Queimada na FLONA do Jamanxim. Novo Progresso, Pará. Foto:
Leonardo Freitas
Quando viajo a são Paulo para algum evento, tento me hospedar perto
do Parque do Ibirapuera pois gosto de começar o dia com uma caminhada ou
pedalada em um lugar agradável. Porém, após duas horas em São Paulo meu
corpo começa a reagir contra o ataque da poluição atmosférica,
especialmente na época mais seca. Os olhos e nariz ardem e a coriza
aparece.
Meu corpo está certo em querer sair dali, pois a exposição
prolongada a poluição mata por causar ou agravar doenças cardíacas,
acidentes vasculares cerebrais, câncer de pulmão e infecções
respiratórias agudas. De fato,
estudo
publicado na revista Nature esta semana revelou que 3,3 milhões de
pessoas morreram prematuramente por causa de poluição atmosférica no
mundo, considerando os dados de 2010. Isto é quase equivalente a perder
todo ano a população da área metropolitana de Curitiba.
Para evitar estas mortes cada região deve reduzir as emissões
específicas de poluentes. A poluição não é apenas aquela oriunda da
queima de combustíveis para gerar energia, das indústrias e do
transporte. Em várias regiões, a agropecuária é a fonte mais importante
de poluição. Na Europa, no leste dos estados Unidos e partes da Ásia, o
uso excessivo de fertilizantes e a criação de animais confinados são a
principal causa da poluição.
No Brasil, segundo o estudo na Nature, a queima de biomassa (ou seja,
a queimada para limpar o solo depois do desmatamento, a queima de
restos da agricultura e incêndios florestais) foi responsável por 70% da
poluição atmosférica. Portanto, a poluição atmosférica em grandes
cidades do centro sul do Brasil inclui as fontes locais (transporte,
indústria) e as queimadas no centro oeste e na Amazônia. As imagens
abaixo ajudam a entender a influencia das queimadas. A fumaça oriunda
das queimadas de milhares de quilômetros quadrados de floresta na
Amazônia e no Cerrado é transportada pelos ventos para áreas muito
distantes no Brasil e na América do Sul.
Extensa
área da Amazônia coberta por fumaça de queimadas. Os pontos vermelhos
indicam
áreas com fogo ativo. As nuvens são as estruturas arredondadas
brancas. Setembro de
2007. Imagem é cortesia de MODIS Rapid Response
Team no Goddard Space Flight Center
da Nasa.
Os pesquisadores projetaram que o número de mortes prematuras pode
dobrar até 2050 considerando que nada seria feito para mudar as práticas
agroindustriais e o aumento populacional. Entretanto, outro
estudo científico
lançado esta semana na revista Nature Geoscience traz uma boa notícia
sobre o Brasil.
A redução do desmatamento na Amazônia entre 2001 e 2012
evitou cerca de 1.700 mortes prematuras por ano na América do Sul, das
quais cerca de 1.000 no Brasil.
Mas muita gente continua morrendo desnecessariamente, pois o Brasil
ainda é o pais que mais desmata floresta no mundo. Cerca de 11.000 km
2
(ou 10 vezes o tamanho do município do Rio de Janeiro) de florestas na
Amazônia e Cerrado viraram fumaça a cada ano nos últimos anos.
Para salvar vidas, o Brasil pode e deve zerar este desmatamento
rapidamente. O Brasil pode manter suas florestas e aumentar a produção
agropecuária nas áreas já desmatadas e mal utilizadas. Para isso deverá
usar medidas
de apoio e repressão que tem sido aprendidas nos últimos anos como
propôs um conjunto de organizações não governamentais nesta semana.
Por exemplo, um aumento de 50% na produtividade da pecuária bovina
seria suficiente para atender a demanda por produtos agropecuários até
2040 na áreas já desmatadas. O crédito rural que é subsidiado por todos
brasileiros que pagam impostos deveria ser o maior acelerador desta
transformação.
O poder de mudar as práticas é enorme considerando o
volume de crédito disponibilizado: R$ 212 bilhões para a safra
2015-2016. Para acelerar a adoção da agricultura de baixo carbono (ABC),
o governo poderia estabelecer a meta de alocar todo crédito rural para
estas técnicas em uma década, sendo que a cada ano dez por cento de todo
o crédito seria destinado ao Programa ABC. Esta transição seria apoiada
por outras medidas, como a capacitação massiva de produtores rurais,
estudantes e profissionais que atuam na área, como tem sido feito em
outros países em desenvolvimento.
Do lado da repressão, o país aprendeu que aplicar penas mais duras e
rápidas funciona. As penas incluem o confisco de gado de quem desmatou
ilegalmente e a prisão de quem desmatou e se apropriou (grilagem) de
terras públicas o que envolve outros crimes como a formação de
quadrilha, a sonegação de impostos e a lavagem de dinheiro. A criação de
Unidades de Conservação e o reconhecimento de Terras Indígenas também
ajudaram a proteger extensas áreas na Amazônia. Portanto, o governo deve
ampliar e intensificar estas medidas.
Falta ainda o governo federal usar políticas fiscais contra o
desmatamento. Por exemplo, o combate à sonegação do Imposto Territorial
Rural (ITR) ajudaria a reduzir o desmatamento especulativo. Por falhas
na cobrança e nas regras, quem desmata para fins de especulação consegue
manter extensas áreas improdutivas pagando um imposto muito baixo.
Quem pode implementar políticas para zerar o desmatamento e salvar
vidas? A maioria das pessoas talvez imagine que sejam a Ministra de Meio
Ambiente e os Secretários Estaduais de Meio Ambiente. De fato, eles
podem fazer mais. Porém, a pessoa mais importante para reduzir a
poluição oriunda do desmatamento no Brasil é Kátia Abreu, a Ministra da
Agricultura e Pecuária (Mapa). Historicamente, o Mapa tem resistido as
políticas ambientais.
A atual Ministra, enquanto senadora, foi uma das
líderes da revisão do código florestal em 2012 que anistiou parte do
desmatamento ilegal em todo o Brasil.
Desde então, aumentaram as
evidências de que o desmatamento agrava a escassez de água (como os
paulistas tem aprendido) e que provoca mortes prematuras. Estas novas
evidências poderiam sensibilizar a Ministra a usar o seu poder e ajudar a
salvar vidas. Imagine a alegria que ela sentiria contando para sua neta
em 2022: a vovó ajudou a zerar o desmatamento e a salvar vidas.
As empresas que compram produtos agropecuários também podem fazer
mais e contar boas estórias para seus consumidores. O desmatamento caiu
quando empresas deixaram de comprar soja e gado oriundos de áreas
desmatadas recentemente.
Porém, muitas empresas ainda burlam os acordos
pelo desmatamento zero. Experimente perguntar no supermercado se a
picanha que você vai comprar para o churrasco foi produzida em áreas
livre de desmatamento recente. Depois, comente aqui se o supermercado
soube responder.
*
Publicado originalmente no blog Amazônia Sustentável.