- quarta-feira, 09 novembro 2016 00:21
O Serviço de Guarda-Parques do INEA for treinado e equipado com recursos do
Fundo da Mata Atlântica (FMA). Foto: Arquivo Inea
O Fundo da Mata Atlântica (FMA) é um engenhoso e eficiente mecanismo
financeiro e operacional desenvolvido durante a gestão de Carlos Minc à
frente da Secretaria de Estado do Ambiente do Rio de Janeiro para
otimizar a aplicação dos recursos da compensação ambiental estadual.
Tantos e tão rápidos avanços proporcionou ao processo de criação,
implantação e gestão das unidades de conservação fluminenses desde a sua
criação em 2009 que, hoje, o FMA merece o reconhecimento praticamente
unânime dos ambientalistas e estudiosos do tema, e é apontado como,
talvez, o melhor modelo em vigor no país para aplicar a compensação
ambiental ao fim a que se destina.
A despeito disso tudo, o seu funcionamento encontra-se hoje ameaçado
por conta de uma decisão da 11ª Câmara Cível do Rio de Janeiro, que
concluiu que o destino desses recursos deveria ser o Fundo Estadual de
Controle Ambiental (Fecam), o mesmo que tem tido os seus cofres raspados
para mitigar a gravíssima crise financeira do estado, bancando salários
e débitos com fornecedores em atraso. Mas esta ainda não é uma decisão
definitiva, e há motivos para se ter esperança de que um dos poucos
setores da administração estadual que não estão em colapso deixe de ser
também tragado pelo caos reinante, com grave e irreversível prejuízo
para a biodiversidade fluminense.
Em 2007, as UCs estaduais do Rio de Janeiro e o seu órgão gestor à
época, o Instituto Estadual de Florestas, encontravam-se num estado de
completa indigência, sem recursos humanos e materiais para investir e
geri-las adequadamente. Havia, no entanto, a perspectiva de ingresso de
um volume muito grande de dinheiro decorrente dos processos de
licenciamento ambiental estaduais, mas nenhuma ideia de como utilizá-los
de forma eficiente, sem os entraves costumeiros da administração
pública e sem o risco desse precioso recurso ser contingenciado ou
desviado para outras finalidades que não as unidades de conservação.
Sede,
alojamentos e centro de visitantes da Estação Ecológica Estadual de
Guaxindiba,
construídos com recursos do FMA. Foto: André Ilha
"(...)pela primeira vez na história
procedeu-se à regularização fundiária das UCs estaduais; sedes,
alojamentos de guarda-parques e pesquisadores, guaritas, cercas, centros
de visitantes etc. foram projetados e construídos em rápida sucessão"
Em vista disso, vislumbrou-se a possibilidade de se criar no Rio de Janeiro um mecanismo inspirado no bem-sucedido projeto
Arpa (Áreas Protegidas da Amazônia), que beneficiou dezenas de UCs naquele bioma. O
Fundo da Mata Atlântica
foi todo construído com rigorosa observância à legislação, com amparo
da Procuradoria Geral do Estado, porém valendo-se de um olhar inovador,
com base na natureza privada desses recursos, atestada por diversos
tribunais de contas no país e pelo próprio TCU. Seu primeiro operador
foi o
Funbio,
única entidade com a expertise para tal, adquirida com a exitosa
operação do projeto Arpa e de outros de menor monta Brasil afora.
O FMA, na verdade não é um fundo na acepção jurídica do termo: esse é
apenas um apelido, um nome fantasia para um conjunto de contas
individuais de empreendedores privados obrigados a destinar uma quantia
estipulada no processo de licenciamento ambiental para “apoiar a
implantação e manutenção de unidade de conservação do Grupo de Proteção
Integral”, conforme consta na lei.
Por serem essas contas administradas
em conjunto, isso resultou num extraordinário ganho de escala e
uniformidade, e emprestou uma eficiência privada à gestão desses
recursos e um resultado financeiro adicional que não apenas cobre toda a
gestão do mecanismo, mas, também, proporciona um superávit que é
reaplicado nas UCs estaduais, federais, municipais e RPPNs por eles
contempladas. O controle é rigorosamente feito mediante um sistema
informatizado integrado, que resulta em uma transparência sem paralelo,
que colocou o RJ no topo do quesito "visibilidade e transparência na
aplicação da compensação ambiental" em um amplo estudo feito em todo o
Brasil pela organização The Nature Conservancy (TNC), incluído aí o
sistema federal de UCs.
Assim, pela primeira vez na história procedeu-se à regularização
fundiária das UCs estaduais; sedes, alojamentos de guarda-parques e
pesquisadores, guaritas, cercas, centros de visitantes etc. foram
projetados e construídos em rápida sucessão; um Serviço de
Guarda-Parques
comme il faut foi devidamente treinado e equipado;
um bem montado Serviço de RPPNs analisou em tempo recorde dezenas de
pedidos, ampliando bastante a área protegida do estado; os planos de
manejo da maior parte das UCs estaduais foi elaborado; e muito mais.
Os veículos do Serviço de Guarda-Parques do INEA foram adquiridos com recursos do FMA.
Foto: André Ilha
Se a novidade e o sucesso dessa iniciativa motivaram inúmeras
manifestações de admiração e apoio, por outro lado também geraram, junto
aos desavisados ou mal-intencionados, manifestações de suspeita e
críticas infundadas. Isso era previsível, pois nenhum grande avanço se
dá sem resistência, mas o FMA continuava a prestar mais e melhores
serviços até que um promotor de Justiça da Região dos Lagos fluminense,
recusando convites para conhecer mais profundamente o mecanismo e sem se
importar onde residia o interesse público primário (no caso, o mais
eficiente modelo de criação, implantação e gestão de UCs em todo o
país), entrou com uma ação civil pública para detonar todo o sistema,
tomando como gancho um projeto local por ele apoiado.
Derrotada a sua tese fragorosamente na primeira instância, outros
promotores apresentaram recurso à decisão inicial, o que levou à
polêmica decisão da 11ª Câmara Cível, que por sua vez já foi também
contestada pelos réus (governo do RJ, Inea e Funbio) e possivelmente
seguirá para novo e definitivo julgamento no STJ.
A subsede Realengo do Parque Estadual da Pedra Branca foi construída e ampliada via FMA.
Foto: André Ilha
Mas, teses jurídicas à parte, e considerando que o FMA ofereceu
de fato a
melhor resposta prática para o problema da aplicação da compensação
ambiental em benefício das unidades de conservação, sempre tão
abandonadas e maltratadas pelos governos, um grupo de entidades
ambientalistas, capitaneadas pela Rede de ONGs da Mata Atlântica e pelo
Grupo Ação Ecológica, ingressou com requerimento para que o caso venha a
ser objeto de mediação pelo próprio Tribunal de Justiça. O objetivo do
pedido é que o FMA venha a ser reanalisado em todas as suas dimensões de
forma franca e direta, e não apenas no plano puramente conceitual do
Direito (onde, de qualquer forma, é matéria ainda muito controversa),
para que todas as partes envolvidas – acusador, réus e autoridade
julgadora – concluam juntas onde realmente reside o interesse público na
questão.
Estamos confiantes de que prevalecerá o bom-senso, e que nem por um
momento será negado às unidades de conservação do Rio de Janeiro o
acesso ágil, seguro e transparente aos recursos da compensação
ambiental, evitando que sejam elas também lançadas ao turbilhão que está
engolindo e triturando as demais instituições estaduais nesse momento.
A ameaça principal é a diminuição de áreas de mata, fragmentação e invasão de pessoas "roendo pelas bordas" áreas ainda adequadas.
A caça é causa secundária, mas não a caça da onça diretamente, e sim de suas presas: queixadas, catetos, veados, pacas e antas. Isto sim é caçado e interessa ao palmiteiro, ao caboclo, ao caçador.