Brasília já nasceu com o caminho da preservação traçado. A primeira lei de organização administrativa do Distrito Federal, nº. 3.751, de 13 de abril de 1960, que definiu toda a estrutura administrativa para a gestão da cidade, a NOVACAP, cabendo à época, o poder de legislar, ao Congresso Nacional, por Comissão especial do Senado Federal. O artigo 38 dessa Lei assegurava: “ Art. 38. Qualquer alteração no plano piloto, a que obedece a urbanização de Brasília depende de autorização em lei federal.” Já se percebia não só a preocupação com a preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília, como também a sua vulnerabilidade a depender de decisões de âmbito local. Afinal, a nova Capital do país era e ainda é responsabilidade Federal.
O primeiro ato específico para a preservação do projeto urbanístico de Lúcio Costa foi internacional, com sua inscrição pela UNESCO, como Patrimônio Cultural da Humanidade, em 1987, baseado no Decreto Distrital nº. 10.829, que em regulamentação ao Artigo 38 da Lei Federal 3.751/60, em 16 Artigos estabelece os dispositivos essenciais de sua concepção urbanística que deveriam ser preservados, agregando-os em Escalas: “ Monumental”, “Residencial”, “Gregária” e “Bucólica”.
Três anos depois é que o Conjunto Urbanístico de Brasília – CUB , foi inscrito como Patrimônio Histórico Nacional pela Instituto Histórico e Artístico Nacional – IPHAN, com a publicação da Portaria nº 04/90, substituída pela Portaria 314/92, mantido praticamente todo o conteúdo do Decreto Distrital nº. 10.829/87.
Esta Portaria foi “acolhida” por nossa Lei Orgânica, o que lhe confere categoria de Constitucionalidade, sendo que qualquer modificação na Portaria 314/92, para efeito no Distrito Federal, pode ser questionada por inconstitucionalidade.
Com a instalação da Câmara Legislativa do Distrito Federal e a independência do Poder Executivo local em planejar sobre uso, ocupação e controle do solo do território, inúmeras foram as tentativas de desconfiguração do Conjunto Urbanístico de Brasília.
Houve Governo que propôs lotear e parcelar o canteiro central do Eixo Monumental, ferindo de morte a “Escala Monumental”. Houve proposta de alterar o número de pavimentos da W3, para seis e até doze andares, por concurso público sob o título de “revitalização” da W3. Felizmente o vencedor do concurso não feriu nenhum dispositivo da legislação de tombamento. Entretanto, até a presente data não houve iniciativa em implementar seu projeto. Alterou-se o projeto dos comércios locais para regularizar as invasões conhecidas como “puxadinhos” da Asa Sul e recentemente da Asa Norte, cujos prazos JAMAIS foram cumpridos e sempre prorrogados, á revelia da posição dos moradores, que recebem os impactos negativos dessa alteração.
Houve propostas de cercamento das superquadras do plano piloto, de alterar o número de pavimentos das projeções, de vender para exploração por particulares os lotes destinados a educação pública de jardim de infância e escola-classe, também houve proposições de venda de lotes destinados a equipamentos públicos comunitários destinados a serviços de segurança, educação e outros, situados nas entrequadras, o que descaracterizaria as Unidades de Vizinhança; houve negócios duvidosos para implantação de uma quadra ( quadra 500) a mais no Setor Sudoeste, inexistente nos documentos legais, a omissão do Governo quanto a habitação nas faixas 600 sul e norte, a permissão de habitação revestida de hotel no setor de clubes esportivos e mais um cem número de proposições e modificações completamente inadequadas e contraditórias a toda legislação de preservação de Brasília.
Lamentavelmente este Governo retoma essa iniciativa quando, inicialmente, ignora a participação popular na gestão da cidade, na medida em que não responde a questionamentos de várias Entidades da sociedade civil, divulgadas por Carta Aberta. Após um ano de espera, recebe essas Entidades, solicita sugestões sobre a Lei de Uso do Solo – LUOS, questionada também pela sociedade civil e, antes de receber as sugestões, encaminha o projeto de lei para aprovação do Conselho de Planejamento do Distrito Federal – CONPLAN, órgão máximo de deliberação do Poder Executivo. Exclui representação de Entidades da Sociedade Civil do Comitê Gestor do Park Burle Marx; não considera as sugestões apresentadas por Entidades da Sociedade Civil sobre o Zoneamento Ecológico e Econômico do DF, apresentado em Audiência Pública. Propôs, também, a regularização e novas ocupações de áreas públicas, áreas verdes, em todo o DF, inclusive no plano piloto de Brasília, em total afrontamento ao projeto de Lúcio Costa, contrariando a concepção da cidade parque e sua “Escala Bucólica”.
E mais, como se não bastasse, insiste em NÃO constar, no Zoneamento Ecológico e Econômico do DF, o “NÃO PODE”, deixando livre para o licenciamento, essa possibilidade, que certamente estará sujeita a pressões políticas, como até agora assistimos. Se buscarmos as licenças ambientais do projeto Noroeste verificaremos exatamente do que estaremos sujeitos no futuro próximo, sem essa proposição em andamento pelo Executivo em total desrespeito as proposições da sociedade civil.
E mais, insiste este Governo na implantação do projeto conhecido como Taquari 1, etapa 2, amplamente discutido com a sociedade civil e experts em meio ambiente, que concluíram pela total impossibilidade de implantação desse projeto, por razões ambientais. Ainda , a proposição de alterar usos e incluir possibilidades de construções no Setor Esportivo de Brasília, em pleno Eixo Monumental, pura e simplesmente para “viabilizar a parceria público-privada”, nos leva a duvidar da seriedade dessas proposições e intenções governamentais.
E agora, em sequência, na postura de ignorar a legislação de preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília, o Executivo local “propõe debate” sobre a possibilidade de habitação nas áreas centrais do plano piloto de Brasília, ferindo, agora, duas de suas Escalas: as “Residencial e Gregária”. A definição de onde, em Brasília, poderia ocorrer uso residencial está absolutamente identificado no documento legal denominado: “Brasília Revisitada”. O centro da cidade até poderá receber outras atividades, como culturais, por exemplo, exceto a residencial, que definitivamente enterrará o projeto de Lúcio Costa.
O procedimento deste Governo, agora, após conhecermos que a TERRACAP está no vermelho, tudo faz sentido. Vender áreas verdes, alterar usos do solo, afrontar de morte o Conjunto Urbanístico de Brasília, amparado por legislação de âmbito internacional, tudo para arrecadar recursos.
A entrevista publicada por Chico Santanna, com o presidente da TERRACAP é a resposta para todo esse imbróglio que o GDF impõe a seus habitantes e ao Distrito Federal, aumentando a crise de gestão hídrica, desconfigurando o plano de Lúcio Costa, afastando e desrespeitando o direito legal adquirido pela sociedade em participar da gestão da cidade.
Afinal, quem está atenta a tudo isso é a sociedade e não as autoridades em ação. E certamente tais ações e proposições não estão atendendo ao interesse público.