Joseph E. Stiglitz, prêmio Nobel de Economia, é professor da Universidade de Columbia e economista-chefe do Roosevelt Institute.
O furacão Harvey deixou em seu despertar vidas interrompidas e um enorme prejuízo material, estimado em cerca de US$ 150-180 bilhões. Mas a tempestade que castigou a costa do Texas em boa parte da semana também levanta questões profundas sobre o sistema econômico e político dos Estados Unidos.
É irônico, claro, que um evento tão intimamente relacionado à mudança climática ocorra num estado que abriga tantos descrentes na mudança do clima — e onde a economia é extremamente dependente de combustíveis fósseis que geram o aquecimento global. Obviamente, nenhum evento em particular pode ser diretamente relacionado ao aumento de gases do efeito estufa na atmosfera.
Cientistas, no entanto, há muito previram que tais aumentos provocariam não apenas a elevação da temperatura média, mas igualmente a variabilidade do tempo — e sobretudo a ocorrência de eventos extremos, tais como o furacão Harvey. Como o Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática concluiu há muitos anos, “há evidência de que alguns extremos mudaram como resultado de influências antropogênicas, inclusive o aumento de concentrações na atmosfera de gases do efeito estufa”. O astrofísico Adam Frank explicou sucintamente: “maior aquecimento significa mais umidade no ar que, por sua vez, significa chuvas mais fortes.”
Para reforçar, não havia muito o que Houston e Texas poderiam ter feito contra o aumento dos gases do efeito estufa, embora pudessem ter tido um papel mais ativo na defesa de políticas climáticas mais fortes. Mas as autoridades local e estadual poderiam ter tido um papel bem melhor em se prevenir contra tais eventos, que atingem a região com alguma frequência.
Para responder ao furacão — e financiar parte dos reparos — todo mundo se volta para o governo, como fizeram após a crise econômica de 2008. De novo, é irônico que isto esteja ocorrendo numa parte do país onde a ação coletiva e governamental é frequentemente desencorajada. Não foi menos irônico quando os titãs do sistema bancário americano, tendo pregado o evangelho neoliberal de reduzir o governo e eliminar regulações que aboliam algumas de suas atividades mais perigosas e antissociais, se voltaram para o governo em seu momento de necessidade.
Há uma lição óbvia a ser aprendida de tais episódios: os mercados, por si só, são incapazes de prover a proteção que as sociedades precisam. Quando os mercados fracassam, como ocorre com frequência, a ação coletiva se torna imperativa.
E, como nas crises financeiras, há necessidade de ação coletiva preventiva para mitigar o impacto da mudança climática. Isto significa garantir que prédios e infraestrutura sejam construídos para aguentar eventos extremos, e estejam localizados em áreas mais vulneráveis a prejuízos severos. Isto também significa proteger os sistemas ambientais, sobretudo pantanais, que podem ter um papel importante em absorver o impacto de tempestades. Isto significa eliminar o risco de que um desastre natural possa levar ao vazamento de produtos químicos nocivos, como ocorreu em Houston. E isto significa ter planos de reação adequados, inclusive de evacuação.
Investimentos governamentais efetivos e regulações rígidas são necessários para garantir cada um desses resultados, independentemente da cultura política predominante no Texas e em qualquer lugar. Sem regulação adequada, indivíduos e empresas não se sentem incentivados a tomar as precauções adequadas, porque eles sabem que boa parte do custo de eventos extremos recairá sobre outros. Sem um planejamento público e regulação adequados, inclusive do meio ambiente, as inundações serão piores.
Sem um plano de contingência para desastres e o financiamento adequado, qualquer cidade pode se ver no mesmo dilema que se abateu sobre Houston: se não ordena uma evacuação, muitos morrerão; mas se ordenar uma evacuação, as pessoas morrerão no caos que se seguirá, e o congestionamento de trânsito impedirá que as pessoas consigam sair.
Os EUA e o mundo estão pagando um alto preço pela devoção à ideologia antigoverno extrema adotada pelo presidente Donald Trump e seu Partido Republicano. O mundo está pagando, uma vez que as emissões acumuladas de gases do efeito estufa pelos EUA são maiores do que as de qualquer outro país. Mesmo hoje, os EUA são um dos líderes mundiais em emissões per capita. Mas os EUA também estão pagando um alto preço: outros países, mesmo aquelas nações pobres em desenvolvimento, como Haiti e Equador, parecem ter aprendido (em geral após pagar um alto preço e grandes calamidades) como administrar melhor desastres naturais.
Após a destruição de Nova Orleans pelo furacão Katrina em 2005, o fechamento de boa parte de Nova York pelo Sandy, em 2012, e agora a devastação que se abateu sobre o Texas pelo Harvey, os EUA podem e devem ser mais eficazes. O país tem recursos e habilidades para analisar esses eventos complexos e suas consequências, e formular e implementar regulações e programas de investimento que possam mitigar os custos adversos em vidas e propriedade.
O que os EUA não têm é uma visão coerente do governo daqueles à direita. Antes de uma crise, eles resistem a regulações e se opõem a investimentos e planejamento do governo; depois, exigem — e recebem — bilhões de dólares para compensá-los por suas perdas, inclusive aquelas que poderiam ter sido evitadas.
Resta apenas esperar que os EUA, e outros países, não precisem de mais persuasão natural, antes de aprender as lições do furacão Harvey.