Por Carlos Ilich Santos Azambuja
Revista “VEJA” em 26/2/2014: “Petrobras
também ajudou a bancar evento do MST, com R$ 650.000. Assim como BNDES e
Caixa Econômica, a estatal contratou sem licitação contrato de
patrocínio para associação ligada ao movimento”.
O "Movimento dos Trabalhadores
Sem-Terra" é definido por alguns cientistas sociais como "uma escola
itinerante, em face da importância dada pelo principal movimento social do
continente à formação, tanto de seus militantes como do conjunto de seus milhões
de seguidores".
Edgard Kolling, pedagogo e educador,
pertencente à Coordenação Nacional do MST, por sua vez, diz estar convencido
que os Sem-Terra devem ser postos ombro a ombro, junto com os operários e
outros setores sociais para a "construção de uma nova sociedade”.
Socialista, evidentemente.
Prossegue Kolling: "A História nos mostra que
os camponeses foram peças importantes nos processos revolucionários, desde a
Rússia e China, até Cuba e Nicarágua.
Coincidimos também na idéia de que o trabalho coletivo supera o individual e
por isso incentivamos a formação de cooperativas, pois assim as famílias
alcançam um maior desenvolvimento de consciência política".
O MST integra uma rede mundial de
organizações camponesas coordenada pela "Via Campesina", com atuação
em todos os continentes, bem como uma rede latino-americana denominada "Coordenadora
Latino-Americana de Organizações Camponesas (CLOC)".
A maioria dos atuais dirigentes chegou ao
MST através de um trabalho prévio junto à Igreja, na Pastoral da Terra e em
Comunidades Eclesiais de Base, e uma boa parte desses dirigentes tem
experiência pessoal como professor.
Cerca de 200 mil jovens, filhos de pais
ligados ao Movimento, estão recebendo educação em todos os níveis (escolar
básico, superior e formação política) em escolas organizadas pelo MST que
funcionam com o apoio de prefeituras e do Estado, e também em Cuba.
Essas
escolas estão localizadas em assentamentos e nos acampamentos do MST, de acordo
com o conceito de "escola itinerante". Tão logo se constitui um
acampamento, estabelece-se automaticamente uma escola, logo reconhecida pelo
Estado. Cerca de 500 militantes cursam, atualmente, Pedagogia e Magistério.
O MST tem cerca de seis mil pessoas
dedicadas ao trabalho de Educação. Mas que tipo de Educação?
Segundo uma longa reportagem publicada pela
revista "Isto É", de 17 de agosto de 1998, relatando o que foi
visto na Escola Agrícola de Primeiro Grau 15 de Maio, próxima aos assentamentos
rurais de Faxinal dos Domingues e União da Vitória, no interior de Santa
Catarina, "embalados pela música engajada da cantora argentina Mercedes
Sosa, um grupo de crianças aprende a traduzir do espanhol frases aguerridas de
ícones da Revolução Cubana, como Che Guevara e José Martí, numa cena que parece
saída da década de 60. Mas não é só.
As aulas na língua falada na pátria de
Fidel Castro vão além de simples traduções. Os alunos também aprendem a
discutir conceitos complicados como luta de classes, reforma agrária e exclusão
social".
Prossegue a reportagem: "Essas crianças
são formadas pela pedagogia linha-dura do MST, desenvolvida pelo seu setor de
Educação, que hoje faz a cabeça de um exército de 40 mil crianças em cerca de
mil escolas de Primeiro Grau em acampamentos e assentamentos.
O projeto de
Educação do MST nasceu há 10 anos e amplia-se a cada dia. A pedagogia dos
professores vai das idéias do educador pernambucano Paulo Freire às de Che
Guevara, e inclui ainda clássicos da filosofia comunista como Karl Marx,
Friedrich Engels, Mao Tsetung e Antonio Gramsci.
Alunos e professores cantam
músicas que evocam ideais revolucionários. As letras defendem a famigerada
união operária e camponesa e de quebra ainda criticam a burguesia e o
latifúndio. O ritmo é marcado pelos braços erguidos e os punhos fechados".
Raul Jungman, que foi Ministro da Reforma
Agrária, nessa mesma reportagem assinalou: "A fixação de modelos como
estes no fundo está voltada para a formação de quadros para um projeto
político, para a continuidade do movimento e não para a formação de cidadãos.
A
cabeça do povo não é lata. Esse é um modelo fracassado, como o usado na antiga
União Soviética e em Cuba, país que leva zero em matéria de democracia. Falo
isso como socialista que sempre fui e continuo sendo".
Essa rede de escolas do MST, as quais
constituem verdadeiros "sovietes", foram montadas com dinheiro dos
contribuintes, de ONGs internacionais e de certas ordens religiosas
estrangeiras. E as aulas são ministradas em espanhol. Objetivam transcrever
literalmente o pensamento de Che Guevara.
Todavia, em todo esse trabalho existe um
enorme abismo entre os "Acampamentos" e os "Assentamentos"
no que diz respeito à formação do "homem novo", pois nos "Acampamentos"
o MST busca engendrar "o novo".
Entretanto, quando o homem passa a
ter acesso à terra, o germe do "novo" evapora-se, dissolvendo-se,
pois a luta pela sobrevivência e a busca pelo trabalho passam a ocupar todos os
espaços, sufocando "o novo", e a luta cotidiana para produzir
melhores condições de vida é a luta de todos em qualquer tempo e espaço.
Como
não há nada de novo em todo esse processo, alguns cientistas sociais já
assinalaram que o MST pode estar reproduzindo relações sociais que engendram
homens burgueses.
No início de maio de 2000 o MST concretizou
uma de suas ações mais espetaculares desde que foi criado. Cerca de cinco mil
militantes ocuparam prédios públicos em 14 capitais.
Outros 25 mil realizaram
invasões pelo interior e passeatas. Em três localidades foram atacadas sedes
regionais do INCRA. Em outras onze, o MST invadiu escritórios do Ministério da
Fazenda. "Agora vamos pegar o Malan.
A vontade de nosso povo é pegar a
foice e descer o cacete", disse Gilmar Mauro, um dos dirigentes do
Movimento (revista "Veja", de 10 de maio de 2000).
Em uma palavra, o MST não quer mais terra.
Ele quer "toda a terra". Quer tomar o poder por meio de uma
revolução e, feito isso, implantar um socialismo tipo aquele que foi derrubado
a partir de novembro de 1989, após a queda do Muro de Berlim. Quem diz isso são
os próprios líderes do MST.
Num primeiro momento o inimigo do MST era o
latifúndio improdutivo. Com o tempo, os latifúndios produtivos passaram a ser
também atacados. Nessas invasões registram-se sempre ocorrências de roubo de
gado e de grãos estocados, depredação de tratores e houve, até mesmo, um caso
em que uma fazenda foi incendiada.
Em uma fase seguinte, o MST deixou a área
rural mas permaneceu nas pequenas cidades do interior, organizando saques a
supermercados, invadindo delegacias de polícia para libertar companheiros
presos e ocupando agências bancárias como forma de protesto.
Tal é o empenho do MST em enfatizar suas
reivindicações que seus integrantes não hesitam em violar o Código Penal em
vários artigos, invadindo repartições públicas e impedindo-as de funcionar,
mantendo servidores do Estado em cárcere privado, danificando bens públicos e
propriedades particulares. Como considera ilegítimo o Estado, o MST
desconsidera suas leis.
Eis alguns pontos extraídos de uma cartilha
do MST que orienta a formação política de seus militantes:
"devemos lutar
pela tomada dos bens de produção; os caminhos a trilhar para a libertação do
proletariado são a reforma agrária e o socialismo, e para isso são válidas
todas as formas de luta ; a luta pela terra passou do plano da conquista
econômica para o da luta política contra o Estado; apenas ocupar a terra para
trabalhar é uma posição já superada; o nosso sonho revolucionário é construir
sobre os escombros do capitalismo uma sociedade socialista; é preciso
desenvolver um trabalho ideológico para que as aspirações das massas adquiram
um caráter político e revolucionário".
Após receber 22 milhões de hectares de
terra, área equivalente a cinco Dinamarcas, o MST acrescentou um novo item ao
seu tradicional discurso. Agora, a tônica de reivindicações do Movimento deixou
de ser a distribuição de terras e passou a ser a distribuição do dinheiro
público. Nesse sentido, a pauta completa de pedidos feita pelo MST ao governo
tem 50 itens, entre os quais a diminuição da taxa de juros, concessão de
créditos especiais e financiamentos para a construção de casas.
Existem duas interpretações conflitantes
para as novas práticas do MST. Uma é a do Grande-Timoneiro, João Pedro Stédile:
"Nossas ações são a única forma de chamar a atenção para a política social
que empobrece o país". Stédile é pós-graduado em Economia, no México,
aprecia os textos de Lenin, Marx e Mao Tsetung e, em sua opinião, as ações
radicais e a indisposição ao diálogo são a forma adequada de apresentar à
sociedade as mazelas do atual sistema de governo. Em suma, os governos todos
são um Mal e o MST é um Bem.
Os pobres, que, na ausência de
alternativas, seguem a bandeira do MST, querem um pedaço de chão, todavia as
lideranças encaram a luta pela terra apenas como um instrumento político para
atingir uma sociedade socialista..
Em março de 2002, após a invasão, roubo e
depredação da fazenda dos filhos do Presidente da República, em Buritis, vemos,
em abril, um dirigente do MST, financiado com dinheiro da "Via
Campesina", dentro do "bunker" de Iasser Arafat,
apresentando "a solidariedade" do MST à luta dos palestinos.
Ao mesmo tempo, no dia 3 de abril, em
Brasília, após uma passeata do MST à Embaixada de Israel, o líder José Rainha,
que há muito tempo não é mais sem-terra, declara apoio aos atentados contra
alvos civis israelenses: "Os atentados contra Israel são a arma de defesa
dos palestinos. Muitas vezes as vítimas são civis, mas não há outra
saída".
Pergunta-se: o que mais deveremos esperar
de um movimento como o do MST?
Carlos Ilich Santos Azambuja é Historiador.
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