o número de trabalhadores que podem ter sido vitimados e reforçando a importância da atuação interinstitucional articulada, destacando que: “Essa força tarefa vai nos possibilitar uma efetiva troca de informações e de dados, num esforço de consenso de estratégias e repartição de responsabilidades, segundo a legitimidade de cada órgão. Para além dessa atuação interinstitucional, entrará em ação no MPT em Minas um grupo de trabalho que nos permitirá cuidar do caso com a celeridade que ele requer”.

O Procurador-Geral do Trabalho, Ronaldo Curado Fleury, constituiu, no âmbito do MPT, grupo específico de trabalho para investigação e adoção das medidas de correção e responsabilização cabíveis em relação aos trabalhadores vitimados e ao Meio Ambiente do Trabalho. “Essa tragédia demonstra a precariedade das condições de trabalho a que estão expostos os trabalhadores no Brasil e a imprescindibilidade dos órgãos de defesa dos direitos sociais”.

Estima-se que este seja o mais grave evento de violação às normas de segurança do trabalho na história da mineração no Brasil. Procuradores do Trabalho já estão colhendo elementos iniciais para subsidiar o andamento das investigações e a responsabilização dos culpados.

Entre os três maiores segmentos econômicos no estado de Minas Gerais, a exploração mineral emprega grande número de trabalhadores submetidos aos mais diversos riscos à saúde e segurança presentes neste ambiente de trabalho. “Um novo acidente, em tão curto intervalo de tempo, preocupa sobremaneira os órgãos de proteção e sinaliza a importância das ações de fiscalização de rotina no meio ambiente de trabalho”, defende Adriana Augusta, que externou profunda preocupação com as vítimas e seus familiares. Registrou, também, preocupação com os operários que seguem em atividade em outras unidades.

A força-tarefa interinstitucional é também constituída pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), Ministério Público Federal (MPF), Advocacia Geral do Estado (AGE), Defensoria Pública do estado, polícias Civil e Militar de Minas, Defesa Civil e Corpo de Bombeiros. Nova reunião está agendada para a próxima semana.

Imperioso ressaltar que a grande maioria das vítimas são trabalhadores que perderam suas vidas nas dependências da empresa.

Além de solidarizar-se com as vítimas, o MPT reafirma que continuará trabalhando, firme no compromisso com o primado do trabalho e com a concretização da dignidade da pessoa humana e do meio ambiente do trabalho hígido, parâmetros que condicionam a licitude das atividades econômicas, por expressa disposição constitucional.

De Mariana a Brumadinho: o Brasil na contramão


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ISA
Em editorial, o ISA critica o enfraquecimento do licenciamento e da fiscalização, causa dos mais mortais crimes ambientais do País
Desastre de Brumadinho (MG)
Depois que ocorrem eventos extremos que causam comoção social, geralmente medidas concretas e urgentes são anunciadas pelas autoridades, visando evitar a repetição do fato danoso. O caso do desastre de Mariana (MG), contudo, é uma clara exceção à regra. No lugar de dotar órgãos fiscalizadores com estrutura e recursos para garantir a segurança das barragens, seguiu-se a inércia e negligência governamentais.
Não houve responsabilização e punição adequadas das empresas envolvidas, assim como as vítimas seguem, após mais de três anos, sem medidas que lhes assegurem condições dignas de vida.
Para piorar, desde o desastre, os sinais vindos de Brasília seguiram em direção oposta ao que seria necessário para evitar outra tragédia. Ao contrário de fortalecer o licenciamento ambiental, instrumento central da Política Nacional do Meio Ambiente, avançaram proposições legislativas destinadas a enfraquecê-lo – ou simplesmente eliminá-lo.
Desde Mariana, o País remou contra o fluxo da segurança e da prevenção e o resultado não demorou a acontecer: o rompimento de mais uma barragem de rejeitos minerários, agora em Brumadinho (MG), na maior tragédia socioambiental com vítimas fatais da história brasileira.

Sucateamento de órgãos fiscalizadores

O desastre de Mariana escancarou o sucateamento dos órgãos ambientais e minerários. Devido a um contínuo processo de desinvestimento nos âmbitos federal e estadual, esses órgãos não têm condições de cumprir as atribuições determinadas pela legislação.
Segundo o último Relatório de Segurança de Barragens, produzido pela Agência Nacional de Águas (ANA) sobre 2017, há um total de 24.092 barragens no Brasil, incluindo as destinadas à irrigação, aquicultura, hidrelétrica e rejeitos minerários. Dessas, apenas 3% foram efetivamente vistoriadas pelos órgãos fiscalizadores. Das 790 barragens de rejeitos minerários sob responsabilidade da Agência Nacional de Mineração (ANM), apenas 27% ou 211 foram avaliadas. Do orçamento federal destinado à fiscalização de barragens, foram utilizados somente 23% do previsto.
É preciso que se compreenda, urgentemente, que a falta de condições institucionais desses órgãos, além de impor inaceitáveis riscos ao meio ambiente e à população, prejudicam os próprios empreendedores, que reclamam do tempo necessário para a obtenção de licenças ambientais.
O caminho para impedir novas tragédias é o do fortalecimento desses órgãos e da transparência das informações. Aliás, de nada adianta pretender agilizar o processo de licenciamento por alterações da lei se permanecer a política deliberada de desestruturação da fiscalização.

Propostas de enfraquecimento do licenciamento

Igualmente grave é o apetite de alguns parlamentares e do lobby da mineração por enfraquecer o licenciamento ambiental, cuja principal função é prevenir impactos socioambientais. Apenas 20 dias após o rompimento da barragem de Mariana, uma comissão especial do Senado aprovou o Projeto de Lei (PL) n.º 654/2015, que estabelece o “licenciamento a jato” para empreendimentos de infraestrutura, justamente aqueles com maiores impactos e riscos socioambientais. Menos de seis meses após a mesma tragédia, a Comissão de Constituição e Justiça do Senado aprovou a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) n.º 65/2012, que simplesmente extingue o licenciamento. Na Câmara, está pronto para votação em plenário o PL n.º 3.729/2004, apelidado de “licenciamento flex”, que dispensa de licenciamento atividades com potencial degradador e permite o licenciamento autodeclaratório, com emissão automática da licença, sem análise prévia do órgão ambiental. Não bastasse isso, a proposta de um novo Código de Mineração acabou se consolidando parcialmente por meio de três Medidas Provisórias (MPs) que ignoram qualquer questão de segurança socioambiental.
Apesar disso, não avançou nenhuma proposta voltada ao fortalecimento dos instrumentos de fiscalização e prevenção, como a que impõe sistemas de emergência para todas as barragens de rejeitos minerários.

Retrocessos nos Estados

Os retrocessos em âmbito federal foram acompanhados de propostas similares nos estados, entre os quais Minas Gerais. Dois meses após Mariana, a Assembleia Legislativa aprovou a Lei n.º 21.972/2016, proposta pelo Executivo estadual, que igualmente enfraquece o licenciamento. Com base na nova lei e seus regulamentos, a barragem da mina Córrego do Feijão, que se rompeu em Brumadinho, teve sua classificação de risco rebaixada do grau 6 para o grau 4, o que reduziu o nível de exigência do licenciamento de ampliação do empreendimento, aprovado no final de 2018, apesar dos alertas sobre os riscos envolvidos. A Comissão de Minas e Energia da mesma casa legislativa rejeitou a proposta que endurecia as regras sobre segurança de barragens, elaborada por uma comissão externa, criada após o desastre de Mariana.
A inversão de sinais é igualmente verificada no âmbito governamental. A então presidente Dilma Rousseff chegou a ser formalmente criticada por relatores especiais da ONU devido à sua postura no desastre de Mariana. Entre os atos para blindar as empresas responsáveis, celebrou e anunciou acordo sem participação da comunidade atingida ou do Ministério Público e sem homologação judicial, cujo teor limitava os valores devidos.

Ministro critica fiscais

O atual ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, utilizou seus primeiros discursos oficiais para criticar e intimidar fiscais do Ibama, como se a missão do órgão não fosse o cumprimento da lei no combate a graves crimes ambientais. No lugar de fortalecer a fiscalização, hoje combalida pela falta de recursos humanos e financeiros, Salles confere o benefício da dúvida a quem, segundo o órgão que lhe é subordinado, comete crime ambiental.
Como resposta a Brumadinho, o ministro não perdeu a oportunidade de defender propostas de políticos ruralistas, que o indicaram ao cargo, sustentando a necessidade de autolicenciamento para atividades agropecuárias. O próprio presidente da República, Jair Bolsonaro, defendeu “tirar o Estado do cangote de quem produz” e afirmou que “essa questão da licença ambiental atrapalha”.
Além disso, pergunta-se como se pode pretender abrir Terras Indígenas e Unidades de Conservação à mineração, muitas delas situadas em regiões remotas da Amazônia, se o Estado não é capaz sequer de manter condições mínimas de segurança dessa atividade dentro da grande Belo Horizonte.
Se todos sabem que não se pode esperar nada da Vale, como bem registrou o promotor de Minas Gerais integrante da força-tarefa sobre Mariana, André Sperling, o fato é que, se não retomarmos a direção correta na proteção ao meio ambiente, certamente enfrentaremos novos desastres socioambientais, com consequências irreparáveis ao meio ambiente e à população.
Imagens: 

Cidades históricas podem estar em risco por rompimento de barragens

Crime em Minas Gerais

Cidades históricas podem estar em risco por rompimento de barragens

 

Congonhas do Campo tem barragem maior que as de Brumadinho e rejeito chegaria em oito segundos a bairro de mais de 5 mil habitantes. Empresas usam técnica ultrapassada para economizar


por Cláudia Motta, da RBA publicado 28/01/2019 17h22, última modificação 28/01/2019 17h42
Prefeitura de Congonhas
 
Congonhas do Campo
Congonhas está entre as cidades consideradas patrimônios históricos e culturais da humanidade pela Unesco


São Paulo – O estado de Minas Gerais concentra 90% do nióbio que há no Brasil. No Quadrilátero Ferrífero, região localizada no centro-sul do estado atingida pelo rompimento das barragens de Mariana e de Brumadinho, está a maior produção nacional, cerca de 60%, do minério de ferro do país. 


O que poderia significar só pujança, encerra medo e desespero. Segundo o coordenador do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) Pablo Andrade Dias, o Binho, a região tem mais de 700 barragens de rejeitos: 250 em situação de risco e 50 em risco grave. Esses dados, afirma, são de levantamento feito pelo Ministério Público e pelo Ibama em 2014. “Atualmente já há mais em situação de risco e muitas delas em regiões metropolitanas.”


Estima-se que 12 milhões de metros cúbicos de rejeito foram despejados pela Barragem da Mina de Córrego do Feijão, em Brumadinho. O rejeito chegou ao Rio Paraopeba. E é iminente o risco de alcançar o São Francisco, do qual é afluente. A lama pode chegar a 19 municípios, comprometendo o abastecimento de água de cerca de 1 milhão de pessoas

O Quadrilátero Ferrífero tem aproximadamente 7 mil quilômetros quadrados que abrangem cidades como Casa Branca, Itaúna, Itabira, Nova Lima, Santa Bárbara, além das históricas Sabará, Congonhas do Campo, Mariana e Ouro Preto, patrimônios históricos e culturais da humanidade, tombados pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).

“Congonhas tem barragem da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) muito maior que as que romperam aqui em Brumadinho”, conta Binho. “Caso rompa, o rejeito chega em oito segundos a um bairro de mais de 5 mil habitantes no centro urbano do município. O pessoal do MAB de lá relatou que o povo passou as últimas três noites sem dormir, andando pelas ruas, preocupados com o rompimento.”
Índio da aldeia Naõ Xohã, situada no município de São Joaquim de Bicas, observa lama que atinge Rio Paraopebas

Binho afirma que, “não bastasse isso”, a empresa tem solicitado insistentemente o alteamento da barragem, desconsiderando o risco das vidas da população. Essa operação significa elevar o tamanho do muro para aumentar a capacidade e poder depositar mais rejeito prensado.


“É uma região que faz parte da bacia do Paraopebas, responsável pelo abastecimento de água de boa parte da região metropolitana de Belo Horizonte. A gente já está preocupado com a barra de Brumadinho, mas se Congonhas vier a romper será alerta vermelho para o acesso à água em toda região”, avisa o coordenador do MAB.

Risco permanente

 

As barragens de Mariana e de Brumadinho não figuravam entre as 50 em risco grave de rompimento no estado de Minas Gerais.

“Essa barragem não estava no mapa de riscos. Estava estável e fechada desde 2015 e não apresentava aparentemente rachaduras ou outro problema”, explica a publicitária Maíra do Nascimento, integrante do Movimento Águas e Serras de Casa Branca, para esclarecer que estar fora do mapa de risco pode não significar muita coisa. “Barragens de rejeitos de minério desse tipo se apresentam estáveis em condições normais de tempo, mas não estão necessariamente estáveis para outros problemas, como sismos, chuvas torrenciais que podem acontecer nessas regiões.”



O movimento existe desde 2011. Mas desde 2006 a comunidade local vinha alertando as autoridades sobre os perigos da mineração. “Nossa região tem muitos sismos, pequenos, que nós às vezes não sentimos, mas que podem abalar esse tipo de estrutura. E a própria atividade minerária, com as explosões que são feitas para facilitar a retirada de minério podem abalar essas estruturas de dentro pra fora.”



Maíra manifesta sua preocupação com as centenas de comunidades instaladas próximas às barragens.


“Se as que teoricamente estão estáveis e não têm risco estouraram, que dirá outras que já estão com potencial risco. Barragens muitas delas como essa do Córrego do Feijão, em Brumadinho, que colocam à jusante (abaixo da barragem) comunidades inteiras. São pelo menos 45 com nível alto de risco. E mesmo as que estão a montante (quando a comunidade está acima da barragem) vivem sob o risco de devastação ambiental, que num primeiro momento é menor, mas que depois acarreta em prejuízos econômicos, de saúde e ambientais.”


A ativista lembra que, logo após a tragédia de Mariana, em função da perda de diversidade principalmente dos anfíbios que comem muito insetos, houve o surto de febre amarela. “Agora, com esse segundo crime ambiental, virão ainda os problemas de saúde, além da perda material, de pessoas, da biodiversidade. Já perdemos muitos animais, peixes, o rio está condenado, a gente vai perder hidrelétricas, uma tragédia de dimensões incalculáveis.”


Binho reforça que a população mineira que está no entorno dessas barragens está em risco permanente. "E não existe nenhuma ação do poder público nem das mineradoras de precaução no sentido de inviabilizar barragens com maior risco de rompimento."

Minas refém das mineradoras

 

Maíra e Binho consideram que a lógica do lucro está na base dos crimes ambientais e dos riscos a que estão expostos os moradores da região.

“A mineração impera aqui e não é só a população que está refém dos riscos que a mineração provoca e de todos os problemas de saúde, da contaminação, das relações de direitos humanos, do trabalho precarizado que é muito grave nas mineradoras. Historicamente o estado de Minas Gerais é refém”, avalia o coordenador do MAB. “E não estamos falando de um governo ou outro”, diz, descrevendo o lobby das mineradoras e o poder econômico vinculado ao Legislativo e ao Executivo, “gigantesco”.


Maíra vive isso diariamente. Ela atua como voluntária participando de reuniões, fóruns, comitês, conselhos, ajudando a estudar os processos de licenciamento, fazendo representações ao Ministério Público e a outros órgãos competentes para mostrar as inconsistências dos processos de licenciamento de mineração. 


“Não era necessário nem fazer barragens”, conta ela. “As tecnologias utilizadas aqui são ineficientes, baratas, coisa que não se usa em países do primeiro mundo onde todo o processo é feito a seco e não existe esse tipo de tragédia. Mas aqui eles não utilizam, fazem o que é mais barato.”


Binho conta que depois do rompimento da barragem de Mariana foram feitos vários projetos de lei, todos barrados por iniciativa da Vale ou outras mineradoras que atuaram em conjunto com a grande transnacional, na Assembleia Legislativa de Minas Gerais. “A política de direitos das populações atingidas por barragens, que não foi aprovada, ficou em tramitação por três anos. A lei de segurança de barragens foi inclusive resultado da Comissão Especial depois do rompimento da barragem da Samarco e não foi aprovada.”


O Movimento dos Atingidos por Barragens manifesta, ainda, grande preocupação para que não se repita o que ocorreu em Mariana. “A gente está atuando nesse momento emergencial, mas já está pensando em como vai ser daqui um mês, dois meses, na construção de processos que garantam os direitos das famílias”, relata Binho.


Segundo ele, a Justiça, sobretudo a 12ª Vara, que tem julgado e acompanhado o processo de Mariana, tem responsabilidade no crime de Brumadinho. "Hoje o juiz dessa Vara atua muito mais como um braço da Vale no Judiciário do que como um juiz que garanta os direitos da população. Isso cria uma situação de impunidade que deixa as mineradoras muito à vontade para continuar cometendo crimes."


Maíra afirma que as autoridades competentes deveriam fazer uma rápida análise das barragens e descomissionar todas. “Além de retirar com toda segurança e precaução os rejeitos dessas barragens e parar com o licenciamento. Todo o processo de licenciamento de mineração no Brasil precisa ser reavaliado.”


Brasil refém da privatização

 

Para o coordenador do MAB, o fato de grande parte da mineração estar nas mãos de empresas privatizadas, transnacionais, agrava a situação. “A gente tem feito essa denúncia desde o rompimento em Mariana. O processo de privatização da Vale colocou uma situação em que o interesse dos acionistas e aqueles que determinam a política, as ações, a atuação, as prioridades, a velocidade de cada coisa é um interesse que está orientado pelo lucro. A preocupação com a sociedade, a questão social, as vítimas, o meio ambiente, tudo isso é secundarizado”, critica.


Diante disso, é grande a preocupação com o anúncio de novas privatizações. “Isso vai colocar uma lógica de lucro que vai impor uma situação para todo o Brasil de insegurança maior”, avalia Binho. 


“Imagina os vazamentos de petróleo, caso a Petrobras venha a ser privatizada e a lógica vai ser acelerar a exploração de petróleo. O rompimento de barragens de hidrelétricas que o lucro vai impor uma redução da manutenção. O Estado minimamente tem condição de pensar a questão social, ambiental e outros elementos de desenvolvimento nacional de fato, e não só de espoliação, do lucro, que é a lógica da atuação das empresas privadas no Brasil e que nos coloca em risco.”

Alertas de ativistas foram ignorados no licenciamento da barragem da Vale


crime ambiental

Alertas de ativistas foram ignorados no licenciamento da barragem da Vale

Representantes dos movimentos alegam que o desastre poderia ter sido evitado. Eles falaram sobre os riscos com o Conselho Estadual de Política Ambiental de Minas Gerais e o Ministério Público
por Redação RBA publicado 29/01/2019 14h20, última modificação 29/01/2019 14h42
MÍDIA NINJA
 
Tragédia de Brumadinho
Ao menos 60 pessoas foram mortas soterradas, além de 290 pessoas desaparecidas no interior de Minas Gerais

São Paulo – Movimentos sociais e de ambientalistas pedem a responsabilização da Vale pelo rompimento da barragem de rejeitos na Mina Córrego do Feijão, operada pela empresa em Brumadinho, Minas Gerais. Os representantes dos movimentos alegam que o desastre poderia ter sido evitado, uma vez que fizeram alertas ao Conselho Estadual de Política Ambiental de Minas Gerais e ao Ministério Público.

Ao menos 65 pessoas foram mortas e são mais de 290 pessoas desaparecidas. De acordo com Ricardo Oliveira, membro do Movimento Águas e Serras de Casa Branca, organização social que luta pela conservação ambiental na região, aponta que os alertas do movimento quanto à segurança da barragem nunca foram ouvidos. "Nós estávamos numa luta solitária, inglória. Íamos nas manifestações, fazíamos materiais, mas os funcionários da Vale riam da gente. Não éramos ouvidos, o próprio Judiciário é muito lento para criar esse diálogo", conta à repórter Beatriz Drague Ramos, na Rádio Brasil Atual.


Maria Dalce Ricas, superintendente-executiva da Associação Mineira de Defesa do Ambiente, acredita que as barragens devem ser imediatamente proibidas em todo país e estimulada uma nova tecnologia, com menor impacto ambiental. "O setor minerário está atrasado na forma de buscar soluções menos impactantes na extração do minério. É preciso avançar, é muito errado achar que vai se resolver só com multas e fiscalização", diz em entrevista à repórter Beatriz Drague Ramos.


O Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) está prestando auxílio psicossocial e informando as pessoas atingidas pela tragédia sobre seus direitos. Gilberto Cervinski, membro do diretório nacional do MAB, afirma que as multas aplicadas em Mariana foram suspensas. "Assim que o período de divulgação da tragédia passa, a empresa faz uma desarticulação das famílias para não indenizar e ter o perdão das dívidas. Isso aconteceu em Mariana. As famílias que perderam as casas, até hoje estão morando de aluguel, sem que nenhuma casa fosse construída", critica.


Para Maria Dalce, a flexibilização das leis ambientais também representa uma ameaça ao meio ambiente e às populações locais, como o Projeto de Lei 3729/04, que tem o deputado Mauro Pereira (PMDB-RS) como relator. A proposta dispensa o licenciamento para atividades agropecuárias e cria a modalidade autodeclaratória. Ela também cita um projeto do ex-governador Fernando Pimentel (PT), de 2015, que retira a competência deliberativa do Conselho Estadual de Política Ambiental sobre processos de licenciamento considerados de grande e médio portes.


"Na nossa opinião, por pior que seja o colegiado, é melhor do que deixar a competência a cargo de uma pessoa só. A transparência do colegiado é maior também. O maior fantasma é o PL do deputado, que acaba com o licenciamento ambiental do país", acrescenta.

Por meio de nota, a Vale reiterou a intenção de permanecer contribuindo com as investigações e anunciou um plano para criar novo padrão de segurança nas barragens.

'Legislativo, Executivo, Ministério Público, somos todos responsáveis por Brumadinho'

Tragédia

'Legislativo, Executivo, Ministério Público, somos todos responsáveis por Brumadinho'

Segundo deputado Leonardo Monteiro, há mais de 400 barragens em Minas, a maioria com problemas. "A Vale tem barragem em Itabira com risco de romper a qualquer momento"
por Eduardo Maretti, da RBA publicado 30/01/2019 08h15
Vinicius Mendonça/Ibama/Fotos Públicas
Brumadinho
Ainda não se pode prever se a onda tóxica chegará à foz do rio Paraopeba, um dos principais afluentes do São Francisco


São Paulo – Ainda não se pode prever se a onda formada por rejeitos minerais, terra e água, que avança em direção à Bacia do Rio São Francisco, após o rompimento da barragem da Vale em Brumadinho, chegará à usina Hidrelétrica de Três Marias (MG), onde o Rio Paraopeba encontra o Velho Chico. Em cerca de 24 horas, o Serviço Geológico do Brasil (CPRM), ligado ao Ministério de Minas e Energia, informou que a onda chegaria a Três Marias entre 15 e 20 de fevereiro. Mas depois emitiu novo boletim dizendo que a lama de rejeitos não atingiria a foz do Paraopeba.

Segundo o deputado federal Leonardo Monteiro (PT-MG), autor do projeto que deu origem à Lei n° 12.334/2010 (institui a Política Nacional de Segurança de Barragens – PNSB), sancionada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o rio Paraopeba “ficou completamente morto”. Mais do que isso, o rio é afluente do São Francisco, além de ser parte de um complexo de rios que alimenta a produção de alimentos hortifrutigranjeiros e fornece água a cidades da região da grande Belo Horizonte.

Segundo o Relatório de Segurança de Barragens de 2017, há hoje no país 31 órgãos “efetivamente fiscalizadores de segurança de barragens”, apesar de ao todo existirem 43 órgãos "potencialmente fiscalizadores", em âmbito federal e estadual. Nos cadastros dessas entidades, há 24.092 barragens para diversas utilizações, com destaque para irrigação, fornecimento de água a animais e aquicultura, a maioria das quais não se enquadrariam na PNSB por serem de pequenas dimensões.

O problema é que, de acordo com o relatório, “há muito trabalho a se realizar pelos órgãos fiscalizadores nos processos de regularização e definição se as barragens se submetem ou não à PNSB” (ou seja, à Lei 12.334). “Não há nenhum ato de autorização, outorga ou licenciamento em 42% das barragens, e em 76% dos casos não está definido se a barragem é ou não submetida à PNSB por falta de informação”, diz o documento.

Uma ação coletiva contra a Vale foi aberta na Corte de Nova York, pelo escritório de advocacia Rosen Law Firm. A ação tem o objetivo de "recuperar os danos para os investidores da Vale segundo as leis federais de valores mobiliários”.

"Em Minas, temos mais de 400 barragens, a maioria delas com problemas sérios. A Vale mesmo tem uma barragem em Itabira (a famosa cidade onde nasceu o poeta Carlos Drummond de Andrade) com ameaça de romper a qualquer momento", diz Monteiro à RBA


Confira a seguir a entrevista do deputado:
Vinicius Loures/Câmara dos Deputados LeonardoMonteiro_Vinicius Loures-Câmara dos Deputados.jpg
Deputado: leigo que for ao local da barragem vê a forma como foi construída; insegura e sem estrutura de concreto
A que o senhor atribui a tragédia de Brumadinho?

Falta de segurança da empresa. Qualquer leigo que for ao local da barragem vê a forma como foi construída. Insegura e sem estrutura de concreto, só com terra sobre terra, fazendo um talude (rampa)  e, pior ainda, fizeram um restaurante no centro administrativo da empresa, com os trabalhadores ali na boca da barragem. Quando ela rompeu, além de configurar um crime ambiental importante, matou uma quantidade enorme de trabalhadores, e da própria empresa, médicos, engenheiros, técnicos, peões, trabalhadores de empreiteira.

É uma irresponsabilidade muito grande da empresa e também dos órgãos fiscalizadores, sejam municipais, estadual ou federal. Normalmente essas empresas têm um apelo muito grande, porque geram empregos e impostos, então há uma concepção de que têm que funcionar de qualquer jeito, com desrespeito inclusive à vida das pessoas.

Começaram a fazer uma rampa de terra, depois ela foi aumentando. É completamente irregular, sabia-se que podia romper, tanto que poucos meses atrás uns funcionários que trabalham na segurança da Vale estiveram visitando a região dos plantadores de horta e região de pousadas que foram atingidos, pedindo para o pessoal sair da área.

Como vê a reação do governo? Segundo o ministro Onyx Lorenzoni, não vai haver qualquer grau de intervenção do governo na Vale...

A Vale é uma empresa privada, mas o governo tem a responsabilidade de fiscalização. Por exemplo, em nível federal, o Ibama, e no âmbito estadual a Superintendência do Meio Ambiente. E até no nível municipal. Como um prefeito concede licença para construir um prédio num local completamente irregular?

Os órgãos municipais, estadual e federal têm a responsabilidade de fazer cumprir a lei. Se a lei estivesse sendo cumprida, não aconteceria esse crime, nem o de Mariana. A lei que institui a Política Nacional de Segurança de Barragens prevê inclusive a necessidade de ter um projeto de engenharia para construir a barragem e depois a manutenção e a operação. Essas empresas abusam da comunidade.

Em Minas temos mais de 400 barragens, a maioria delas com problemas sérios. A Vale mesmo tem uma barragem em Itabira com ameaça de romper a qualquer momento.

Em Congonhas, outra cidade aqui perto de Belo Horizonte, temos barragens ameaçadas de romper a qualquer momento, como em Paracatu e várias cidades de Minas. Tem que ser constituída uma comissão externa na Câmara dos Deputados para a gente acompanhar com técnicos, visitar todas essas barragens e exigir providências, e o governo tem a tarefa de exigir da empresa a remoção das famílias que estão abaixo das barragens, recuperar a estrutura ou esvaziar algumas delas.


Noticiou-se hoje que cinco pessoas da Vale ou contratadas por ela foram presas...


Isso pode ser exemplar. Tem que ter prisão dos responsáveis e também punir financeiramente a Vale para ressarcir as pessoas, que perderam vidas e parentes. Em Brumadinho, todo mundo tem um sobrinho, um primo, um filho, um ex-colega de escola que está ali.

É uma situação de funeral que vive a cidade de Brumadinho, a região e nosso estado de Minas Gerais. Os responsáveis por esse crime absurdo têm que ser punidos. E o governo – estadual ou federal – tem que botar seus órgãos para funcionar, pelo menos agora. Não é escamotear e dizer que não são responsáveis.

Somos todos responsáveis, o Poder Legislativo, o Executivo, por meio de seus órgãos fiscalizadores, o Judiciário, os promotores. Ninguém foi punido por Mariana. As vítimas não foram ressarcidas até hoje, nenhuma.

A Samarco, que tem a Vale como acionista, não pagou a multa até hoje...

É da Vale também, a Samarco é uma forma de escamotear, tirar o nome da Vale da frente. A responsável é a Vale. Em Minas Gerais a gente costuma dizer que ela se chama Vale do Rio Doce porque toda a região do Rio Doce foi completamente destruída por essa empresa, região que é responsável pela riqueza da Vale. Foi daqui que ela se tornou uma das maiores empresas do mundo, extraindo os minérios e a riqueza da região do Vale do Rio Doce.

A privatização (pelo governo FHC) foi desastrosa, porque a empresa foi vendida pelo preço simbólico.

Qual sua expectativa?

Acho que nesse momento temos que ser solidários à população de Brumadinho. Mas, como deputado, membro da Comissão do Meio Ambiente, já requeri ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia, a constituição de uma comissão externa, para acompanhar os desdobramentos, exigir a punição dos culpados e ressarcimento das vítimas, seja quem trabalhava Vale, familiares, seja a região toda, que é um complexo que produz alimento para Belo Horizonte e para a grande BH.

Uns foram atingidos diretamente pela lama, outros pelo rio Paraopeba que ficou completamente morto. Essa lama de minério matou todos os animais, seres vivos que se alimentavam no rio. É um complexo de rios que são responsáveis pela água das cidades da região da grande BH, Betim, Contagem, Belo Horizonte... O Paraopeba alimenta toda a produção de alimentos hortifrutigranjeiros e é um afluente do São Francisco. Esses rejeitos minerais decorrentes do rompimento da barragem vão atingir inclusive o São Francisco.

O Paraopeba é afluente do São Francisco, portanto esse crime vai atingir o São Francisco em direção ao Nordeste. O primeiro estado depois de Minas é a Bahia..
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A situação é muito dramática...

A situação é difícil. Você olhar aquela lama e saber que ali debaixo tem quase 200 corpos, e não se sabe se na maioria as pessoas vão conseguir nem enterrar o seu ente querido. 

A região está em choque e precisa de atitudes duras, severas. Porque depois de pouco mais de três anos, acontece de novo. Mariana foi de uma dimensão ambiental muito maior, mas esse, além da dimensão ambiental importante, econômica, para a região, é um crime de dimensões humanas muito maior do que de Mariana.  

No Rio de Janeiro, barragens também oferecem riscos à população e ao meio ambiente

Alertas

No Rio de Janeiro, barragens também oferecem riscos à população e ao meio ambiente

Relatório da Secretaria de Estado do Ambiente (Sea) e do Instituto Estadual do Ambiente do Rio de Janeiro (Inea) mostram que, de 29 barragens registradas, em seis delas há alto dano potencial
por Redação RBA publicado 30/01/2019 11h30, última modificação 30/01/2019 11h36
TVT/Reprodução
Barragens no Rio
Ambientalistas também estão preocupados quanto à montanha de rejeitos da Companhia Siderúrgica Nacional em Volta Redonda 

São Paulo – O rompimento da barragem administrada pela Vale em Brumadinho, Minas Gerais, fez surgir um alerta quanto à situação de outras estruturas similares pelo Brasil, como destaca o relatório da Secretaria de Estado do Ambiente (SEA) e do Instituto Estadual do Ambiente do Rio de Janeiro (Inea). O estudo apontou entre as 29 barragens registradas no estado fluminense, seis estruturas classificadas como "alto dano potencial associado", ou seja, de grande risco à população e ao meio ambiente.

Em entrevista à repórter Viviane Nascimento, do Seu Jornal, da TVT, ambientalistas explicaram que as estruturas se tratam de estações de tratamento de água, onde há toneladas de resíduos tóxicos nas mediações. Algo que para a deputada estadual Dani Monteiro (Psol-RJ) pode ser atribuído a falta de manutenção ocasionada pelo desmonte de órgãos governamentais que poderiam atuar na fiscalização.


"Até as declarações recentes do presidente Jair Bolsonaro sobre a indústria da multa coloca o quanto o poder público vai se desresponsabilizando, por meio do desmonte dessas empresas de fiscalização, e repassa essa responsabilidade para as empresas privadas", explica.


Outra preocupação dos ambientalistas é quanto a uma montanha de rejeitos da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) na cidade de Volta Redonda, município do Rio de Janeiro, que ameaça desmoronar e contaminar o Rio Paraíba do Sul, principal fonte de abastecimento de água da região metropolitana da capital fluminense.


De acordo com o Ministério Público do estado, está sendo traçado um plano de ação para a retirada do material com o mínimo de impacto ambiental. O Inea afirmou ainda que monitora os resíduos químicos da CSN e informa regulamente à Justiça sobre a situação.

Assista à reportagem na íntegra:

 

 https://youtu.be/TrBJPLJr93E

'A barragem estava ameaçada e todo mundo sabia sim'

Não era novidade

'A barragem estava ameaçada e todo mundo sabia sim'

Ex-empregada da empresa que administra o restaurante conta que ouviu em conversas de diretores que não havia sirene de alarme na barragem que se rompeu. E pede investigação sobre "notas falsificadas"
por Cida de Oliveira, da RBA publicado 30/01/2019 10h47, última modificação 30/01/2019 12h39
reprodução
 
vale brumadinho
Em vídeo que circula nas redes sociais, trabalhadora fala sobre as conversas que ouvia em salas de reuniões da Vale

São Paulo - Diante de câmeras de TV, Lilian Oliveira de Barros, ex-trabalhadora da Sodexo, empresa terceirizada responsável pelo restaurante da mineradora Vale em Brumadinho, afirmou que era de conhecimento de todos que a barragem estava condenada. "Lá dentro tinha trinca sim. A barragem estava sendo ameaçada sim, e todo mundo sabia".

Em vídeo que circula nas redes sociais, a ex-empregada da terceirizada (trabalhou de março de 2017 a maio de 2018) diz que diariamente servia café nas salas de reunião da diretoria da mineradora, afirma ter ouvido muitas conversas sobre o tema. "Ouvi isso em reunião com dois desaparecidos: o diretor-geral Alano e a Lecilda".  Entre os mortos soterrados pela lama que a barragem do Córrego do Feijão não suportou estão o diretor Alano Reis Teixeira e a analista de operações Lecilda de Oliveira.

Moradora de Brumadinho, Lilian está visivelmente indignada no vídeo. E destaca que a única sirene de alarme para avisar os moradores foi instalada em uma outra barragem, e não naquela que se rompeu no último dia 25. "Olha onde a sirene tocou depois de todo o desastre".

Colocando sua segurança em risco, ela faz referência, inclusive, a documentos que teriam sido falsificados. "E a nota foi falsificada. E foi cobrada sim. Agora os órgãos competentes de fiscalização, da Polícia Federal, são obrigados a dizer quem foi o errado a vender esses papeis.

Quem foi o errado? Isso tem de ser falado, moça. Não apaga isso, isso tem de ser mostrado. A gente precisa divulgar isso", clamou, diante da câmera da Rede Minas, que pode ser identificada pelo microfone da reportagem que aparece no vídeo.

Nas imagens, Lilian manifesta indignação também com a omissão da empresa para a qual trabalha. "Ninguém se manifestou aqui. Meus colegas de trabalho, gente da Sodexo, pessoas que eu tinha apreço estão todos lá embaixo da lama. Isso tem de ser fiscalizado".

"Não vou falar de papel e nem de processo porque cabe à polícia investigar. Estão omitindo as coisas. Eu não tenho medo da Vale e nem do pessoal da Sodexo", diz ao final da gravação.

Por meio de nota enviada à RBA, a Sodexo afirma lamentar profundamente os acontecimentos. "A Sodexo agiu prontamente ao tomar conhecimento da ocorrência, enviando imediatamente, no próprio dia 25, uma equipe multidisciplinar para o local para prestar toda a assistência e suporte às famílias de seus colaboradores, que ainda estão desaparecidos. Esta equipe continua trabalhando ativamente no local no atendimento de todas as necessidades dos familiares."

Assista: 

 

https://videos.files.wordpress.com/59IsX0bO/vid-20190129-wa0069.mp4

 

Tragédia esperada

 

Conhecidos no âmbito da Vale, segundo a trabalhadora, problemas na barragem em Brumadinho já eram temidos por moradores do município em 2015. Uma reportagem da TV Rede Minas (confira abaixo) entrevistou um morador da cidade logo após o rompimento da barragem de Fundão, da Samarco, em Mariana, controlada pela Vale.

"A gente fica com mais medo da Vale, porque é uma represa muito grande, é muito rejeito", afirmou o aposentado Wilson Ferreira.

Conforme mostrou a reportagem, ambientalistas já chamavam a atenção para a ameaça à população, o ecossistema e o abastecimento de água para um terço da região metropolitana de Belo Horizonte, que recebe água do rio Paraopeba.

Reportagem publicada em 25 de novembro de 2015 pelo jornal Estado de Minas chamava atenção para outro fato: a falta de manutenção das represas, como foi apontado pelo então vice-prefeito de Brumadinho, Breno Carone. "Fizemos um sobrevoo em nove barragens dos municípios de Brumadinho, Congonhas, Igarapé e Itatiaiuçu e percebemos que a área da mineração está bem assoreada."

Ruptura de barragem em Brumadinho causou perda de 125 hectares de florestas

Ruptura de barragem em Brumadinho causou perda de 125 hectares de florestas


29 Janeiro 2019   |   0 Comments
 
Uma análise feita pelo WWF-Brasil com base em imagens de satélite da ruptura da barragem de Brumadinho e mapas anteriores à tragédia estima o impacto ocorrido na cobertura florestal. Aproximadamente 125 hectares de florestas foram perdidos, o equivalente a mais de um milhão de metros quadrados, ou 125 campos de futebol.

O dado foi levantado com base em um cruzamento de dados entre informações do Projeto de Mapeamento Anual da Cobertura e Uso do Solo do Brasil (MapBiomas) de 2017, e imagens de satélite divulgadas no domingo (27) pelo Centro Nacional de Gerenciamento de Riscos e Desastres, Defesa Civil Nacional e International Charter Space & Major Disasters.

A área onde ocorreu o rompimento de barragens de contenção de rejeitos de mineração em Brumadinho (MG) é de formação florestal de Mata Atlântica em transição para Cerrado, que começa a poucos quilômetros rio abaixo. Considerando a área de lama registrada no dia 27, a perda de habitat afetou, inclusive, blocos de florestas, fragmentando-os e dificultando a conectividade dessas áreas.

“O setor de mineração precisa pesquisar e investir em processos de menor impacto e risco, como nos processos secos, que não envolvem barragens de rejeitos e promovem uma mudança em todo o sistema de produção. Essas mudanças urgentes devem ser impulsionadas por fortes regulamentações ambientais ”, comenta Mauricio Voivodic, Diretor Executivo do WWF-Brasil.

Além do impacto nas florestas, os efeitos do rejeito no meio ambiente se dão de diversas outras formas.

Perda de vida aquática

Para a fauna aquática, por exemplo, é possível afirmar que a vida aquática acaba nos locais onde a lama se acumula. Nos trechos mais afetados, o rio deixa de correr e a água é substituída pela lama, onde as espécies aquáticas não conseguem sobreviver. A fauna terrestre que depende do curso do rio mais diretamente também é fortemente impactada.

Os sedimentos continuarão a se movimentar, seguindo o curso do Rio Paraopeba e, provavelmente, serão em sua maioria retidos na represa da UHE Retiro Baixo. No entanto, sedimentos mais finos continuarão sendo carreados pelo rio e não é possível afirmar como e quando se dará a diluição desses sedimentos.

Será um longo processo de mudança no ecossistema, que poderá afetar a vida aquática até mesmo no Rio São Francisco, porque a água se tornará mais turva sempre que chover forte na área onde a lama está acumulada.

Abastecimento de água e energia

O Rio Paraopeba é um afluente importante do Rio São Francisco, um dos mais emblemáticos do Brasil, que alcança a região Nordeste, o que ameaça ainda mais a segurança hídrica de milhões de brasileiros.

Caso os rejeitos cheguem ao reservatório da usina hidrelétrica de Três Marias, um dos maiores do sistema nacional de energia e de grande importância regional, pode afetar a geração de energia da usina e a operação de outras unidades instaladas ao longo do Rio São Francisco.

Três Marias ainda tem importância estratégica no controle da vazão do rio, regulando as águas que correm para o complexo hidrelétrico de Sobradinho/Paulo Afonso/Xingó, o maior do Nordeste, que gera aproximadamente 95% da energia da região.

Outro impacto do volume de rejeitos que chegar ao reservatório da usina é a diminuição da sua vida útil, que depende diretamente do volume de sedimentos. O rio naturalmente carrega sedimentos que tendem a se acumular no fundo dos reservatórios, porque neste ambiente a velocidade da água é muito baixa. Com o aumento da quantidade de sedimentos no fundo, a capacidade de acumular água e, portanto, gerar energia, é reduzida.

Projetos minerários não são barrados em Minas, diz conselheira representante da sociedade civil


Projetos minerários não são barrados em Minas, diz conselheira representante da sociedade civil


Projetos minerários

Representante da sociedade civil na câmara técnica do Conselho Ambiental de Minas, Maria Teresa Corujo foi a única a votar contra ampliação da mina de Feijão, onde ocorreu o rompimento da barragem

Por Alice Maciel, Agência Pública
Agência Pública

Apenas um projeto minerário foi barrado na câmara técnica do Conselho Estadual de Política Ambiental de Minas Gerais (Copam) em 40 reuniões realizadas entre fevereiro de 2017 e janeiro de 2019, revelou Maria Teresa Corujo, representante do Fórum Nacional de Comitês de Bacias Hidrográficas (Fonasc), em entrevista à Agência Pública.

Ela foi a única componente da Câmara Técnica Especializada em Mineração (CMI) que votou contra a ampliação e continuidade até 2032 das minas de Jangada e Córrego do Feijão, localizadas em Brumadinho, na grande Belo Horizonte, em 11 de dezembro de 2018, que terminou com placar de 8 a 1 para a Vale/SA. Ontem, pouco mais de um mês depois, a barragem da mina Córrego do Feijão se rompeu espalhando um mar de lama. Foi como um déjà vu do desastre de Mariana ocorrido em novembro de 2015, aumentando ainda mais o temor de todos os mineiros que moram na mira de uma barragem de rejeitos.

O órgão é composto por 13 membros, sendo cinco representantes do governo do Estado, dois do governo Federal, três de entidades ligadas ao setor produtivo – Instituto Brasileiro de Mineração, Sindicato da Indústria Mineral do Estado de Minas Gerais, Federação das Associações Comerciais e Empresariais do Estado de Minas Gerais – e outros três divididos entre Fonasc, Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais e Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (Crea).

“Nunca vi nenhum licenciamento que não tenha sido aprovado, com exceção da última reunião em que foi o meu suplente, do dia 16 de janeiro [passado], quando apareceu um parecer da Supram (Superintendência Regional de Meio Ambiente) pelo indeferimento e eles votaram pelo indeferimento. Eu até estranhei porque todos os outros foram aprovados. Foi o primeiro parecer que eu vi em 40 reuniões da CMI que era pelo indeferimento”, diz.

Segundo Maria Teresa, considerada a única ambientalista que representa a sociedade civil no grupo, a maioria de seus colegas costumam seguir os pareceres da Secretaria de Meio Ambiente, como no caso envolvendo a mina de Córrego do Feijão, em que os técnicos do Estado foram favoráveis ao empreendimento, apesar de denúncias contrárias ao projeto feitas por organizações da sociedade civil.


A mineradora saiu da reunião com todas as licenças necessárias para seguir adiante com seu projeto. De acordo com a ata, também foi pauta de debate durante a votação o fato de o empreendimento, antes com classe 6 (grande porte e potencial poluidor), ter passado para classe 4 (médio impacto ambiental), o que facilita a obtenção da licença ambiental por mais dez anos.


Como foi a aprovação das licenças de ampliação das minas de Jangada e Córrego do Feijão?
Em dezembro fizemos tudo para que não houvesse aquela licença, ainda mais [porque era] uma licença ao mesmo tempo prévia, de instalação e operação, tudo no mesmo dia. Com classe 4, um empreendimento que sempre foi classe 6, e uma ampliação para aumentar a produção em mais de 70%. Nós fizemos tudo que era possível, não adiantou de nada e teve a licença.

 

Dependentes do rio Doce, com medo da água – Mais de dois anos após o desastre que enlameou o rio Doce com rejeitos da mineração, a população de Governador Valadares espera a retomada dos processos na Justiça e não confia na qualidade do que chega às torneiras



Vocês têm conhecimento se a Vale S/A já tinha iniciado as obras de ampliação?
Não vamos poder saber se com essa licença na mão, eles começaram a mexer alguma coisa nessa barragem que rompeu. Pode ser que eles tenham começado outras partes dessa ampliação. Isso nós não vamos saber, a Vale nunca vai dizer. O importante é que na época nós questionamos a forma como estava sendo licenciado [o projeto] a toque de caixa porque muitas questões graves tinham que ser tratadas antes.

Por exemplo, não foi apresentado balanço hídrico para saber se essa ampliação iria continuar consumindo muita água subterrânea, impactando aquíferos, se isso não ia precipitar mais ainda a segurança hídrica ali do entorno. A comunidade Córrego do Feijão já depende de caminhão pipa várias vezes por ano, [o município de] Casa Branca tem tido problema de acesso à água. Nós apontamos várias questões graves e dissemos que, antes de qualquer ampliação daquele complexo, tinha que ter uma avaliação sistêmica de tudo aquilo para não se tomar decisões sem o devido cuidado.


Qual foi a reação dos outros conselheiros em relação às denúncias apresentadas pelo Fonasc?
O empreendedor e os técnicos da Suppri, que é Superintendência de Projetos Prioritários do Estado, davam o tempo todo a entender que estava tudo certo, que o controle ambiental estava ótimo, que as medidas mitigadoras estavam ok, que estava perfeito aquele complexo, que era um exemplo. [Isso] para desqualificar a preocupação manifestada por nós e pelas pessoas que se manifestaram. Se o complexo Jangada/ Feijão estava tão ótimo que podia ter uma ampliação como classe 4, e ao mesmo tempo receber LP (licença prévia) mais LI (licença de instalação) mais LO (licença de operação), como se justifica o rompimento dessa barragem hoje?

E outra coisa: essa barragem estava com estabilidade garantida pelo auditor, igualzinho a de Mariana, que também tinha estabilidade garantida.



Como você avalia a aprovação de projetos minerários pelo Conselho?
Nós estamos em uma situação catastrófica porque temos um estado (Minas Gerais), qualquer que seja o governo, que dá pareceres a favor de conceder licenças para projetos minerários com barragens, mas diz que não tem responsabilidade sobre o que o empreendedor apresenta nos estudos, sobre a tecnologia, e sobre as barragens. Isso o estado fala o tempo inteiro ‘que isso é responsabilidade do DNPM (Departamento Nacional de Produção Mineral). O DNPM diz que não tem funcionários suficientes para fiscalizar todas as barragens, mas [diz] que o empreendedor apresentou todos os documentos pedidos. E nós temos um Crea, lá no Conselho, que diz que a parte deles é só ver se os Arts (Anotações de Responsabilidade Técnica) foram apresentados. E nós temos barragens sendo licenciadas e ampliações a rodo. Ninguém querendo pagar o pato do que aconteceu.


Algum licenciamento já foi barrado no Conselho de Atividade Minerária?
Nunca vi nenhum licenciamento que não tenha sido aprovado, com exceção da última reunião em que foi o meu suplente, do dia 16 de janeiro, quando apareceu um parecer da Supram (Superintendência Regional de Meio Ambiente) pelo indeferimento e eles votaram pelo indeferimento. Eu até estranhei porque todos os outros foram aprovados. Foi o primeiro parecer que eu vi em 40 reuniões do Conselho que era pelo indeferimento.


Na sua avaliação, de quem é a responsabilidade desta tragédia?
A responsabilidade é compartilhada. O Estado tem responsabilidade porque ele é o órgão licenciador, cabe a ele fiscalizar, e cabe a ele apresentar os tais pareceres, e ele apresenta sempre a favor – tanto é que ele apresentou a favor desse complexo.


O DNPM tem responsabilidade porque ele é quem trata da questão da segurança de barragens, de todo o complexo de barragens. O Crea, nós entendemos que iria se posicionar de uma forma mais crítica. O que adianta essas anotações de responsabilidade técnica, desse tanto de papelada.


Esse monte de papelada adiantou para evitar mais essa tragédia?


in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 30/01/2019


"Projetos minerários não são barrados em Minas, diz conselheira representante da sociedade civil," in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 30/01/2019, https://www.ecodebate.com.br/2019/01/30/projetos-minerarios-nao-sao-barrados-em-minas-diz-conselheira-representante-da-sociedade-civil/.

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