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Por Claudio Angelo
- quinta-feira, 12 novembro 2015 17:20
O planeta está esquentando, o Sudeste está sem água, as geleiras
estão derretendo, as florestas estão pegando fogo, as concentrações de
gás carbônico não param de bater recordes e 14 dos 15 anos mais quentes
da história aconteceram neste século. As evidências da mudança climática
– e da ação do homem como sua causa primordial – são tantas e tão
variadas que seria preciso ter chegado ontem de Marte para negá-las.
Bom, muita gente parece que chegou ontem de Marte e não tem a menor
ideia do que está acontecendo pelas bandas de cá do Sistema Solar. Se
você é dessas pessoas, seus problemas acabaram!
Listamos abaixo a
refutação a dez dos argumentos mais comuns dessa patota, para você poder
evitá-los e nunca mais passar vergonha ao discutir com amigos que moram
aqui na Terra há mais tempo.
1 – “O clima da Terra sempre mudou e sempre mudará. É muita arrogância achar que nós somos capazes de intervir nele”.
Esse argumento é muito utilizado por alguns geólogos, acostumados a
olhar longas escalas de tempo no passado. A primeira parte dele é
verdade. Se há uma coisa que a história da Terra nos mostra é que o
clima sempre foi muito instável e sempre variou – por razões
inteiramente naturais. Há 125 mil anos, tínhamos temperaturas 2
oC mais altas do que na era pré-industrial. Há 3,5 milhões de anos, o planeta era 3
oC
mais quente. E, na era dos dinossauros, não havia gelo em lugar nenhum
da Terra. De fato, a estabilidade climática do atual período quente, o
Holoceno, não tem precedentes nos últimos 400 mil anos de história do
planeta.
O que isso informa sobre a mudança climática em curso hoje? Nada. As
mudanças climáticas do passado eram todas causadas por variações na
atividade solar ou nos ciclos orbitais da Terra. E, claro, quando elas
eram bruscas demais, ocorriam extinções em massa (#ficaadica). Muitos
cientistas atribuem o próprio florescimento da agricultura, que deu
origem à civilização, ao clima estável do Holoceno. Hoje não há nenhum
desses fatores naturais atuando no clima, e nenhum sinal de variações
astronômicas relevantes
pelos próximos muitos milhares de anos. O sinal
inequívoco
de mudança climática visto hoje se deve à intervenção do homem. Na
escala que interessa à civilização, a das décadas e séculos, é essa a
mudança climática que importa, não a de dezenas ou centenas de milhares
de anos.
2 –“Os meteorologistas não conseguem nem prever se vai chover amanhã, que dirá se vai fazer calor em 2100.”
Esse argumento deriva de uma confusão comum entre tempo e clima. O
tempo são as condições da atmosfera num determinado dia, enquanto o
clima pode ser entendido como a média do tempo no longo prazo. O tempo é
caótico e dominado por variabilidades de curto prazo (não é à toa que a
teoria do caos foi criada por um meteorologista). O clima é algo mais
previsível. Não dá para saber se em um determinado dia de janeiro
choverá em São Paulo (isso é tempo); mas todo mundo sabe que janeiro é
um mês de chuvas em São Paulo (isso é clima).
Antes de tudo, justiça seja feita aos meteorologistas: as previsões
do tempo estão cada vez mais precisas, então dá para saber se amanhã vai
chover, sim.
Ocorre que, conhecendo o clima de uma determinada região e conhecendo
os elementos capazes de alterar o balanço de energia do planeta (em
especial os gases de efeito estufa), é possível estimar como ele se
comportará, em média, no futuro: se será mais quente, mais frio, mais
seco, mais úmido ou mais variável. De fato, uma forma padrão de testar
um modelo climático é saber se ele consegue reproduzir a média das
condições observadas no passado. Falaremos mais sobre isso adiante.
3 – “Mas a Antártida está ganhando gelo. Foi a Nasa que disse. Logo, não há aquecimento global.”
Esse argumento ganhou tração nos últimos dias, devido a um estudo
publicado pelo glaciologista Jay Zwally, da Nasa, segundo o qual o
continente antártico na verdade estaria contribuindo para reduzir o
nível do mar. O estudo foi avidamente reportado pela imprensa como um
questionamento ao IPCC, o painel do clima da ONU, que diz que a
Antártida tem contribuído nos últimos anos para elevar o nível do mar e o
fará ainda mais intensamente nas próximas décadas.
Vamos por partes: é preciso saber de que tipo de gelo e de que
Antártida se está falando. A Antártida está ganhando gelo, sim, de pelo
menos uma maneira: o cinturão de mar congelado que se forma todo ano ao
redor do continente está crescendo cerca de 100 mil quilômetros
quadrados por ano.
As causas disso ainda são incertas, mas muitos
cientistas acreditam que o buraco na camada de ozônio esteja deixando o
interior do continente mais frio, e a diferença de temperatura entre o
centro antártico e a periferia está deixando os ventos mais fortes em
volta do continente.
Isso empurra a camada de mar congelado para longe
da costa, abrindo uma faixa de mar aberto que rapidamente congela. Na
Península Antártica, região mais afastada do polo Sul, o oposto
acontece: o gelo marinho está diminuindo a cada ano.
O que Zwally e colegas argumentaram
em seu estudo
é que existe um outro ganho de gelo: o manto de gelo que recobre o
continente estaria “engordando” de 1 cm a 3 cm por ano, devido a uma
resposta lenta a mudanças ocorridas no fim da última glaciação, 12 mil
anos atrás.
Essa engorda estaria acontecendo sobretudo no leste
antártico, que concentra mais de 85% do gelo do sexto continente. Tal
ganho seria capaz de compensar as perdas que o próprio Zwally e vários
outros colegas já comprovaram, usando vários instrumentos diferentes,
estar acontecendo em duas outras regiões: a Península Antártica e o
oeste antártico.
Que não haja dúvida aqui: existe perda de gelo no continente
antártico, muito bem documentada por satélites da Nasa e da Agência
Espacial Europeia. Foi a Nasa quem
mostrou o rompimento em tempo real de plataformas de gelo na Península Antártica.
E foi a
Nasa quem revelou,
em 1998, que as geleiras do oeste antártico estavam em franco
derretimento. No período de 2002 a 2011, a perda de gelo foi de 147
bilhões de toneladas por ano, segundo o IPCC, o que teria elevado o
nível do mar em 0,27 milímetro por ano.
Quase todo esse gelo vem do
oeste antártico. Um
estudo recente sugere que o colapso das geleiras do oeste antártico é irreversível e fará o mar subir 3,3 metros na escala de séculos.
O leste é um mistério que os cientistas ainda não conseguiram
decifrar. Nenhuma das medições com satélite feitas até aqui conseguiram
responder se há ganho ou perda de gelo naquela região. Os cientistas
costumam dizer que ela está em equilíbrio.
O estudo de Zwally muda algumas premissas sobre os dados e argumenta
não apenas que há ganho, mas que esse ganho mais do que compensa as
perdas. Mas, como as medições naquela região são muito difíceis de
fazer,
alguns glaciologistas acham
que ele está errado – embora “haja uma chance pequena de que esteja
certo”, como disse ao OC o glaciologista Ian Joughin, da Universidade de
Washington.
A figura abaixo, produzida por um pesquisador da
Instituição Oceanográfica de Woods Hole, nos EUA, mostra onde está o
consenso em relação à dieta da Antártida: as perdas ou ganhos de gelo
são representadas pelos retângulos. De 13 estudos, o de Zwally
(retângulos marrons no alto da imagem) é o único a apontar ganho
líquido. A maioria aponta perdas, aceleradas a partir de 2005 (aqui
Zwally tem outro problema, já que a série de dados usada por ele só vai
até 2008).
Portanto, a Antártida continental está provavelmente perdendo mais
gelo do que ganhando, e elevando o nível do mar. E só vai ficar pior no
futuro.
4 –
“O AGA (Aquecimento Global Antropogênico) é uma teoria
anticapitalista da esquerda para regular a livre-iniciativa e dar todo o
poder ao Estado” (diz a extrema direita) ou sua variante especular: “O
AGA (Aquecimento Global Antropogênico) é a cabeça de ponte do
imperialismo” (diz a extrema esquerda).
Parece incrível que alguém ainda use esse tipo de argumentação 25
anos depois da queda do Muro de Berlim. O bom dessas duas falácias é que
uma delas já está descartada de cara pela aceitação da outra: afinal, o
aquecimento global não pode ser ao mesmo tempo uma conspiração
da esquerda
(caso em que fica difícil explicar a ação de políticos como Angela
Merkel, Nicolas Sarkozy e Miguel Arias Cañete, todos de partidos
conservadores) e
da direita (caso em que fica difícil explicar
como a verdadeira cabeça de ponte do imperialismo, o Partido Republicano
dos EUA, se opõe maciçamente a combatê-lo). Conforme-se, Aldo Rebelo.
5 – “Nos anos 70 previram uma era do gelo”
Nos anos 1970, medições de temperatura mostravam uma tendência de 30 anos de resfriamento em relação ao período pré-2
a
Guerra. Isso fez alguns cientistas teorizarem que o Holoceno pudesse
estar chegando ao fim e que a Terra pudesse estar entrando numa nova era
glacial. A imprensa comprou a história pelo valor de face, embora essa
não fosse a opinião majoritária entre os cientistas: um
levantamento de 68 artigos
científicos sobre o tema naquela época mostra que 10% previam
resfriamento global, 62% previam aquecimento e 28% não davam veredicto.
Hoje sabemos, graças aos estudos do clima do passado gravado no gelo
antártico, que a longa duração do Holoceno não é sem precedentes na
história da Terra: há 400 mil anos, um período interglacial durou 28 mil
anos. O nosso tem cerca de 10 mil. Ou seja, a próxima era do gelo
causada por fatores naturais ainda deve demorar um tempinho.
6 – “Não há consenso entre os cientistas de que a Terra está esquentando, nem evidência de que isso seja culpa dos seres humanos.”
É preciso saber antes o que é consenso e quem são esses cientistas.
“Cientistas” é uma categoria ampla demais: a teoria da relatividade
geral pode não ser “consenso” entre os zoólogos, assim como a evolução
pode não ser “consenso” entre os físicos. A opinião de uns sobre o
domínio dos outros vale tanto quanto a de qualquer outro leigo. Como
João Gilberto costuma dizer, vaia de bêbado não vale.
Então a pergunta que precisa ser feita é: há consenso entre os
climatologistas – que fazem pesquisa na área e publicam suas pesquisas
em periódicos com revisão por pares, sujeitos ao julgamento da
comunidade científica e ao falseamento – de que o aquecimento global é
real e causado por humanos?
O pesquisador australiano John Cook e a turma do site
Skeptical Science
se fizeram essa pergunta em 2013. Eles vasculharam 12 mil artigos
científicos na literatura que mencionavam “aquecimento global” e
“mudança climática”, e
constataram
que 97% deles afirmavam que o fenômeno é real e causado por humanos.
Questionários enviados aos autores dos artigos produziram a mesma cifra:
97%. Portanto, sim, há consenso entre os cientistas. Um estudo de 2007
da americana Naomi Oreskes e outro de 2012 de James Powell chegaram às
mesmas conclusões. Powell ilustrou seus resultados desta forma:
Agora vamos à segunda parte: há evidências de que isso seja causado
por seres humanos? Em outras palavras, existe uma impressão digital
humana no clima? Quem responde a essa pergunta são os satélites, esses
diabólicos instrumentos da “ideologia aquecimentista”.
Caso a Terra estivesse esquentando por uma mudança na quantidade de
radiação que chega do Sol, único fator natural capaz de mudar o balanço
de energia do planeta, um satélite que medisse a temperatura ao longo
das camadas da atmosfera veria um aquecimento por igual da estratosfera,
a camada superior, e da troposfera, a camada mais baixa. Os satélites
têm feito essas medidas. E o que eles detectaram?
A troposfera está
esquentando, OK. Mas a estratosfera está mais
fria. Por quê?
Porque a radiação solar reemitida pelo planeta na forma de infravermelho
(calor) está ficando presa na troposfera. Por quê?
Porque há uma
mistura de gases na troposfera que são opacos ao infravermelho, ou seja,
bloqueiam esse tipo de radiação. Essas medições são coerentes com um
agravamento do efeito estufa, ou seja, um aumento na quantidade de CO
2,
metano, óxido nitroso e vapor d’água (sim, vapor d’água!) na atmosfera.
Existe alguma fonte de gases de efeito estufa capaz de fazer isso? Sim:
nós.
7 – “Os Estados Unidos tiveram um recorde de nevascas no último inverno. Cadê o seu aquecimento global?”
Aquecimento global é a média da temperatura planetária, associada ao
aumento da quantidade de energia armazenada na atmosfera, que leva a
mais extremos climáticos, sejam de calor ou de frio (sim, frio), de seca
ou chuva, às vezes nas mesmas regiões. O aquecimento aumenta a
evaporação dos oceanos e a quantidade de energia na atmosfera. Isso
favorece tempestades mais fortes. Onde chove, chove mais, num período
mais concentrado (paradoxalmente, isso também aumenta as estações
secas). Onde neva, neva mais. É simples assim.
8 –“O aquecimento global parou em 1998.”
Esse argumento está errado de tantas maneiras que valeria um post
inteiro só para ele. Muita gente de boa fé, incluindo cientistas e
jornalistas de ciência veteranos, já foi seduzida por essa tese. Ela
afirma que, após 1998, a curva de aumento de temperatura da Terra parece
ter “estacionado”, ou seja, o aquecimento aparentemente parou de
acelerar. Eu disse aparentemente.
O que aconteceu foi que, primeiro, 1998 foi um ano incomum: teve o El
Niño mais forte já registrado antes deste de 2015. O El Niño joga o
termômetro para cima no mundo todo.
Se você olha a série de dados a
partir de 1998, vai ter a impressão de que o aquecimento estacionou,
porque começou a olhar de um ponto fora do padrão. O gráfico abaixo
mostra como ao olhar a série inteira do século esse efeito desaparece, e
vemos claramente uma progressão de aquecimento, com alguns períodos sem
aceleração.
Mesmo com 15 anos de aparente estase, todos os 15 anos mais
quentes da história aconteceram no século 21, à exceção de 1998. É
um recorde atrás do outro. Os anos de 2005 e 2010 foram os mais quentes, depois superados por 2014, que será superado por 2015.
O
gráfico mostra a evolução da temperatura global desde a década de 1970,
com períodos sem aceleração sobrepostos a uma clara tendência de
aquecimento
(Imagem: Noaa)
A outra explicação para a desaceleração do aquecimento global foi
dada pelos pesquisadores americanos Kevin Trenberth e Magdalena
Balmaseda: em vez de ir esquentar a atmosfera, a energia em excesso dos
gases-estufa estava
esquentando as camadas mais profundas do oceano.
Por fim, há quem diga que a tal “pausa” no aquecimento nunca existiu: trata-se apenas uma
ilusão estatística.
9 – “É tudo modelo. Se você torturar o modelo, ele te diz qualquer coisa.”
Modelos são grandes conquistas da humanidade. Mais até
do que a mandioca.
Eles permitem fazer perguntas e testar ideias sobre a natureza em
situações de outra forma impossíveis. Os remédios que você toma foram
testados em modelos celulares e, eventualmente, em animais. O avião no
qual você viaja foi testado antes num modelo computacional. Se não
houvesse modelos, os aviões teriam de ser testados pela primeira vez na
prática, depois de construídos – quem sabe, com uma tripulação de
“céticos” da modelagem a bordo.
Como dito acima, modelos de clima (representações matemáticas da
Terra, com atmosfera, polos, superfície e mares) precisam ser testados
para “prever o passado” antes de colocados para rodar e simular o futuro
– ou seja, simular as condições das últimas décadas para ver se a
modelagem bate com o que foi medido. Modelos que falham no teste são
simplesmente deletados.
Dito isso, os vários modelos climáticos globais têm personalidades
matemáticas distintas, que lhes introduz vieses. O modelo do Centro
Hadley, do Reino Unido, mostra um mundo em média mais seco no futuro. O
modelo japonês Miroc mostra um mundo em média mais úmido. Para diluir o
viés e reduzir a chance de erro, o IPCC usa mais de duas dezenas de
modelos globais. E eles dão resultados incrivelmente parecidos.
10 – “O professor fulaninho diz que é tudo mentira.”
Voltamos à história de quem são os cientistas e qual é o consenso.
Até pouco tempo atrás, havia em alguns veículos de imprensa o vício de
entrevistar um ou outro negacionista mais midiático como forma de
garantir “equilíbrio de visões” nas reportagens, como se em ciência
todas as opiniões valessem a mesma coisa (volto à caricatura dos
zoólogos debatendo relatividade geral), e como se a academia estivesse
dividida 50% a 50% sobre o assunto. Este
vídeo hilário
do comediante inglês John Oliver mostra como seria se a imprensa
resolvesse representar de fato o equilíbrio de visões da academia sobre a
mudança do clima.
No Brasil houve dois negacionistas ilustres da mudança climática.
Ambos são meteorologistas (ou seja, têm o costume de olhar o tempo, não o
clima), a segunda categoria de cientista com mais propensão ao
negacionismo climático (a primeira são os geólogos).
Os currículos de
ambos revelam uma escassez de publicações sobre mudança climática em
periódicos indexados em bases de publicações nacionais ou internacionais
(a indexação é uma medida, ainda que imperfeita, da seriedade e da
relevância de uma publicação acadêmica). No caso de um deles, todos os
sete artigos “científicos” que publicou sobre o tema saíram numa obscura
revista eletrônica que tinha ele próprio no conselho editorial.
Repetindo João Gilberto, vaia de bêbado não vale.