Última leva de aprovações do governo Bolsonaro incluiu seis produtos
com Sulfoxaflor; pesticida é apontado como causador de morte de enxames
Por Pedro Grigori,
Agência Pública/Repórter Brasil
Se o número de
abelhas
mortas desde o final do ano passado assusta – foram mais de 500 milhões
em três meses –, apicultores brasileiros se preparam para uma realidade
ainda pior este ano.
Isso porque, além dos
agrotóxicos
que já causam mortandade segundo diversos estudos, o governo de Jair
Bolsonaro aprovou nada menos que seis produtos à base de Sulfoxaflor,
ingrediente ativo que causa polêmica nos Estados Unidos e Europa devido
ao potencial risco às abelhas.
“Estamos ainda mais preocupados agora devido à aprovação de tantos
pesticidas neste ano”, conta Professora aposentada de química na
Universidade Federal de Goiás (UFG) e presidente e sócia-fundadora da
Associação dos Apicultores do Estado de Goiás (Apigoiás), Maria José
Almeida. “No Centro Oeste, mais mortes ocorrem na época da dessecação da
soja, que começa agora. Aplicam venenos altamente tóxicos para as
abelhas, e o resultado são apiários inteiros mortos. No último ano
chegamos a pegar pelo estado entre 60 e 80 caixas com todas as abelhas
mortas”. Cada caixa pode abrigar entre 30 mil e 100 mil abelhas.
“Na
nossa região são muitas as causas de morte de abelhas. A associação foi
criada em 1980, e sempre foi algo comum termos casos onde morrem um
enxame ou outro, mas nunca na proporção que vem ocorrendo nos últimos
anos”, diz.
Em Pernambuco, a situação é semelhante. No começo do mês, o
Ministério Público estadual recebeu denúncia de mortandade de abelhas no
Vale do Rio São Francisco. Segundo a Associação dos
Criadores de
Abelhas de Petrolina, há três anos, os 32 associados retiravam
anualmente cerca de 30 toneladas de mel, número que caiu para 20
toneladas.
Os apicultores ouvidos pela reportagem reclamam que os inseticidas
relacionados ao massacre do último ano, o Fipronil e os neonicotinoides
Clotianidina, Imidacloprid e o Tiametoxam, ainda continuam no mercado,
sem a conclusão da Avaliação do Potencial de Periculosidade Ambiental
(PPA) feita pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos
Naturais Renováveis (Ibama).
Além disso, a chegada de pesticidas à base de Sulfoxaflor ao mercado
brasileiro também preocupa. Trata-se de um produto que faz parte do
grupo químico das sulfoxaminas, desenvolvido pela Dow AgroSciences desde
2013. Rapidamente, o inseticida tornou-se um fenômeno de vendas,
aprovado em mais de 80 países, como Estados Unidos, Canadá, Austrália,
Japão e China.
No Brasil, o produto técnico Sulfoxaflor teve a aprovação publicada
no 1º ato de 2019 da Coordenação-Geral de Agrotóxicos e Afins do
Ministério da Agricultura. Segundo o governo, o ingrediente ativo foi
aprovado no ano passado, pelo antigo Governo, mas a publicação no Diário
Oficial ocorreu apenas em 10 de janeiro.
Já em 22 de julho, seis produtos agrotóxicos à base de Sulfoxaflor
obtiveram a permissão para serem comercializados. Eles foram
classificados como “medianamente tóxicos” e “perigosos ao Meio Ambiente”
e liberados para as culturas de algodão, citros, feijão, melão,
melancia, soja, tomate e trigo.
Os novos agrotóxicos chegarão às lojas com os nomes Verter SC, Exor
SC, Closer SC, Exor, Verter, Closer, todos comercializadas pela Corteva
Agriscience — empresa que antes pertencia à gigante DowDupont (fusão da
Dow AgroSciences com a Dupont) mas que foi desmembrada e se tornou, este
ano, um braço independente para cuidar apenas da área agrícola,
incluindo agrotóxicos. No entanto, apesar de a comercialização ser feita
pela Corteva, as patentes dos produtos são da Dow, que fez o pedido
antes da fusão. A Agência Pública e Repórter Brasil perguntaram à
Corteva quando os produtos chegarão aos prateleiras, mas, alegando
motivos comerciais e estratégicos, a empresa não revelou a data de
lançamento.
Estudos são sigilosos
Para evitar o impacto nas abelhas, o Ibama impôs regras para o uso do
Sulfoxaflor. Entre elas, a restrição de aplicação em períodos de
floração das culturas, o estabelecimento de dosagens máximas do produto e
de distâncias mínimas de aplicação em relação à bordadura para a
proteção de abelhas não-apis, sem ferrão funcional. Essas restrições
constarão na rotulagem dos produtos e são estabelecidas de acordo com
cada ingrediente e cultura.
“Do ponto de vista da saúde humana, o Sulfoxaflor está entre os
inseticidas 20% menos tóxicos hoje aprovados. Há um possível impacto
sobre insetos polinizadores, por isso a importância da avaliação do
Ibama. Foram apresentados estudos técnicos sobre o impacto dos resíduos
nas abelhas para determinar o que pode ou não ser aprovado. O Ibama tem a
liberdade técnica de aprovar ou reprovar o produto ou estabelecer
restrições de uso que garantam a segurança para os insetos
polinizadores”, explicou à reportagem o coordenador-geral de Agrotóxicos
e Afins da Secretaria de Defesa Agropecuária, Carlos Venâncio.
Para entender melhor os potenciais impactos, a reportagem solicitou
via Lei de Acesso à Informação ao Ministério do Meio Ambiente os estudos
técnicos do Sulfoxaflor, mencionados pelo coordenador. O pedido foi
negado pelo órgão, com base na Lei 10.603 de 2002, que estabelece que
novos produtos aprovados para comercialização têm proteção de 10 anos de
sigilo nas informações.
Tanto o Sulfoxaflor quanto pesticidas neonicotinóides funcionam
atingindo o sistema nervoso central dos insetos. A professora da
Faculdade de Agronomia e Medicina Veterinária da Universidade de
Brasília (UnB), Cristina Schetino explica que, no caso dos
neonicotinóides, o efeito nas abelhas ocorre alterando a capacidade de
aprendizagem e memória. Algumas inclusive não conseguem encontrar o
caminho de volta para a colmeia.
“O Sulfoxaflor, portanto, vem sendo considerado como uma alternativa
aos neonicotinóides, que foram banidos de vários países, tendo em vista
seu reconhecido impacto sobre polinizadores. Uma das vantagens
atribuídas ao Sulfoxaflor está no fato de que ele apresenta residual
mais curto: após 5 dias da aplicação, a concentração residual do chega a
cair em até 20 mil vezes”, diz Cristina Schetino. Porém, diz ela,
estudos recentes já mostram consequências do uso do Sulfoxaflor nas
abelhas.
O principal deles é de 2018, feito por professores da Universidade de
Holloways, em Londres, e publicado na revista científica Nature,
alertando para os riscos do Sulfoxaflor para as abelhas. No experimento,
abelhas Bombus terrestris, conhecida no Brasil como
mamangaba-de-cauda-amarela-clara, foram submetidas ao inseticida, o que
levou a uma redução da capacidade de reprodução e da taxa de crescimento
das colônias.
A especialista acrescenta que existem riscos na aplicação mesmo fora
da época de floração. “Há espécies vegetais, que também têm glândulas de
nectário nas folhas, tornando-as atrativas para as abelhas até mesmo na
época onde só há a planta”, explica.
Por meio da assessoria de imprensa, a Corteva Agriscience enviou nota
à Agência Pública e Repórter Brasil garantindo que os produtos à base
de Sulfoxaflor que chegarão ao mercado brasileiro passaram por todos os
testes necessários. “Foram realizados pela companhia diversos estudos
laboratoriais para avaliar a toxicidade aguda e crônica para abelhas
adultas e larvas; estudos de resíduos em néctar e pólen; e análise sobre
o impacto em colônias de abelhas. Os estudos conduzidos seguiram as
normas de qualidade reconhecidas internacionalmente e comprovaram que
não há efeitos sobre o desenvolvimento das colônias de abelhas quando
expostas aos resíduos de pólen e néctar”, escreveu a companhia.
“A empresa enfatiza, ainda que, antes de solicitar o registro de
qualquer um de seus produtos, realiza uma série de pesquisas para
averiguar o desempenho de suas novas tecnologias, avaliando, inclusive,
todo possível impacto ambiental. Dessa maneira, a companhia assegura
que, quando usado de acordo com as recomendações da bula, Sulfoxaflor
não representa risco para as abelhas”, afirma a nota.
Questionados na justiça, produtos da Dow Agrosciences voltam ao mercado durante governo Trump
Desde 2015, o Sulfoxaflor está envolvido em polêmicas. Naquele ano,
organizações que defendem abelhas levaram ao Tribunal de Apelações de
São Francisco, nos Estados Unidos, a denúncia de que o uso do inseticida
estaria ligado ao extermínio de abelhas, pedindo a suspensão da venda
de produtos à base do químico. Segundo a Agência de Proteção Ambiental
Americana (EPA), “o tribunal considerou que o registro não era apoiado
por evidências que demonstrassem que o produto não era prejudicial às
abelhas, e por isso retiraram o registro”.
Mas o produto não ficou muito tempo longe das prateleiras. Em 2016, a
EPA aprovou uma nova licença, com requisitos adicionais para proteger
as abelhas. A partir daí, o produto passou a ser proibido para culturas
de sementes, e só pode ser utilizado em plantações que atraem abelhas
após a época do florescimento.
Três anos depois, veio uma nova decisão. Em julho de 2019, já no
governo de Donald Trump, a EPA expandiu a liberação de uso do
Sulfoxaflor para mais culturas. A agência concluiu que o pesticida
desaparece da atmosfera mais rápido do que as demais alternativas
utilizadas, diminuindo assim os riscos para os enxames.
A nova decisão rendeu protestos de organizações da sociedade civil
americana e levantou suspeitas – especialmente porque a Dow
AgroSciences, que detém a patente do Sulfoxaflor e é ligada à Corteva,
doou US$ 1 milhão para garantir as festividades da posse de Trump,
segundo reportagem publicada pela Associated Press em 2017. A reportagem
revelou também que o CEO da Dow, Andrew Liveris, é amigo pessoal do
presidente americano.
Agrotóxicos demoram a sair do mercado
Em março, a reportagem da Agência Pública e da Repórter Brasil
mostrou que uma das principais ações do governo para resolver o problema
da mortandade de abelhas é a reavaliação de agrotóxicos relacionados
aos casos.
O Ibama iniciou o processo em 2012, com a reavaliação do
neonicotinoides Imidacloprid, o mais usado do grupo. Simultaneamente, o
Instituto está reavaliando também os neonicotinoides Clotianidina e o
Tiametoxam, e ao fim dos três processos iniciará os testes com o
Fipronil.
Em outubro de 2017 o Ibama respondeu ação civil pública na 9ª Vara
Federal de Porto Alegre, que dava o prazo de seis meses para a autarquia
concluir as reavaliações. O Ibama respondeu ter dificuldade para
concluir o processo no prazo. A equipe que realiza as reavaliações é
composta por apenas cinco analistas ambientais: três biólogos, um
químico e um zootecnista.
Cinco meses após a publicação da reportagem, os processos de
reavaliação ainda não foram concluídos. Nem Ibama nem Ministério do Meio
Ambiente deram alguma previsão de encerramento da reavaliação dos
neonicotinoides.
Pressão do Ministério Público e da sociedade
Enquanto o processo de revisão dos agrotóxicos apontados como vilões
das abelhas segue em andamento na esfera federal, há pressão nos demais
poderes e da sociedade civil. A Promotoria de Justiça de Defesa do Meio
Ambiente de Porto Alegre encaminhou no dia 14 de agosto pedido de
suspensão para que o Governo do Rio Grande do Sul avalie a possibilidade
de restrição do uso do inseticida Fipronil no estado, através da
suspensão provisória do registro do produto no Cadastro Estadual de
Registro de Agrotóxicos – 400 milhões de abelhas foram mortas no Estado
em apenas três meses, conforme revelaram Agência Pública e Repórter
Brasil.
Em junho deste ano o Ministério Público do Rio Grande do Sul estadual
propôs que as empresas produtoras do inseticida suspendessem
voluntariamente a comercialização de produtos à base de Fipronil no
estado. As multinacionais Basf e a Nufarm concordaram. “O fato é
significativo porque, mesmo que outras tantas não concordassem com a
proposição ancorada apenas na questão de que o princípio ativo possui
registro, duas das maiores produtoras reconhecem, especificamente pela
mortandade de abelhas, os danos que a versão foliar do Fipronil
representa”, destacou promotor de Justiça Alexandre Saltz no pedido de
suspensão.
“Impõe-se avançar na limitação da sua comercialização e uso, especialmente às vésperas do início da safra”, concluiu.
O Fipronil age nas células nervosas dos insetos e, além de utilizado
contra pragas em culturas como maçã, soja e girassol, é usado até mesmo
em coleiras antipulgas de animais domésticos. Muitas vezes esse veneno é
aplicado em pulverização aérea, o que o expõe diretamente as abelhas.
Um estudo feito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul em 2018
analisou 30 casos de grandes baixas em enxames no estado. Os resultados
mostram que cerca de 80% ingeriram ou tiveram contato com Fipronil antes
de sucumbir.
“Estamos animados com essa movimentação judicial. O Fipronil é o
maior matador de abelhas. Usar ele na época da florada é um grave crime
ambiental”, conta o apicultor Salvador Gonçalves, presidente da
Apicultores de Cruz Alta (Apicruz).
O município gaúcho foi um dos que mais sofreu com mortes de abelhas —
mais de 20% de todas as colmeias foram perdidas apenas entre o Natal de
2018 e o começo de fevereiro deste ano. Cerca de 100 milhões de abelhas
apareceram mortas, segundo levantamento da Apicruz.
Mas a repercussão das denúncias chamou atenção para o problema. Em
maio, o Greenpeace lançou a #SalveAsAbelhas, um abaixo assinado contra o
extermínio de polinizadores por uso de agrotóxicos — foram 10 mil
assinaturas de apoio em uma semana.
Quase um ano depois, o sentimento é de esperança de que a repercussão
traga mudanças efetivas. “Dentro de alguns dias começa a dessecagem nas
lavouras de milho, então estamos muito preocupados. Mas houve uma
sensibilização muito grande por parte dos produtores rurais que nos faz
esperar uma diminuição da mortandade de abelhas neste período de
primavera”, diz Salvador Gonçalves.
Em resposta, o setor de defensivos agrícolas, sob governança do
Sindicato Nacional das Indústrias de Produtos para Defesa Vegetal
(Sindiveg), criou o Colmeia Viva, um movimento para incentivar o diálogo
entre agricultores e criadores de abelhas. O grupo coloca como um dos
objetivos promover o uso correto de defensivos agrícolas para diminuir o
impacto na apicultura.
Por sua vez, em julho foi a vez dos deputados agirem. No dia 4,
parlamentares lançaram no Congresso Nacional a Frente Parlamentar Mista
da Apicultura e da Meliponicultura. O grupo irá acompanhar e fiscalizar
as atividades de criação de abelha e produção de mel no país, além de
propor alternativas para solucionar os problemas da categoria. 256
deputados federais e nove senadores assinaram o requerimento de criação.
O presidente da frente é o deputado Darci de Matos (PSD-SC) e o vice é o
senador Izalci Lucas (PSDB-DF) — ambos também são membros da Frente
Parlamentar da Agropecuária.
Membros da Frente Parlamentar da Apicultura reuniram-se neste mês com
a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, para discutir as principais
pautas do setor, incluindo a mortandade de polinizadores. “Passamos
para ela a nossa preocupação em relação aos agrotóxicos que tem em sua
base o Fipronil e os neonicotinoides. São agrotóxicos que já foram
banidos na Europa, e aqui apareceram no caso de mortalidade de 500
milhões de abelhas no ano passado em quatro estados. Precisamos agir,
pois sem abelha não tem alimento”, relata o deputado Darci de Matos.
A frente também pretende se reunir com Ricardo Salles, ministro do
Meio Ambiente para falar da reavaliação dos agrotóxicos tendo em vista o
perigo as abelhas. “Estamos estudando a possibilidade de fazer um
projeto de lei propondo a proibição desses agrotóxicos. É um assunto bem
complexo, e o PL seria a opção mais radical, mas adiante poderá ser
possível, porque não podemos continuar deixando milhões de abelhas
morrendo”, diz Darci. Além disso, o deputado acrescenta o interesse em
criar um mapeamento de colméias no Brasil. “O objetivo é descobrir onde
estão as colmeias, para quando você for autorizar um agrotóxico, o
receituário mostre onde não é permitido fazer a aplicação”, explica.
Esta reportagem faz parte do projeto Por Trás do Alimento, uma
parceria da Agência Pública e Repórter Brasil para investigar o uso de
Agrotóxicos no Brasil. A cobertura completa está no
site do projeto.
in
EcoDebate, ISSN 2446-9394, 27/08/2019