Apesar de a chuva ter propiciado um leve alívio no combate ao fogo no Pantanal há poucos dias, os incêndios ainda estão longe de serem controlados. Novos dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) divulgados hoje revelam que setembro já é o mês com o maior número de registros de focos de calor nesse bioma nos últimos 15 anos.
Entre 1º e 23 de setembro foram observados 6.048 pontos de
queimadas no Pantanal. O recorde mensal anterior era de agosto de 2005,
quando houve 5.993 focos de incêndio.
Quando comparado aos registros do mesmo mês do ano passado, este
setembro de 2020 já apresenta um aumento de 109% no número de queimadas.
E ainda faltam seis dias para o final do mês.
São dois meses de combate às chamas no Pantanal. De janeiro até
setembro deste ano, já foram queimados mais de 3 milhões de hectares de
vegetação nesse bioma. Isso representa mais de 22% do bioma no Brasil, o
equivalente a 22 cidades de São Paulo.
Os animais continuam a ser os mais afetados. Diversas organizações
estão na região tentando ajudar com o resgate dos bichos, mas é um
trabalho difícil.
Tamanduá encontrado com as patas queimadas pelo fogo
Infelizmente, a previsão da meteorologia para os próximos dias indica
altas temperaturas novamente, com máxima de 40 graus, e baixa umidade,
condições ideais para a propagação dos incêndios. E pelas próximas
semanas, provavelmente não haverá mais chuva. Ontem 40 bombeiros da
Força Nacional chegaram ao Mato Grosso para ajudar no trabalho.
O rio Paraguai, um dos maiores da América do Sul e que abastece
grande parte do Pantanal, nunca antes apresentou um nível tão baixo. Em
alguns pontos, ele só está com 30 cm de profundidade. Este é o maior
período de estiagem em 47 anos.
Há diversas campanhas sendo realizadas para ajudar o trabalho dos
profissionais que fazem o resgate e tratamento de animais e combate ao
fogo no Pantanal. Veja como contribuir nesta outra reportagem – Como ajudar o Pantanal!
Jornalista,
já passou por rádio, TV, revista e internet. Foi editora de jornalismo
da Rede Globo, em Curitiba, onde trabalhou durante 6 anos. Entre 2007 e
2011, morou na Suíça, de onde colaborou para publicações brasileiras,
entre elas, Exame, Claudia, Elle, Superinteressante e Planeta
Sustentável. Desde 2008 , escreve sobre temas como mudanças climáticas,
energias renováveis e meio ambiente. Depois de dois anos e meio em
Londres, vive agora em Washington D.C.
O Pantanal queima como nunca! De acordo com dados do Inpe – Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais e da Nasa, desde o início deste ano até 20/9 (domingo), foram consumidos pelo fogo 3.179.000hectares, o que equivale a 21,2% do bioma
ou 22 cidades de São Paulo. Até o dia 1º deste mês, eram 2.200.000
hectares ou 13% de todo o bioma. Ou seja, em 19 dias, mais de 8% foram
devastados pelo fogo.
Vale lembrar que um decreto federal, publicado em julho, proibiu queimadas de qualquer tipo em todo o país, por 4 meses (120 dias). Mas, até 21 de julho, o número de focos de queimadas no Pantanal já era o mais alto registrado desde 1998, quando começou a ser feito o monitoramento do Inpe – Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, por meio do Programa Queimadas.
Nesse período, foram registrados 3.415 focos de calor, o que representava alta de 189% comparado ao mesmo período no ano anterior: 1.180 focos.
Ontem, novos dados do Inpe revelaram que setembro já é o mês com o maior número de registros de focos de calor no Pantanal, nos últimos 15 anos.
Entre 1º e 23/9, foram observados 6.048 pontos de queimadas. O recorde
mensal anterior era de agosto de 2005: 5.993 focos de incêndio.
Comparado aos registros do mesmo mês em 2019, este setembro já apresenta um aumento de 109% no número de queimadas. E ainda faltam seis dias para o mês terminar!
Mas por que não foi possível evitar que essa tragédia acontecesse no bioma reconhecido pela UNESCO como Patrimônio Natural da Humanidade e Reserva da Biosfera, que é a maior planície alagável do planeta e atrai, todos os anos, milhares de turistas do Brasil e do exterior?
Brigada permanente
Um dos fatores que levaram o Pantanal a essa tragédia – sem falar na
Amazônia e no Cerrado – é a gestão declaradamente antiambiental deste
governo. Mas, neste texto, em vez de focar no que o governo não tem
feito, vou contar sobre uma iniciativa que visa oferecer uma solução de impacto para as queimadas em parte do Pantanal, e que pode inspirar muita gente.
Diante da catástrofe ambiental que se abateu sobre o bioma, Angelo Rabelo, diretor de relações institucionais do Instituto do Homem Pantaneiro (IHP), se uniu ao documentarista Lawrence Wahba
para buscar soluções. A eles se juntaram ambientalistas, pesquisadores,
comunicadores, empresários e organizações de conservação e surgiu a Brigada Alto-Pantanal– que ganhou um nome muito especial: Brigada Haroldo Palo Jr. -, lançada no início deste mês.
O objetivo é criar uma brigada permanente de combate a incêndios na região que abrange a Serra do Amolar, o Parque Nacional do Pantanal e o Parque Estadual Encontro das Águas, no Mato Grosso, de extrema importância para conservação da onça-pintada e geração de recursos por meio do ecoturismo.
Para tanto, o projeto tem, como padrinho, o apresentador Luciano Hulk, que narra o vídeo – que você pode assistir no final deste post – criado para divulgar uma campanha de captação de recursos, via crowdfunding, idealizada por Rabello e Wahba para viabilizar a criação da brigada, sobre a qual comento mais à frente.
Prevenção
“O fogo e a fumaça asfixiam a natureza e toda a economia
do Pantanal”, conta Wahba, que faz parte do grupo. “Sofrem o turismo, a
pecuária, a pesca e as cidades e, por consequência, toda a população,
como ribeirinhos, indígenas e produtores, além dos animais silvestres e o
gado”.
Rabelo, que é coordenador do projeto, explica que a ideia de criar a brigada surgiu com a intenção de apoiar o Estado, já que a contratação de brigadistas pelo Ibama e pelo ICMBio acontece apenas entre os meses de julho e dezembro. E, por isso, não há agentes suficientes para atuar em regiões mais remotas e menos habitadas do bioma.
“Este ano, os incêndios começaram em fevereiro. Então, contratamos
brigadistas que já tinham experiência, pagando diárias para eles, até
que, em julho, o Ibama contratou novas equipes. Assim, nossa proposta é
preencher essas lacunas nas quais os brigadistas não estão mobilizados
e, ao mesmo tempo, cumprir um papel de prevenção em locais que são de interesse estratégico para a conservação, sobretudo em áreas públicas e distantes das cidades”, declara.
Wahba lembra que, assim que os incêndios começaram a situação do
Pantanal se degradou ainda mais. “Nesse sentido, eu e Rabelo começamos a
pensar o que poderia ser feito para controlar, já que os focos de fogo
tomaram rapidamente uma proporção muito grande, justamente porque
ninguém os combate logo no início”. E continua:
“Seguindo a própria estratégia do Prevfogo, do Ibama,
que vem capacitando funcionários de fazendas, ribeirinhos e indígenas
para as brigadas, se tivermos dezenas ou centenas de brigadas espalhadas
por todo o Pantanal teremos mais chances de atuar no combate desde o
princípio, evitando que o fogo atinja a dimensão infernal que atingiu
neste ano”.
Inspiração
A ideia da criação da Brigada Alto Pantanal não é só
combater o fogo, mas, também, inspirar fazendeiros e outros setores da
sociedade a replicar a iniciativa, para que se propague por todo o
bioma: a prevenção no lugar do fogo.
Rabelo conta que, desde março, o IHP tem mobilizado brigadas temporárias de combate ao fogo, com recursos doados. No entanto, os focos são maiores que as equipes disponíveis, e se espalham rapidamente.
“O tempo de treinamento e de contratação necessários pode causar
prejuízos incalculáveis. Somente com equipes fixas treinadas e equipadas
as tristes cenas com macacos, jaguatiricas e onças carbonizadas
deixarão de ser rotineiras nos telejornais”.
A Brigada Alto Pantanal será uma brigada anti-incêndio profissional
composta homens e mulheres treinados, equipados e remunerados que
patrulharão as regiões da Serra do Amolar, o Parque Nacional do Pantanal
e o Parque Estadual Encontro das Águas.
Arrecadação de recursos
A campanha de arrecadação de recursos não se limita a um crowdfunding, mas inclui doações em criptomoedas, materiais e equipamentos.
Isto porque a previsão inicial é de que a campanha arrecade recursos
suficientes para manter duas unidades com equipes atuando contra o fogo
durante a estação seca de 2021 (ou antes, caso
necessário). Por isso, qualquer contribuição é bem vinda, a partir de R$
10. Há quatro plataformas para doações:
1. crowdfundingpela plataforma Catarse.me, com valor mínimo de R$ 10 para doação e meta de R$ 500 mil em 44 dias. No primeiro, arrecadou R$ 4.736. Hoje, 25/9, faltam 35 dias e a campanha já arrecadou R$ 165.229, cerca de 33%; 2. crowdfunding voltado ao público internacional, com meta de US$ 100 mil; 3. doações em criptomoedas aceitas pela plataforma Mercado Bitcoin e 4. doações de equipamentos (como dois barcos, máscaras e Equipamentos de Proteção Individual) ou recursos por empresas que poderão inserir suas marcas nos equipamentos doados.
No caso das empresas interessadas em doar equipamentos ou recursos, o contato deve ser feitos por o email (contato@brigadaaltopantanal.org.br) ou por mensagem via site.
O grupo ainda terá um Comitê Gestor da Brigada formado por um representante do Instituto Homem Pantaneiro, um representante da ONG Panthera Brasil e pelo guia de ecoturismo e liderança comunitária Ailton Lara, que foi convidado devido à relevância de sua atuação diante dos focos de incêndio que assolam o Pantanal.
Durante a live de lançamento da campanha(que você pode assistir no final deste post), Lawrence Wahba contou que Lara abandonou o combate às chamas que ameaçavam sua própria pousada e foi com dois brigadistas combater o fogo no Parque Estadual Encontro das Águas, conhecido por abrigar a maior concentração de onças pintadas (por km2) do mundo.
“Sua frase – ‘a pousada a gente pode construir de novo, mas a vida dos animais não‘ – sintetiza o espírito da iniciativa e o legado de Haroldo Palo Jr.”, destaca o documentarista.
E mais! Há uma campanha dentro desta campanha, que visa ajudar na preservação da fauna pantaneira: 10% do que for arrecadado será destinado à construção de umambulatório veterinário na Serra do Amolar e outros 10% para a ampliação do ambulatório da ONG Ampara Silvestre, que já presta primeiros socorros a animais vítimas das queimadas na região da Transpantaneira/Porto Jofre.
Parceiros
Para sensibilizar e engajar o público – além de prestar contas dos recursos recebidos e comunicar ações -, a Brigada Alto Pantanal tem perfis no Facebook e no Instagram, que contam com a participação de colunistas como Lawrence Wahba, Angelo Rabelo, a jornalista Cláudia Gaigher e o biólogo e divulgador científico Hugo Fernandes, entre outros especialistas.
Além disso, tem o apoio de artistas como Ingrid Guimarães(que participou da live de lançamento da campanha), o apresentador Luciano Huck (como já comentei), jornalistas ambientais, brigadistas e grandes fotógrafos (como Ernane Jr. e Frico Guimarães, cujas fotos ilustram este texto) que documentaram e documentam a região.
A Documenta Pantanal, iniciativa que reúne artistas (como os fotógrafos Luciano Candisani, João Farkas e Araquém Alcântara) e encampa produções culturais, além de apoiar campanhas em prol do bioma, também está entre os parceiros da Brigada Alto Pantanal,
“por considerar de fundamental importância o investimento na formação e
na capacitação de brigadistas e a mobilização imediata da sociedade
para a urgência em conhecer e preservar esse ecossistema”.
Homenagem
Assim que soube que a Brigada Alto Pantanal foi batizada com o nome de Haroldo Palo Jr., pensei que não poderia haver nome mais perfeito para inspirar tão linda e grandiosa iniciativa. Ele foi um naturalista e documentarista da natureza, que inspirou a maioria dos fotógrafos e documentaristas ligados à conservação ambiental no Brasil. Haroldo nos deixou em 2017.
Apaixonado tanto pela biodiversidade quanto pelo povo do Pantanal,
foi Haroldo quem divulgou as belezas deste bioma para o mundo. Tal era
sua relevância, experiência e conhecimento na região que, nos anos 80,
guiou uma equipe do documentarista Jacques Cousteau (1910-1997).
“Haroldo inspirou nove entre dez fotógrafos e documentaristas de
natureza do Brasil”, conta Wahba. “Foi um mestre generoso e quem me
apresentou a Rabelo, do IHP, e à jornalista Cláudia Gaigher. Sua
dedicação à causa conservacionista em geral e ao Pantanal em particular
faz com que esta homenagem seja mais do que merecida”, diz o
documentarista, que ainda cita uma frase célebre do homenageado:
“Quando preservamos a paisagem, preservamos todas as plantas e animais que nela habitam, inclusive nós mesmos”.
Abaixo, assista aos dois vídeos da campanha da Brigada Alto Pantanal e, também, à live realizada em 15 de setembro:
Jornalista
com experiência em revistas e internet, escreveu sobre moda, luxo,
saúde, educação financeira e sustentabilidade. Trabalhou durante 14 anos
na Editora Abril. Foi editora na revista Claudia, no site feminino
Paralela, e colaborou com Você S.A. e Capricho. Por oito anos, dirigiu o
premiado site Planeta Sustentável, da mesma editora, considerado pela
United Nations Foundation como o maior portal no tema. Integrou a Rede
de Mulheres Líderes em Sustentabilidade e, em 2015, participou da
conferência TEDxSãoPaulo.
Heróis vêm em todas as formas e tamanhos. Um rato africano gigante de cinco anos chamado Magawa, no entanto, deve ser um dos mais improváveis do mundo.
O roedor ganhou o equivalente animal da maior honra civil do Reino Unido por bravura por causa de sua habilidade fantástica de farejar minas terrestres e munições não detonadas.
A organização veterinária britânica PDSA concedeu na sexta-feira (25)
a Magawa a medalha de ouro “por sua bravura salvadora e devoção ao
dever”, que transformou a vida das pessoas no Camboja.
Magawa, que foi treinado pela instituição de caridade belga APOPO,
farejou 39 minas terrestres e 28 itens de munições não detonadas,
tornando-o o “HeroRAT” (Rato herói) de maior sucesso da organização.
“O trabalho do HeroRAT Magawa e da APOPO é verdadeiramente único e notável”, disse o diretor geral da PDSA, Jan McLoughlin.
“Magawa salva e muda diretamente a vida de homens, mulheres e crianças que são afetados por essas minas terrestres.”
Milhões de minas terrestres foram colocadas no Camboja entre 1975 e 1998, causando dezenas de milhares de vítimas.
Magawa, que fica na cidade de Siem Reap, é o primeiro rato a receber
uma medalha PDSA nos 77 anos de premiação, juntando-se a um ilustre
bando de bravos caninos e felinos — e até mesmo um pombo.
A medalha de ouro PDSA é o equivalente animal da Cruz de Jorge, a
mais alta condecoração civil do Reino Unido. A instituição de caridade
também concede a Medalha Dickin, para animais militares.
Farejar e arranhar
A APOPO treinou Magawa na Tanzânia para detectar o composto químico
dentro dos explosivos, recompensando-o com guloseimas saborosas —
bananas e seus amendoins preferidos.
Os ratos alertam os desminadores arranhando a terra.
Ele pode vasculhar uma área do tamanho de uma quadra de tênis em
apenas 30 minutos, algo que levaria quatro dias usando um detector de
metal convencional.
Ele é grande o suficiente para ser preso a uma coleira enquanto trabalha, mas leve o suficiente para não detonar minas.
“O prêmio PDSA Gold Medal traz o problema das minas terrestres para a atenção global”, disse Christophe Cox da APOPO.
Cox disse que sua equipe de “HeroRATs” acelerou a detecção de minas terrestres por causa de seu olfato apurado e memória.
“Ao contrário dos detectores de
metal, os ratos ignoram a sucata e apenas farejam explosivos,
tornando-os detectores de minas terrestres rápidos e eficientes”, disse
Cox.
“Isso não apenas salva vidas, mas devolve as terras seguras tão
necessárias para as comunidades o mais rápido e com o melhor
custo-benefício possível.”
A APOPO atualmente tem 45 ratos farejadores de minas terrestres e 31
detectando tuberculose na África e na Ásia, de acordo com seu site.
Um grande risco para a Amazônia
nos próximos anos é a normalização dos incêndios no bioma, alerta a
bióloga brasileira Erika Berenguer, pesquisadora das universidades de
Oxford e Lancaster, ambas no Reino Unido.
A especialista, que estuda os impactos do fogo na Amazônia, ressalta que neste momento as atenções sobre as queimadas
estão voltadas para o Pantanal, que enfrentou a seca mais intensa das
últimas décadas e o pior período de incêndios em sua história recente.
Apesar de reforçar a importância de se falar sobre a situação do
Pantanal e de cobrar ações rápidas das autoridades para a região,
Berenguer pontua que não se deve esquecer dos problemas vividos na
Amazônia.
“É muito perigoso normalizar a situação na Amazônia e não se chocar
mais, tratar simplesmente como coisa de rotina”, diz a pesquisadora.
Os registros de focos de calor (que costumam representar incêndios)
na Amazônia em 2020 superam os do mesmo período nos dois últimos anos,
segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
De janeiro a esta quinta-feira (24/9), foram registrados 72,2 mil
focos de calor, conforme o Inpe. Somente nas duas primeiras semanas de
setembro, os números de incêndios
na Amazônia cresceram 86,1% em comparação ao ano passado. Enquanto em
2019 foram registrados 11 mil focos de calor, neste ano foram 20,4 mil.
Estudos apontam que o fogo que atinge o bioma está diretamente relacionado ao desmatamento.
Entre 2000 e 2018, a Amazônia perdeu 269,8 mil km de florestas — área
superior, por exemplo, à extensão do Reino Unido. Segundo esse dado,
divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a
cobertura florestal da área total do bioma caiu de 81,9% para 75,7%, em
18 anos. Pouco mais da metade das alterações da terra foi para
converter áreas em pastagem.
No governo Jair Bolsonaro, o desmatamento na região atingiu níveis
preocupantes, segundo levantamentos. Em julho do ano passado, 2.255 km²
do bioma foram desmatados, recorde desde 2015. No mesmo mês, em 2020,
foram 1.658 km² da floresta, segundo o sistema Deter, do Inpe.
“Antes do governo Bolsonaro, a gente só teve um mês com mais de mil
km² desmatados desde 2015, em agosto de 2016. Depois do começo da gestão
dele, esse número se tornou comum”, diz a pesquisadora.
O desmatamento na Amazônia já passou de mil km² em seis meses, desde o
início do governo Bolsonaro. Os dados são do sistema Deter, que há
cinco anos analisa o desmatamento na floresta tropical mensalmente.
“Os levantamentos apontam que há uma grande proporção da área
desmatada no ano passado que foi queimada somente neste ano. Esse é um
dos possíveis motivos para justificar o aumento do fogo em 2020, em
comparação ao ano passado”, diz Berenguer.
‘O desmatamento está virando normal’
Em 2019, houve um grande movimento em defesa da Amazônia. “A
sociedade civil organizada fez uma mobilização, principalmente após o
mês de julho, quando foram desmatados mais de 2 mil km² a floresta”,
comenta a especialista.
Porém, Berenguer afirma que neste ano não notou a mesma reação diante
dos incêndios e do desmatamento intenso no bioma. “O problema é que
parece que muitos passaram a aceitar e normalizar as queimadas e o
desmatamento na Amazônia. Tenho a impressão de que as pessoas sabem que
as coisas não estão muito bem (no bioma), mas não entendem a real
dimensão do quanto as coisas estão ruins”, declara.
“A gente está vendo picos de desmatamento que eram raríssimos alcançar. Parece que isso tá virando normal”, diz a especialista.
Berenguer avalia que há pouca repercussão sobre o fato nas redes
sociais e as autoridades optaram por focar no Pantanal. “É como se
estivessem se acostumado com a barbárie. Essa normalização diminui a
pressão em órgãos que deveriam estar fiscalizando. Uma sociedade
anestesiada diante desse cenário acaba não fazendo pressão para que essa
tendência do desmatamento e queimadas mude”, declara.
“É inaceitável termos mais de mil focos de calor por dia e mais de
mil quilômetros quadrados desmatados com frequência. É inaceitável”,
declara.
A cientista ressalta que, além do aumento de queimadas no Pantanal, a
pandemia do coronavírus pode ter colaborado para diminuir a reação ao
problema na Amazônia.
“Mas percebo que o fato talvez não tenha ganhado muita atenção neste
ano porque não teve um dia negro em plena tarde de São Paulo”, diz, em
referência a 19 de agosto do ano passado, quando partículas de
incêndios, associadas a uma massa de ar frio, fizeram “o dia virar
noite” na capital paulista.
Desmonte de órgãos de fiscalização
Um motivo para o aumento de incêndios e desmatamento, aponta
Berenguer, é o desmonte feito pelo governo Bolsonaro a órgãos de
fiscalização ambiental. A especialista salienta que o fato transmite a
sensação de impunidade.
Mesmo com o atual cenário de queimadas, o governo cortou recursos do
Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente) e do Instituto Chico
Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).
De acordo com uma reportagem da Folha de São Paulo, o Ibama teve
corte de 4% para o próximo ano. O instituto terá recursos de R$ 1,65
bilhão — destes, R$ 513 milhões dependem de aprovação do Congresso.
Ainda segundo a mesma reportagem, o corte de verba no ICMBio foi
correspondente a 12,8%. A entidade terá, no próximo ano, R$ 609,1
milhões — destes, R$ 260,2 milhões estão sujeitos a aprovação do
Congresso.
Além do desmonte, Berenguer aponta que críticas do governo Bolsonaro
ao Inpe tentam desacreditar os dados do Inpe. “Preferem culpar o
mensageiro, em vez de se preocupar com a mensagem”, diz a pesquisadora.
O discurso de Bolsonaro
Um dos principais fatores para que os incêndios na Amazônia sejam
normalizados, segundo a cientista, é a postura de Bolsonaro em relação
ao meio ambiente.
Um exemplo, aponta a pesquisadora, foi o discurso do presidente na
Assembleia Nacional da Organização das Nações Unidas (ONU), na
terça-feira (22/9).
Em vídeo apresentado na cerimônia, Bolsonaro disse que o Brasil é
vítima de “uma das mais brutais campanhas de desinformação”, ao se
referir às notícias que citam o descaso dele com o meio ambiente.
Segundo o presidente, a Floresta Amazônica é uma área úmida, que não
permite a propagação do fogo. “Os incêndios acontecem praticamente, nos
mesmos lugares, no entorno leste da Floresta, onde o caboclo e o índio
queimam seus roçados em busca de sua sobrevivência, em áreas já
desmatadas”, disse Bolsonaro.
As afirmações de Bolsonaro durante seu discurso na ONU têm pouco ou
nenhum respaldo. Sobre as áreas atingidas pelos incêndios na Amazônia,
especialistas nacionais e internacionais têm afirmado que as queimadas
frequentes no bioma contribuem para o fenômeno da degradação, que avança
em toda a região e deixa a floresta mais seca e vulnerável aos
incêndios.
Estudos do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) revelam
que a alta nos incêndios está diretamente relacionada ao desmatamento.
“Não existe fogo natural na Amazônia, porque ela não evoluiu com o
fogo”, declara Bereguer.
“Os estudos já apontaram que os incêndios em terras indígenas ou
causados por caboclos foram minoria. Isso desmente os argumentos do
presidente”, diz a bióloga.
Em entrevista à BBC News Brasil, na terça-feira (23/9), o pesquisador
Carlos Nobre, do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São
Paulo e presidente do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas,
ressaltou que monitoramentos do Inpe e da agência especial americana, a
Nasa, mostram que mais de 80% das queimadas na Amazônia são causadas por
grandes propriedades.
“É o famoso e tradicional processo de expansão da área de agropecuária”, declarou Nobre.
Em meados de julho deste ano, o governo federal publicou um decreto
em que proibiu queimadas em todo o território nacional por 120 dias. A
medida, porém, é considerada ineficaz por especialistas, pois não há
intensa fiscalização.
O governo federal afirma que tem tentado combater o fogo na floresta
por meio do emprego de militares em operações de Garantia da Lei e da
Ordem (GLO), realizadas pelas Forças Armadas na região amazônica — a
medida teve início no ano passado, após intensa pressão sobre as
queimadas no bioma.
Berenguer destaca que as ações adotadas no combate aos incêndios na
Amazônia são insuficientes. “Mesmo com o incômodo e toda a pressão
internacional que o governo federal sofre com o desmatamento e as
queimadas, a gente não vê medidas efetivas que mudem a situação. Os
números comprovam que as coisas não melhoraram em comparação ao ano
passado”, declara.
Para a bióloga, o discurso do presidente reforça a normalização dos
problemas enfrentados pela Amazônia e pelos outros biomas brasileiros.
As consequências das queimadas e do desmatamento
A pesquisadora de Oxford comenta que há diversos problemas que podem
ser causados pelas queimadas e pelo desmatamento na Amazônia.
Ela explica que uma área atingida por um incêndio nunca mais volta a
ser como antes. “Na Amazônia, logo após o fogo há uma perda de 50% das
árvores, que morrem porque possuem cascas finas.”
“Mas os impactos não são apenas imediatos. Há um estudo, ainda em
fase de revisão, que aponta que há um excesso de mortes em árvores, por
causa do fogo, nos primeiros três anos após o incêndio”, detalha a
bióloga.
Depois de ser afetada pelo fogo, a floresta é tomada por clareiras,
que facilitam a entrada de sol e vento e deixa a área mais seca. “Várias
árvores não conseguem rebrotar nesses ambientes extremos, muito
quentes. Por isso, começam a nascer árvores pioneiras, que crescem
rápido em qualquer lugar”, explica a bióloga.
Entre as consequências da alteração das árvores no local estão, por
exemplo, menos armazenamento de carbono — porque as árvores pioneiras
costumam ser mais finas e guardar menos carbono em seus troncos — e
prejuízo à fauna local, pois costuma haver menos frutos disponíveis na
região.
Berenguer comenta que, com a normalização dos incêndios e do
desmatamento, pode haver um ponto em que a floresta perca a capacidade
de se regenerar. “Quando você queima uma área mais de uma vez, ela fica
totalmente descaracterizada. A cada vez em que é queimada, ela fica mais
diferente do que já foi um dia, até o momento em que pode não conseguir
mais se recuperar”, diz a especialista.
A população sente as consequências dos incêndios de diferentes
formas. Uma delas é por meio do aumento de internações por problemas
respiratórios — situação que se torna comum em períodos de queimadas nos
Estados da Amazônia Legal.
“Além disso, a Amazônia tem um papel fundamental de combater as
mudanças climáticas, porque é um grande reservatório de carbono. Mas
quando há o desmatamento, esse carbono é queimado, aumentando a
quantidade de gases de efeito estufa na atmosfera e colaborando para
acelerar as mudanças climáticas”, detalha Berenguer.
A pesquisadora frisa que os incêndios afetam também a capacidade da
floresta levar chuva a outras regiões do país. “Um dos papéis mais
importantes da Amazônia, para o Brasil, é a geração de chuva. Ela
bombeia água do solo, por meio de suas árvores, para a atmosfera,
gerando os famosos “rios voadores”, que levam chuvas a regiões como
Centro-Oeste e Sudeste. Essas precipitações são fundamentais, por
exemplo, para a sobrevivência do agronegócio e para as nossas
hidrelétricas”, diz a estudiosa.
“Além disso, a Amazônia é a floresta mais biodiversa do mundo. Há uma
série de compostos que podem ser descobertos ali (para diferentes
finalidades), mas que podem nunca ser encontrados, caso a floresta seja
derrubada”, declara.
Ao avaliar o atual cenário das queimadas no Brasil, Berenguer pontua
que um risco para o próximo ano é que os incêndios no Pantanal, mesmo
que permaneçam com altos índices como nos últimos meses, sejam
normalizados, da mesma forma que ela tem notado em relação à Amazônia
atualmente. “Não podemos passar a aceitar isso em nenhum lugar.
Precisamos estar atentos. É uma situação que precisa ser combatida”,
declara a pesquisadora.
Fogo que destruiu 25 mil hectares no Pantanal de MS começou em grandes fazendas, aponta investigação da PF
Suspeita dos policiais é que os incêndios
tenham sido provocados para transformar vegetação em pastagem. Advogado
diz que um dos fazendeiros colabora com as investigações 'pois é uma das
vítimas das queimadas'.
Os incêndios que devastaram 25 mil hectares do Pantanal começaram em quatro fazendas de grande porte em Corumbá (MS), segundo investigação da Polícia Federal (PF) iniciada em junho (veja, abaixo, quais são as propriedades). A suspeita é que produtores rurais tenham colocado fogo na vegetação para transformação em área de pastagem.
O Pantanal registrou o maior número mensal de focos de incêndio desde
o início da série histórica do Instituto Nacional de Pesquisas
Espaciais (Inpe), em 1998: entre 1º de setembro e esta quarta-feira
(23), data do dado mais recente, foram 6.048 pontos de queimadas no
bioma. Um decreto federal, publicado em julho, proibiu queimadas de qualquer tipo em todo o país por 120 dias.
Conforme a PF, havia gado em duas das quatro fazendas de Corumbá onde
os focos teriam começado. As propriedades rurais são as seguintes:
Califórnia, que pertence Hussein Ghandour Neto e tem 1.736 hectares;
Campo Dania, que pertence a Pery Miranda Filho e à mãe dele, Dania Tereza Sulzer Miranda, e tem 3.061,67 hectares;
São Miguel, que pertence a Antônio Carlos Leite de Barros e tem 33.833,32 hectares;
e Bonsucesso, de Ivanildo da Cunha Miranda e tem 32.147,06 hectares.
Todas elas se enquadram no conceito de grandes propriedades, segundo
critérios do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
(Incra), já que têm área superior a 15 módulos fiscais. O módulo fiscal é
uma unidade de medida agrária usada no Brasil. Ela é expressa em
hectares e varia de cidade para cidade, pois leva em conta o tipo de
exploração no município e a renda obtida com essa atividade, entre
outros aspectos.
Em Corumbá, o tamanho do módulo fiscal é de 110 hectares. Propriedades acima de 1.650 hectares são enquadradas com grandes.
O que diz um dos citados
O advogado de Ivanildo Miranda, Newley Amarilla,
disse que a defesa técnica somente será apresentada quando (e se) houver
denúncia pelo Ministério Público Federal (MPF). Falou ainda que
Ivanildo já prestou as informações solicitadas pela PF e colabora com as
investigações – “que a ele também interessam, pois é uma das vítimas
das queimadas”.
O G1 não conseguiu contato com as defesas dos outros investigados até a última atualização desta desta reportagem.
Análise de imagens de satélite e perícia
Por causa do grande aumento de queimadas na região do Pantanal, uma
equipe da delegacia da PF em Corumbá começou a monitorar alguns focos. A
suspeita é que foram provocados intencionalmente, por pessoas que se
aproveitaram da situação climática atípica e da estiagem na área.
Investigadores realizaram análises de imagens de satélite de toda a
região. Alguns focos específicos de queimadas chamaram a atenção, porque
eram próximos de áreas de preservação e começaram dentro de
propriedades particulares.
A PF chegou a descobrir, pelas imagens, quando os incêndios começaram nas fazendas:
Califórnia, em 30 de junho;
Campo Dania, em 1º de julho;
Bonsucesso, em 14 de julho;
e São Miguel, em 16 de julho.
No dia 25 de agosto, para confirmar as informações coletadas dos
satélites, uma equipe da PF sobrevoou as regiões das quatro propriedades
e fez registros fotográficos.
Os policiais ainda descobriram que, na fazenda São Miguel e
Bonsucesso, havia outros focos de queimadas, além dos descobertos pelas
imagens de satélite.
Também foi feita uma perícia nos dados, com base em imagens do site
do Inpe, que atestou as informações levantadas anteriormente.
A única divergência foi em relação à área total afetada. A partir
dessa constatação e com a identificação dos proprietários foi deflagrada
da operação Matáá.
Operação Matáá
No dia 14 de setembro a PF deflagrou a operação Matáá, que cumpriu
dez mandados de busca e apreensão, sendo seis na área rural e os demais
na cidade. Na casa de Pery Filho, os policiais encontraram armas e
munições, e ele acabou preso em flagrante, sendo solto no dia seguinte
por determinação judicial.
Também foram apreendidos celulares, notebooks e outros materiais nas
fazendas. “A materialidade tem que ser comprovada além da culpa, além do
dolo. Nós temos que ter a intenção. Verificar se houve o ato
intencional de destruição da vegetação. Essa que é a questão. Então, nós
temos que apurar o ânimo do agente, dos investigados no caso. Se houve
intenção de destruição do bioma ou não. Mesmo que seja para renovar
pastagem”, disse o delegado de PF Leonardo Raifaini.
Sobre a investigação, o delegado acrescenta que não estão restritos a
apenas esse foco dos 25 mil hectares. “A investigação, acho que ela
está sendo maturada, tá bem adiantada. Logo nós poderemos ter resultados
para esclarecer os fatos”.
O que diz a federação de agricultores e pecuaristas do MS
A Federação dos Agricultores e Pecuaristas de Mato Grosso do Sul
(Famasul) informou que os produtores das regiões afetadas pelas
queimadas têm “diversas iniciativas para prevenir e controlar a
situação, amenizar os prejuízos, proteger a fauna, flora e a integridade
física das pessoas”.
“A Famasul defende o lícito, e confia no trabalho das autoridades
para a apuração dos fatos”, disse o presidente da entidade, Maurício
Saito.
A federação explica que tem alertado produtores e trabalhadores do
campo quanto à necessidade de medidas de prevenção e combate aos focos
de incêndio em áreas rurais:
“Entre as recomendações estão a confecção de aceiros ao redor das
áreas protegidas, estradas, cercas e construções, como casas, galpões e
mangueiros; também que os produtores organizem suas equipes e mantenham
uma rede de contatos com seus vizinhos, para agilizar o combate aos
incêndios, caso necessário, e ainda que disponham de equipamentos como
abafadores, tratores, tanques, caminhão pipa, avião agrícola, que possam
ser utilizados com segurança e eficácia”.
Maurício Sato falou ainda que essas orientações chegam aos
trabalhadores através dos sindicatos rurais dos municípios: “São 69
sindicatos rurais e mais de 200 profissionais que atuam na Assistência
Técnica e Gerencial do Senar/MS em cerca de 5 mil propriedades do
estado”.
Há ainda ofertas de cursos para brigadistas, concluídos por ao menos 600 pessoas.
A Famasul diz que o produtor rural do Pantanal de Mato Grosso do Sul
utiliza pecuária sustentável “garantindo a preservação de 85% do seu
território” e que trabalha em parceria com instituições de pesquisa.
“Juntos desenvolvem tecnologias que promovem a melhoria da produção e
garantem a preservação do meio ambiente.”
Impactos
A pesquisadora da Embrapa Pantanal Sandra Santos, comenta que os
impactos que os incêndios causam ao bioma dependem de uma série de
fatores, como formação vegetal, localização, tipo de solo, frequência,
intensidade e duração do fogo, condições climáticas e suas interações.
Sandra explica que além das plantas e do animais, os incêndios também
têm grande impacto no solo, que é a base da sustentabilidade da região,
e que isso pode influenciar no conteúdo da umidade, matéria orgânica e
até mesmo nas características químicas, físicas e biológicas dos solos
atingidos.
Ainda de acordo com a pesquisadora, os incêndios podem devastar a
infraestrutura das propriedades, como cercas, construções rurais, redes
elétrica e afeta principalmente o solo, “influenciando o conteúdo de
umidade, matéria orgânica e características químicas, fiscais e
biológica”.