Projeto
resgata e faz doação de plantas abandonadas em imóveis no Rio
O
Projeto Regador dá os “primeiros socorros” para as plantinhas que foram
deixadas para trás por quem muda de casa. Depois faz a doação em praças
da cidade.
Por Marion
Monteiro, G1 Rio
24/07/2018
05h00 Atualizado há 1 hora
Empresário
do setor de locação de imóveis, Rodrigo Souza, de 36 anos, perdeu a conta de
quantas vezes viu vasinhos com plantas secas serem deixados para trás por
moradores que mudaram de casa. Foi por isso que ele resolveu criar o Projeto
Regador, que resgata plantas abandonadas em imóveis no Rio de Janeiro para
serem doadas em locais públicos para quem gosta e tem tempo de cuidar.
O Projeto
Regador não tem nem um mês: foi lançado no último dia 3 de junho, um domingo,
na Praça São Salvador, no bairro do Flamengo, na Zona Sul do Rio de Janeiro. E,
para surpresa dos idealizadores, em menos de uma hora de exposição em uma
barraquinha, foram "adotadas" 28 plantas.
“O objetivo
é resgatar as plantas e doar para os que têm consciência de que é um ser vivo”,
afirma. E o primeiro passo antes da doação é fazer com que as plantinhas
recebam os “primeiros socorros”, como a rega e a troca de terra.
Depois de
conseguir 30 doações, desde antúrios até samambaias, o empresário levou, a
pedido do G1, o Projeto Regador a um local bem movimentado na Zona
Sul carioca: o Largo do Machado. Perto da estação do metrô e de uma unidade do
projeto Academia para a Terceira Idade, a barraquinha gerou muita curiosidade
de quem passava por lá.
Quem adorou
a iniciativa foi o servidor público José Reinaldo Carvalho dos Reis, que já tem
oito orquídeas cultivadas no seu apartamento, e diz que se sente muito bem ao
tratar delas. Para ele, o fato de ter uma adoção de plantas em plena praça já é
uma forma de mudar a rotina das pessoas e até conseguiu “barganhar” mais uma
muda. “Um pequeno ato como doar uma muda de orquídea torna o cotidiano mais
rico”, afirmou.
Ao passar
pelo local, Raimunda Maria Santos Silva também conseguiu uma plantinha e
elogiou o projeto. “É uma maneira de recuperar as plantas e passar para a
frente para quem gosta delas”, disse a técnica de enfermagem aposentada, que
ganha sempre uma muda dos amigos.
Já a
aposentada Sueli Alves de Souza e Silva é uma doadora de plantas e está
engajada no projeto. Ela está mudando de uma casa grande em Maricá, município
da Região Metropolitana do Rio, para um apartamento no Catete, na Zona Sul.
Para não deixar as plantas para trás, resolveu fazer doações de mudas para
outras pessoas e também faz replantio.
“Acho
importante o projeto. Quem ama plantas não consegue vê-las destruídas. Cuidar
de planta e pegar na terra acalma,” afirmou.
Rodrigo,
idealizador do projeto, conta que é um apaixonado pelas plantas desde a
infância em Alagoas, onde foi criado. “Lá, a gente sempre está em contato com a
natureza”, diz. Como a adesão vem crescendo, pensa agora em levar o projeto
para outros bairros do Rio e para pessoas de outros estados que estão abraçando
a ideia.
“A gente
quer pessoas que possam se organizar e divulgar o projeto em suas regiões e
conscientizar a sociedade sobre o abandono das plantas e que gere um mecanismo
de doação, de forma natural", diz.
O projeto
já conseguiu o resgate e doação de mais de 70 plantas, não só de apartamentos,
mas também de restaurantes, que descartam quando acham que elas já estão fora
dos “padrões estéticos” da casa.
Uma turma
de macacos-prego tem alvoroçado a minha vizinhança. Como tenho dois cachorros
pequenos, não quero correr o risco de promover, mesmo de maneira involuntária,
um encontro deles com outros seres peludos de espécie distinta. Ando, portanto,
tomando minhas precauções. Janelas fechadas, num ambiente tão carente de ar
fresco, me entristecem. Mas, no caso, é absolutamente necessário tentar impedir
que o bando se sinta convidado a entrar, o que pode acontecer até por causa de
uma distraída penca de bananas à mercê, na fruteira.
Hoje pela
manhã, alguns fizeram a festa. Sempre andam acompanhados, e vi uns seis subindo
e descendo um prédio ao lado do meu. Aonde tinha janela aberta, eles entravam.
Fiquei um tempo acompanhando o movimento, ouvindo a barulheira que a criançada
fez ao descobrir. E, o que no início era uma diversão, acabou me deixando
jururu. Foi me dando uma vontade tremenda de pedir desculpas àqueles bichos,
que pareciam tão pouco apropriados numa paisagem tão urbana.
Além do
homem, sempre o maior predador de todas as espécies, já que pode usar armas
para matar, o macaco-prego tem como inimigos apenas a Harpia, os felinos (e não
estou falando de gatos domésticos, claro), jacarés...
Ou seja, aqui pela
cidade, poucos são capazes com esses bichos, que se adaptam bem à esfera
urbana.
E assustam, é claro, quando invadem casas à procura de alimentos.
Este é o
ponto: eles invadem à procura de alimentos. E é o que me deixa com vontade de
pedir desculpas. Porque, se lhes falta alimentos na floresta é porque estamos
invadindo cada vez mais seu espaço, fazendo casas para morarmos, descuidando da
necessidade que eles têm de comer. É certo que são uns glutões, disse ninguém
duvida. Mas estariam precisando comer pães, biscoitos ou comidas prontas, com
sabores aos quais podem acabar se viciando, se tivessem a seu dispor uma
quantidade suficiente de frutas, coquinhos e outros produtos que os satisfazem?
Outro
ponto: o aquecimento global, também provocado pelo homem, anda transfigurando
produtos da floresta, deixando solos mais secos ou mais molhados. Nada disso
está previsto no DNA do macaco-prego.
Sim, isto
me deixa jururu. Não só a mim, mas a muita gente. A ocupação urbana desordenada
aliada à mudança de clima são dois inimigos de vários animais silvestres, não
só de macacos, Gambás, corujas, e até répteis como cobras e lagartos também
estão nesta lista. Serão detonados se tiverem a má sorte de enfrentar um humano
violento e capaz. Uma morte besta, por nada, só por... existir.
Se você
também se sente incomodado com isso, vai gostar de saber que está marcada, para
o dia 8 de setembro, uma mega manifestação global para se falar disso tudo. Uma
só não, várias, no planeta todo, para exigir que os líderes locais de cidades
se comprometam a a construir um mundo livre de combustíveis fósseis, que
coloque as pessoas à frente do lucro. O movimento se chama “Una-se pelo Clima”
e está sendo puxado, até agora, por
mais de 30 organizações ambientais e socioambientais.
Se você,
caro leitor, não está percebendo o que tem a ver um mundo com menos
combustíveis fósseis com o drama dos macacos-pregos e outros bichos, que
precisam invadir a área urbana em busca de comida, eu já me explico. As metas
definidas no Acordo de Paris, conseguido a duras penas na Conferência do Clima
de 2015 (COP-21), exigem uma mudança estrutural para que se possa viver sem
energia fóssil, com base em fontes renováveis de energia. E, se conseguirmos
alcançar algo próximo disso, é sinal de que a humanidade vai estar, de fato,
muito mais perto de pensar nas pessoas, nos bichos, em preservar florestas,
mares, rios e lagos, do que no dinheiro e no desenvolvimentismo econômico.
Para isso,
será preciso mudar muita coisa. A começar pela escolha dos dirigentes, que
precisarão apresentar em suas plataformas de governo muito mais do que planos
econômicos para elevar PIBs e baixar inflações, mas algo que realmente reúna,
num só golpe, as preocupações socioambientais e econômicas. O planejamento
urbano, para ficarmos no foco dos macacos-prego que descem da floresta em busca
de comida, terá que ser pensado de maneira diferente do que é hoje.
Neste
sentido, recebi uma publicação elaborada pelo WRI Brasil – o escritório local
do World Resources Institute (instituto internacional que se destina a pensar
assuntos ligados ao tema da sustentabilidade) que pode ajudar a refletir.
Trata-se do Documento Orientado ao Transporte
Sustentável (DOTs), que analisa a articulação do uso e ocupação do solo, com o tempo que
se gasta para se movimentar nele. Em foco, os 172 milhões de brasileiros que
hoje vivem em áreas urbanas. Número que só tende a crescer.
Trata-se de
um crescimento urbano 3D: distante, disperso e desconectado, escrevem os
especialistas que se debruçaram em estudos para formatar o documento. E trazem
informações que me refrescam a memória e transformam em quase nada o drama dos
macacos-prego fujões aqui da vizinhança: mais de 100 milhões de pessoas, desses
172 milhões que vivem em áreas urbanas, não têm acesso à rede de esgoto. Isto,
sim, uma tragédia sem limites e que igualmente requer uma mudança profunda de
hábitos e de prioridades de gestão.
O guia do
WRI traz propostas para planos diretores que possam melhorar a qualidade de
vida dos humanos que vivem nas cidades. E consta, entre as diretrizes que devem
ser pensadas pelos governantes, a preocupação em aumentar o valor ambiental das
áreas verdes. Mas há também, paradoxalmente, a necessária observação de que as
cidades, por serem locais mais atrativos, que reúnem mais possibilidades, devem
ser mais democráticas, abertas a todos. É verdade. Mas, como conseguir
conciliar espaço, pessoas, bichos e plantas?
É preciso
revistar o Plano Diretor do Rio, e é disso que se trata o estudo. Vou ler o
estudo mais lentamente e trarei notícias mais detalhadas sobre as propostas que
nos fazem. Gosto do tema. As cidades e suas contradições me instigam porque
podem expor mais cruamente, no dia a dia, a dificuldade de transformar em
prática a retórica dos acordos e tratados internacionais que se comprometem a
preservar meio ambiente e baixar emissões.
Rio de Janeiro ficou na última colocação dos dez piores transportes públicos do mundo entre as 74 cidades analisadas
O instituto de pesquisa Expert Market produziu um levantamento sobre o
transporte público nos 74 principais centros urbanos do mundo. Você não
está satisfeito com a qualidade do transporte na sua cidade? Então,
você não irá se surpreender com o resultado da pesquisa.
A pesquisa avaliou a mobilidade de cidades do mundo inteiro e levou
em consideração indicadores com o tempo de viagem, espera para pegar a
condução, baldeações, distância total e o custo mensal do transporte
relacionado ao salário médio da população.
E as cidades brasileiras foram mal avaliadas na pesquisa. São quatro
cidades brasileiras entre as dez últimas colocadas. Brasília ocupa a
posição 68, Salvador a posição 70, São Paulo ocupa a posição 72 e o Rio
de Janeiro a posição 74, o último lugar entre as cidades analisadas.
No Rio, o quesito que mais chamou a atenção foi o alto custo do
transporte público em relação ao salário médio das pessoas que vivem na
cidade. Os dados analisados indicaram que os gastos com passagens
representam cerca de R$ 160 por mês, que equivale a 9,4% do salário
médio, segundo o levantamento.
O estudo ainda sinalizou que na cidade do Rio de Janeiro os
passageiros passam, em média, 19 minutos por dia esperando a condução
chegar e que os passageiros passam em torno de uma hora e meia por dia
dentro de ônibus e trens.
Ainda segundo a pesquisa, Brasília apresenta o segundo pior tempo
médio de espera por ônibus ou metrô no mundo. A média de espera dos
brasilienses é de 28 minutos. Apenas Salvador tem situação pior, com 33
minutos.
Reportagem, Paulo Henrique Gomes, Agência Rádio Mais
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Pressão pró-desmatamento e barganhas políticas comprometem metas
brasileiras de emissão de gás carbônico. Entrevista especial com Raoni
Rajão
IHU
Apesar de a política brasileira de combate ao desmatamento ter sido
aprimorada nos últimos anos, um estudo recente realizado por
pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG e da Universidade de Brasília – UnB demonstra
que as barganhas concedidas pelo Estado brasileiro até 2016 podem
reverter os índices de desmatamento no país e comprometer a meta
brasileira de redução das emissões de gás carbônico assumidas no Acordo
de Paris. Segundo um dos coautores da pesquisa, Raoni Rajão, da UFMG, embora o governo tenha fortalecido as políticas de controle ao desmatamento,
de outro lado “houve uma pressão e uma sinalização pró-desmatamento
maior, que acabou anulando ou se sobrepondo à pressão antidesmatamento. O
que tentamos mostrar neste estudo é justamente essa situação paradoxal,
na qual a capacidade de controle do desmatamento se manteve, mas, ao mesmo tempo, a pressão pró-desmatamento aumentou”, explica.
Entre as sinalizações que favoreceram o desmatamento, Rajão destaca a aprovação do Código Florestal em 2012 e a não criação de novas Unidades de Conservação. “Um marco importante foi a aprovação do Código Florestal em
2012. Inclusive a reforma do Código Florestal surgiu a partir do
momento em que o Código antigo começou a ser implementado e começou a
‘doer no bolso’ do produtor e daqueles que desmatam, e esse setor se
organizou para, dado que a regra estava ficando difícil, mudá-la”, frisa
na entrevista a seguir, concedida por telefone à IHU On-Line.
Na avaliação dele, o novo Código Florestal foi
“uma grande colher de chá para o setor produtivo, porque se
perdoou tudo o que aconteceu no passado. Tanto é assim que 60% do desmatamento ilegal feito até 2008 foi perdoado pelo Código de 2012.
Agora, o problema é que isso acabou sendo lido pelo setor produtivo que
está ligado ao desmatamento como uma mensagem de que se ele conseguiu
vencer o governo e anular o desmatamento feito no passado, futuramente
poderia haver um novo perdão”. E adverte: “É preocupante passar essa
mensagem de que com pressão e articulação no governo se consegue reverter leis ambientais, que é algo inclusive inconstitucional, porque não se pode diminuir a proteção em áreas ambientais”.
Raoni Rajão é professor de Estudos Sociais da Ciência e Tecnologia no
departamento de Engenharia de Produção da Universidade Federal de Minas
Gerais – UFMG e membro do Programa de Pós-graduação em Engenharia de
Produção da mesma instituição. Também atua nos programas de
Pós-Graduação em Análise e Modelagem de Sistemas Ambientais da UFMG e
Social and Political Sciences of the Environment (Radboud
University/Holanda).
Ele é graduado em Ciência da Computação pela
Universidade de Milão-Bicocca (Itália) e mestre e doutor em Organização,
Trabalho e Tecnologia pela Universidade de Lancaster (Inglaterra).
Desde o mestrado se dedica ao estudo da relação entre tecnologia,
ciência e políticas públicas, com ênfase na avaliação de políticas de
controle do desmatamento e de pagamento por serviços ambientais.
Confira a entrevista. IHU On-Line – Na semana passada, noticiou-se na imprensa um
estudo feito pelo senhor e pelo professor Britaldo, juntamente com
pesquisadores da Coppe/UFRJ e da UnB, acerca das barganhas políticas
feitas a partir de 2016 e o modo como elas afetaram o controle do
desmatamento na Amazônia e no Cerrado. Em que consiste esse estudo e
quais dados o fundamentam? Raoni Rajão – Esse estudo surgiu da percepção de uma
contradição. Seria errado dizer que houve uma reversão ou um
enfraquecimento das políticas de desmatamento nos últimos anos. Na
verdade, elas se mantiveram, com alguma flutuação de orçamento, mas nada
que não tivesse acontecido nos anos anteriores. Isso porque o governo
tem dificuldade de manter o fluxo de recursos, mas de maneira geral
foram mantidos aprimoramentos pontuais e, inclusive, ajudamos o Ibama a realizá-los. Então, o ponto do nosso estudo foi o seguinte: por que o desmatamento aumentou se a política de desmatamento continuou
e melhorou? Para responder a essa questão, analisamos as políticas de
controle de desmatamento para entender que estamos num contexto mais
amplo de governança ambiental, que são as ações de controle do
desmatamento do Ministério do Meio Ambiente e também as
ações dos outros ministérios, as ações do setor privado, as
sinalizações políticas que são dadas pelo Congresso e pela presidência.
Então, o que ajudou a explicar a queda do desmatamento nos períodos anteriores foi a concomitância de uma estruturação da política de controle de desmatamento,
que praticamente não existia antes de 2004. Depois se teve um contexto
político favorável, com tolerância zero ao desmatamento, mas na
sequência, mesmo com a manutenção da política do desmatamento, houve uma
pressão e uma sinalização pró-desmatamento maior, que acabou anulando
ou se sobrepondo à pressão antidesmatamento. O que
tentamos mostrar neste estudo é justamente essa situação paradoxal, na
qual a capacidade de controle do desmatamento se manteve mas, ao mesmo
tempo, a pressão pró-desmatamento aumentou.
A partir dessa constatação, tentamos olhar para o futuro, pensando num cenário no qual existe uma sinalização política antidesmatamento, no qual se pode diminuir o desmatamento conforme as metas assumidas pelo país em 2009. Nesse sentido, não estamos propondo que o Brasil assuma uma nova meta, nem estamos sugerindo que se faça uma política de desmatamento zero.
O cenário intermediário que vemos como tendencial é o de manutenção das políticas de controle de desmatamento. Mas com a erosão e a diminuição da capacidade gradual que vem ocorrendo por causa do teto dos gastos, da aposentadoria dos funcionários do Ibama e da não reposição do quadro de funcionários através de novos concursos, prevemos um cenário pior, no qual o Ministério do Meio Ambiente seria extinto e se transformaria numa secretaria do Ministério da Agricultura e,
portanto, estaria submetido a esse ministério, como já foi sinalizado
por um dos candidatos à Presidência. Se essa situação se concretizar, a política de controle do desmatamento será desmontada e as consequências serão piores.
IHU On-Line – Quais foram as principais barganhas concedidas
pelo Estado aos ruralistas e como elas contribuíram para o aumento do
desmatamento na Amazônia e no Cerrado?
Se as questões do desmatamento e do
orçamento de carbono não entrarem para a agenda política de 2018,
chegaremos a 2030 longe da meta do acordo de Paris – Raoni Rajão
Raoni Rajão – É difícil, quando se faz uma análise
política, relacionar uma ação específica do governo e como isso gerou
um aumento do desmatamento. Entretanto, é possível perceber que foram
feitas sinalizações importantes e, nesse sentido, um marco foi a
aprovação do Código Florestal em 2012. Inclusive a
reforma do Código Florestal surgiu a partir do momento em que o Código
antigo começou a ser implementado e começou a “doer no bolso” do
produtor e daqueles que desmatam, então esse setor se organizou para,
dado que a regra estava ficando difícil, mudá-la.
É claro que, no que diz respeito ao Código Florestal,
existe uma discussão mais ampla, porque alguns argumentaram à época que
era melhor ter uma regra mais fácil e 100% aplicada do que ter uma
regra muito forte e que nunca seria aplicada. De certa forma isso ajudou
a justificar, para alguns ambientalistas, a construção do novo Código Florestal,
que foi uma grande colher de chá para o setor produtivo, porque se
perdoou tudo o que aconteceu no passado. Tanto é assim que 60% do desmatamento ilegalfeito até 2008 foi perdoado pelo Código de 2012.
Agora, o problema é que isso acabou sendo lido pelo setor produtivo que
está ligado ao desmatamento como uma mensagem de que se ele conseguiu
vencer o governo e anular o desmatamento feito no passado, futuramente
poderia haver um novo perdão.
É preocupante passar essa mensagem de que
com pressão e articulação no governo se consegue reverter leis
ambientais, que é algo inclusive inconstitucional, porque não se pode
diminuir a proteção em áreas ambientais. Apesar de
muitos alertarem para o fato de que se trata de algo inconstitucional,
o STF acabou dando um parecer favorável ao Código Florestal, inclusive
em aspectos mais controversos como, por exemplo, a anistia por desmatamentosanteriores a 2008, para pequenas propriedades. Existiu ali uma sinalização que foi muito negativa.
Outra sinalização importante ocorreu assim que Dilma Rousseff assumiu o governo: ela diminuiu radicalmente o número de criação de Unidades de Conservação e demarcação
de terras indígenas. Inclusive, no nosso artigo, fizemos um
levantamento das áreas de Unidades de Conservação criadas ano a ano, que
evidencia uma diminuição radical já no governo Lula, mas quando Dilma assume o governo, essa diminuição chega próximo a zero.
No final do governo, ela fez algumas benesses para compensar essa
situação, mas ficou evidente a sinalização, pois até então uma
estratégia muito clara do governo Lula, no período da Marina Silva, consistia em pegar as áreas devolutas, que são áreas do governo, e ali criar Unidades de Conservação ao
invés de deixá-las sem atribuição, o que permite a grilagem das terras.
Então tal política sinalizava que essas áreas seriam difíceis de ser
griladas e roubadas do governo. Mas essa estratégia foi interrompida.
Além disso, no governo Temer foi aprovada uma medida provisória, por
pressão dos ruralistas, a qual expandiu benefícios para grileiros, os
quais hoje conseguem legalizar, a um preço irrisório, áreas de até 2.500
hectares. São grandes latifúndios de terras públicas — ou seja, nosso patrimônio — que estão sendo desmatados por pessoas que depois conseguem a propriedade dessas terras e as vendem por preços exorbitantes.
A Renca, por exemplo, que é uma reserva de minério de cobre no Pará,
não tem uma função ambiental direta, mas acaba tendo uma função
indireta, porque ela limita os tipos de uso daquela área. Por causa
disso, dentro da Renca foram criadas Unidades de Conservação estaduais pelo Estado do Pará. Mas a partir do momento em que o governo federal quis
desfazer essa área, o Estado do Pará também poderia querer desfazer as
suas unidades estaduais de conservação e permitir a exploração dessas
áreas. Nesse caso, a iniciativa de desfazer a Renca foi fruto do lobby da própria Vale.
Depois houve uma pressão internacional enorme e o governo voltou atrás,
e o mesmo aconteceu com Jamanxim. Apesar de o governo ter voltado
atrás, o sinal para quem quer desmatar está claro: basta pressionar que o
governo vai lá e assina o que alguns setores querem e isso gera uma
expectativa pró-desmatamento.
Tanto é que no contexto do Jamanxim houve uma explosão de desmatamento nas Unidades de Conservação, porque já estava se esperando que no apagar das luzes do governo Temer se
daria uma canetada e se conseguiria desfazer aquelas áreas, facilitando
a tomada delas, que a partir de então estariam legalizadas. A diferença
entre o legal e o ilegal é uma caneta. Como essa caneta está na mão de
quem quer fazer barganha, isso acaba tendo um impacto muito grande na
expectativa de quem quer desmatar.
IHU On-Line – Segundo o estudo, somente por desmatamento o
Brasil emitiria 1,8 bilhão de toneladas líquidas de gás carbônio em
2030. O que esse percentual representa em comparação com a meta interna
assumida pelo país na Conferência do Clima de Paris? Como é feita essa
projeção?
Existe um incentivo econômico muito grande
para que se continue desmatando sempre novas áreas em vez de manter e
utilizar, de maneira sustentável, as áreas já abertas e utilizadas –
Raoni Rajão
Raoni Rajão – Isso mostra que só com o desmatamento o Brasil vai
superar o que ele promete em termos de emissão nesse período, o que
significa que o país, em 2030, não alcançará as próprias metas
internas que foram prometidas no acordo de Paris.
É importante enfatizar que uma das nossas preocupações é que o
governo escolha quais setores poderão emitir gás carbônico. Nesse caso,
alguns setores poderiam desmatar, porque o governo quer usar a meta de emissão de gás carbônico para
esses setores, mas se for assim, como fica o resto da economia
brasileira? Essa sim precisa emitir para produzir, porque para produzir
carne, soja, um carro, para produzir energia elétrica, é preciso emitir
gás carbônico também, então, o governo estará prejudicando outros
setores da economia que precisam emitir para produzir. Ou seja, o
governo irá permitir a emissão de gás carbônico para um setor da
economia que não gera PIB. O problema é um pouco esse e
funciona como uma espécie de orçamento: se gastamos todo o orçamento do
governo num setor, não teremos recursos para outros. A mesma coisa
acontece em relação ao carbono: se gastarmos em barganha política
gerando desmatamento, gerando grilagem de terra,
não teremos possibilidade de oferecer barganhas para o setor produtivo,
que também irá gerar as taxas de emissões. Esse é o “x da questão”.
IHU On-Line – O senhor defende que o desmatamento deveria ser
controlado para permitir que outros setores da economia, que geram um
PIB maior, possam usar a cota de emissões de gás carbônico? Raoni Rajão – Exato. A tendência é gerarmos
uma economia de baixo carbono, de maneira mais efetiva, mas pelo menos
nos próximos 50 anos, até que se faça a transição para a economia de baixo carbono,
teremos que emitir para poder crescer. Então, temos que poder emitir
num lugar que gere crescimento. É importante ter noção disso, porque
quando alguém desmata, há uma perda para todo mundo, inclusive para a
agropecuária moderna. Não se trata de uma briga do ambientalista
preocupado em salvar as árvores contra a agropecuária. O governo poderia
permitir o desmatamento legal em áreas de expansão de
algumas culturas que têm alto valor agregado e não em áreas de fronteira
onde é economicamente inviável produzir alimentos. Os que estão
desmatando essas áreas fazem isso para grilar as terras e depois
tomá-las do Estado, para depois vendê-las sem produzir alimento e PIB.
IHU On-Line – Considerando essas barganhas já concedidas pelo
governo, que tipo de política o Brasil deveria implementar para
alcançar suas metas de redução das emissões de gás carbônico?
É absolutamente essencial que seja sinalizado que acabou a farra de se desfazerem as Unidades de Conservação – Raoni Rajão
Raoni Rajão – Um dos pontos centrais está ligado às terras devolutas; são 80 milhões de hectares de terras públicas não designadas na Amazônia.
O problema é que enquanto essas terras não estiverem designadas, elas
estarão abertas para serem usadas por grileiros que as desmatam e depois
são usadas pela especulação imobiliária. É
absolutamente urgente pensar formas para que essas áreas tenham um
destino específico, porque à medida que elas entram no mapa, quem grila
terra vai ficar atento e não irá naquelas áreas.
Além disso, é absolutamente essencial que seja sinalizado que acabou a farra de se desfazerem as Unidades de Conservação.
Isso porque a partir do momento que se cria a expectativa de que com
pressão política a Unidade de Conservação é desfeita, aí vira moda e
todos vão querer fazer a mesma coisa, vão querer pressionar também no
âmbito estadual, porque os estados também têm um papel importante na
criação de Unidades de Conservação.
Também é importante que se continue com o aprimoramento das plataformas políticas de controle do desmatamento. O Ibama tem feito um bom trabalho, mas, infelizmente, toda vez que relatamos situações de desmatamento,
a tendência é falar que isso acontece porque não há fiscalização — essa
é a narrativa típica. Porém, ela é incorreta porque a situação é mais
complexa do que isso. De todo modo, é preciso continuar aprimorando a
fiscalização, é preciso fazer investimentos, promover concursos, por
exemplo, porque faz anos que não há concurso do Ibama, e hoje a quantidade de fiscais é 50% menor do que há alguns anos, logo, isso impacta a capacidade de ação do órgão.
Também é importante pensar em incentivos para a legislação.
Se acabássemos com o desmatamento ilegal na Amazônia, seria possível
reduzir muito o desmatamento, mas esse não é o caso do Cerrado. Nesse
sentido é necessário pensar em como implementar aspectos, os quais já
estão inclusive em lei, em que, por exemplo, é feito o pedido de estudo
de viabilidade ou de se demonstrar a necessidade de desmatar uma nova
área. Há possibilidade de ser criado um imposto de autorização de desmatamento legalque possa, depois, ser revertido para o uso sustentável de outras áreas.
Hoje, infelizmente, é muito mais barato para o produtor desmatar uma
nova área, por exemplo, para poder expandir o pasto, do que recuperar
uma área já degradada. Existe um incentivo econômico muito
grande para que se continue desmatando sempre novas áreas em vez de
manter e utilizar, de maneira sustentável, as áreas já abertas e
utilizadas. É um pacote que precisa ser pensado em conjunto.
IHU On-Line — O estudo fez algum cálculo para medir em que
percentual o desmatamento foi reduzido a partir da política de
desmatamento, em contraposição a que percentual de áreas foram
desmatadas por causa das barganhas concedidas pelo governo? Raoni Rajão – É difícil atribuir valores percentuais
de maneira direta. O que houve foi uma série de estudos que tentam
compreender o papel dessas diferentes políticas para explicar como
o desmatamento saiu de 20 mil quilômetros quadrados em 2005 para 4 mil
quilômetros quadrados em 2012. Esses estudos mostraram um aumento
substancial dos atos de infração emitidos pelo Ibama nos municípios.
O meu estudo, particularmente, mostra a revolução tecnológica que aconteceu dentro dos órgãos ambientais, porque antes os técnicos iam para campo sem saber onde procurar o desmatamento, mas hoje eles fazem monitoramentos por satélite. A própria criação de Unidades de Conservação foi
muito importante e, além disso, houve mudanças legislativas
importantes, como, por exemplo, a criação da lista negra dos municípios
desmatadores. Aqueles municípios que estão nessa lista têm dificuldades
de conseguir créditos com bancos e isso gerou uma reação importante para
o setor produtivo na região Amazônica. Ou seja, esses
são dados de uma série de estudos que apontam como o desmatamento chegou
a esses valores, mas não existe um estudo integrado.
Como o elemento político estava presente no período de 2005 a 2012,
fica difícil separar a influência dele desses outros elementos.
Entretanto, o que mostramos é que se a partir de 2012 as políticas que
levaram ao desmatamento foram mantidas, então o que
mudou foi de fato a reversão de algumas políticas, como a redução das
Unidades de Conservação. Então, apesar de não atribuirmos um percentual a
cada uma dessas políticas, fica claro que tem que ter havido uma
influência importante da dimensão política para poder explicar essa
reversão, porque, do contrário, ela não se explica e estaríamos com os
mesmos índices de desmatamento que foram registrados em 2012.
IHU On-Line — Dado o índice de desmatamento no país, o Brasil
não conseguirá cumprir suas metas internas propostas para o acordo de
Paris?
Candidatos à esquerda e à direita estão
querendo se aproximar do agronegócio porque ele é uma grande potência,
gera PIB, mas não fazem uma aproximação qualificada – Raoni Rajão
Raoni Rajão – Se a tendência se confirmar, não. Tanto é que consideramos que o cenário intermediário é o cenário tendencial. Ou seja, se as questões do desmatamento e doorçamento de carbono não
entrarem para a agenda política de 2018, chegaremos a 2030 longe
da meta do acordo de Paris. A situação é preocupante porque, com exceção
de uma candidata, ninguém toca nesse assunto. Pelo contrário, candidatos à esquerda e à direita estão querendo se aproximar do agronegócio porque ele é uma grande potência, gera PIB,
mas não fazem uma aproximação qualificada no sentido de afirmarem que
querem apoiar o agronegócio que busca crescer, que quer gerar
uma agricultura de baixo carbono, e não aquele agronegócio que quer
roubar terra. Mas, infelizmente, essa mensagem fica muito misturada na
discussão política e a tendência é a de ter uma eleição que não trate do
assunto.
IHU On-Line — Que questões são urgentes e precisam constar no debate eleitoral acerca da questão ambiental? Raoni Rajão — É importante começar a discutir a agenda do orçamento de carbono, porque o carbono é um recurso finito: nós emitimos dia a dia, toda vez que ligamos o carro estamos emitindo gás carbônico,
porém é importante fazer essa emissão de maneira inteligente. É a mesma
coisa com o orçamento da União, que precisa ser pensado de maneira mais
efetiva.
Não é simplesmente cortar gastos, aumentar impostos ou
aumentar investimentos, mas fazer gastos de maneira mais efetiva.
Infelizmente, isso está fora do debate e é curioso que esteja fora do
debate em um contexto em que, por exemplo, mesmo dando sinalizações
pró-desmatamento, tanto Kátia Abreu, que foi ministra de Dilma, quanto Blairo Maggi, que é ministro de Temer, já falaram publicamente que a agricultura não precisa desmatar para
crescer. Este foi o cenário: de 2005 para 2012 houve um aumento
espetacular das exportações brasileiras de soja e de carne, e a produção agrícola do Brasil aumentou substancialmente, isso em um cenário em que o desmatamento caiu.
De fato, há pessoas ligadas ao agronegócio falando que não precisa
desmatar para poder crescer, então, por que isso não vira uma linha
comum de propostas? O que aconteceu nesses últimos tempos é que o setor
do agronegócio que quer desmatar não está sendo repreendido pelo
agronegócio que está querendo produzir. Parte dos candidatos não quer
atacar essa questão do desmatamento e da diminuição das emissões de gás carbônico,
a meu ver, porque não querem ofender parte importante do eleitorado
deles. Entretanto é essencial conseguir separar estes dois públicos: a
agricultura que está querendo produzir e aquela que está querendo só
desmatar.
IHU On-Line — Deseja acrescentar algo?
Se não existir investimento em Ciência e
Tecnologia nas universidades, não teremos inteligência governamental no
país – Raoni Rajão
Raoni Rajão — Um ponto a ser colocado é que esse
estudo é resultado de um trabalho de duas equipes de ponta de duas
universidades brasileiras e que utilizou modelos desenvolvidos no
Brasil. Normalmente, quando se trata de grandes estudos sobre mudanças climáticas,
há uma tendência muito grande de copiar e colar modelos desenvolvidos
fora do país, o que faz com que não tenhamos uma capacidade de entender
as nossas particularidades nacionais. Nesse sentido, esse estudo foi
representativo e também, de certa forma, foi importante para o
desenvolvimento científico do país. É relevante enfatizar isso e a
importância de continuar a se fazer investimentos nessa área, pois esse
estudo que fizemos só foi possível porque, anteriormente, essa mesma
equipe fez parte de um grande projeto do Ministério da Ciência e Tecnologia, onde fizemos as projeções de emissões do Brasil até 2050.
É importante haver investimento para a Ciência e Tecnologia,
porque se não existir investimento em Ciência e Tecnologia nas
universidades, não teremos inteligência governamental no país.
Infelizmente estamos num cenário onde isso não é visto, onde acredita-se
que as universidades públicas são espaços privilegiados ou que são politizados, mas esses são espaços em que se gera inteligência e se faz pesquisa.
(EcoDebate, 23/07/2018) publicado pela IHU On-line, parceira editorial da revista eletrônica EcoDebate na socialização da informação.
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