Por Claudio Angelo, do Observatório do Clima
- quinta-feira, 08 dezembro 2016 16:31
Propriedades rurais em módulo de consulta pública do CAR. Foto: reprodução.
Duas das maiores compradoras de commodities agrícolas do mundo, a JBS
e a McDonald’s, defenderam nesta quarta-feira (7) em São Paulo a
decisão do governo federal de abrir para consulta pública os dados do
CAR (Cadastro Ambiental Rural). Segundo representantes de ambas as
empresas, a transparência é inevitável por ser exigência dos
consumidores, e será positiva.
“A transparência radical é chave”, afirmou Márcio Nappo, da diretoria
de Sustentabilidade da JBS (Friboi), durante um seminário do Grupo de
Trabalho da Pecuária Sustentável, na capital paulista. “Não é porque a
JBS quer ou a sociedade civil quer, mas porque o consumidor quer.” Ele
disse que a empresa já mantém um sistema de monitoramento por satélite
de mais de 4.000 propriedades rurais na Amazônia que fornecem carne para
a Friboi, em mais de 400 municípios. “É inevitável mais transparência. O
CAR evoluir como evoluiu foi fundamental.”
Leonardo Lima, do McDonald’s, afirmou que a transparência nas cadeias
de fornecimento já é uma realidade no mundo empresarial e que tende a
se disseminar também no setor público. “Quanto mais avançar, melhor.” As
duas empresas já haviam se comprometido a eliminar o desmatamento de
suas cadeias produtivas.
Nappo e Lima falaram durante um seminário do Grupo de Trabalho da
Pecuária Sustentável, uma coalizão formada por pecuaristas, empresas
compradoras de carne, pesquisadores e ambientalistas. Durante o evento
foram apresentados dados de um estudo do Imaflora (Instituto de Manejo
Florestal e Certificação Agrícola), que analisou as emissões de carbono
em propriedades inscritas no Novo Campo, programa do ICV (Instituto
Centro de Vida), voltado à intensificação da pecuária.
O estudo mostrou
que a produção de carne cresceu 85% e as emissões por hectare caíram 25%
com a recuperação de pastagens e a implantação de sistemas de manejo
eficientes nas fazendas. Neste ano, o McDonald’s anunciou a decisão de
comprar carne de propriedades participantes do programa.
Nos últimos dias, a transparência do CAR tornou-se objeto de uma
investida da bancada ruralista e de entidades do agronegócio contra o
Ministério do Meio Ambiente. Os ruralistas, que já haviam pedido a
cabeça de Sarney e da presidente do Ibama, Suely Araújo, consideram
tratar-se de violação de privacidade.
O presidente da Aprosoja, Marcos da Rosa, comparou a abertura do
cadastro das propriedades rurais a deixar qualquer pessoa “olhar a sua
casa e ver onde sua filha dorme”. O coordenador da Frente Parlamentar da
Agropecuária, Marcos Montes (PSD-MG), disse que o ministro José Sarney
Filho (PV-MA) estava assinando a própria demissão com a consulta pública
do CAR. O presidente da CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do
Brasil), João Martins, disse que a entidade processaria Sarney, pois a
decisão é “ilegal” e ameaça a “segurança” do agronegócio, ao dar “aos
concorrentes nossa produção e potencialidade”.
A abertura dos dados do CAR numa plataforma de acesso público foi
anunciada no dia 28, mesma data em que o Inpe (Instituto Nacional de
Pesquisas Espaciais) anunciou a alta de 29% no desmatamento da Amazônia
em 2016.
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A abertura dos dados do CAR numa plataforma de acesso público foi
anunciada no dia 28, mesma data em que o Inpe (Instituto Nacional de
Pesquisas Espaciais) anunciou a alta de 29% no desmatamento da Amazônia
em 2016. Ela é uma tentativa do governo de refrear a taxa de
devastação, atribuída por Sarney, entre outras coisas, à alteração do
Código Florestal pela bancada ruralista, em 2012.
O código deu uma série de anistias a desmatamentos e reduziu pela
metade a área de florestas que precisaria ser recuperada em imóveis
rurais. Por outro lado, criou a figura do cadastro ambiental, que
deveria ser nacional e servir para monitorar o cumprimento da lei.
O CAR
é uma espécie de “carteira de identidade” da propriedade, onde o
proprietário declara quanta vegetação nativa ele tem em forma de reserva
legal e áreas de preservação permanente. Por meio de imagens de
satélite, é possível verificar se ele desmatou além do que podia ou se,
ao contrário, está recuperando florestas.
Por meio da plataforma pública do CAR, qualquer cidadão pode ter
acesso às imagens de satélite de mais de 3 milhões de imóveis no país
inteiro e saber qual é o status desses imóveis em relação ao
desmatamento. O CPF do proprietário e a matrícula do imóvel ainda não
estão disponíveis na base pública – o MMA diz que aguarda parecer da
Advocacia-Geral da União para liberar os dados –, mas já estão
disponíveis para o Ibama e os Estados, que em tese podem multar
desmatamento ilegal hoje só olhando as imagens de satélite, sem precisar
mandar fiscais a campo.
Os Estados têm adotado posições divergentes sobre a transparência. O
Pará já tem uma base pública do CAR com CPF dos proprietários. Em São
Paulo, por outro lado, a Secretaria do Meio Ambiente – encabeçada por um
ex-diretor da Sociedade Rural Brasileira – deu um parecer contrário à
abertura dos dados.
A bancada ruralista e a CNA apontam violação de informações
estratégicas no CAR. Nappo, da JBS, disse que o argumento não se
justifica, já que os dados pessoais dos proprietários e de produção das
fazendas não estão disponíveis. “A base cartográfica não feriria [a
privacidade]”, afirmou.
Tanto a Friboi quanto o McDonald’s têm boas razões comerciais para
defender o CAR. A JBS é a maior empresa de carne bovina do planeta e
maior exportadora, e no passado foi denunciada por desmatamento ilegal
em sua cadeia produtiva. O McDonald’s foi alvo de uma
campanha do Greenpeace de 2006,
quando a ONG descobriu que a soja produzida pelo desmatamento na
Amazônia ia parar na ração dos frangos dos Chicken McNuggets. A campanha
deu origem, no mesmo ano, à moratória da soja, pela qual a indústria se
comprometeu a não comprar soja vinda de novos desmatamentos na
floresta.
Republicado do Observatório do Clima através de parceria de conteúdo.
http://www.oeco.org.br/reportagens/cna-diz-que-vai-processar-sarney-por-car/