quinta-feira, 24 de dezembro de 2020

Retrospectiva 2020: Amazônia segue sob forte pressão ambiental

 


Retrospectiva 2020: Amazônia segue sob forte pressão ambiental



21 dezembro 2020    
Bioma sofreu com desmatamento e queimadas, enquanto o garimpo, a violência e o novo coronavírus ameaçam os povos indígenas 

Por WWF-Brasil


Em 2020, a Amazônia continuou sob forte pressão ambiental, com aumento do desmatamento, recordes de queimadas, crescente ação do garimpo, violência contra povos da floresta e ameaças de novos projetos de infraestrutura. Esse cenário, associado à pandemia de Covid-19, deixou ainda mais vulneráveis as populações indígenas, principais guardiões da floresta Amazônica. 

Diante desse contexto crítico, o WWF-Brasil realizou diversas ações emergenciais, com parceiros locais, com o objetivo de amenizar os problemas que ameaçam a sobrevivência dos povos da região e auxiliar na conservação de suas áreas naturais.  

Além dessas ações em campo, ao longo do ano, nos posicionamos e colocamos em destaque a discussão sobre as ameaças à Amazônia, que foram objeto de diversos estudos, seminários e eventos. 

Desmatamento 
Em abril, a devastação da Amazônia já apresentava evidente trajetória de crescimento. Os alertas de desmatamento registrados entre agosto de 2019 e abril de 2020, em uma área de 5.666 km2, já apontavam um crescimento de 94% em relação ao mesmo período no ano anterior.   

Em junho, a maior devastação já registrada para os cinco primeiros meses de um ano na Amazônia legal: 2.032 km2 entre 1 de janeiro e 31 de maio.  

Os alertas apontavam, em agosto, para mais de 9 mil quilômetros quadrados de desflorestamento, indicando o fracasso do poder público em conter o crime ambiental na floresta. Tudo indicava que o desmatamento de 2020 seria ainda pior que o de 2019, foram desmatados 1,2 milhão de hectares, sendo 63% na Amazônia.  

O temor foi confirmado no fim de novembro, quando dados oficiais revelaram uma devastação de mais de 11 mil km2 em 2020, 9,5% a mais em relação ao dramático período anterior. O crescente desmatamento denunciou o quanto está ultrapassado o modelo de desenvolvimento da região. 

Ao longo do ano, atuamos em conjunto com diversos parceiros para denunciar e reverter os fatores que levaram ao crescimento do desmatamento no bioma. Em julho, o WWF-Brasil e um grupo de organizações da sociedade civil ingressou com pedido no TCU (Tribunal de Contas da União) para uma auditoria nas políticas do Governo Federal de combate ao desmatamento e queimadas na Amazônia.   

Em agosto, 60 organizações e coletivos da sociedade civil, incluindo o WWF-Brasil, entregaram a representantes do Congresso Nacional um pacote de ações emergenciais que incluía o estabelecimento de uma moratória ao desmatamento na Amazônia. 
 
O combate ao desmatamento e as queimadas também foi beneficiado por nosso projeto de utilização de drones para monitoramento de áreas remotas da Amazônia. O projeto doou 19 drones para 18 organizações de seis estados da Amazônia, totalizando cerca de R$ 300 mil, além de oferecer capacitações e outras ferramentas como GPS, celulares e notebooks.  

Queimadas 
Além do desmatamento, a Amazônia sofreu também com a crise das queimadas que assolou o Brasil em 2020. Em julho, o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) já apontava que a Amazônia Legal havia perdido mais de 3 mil km2 de florestas no primeiro semestre do ano, 26% a mais que no primeiro semestre de 2019.  

Em agosto, o instituto divulgou que em julho mais de 6,8 mil focos de queimadas haviam sido detectados, aumento de 28% em relação ao mesmo período de 2019. Em outubro de 2020, foi registrado o maior número de queimadas na Amazônia em 10 anos:  17.326 focos de calor, um aumento de mais de 120% em comparação a outubro de 2019.  

O WWF-Brasil realizou diversas ações emergenciais para enfrentar essa crise, apoiando especialmente quem atuou na linha de frente de combate ao fogo. Em junho, doamos mais de 1.300 peças de combate ao fogo, como abafadores, sopradores, bombas-costais, e equipamentos de proteção individual ao Corpo de Bombeiros do Amazonas e à Sema (Secretaria de Meio Ambiente) do Acre.  

Em julho, um projeto em parceria com Idesam (Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável da Amazônia), deu ao município de Apuí (AM) -que não possui unidade do Corpo de Bombeiros- autonomia no combate inicial a queimadas. O projeto capacitou pequenos produtores rurais para o manejo do fogo e forneceu equipamentos de combate a incêndios e de proteção individual para 15 brigadistas. Além disso, entregamos um drone à Prefeitura de Apuí para auxiliar nas atividades de monitoramento e combate às queimadas.  

Em março doamos mais de 1.440 itens, no valor de R$ 189 mil, para Sema (Secretaria Estadual de Meio Ambiente) do Amazonas que, em julho, recebeu mais 60 itens de combate ao fogo, em um novo investimento de R$ 52 mil. Em agosto, para contribuir na mitigação dos efeitos das queimadas sobre a fauna, apoiamos a SOS Amazônia na realização do seminário “Cuidados e Procedimentos de Resgate de Fauna Afetada pela Atividade do Fogo no Estado do Acre”. 

Povos indígenas: violência e Covid-19 
Em 2020, a crescente pressão de invasores sobre as Terras Indígenas da Amazônia resultou em episódios revoltantes como o assassinato de Ari Uru-eu-wau-wau, em Rondônia, em abril. A violência contra povos indígenas já havia marcado 2019, com os assassinatos de lideranças como Paulo Paulino Guajajara e Dorivan Soares Guajajara

Mas, além da violência, a presença cada vez maior de invasores deixou os povos indígenas mais expostos à pandemia de Covid-19. A vulnerabilidade à doença e a precariedade da assistência oferecida pelas autoridades públicas produziu um terrível quadro humanitário na região. Ao longo do ano, o WWF-Brasil atuou em diversas frentes para oferecer apoio emergencial aos povos da Amazônia. 

Em maio, foi traçado um plano emergencial para atender os afetados na Amazônia com doação de alimentos, produtos de higiene, EPIs (Equipamentos de Proteção Individual) e outros materiais. No total, foram atendidas mais de 7 mil famílias indígenas e 100 trabalhadores de cooperativas agroextrativistas, com mais de 15 toneladas de alimentos e produtos de higiene, EPIs e outros equipamentos. 

Em julho, doamos 294 cestas básicas com alimentos e produtos de higiene para mais de 1.650 indígenas de aldeias localizadas nos estados de Mato Grosso, Pará e Rondônia, em uma ação que apoia mais de 30 mil pessoas na Amazônia e no Cerrado. Também em julho, doamos 233 cestas básicas e máscaras de proteção, beneficiando mais de mil agroextrativistas da Resex Ituxí e Médio Purus, em Lábrea, no sul do Amazonas. 

Em agosto, com apoio do ISPN (Instituto Sociedade População e Natureza), doamos cestas básicas para 412 famílias indígenas de 13 aldeias de povos Guajajara e Timbira no Maranhão. No total, foram doados 4.223 quilos de alimentos.   

Em setembro, em parceria com um grande grupo de organizações, sob liderança da Coiab (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira), ajudamos a instalar quatro Unidades de Atenção Primária Indígenas em quatro aldeias da Amazônia, nos estados do Pará, Acre e Amazonas. Entre junho e dezembro, uma outra parceria entre o WWF-Brasil, a Coiab e diversas outras organizações, levou insumos para garantir o sustento de 927 famílias e proteção contra a Covid-19 de 54 aldeias em oito Terras Indígenas do Amazonas. 

Em dezembro, mais de 50 organizações da área socioambiental, incluindo o WWF-Brasil, protocolaram manifestação na Assembleia Legislativa de Rondônia contra um projeto de lei (PLC 80/2020) que pretende diminuir duas Unidades de Conservação onde vivem indígenas isolados: a Reserva Extrativista Jaci-Paraná e o Parque Estadual Guajará Mirim. O projeto do governo estadual retiraria mais de 160 mil hectares das duas áreas protegidas, entregando-as a criadores de gado que expulsaram seringueiros com o uso de violência. 

Infraestrutura 
Os projetos de construção e pavimentação de estradas que ameaçam o meio ambiente na Amazônia também não deram trégua em 2020. Em maio, o WWF-Brasil se posicionou contra a proposta do senador Márcio Bittar (MDB-AC), que aproveitou a distração causada pela pandemia de Covid-19 para anunciar o planejamento de estudos para a construção de uma estrada em uma das áreas mais preservadas do bioma: o trecho da BR-364 entre Cruzeiro do Sul, no Acre e Pucallpa, no Peru. 

Em junho, nos mobilizamos junto a diversas outras organizações, com a participação de 156 lideranças indígenas, para que os povos tradicionais sejam ouvidos na discussão sobre a controversa pavimentação da BR-319. Defendemos a construção de um protocolo de consulta dos povos indígenas sobre questões de infraestrutura que impactem suas vidas - assim como determina a Convenção 169 da OIT. Em setembro, a questão do licenciamento da BR-319 foi discutida no cinedebate “Infraestrutura na Amazônia e invisibilidade dos povos indígenas”, promovido pelo WWF-Brasil em parceria com o MPF-AM e o Idesam.  
 
Estudos, eventos e mini-documentários 
Em maio, lançamos o documentário “Expedição Solar”, gravado durante uma viagem por 10 dias pelo Rio Purus, próximo à cidade de Lábrea (AM). O filme conta a história do projeto piloto Resex Solar, que leva energia solar a comunidades da região que não têm luz elétrica. Em junho, foi a vez do mini-documentário “Defensores da Floresta”, que mostra o cotidiano de uma comunidade ribeirinha do interior da Amazônia, dividida entre os benefícios de viver em meio à natureza, a constante tensão de defender seu território de invasores e grileiros 

Em agosto, estudo realizado por pesquisadores do WWF-Brasil, Fiocruz e outras instituições mostrou que, no Amapá, os peixes mais contaminados por mercúrio pelas atividades de garimpo são justamente os mais consumidos: o pirapucu, o tucunaré e o trairão. A concentração de mercúrio nos peixes coletados pelos cientistas excedeu o limite de segurança em 77,6% dos peixes carnívoros. Outro estudo de pesquisadores do WWF-Brasil e Fiocruz, divulgado em novembro, revelou os impactos do mercúrio na saúde do povo indígena Munduruku, no Pará: a contaminação chega a 90% em aldeias às margens dos rios. 

Em setembro, um estudo realizado por pesquisadores do WWF-Brasil, Universidade Federal do Acre, Embrapa Acre e Secretaria de Meio Ambiente do Acre, mostrou que os sistemas agroflorestais são a melhor alternativa para o desenvolvimento da Amazônia. Também em setembro, várias instituições da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, incluindo o WWF-Brasil, coordenou um estudo sobre a rastreabilidade da carne bovina no Brasil, mostrando que é possível monitorar a origem da carne na Amazônia, uma importante ferramenta para reduzir o desmatamento no bioma. 
 
 
© WWF-Brasil

Pantanal ganha nova brigada comunitária de combate ao fogo

 WWF

Pantanal ganha nova brigada comunitária de combate ao fogo



10 dezembro 2020    
WWF-Brasil apoiou treinamento em resposta rápida ao bioma e à comunidade

Por WWF-Brasil

“O fogo está perto! Ô, Jesus, não tem brigadista, alguém que possa vir com emergência, agora? Olha lá, tá cada hora mais perto, olha lá!”. O relato desesperado, feito em outubro, é de uma moradora do distrito de Porto Esperança, localizado às margens do Rio Paraguai, a 72 quilômetros de Corumbá, MS. No início daquele mês, as 48 famílias residentes na localidade se viram ameaçadas pelas queimadas que consumiram mais de 4,4 milhões de hectares no Pantanal, 30% da área total do bioma.

“Foi desespero, uma tragédia, moro aqui há 16 anos com meu marido e nunca nos deparamos com uma situação de queimada tão próxima”, lembra Natalina Oliveira Mendes, da Associação de Mulheres Ribeirinhas do Porto Esperança.

Na área de difícil acesso, o jeito foi contar com o improviso e a união de adultos e crianças, que correram para área de mata, munidos de baldes com água e até um trator para conter o fogo e salvar os animais, acuados pelas chamas.  Idosos passaram mal com densa fumaça e fuligem. Os focos só foram totalmente extintos horas depois, com a chegada do Corpo de Bombeiros.

Treinamento para a comunidade
A comunidade se prepara agora para combater incêndios futuros, desta vez, aliando técnicas e uso de equipamentos adequados de combate às chamas. O Prevfogo, centro especializado de prevenção e combate aos incêndios florestais, órgão ligado ao Ibama (Instituto Brasileiro de Recursos Naturais e Renováveis), ministrou um curso para a formação de brigadistas comunitários.

O curso tem apoio da Ecoa (Ecologia em Ação), por meio do projeto transfronteiriço ECCOS, com suporte da União Europeia e do WWF-Brasil em que serão formados oito moradores de Porto Esperança que serão multiplicadores das técnicas e poderão agir na proteção da região.

O diretor-presidente do Ecoa, André Luiz Siqueira, explicou que a ONG organizou a realização do treinamento, oferecendo apoio logístico para a equipe do Prevfogo e do transporte do material doado pelo WWF-Brasil, a ser usado pelos novos brigadistas.

Neste primeiro momento, segundo explica o analista de conservação do WWF-Brasil, Osvaldo Barassi Gajardo, foram doados 7 kits completos, contendo Equipamentos de Proteção Individual (EPIs), uniformes e equipamentos de combate ao fogo.

Siqueira disse que o envolvimento dos parceiros é fundamental e chega em momento importante, em que são necessárias medidas preventivas. “Acaba reverberando para outras instituições, mostra que precisam se envolver no tema incêndio”, avaliou.

Auxílio aos ribeirinhos
Para chegar a Porto Esperança é necessário fazer trajeto saindo de Corumbá, por cerca de 72 quilômetros e, depois, mais 20 minutos de travessia pelo Rio Paraguai, a partir de Porto Morrinho. A difícil travessia e o isolamento da comunidade despertaram a atenção do chefe da Brigada Pantanal do Prevfogo, Ruberval Dimas do Patrocínio. Ele entrou em contato com a Ecoa e falou da necessidade da formação de brigada comunitária. Dessa discussão, foi definida a realização do curso de brigadistas comunitários, fruto da parceria já existente com o WWF-Brasil.

Patrocínio explica que o curso ensinou “o que funciona e não funciona no combate ao fogo”. Entre as técnicas, a quebra da combustão no chamado “triângulo do fogo”, com as três regras básicas para extinção do incêndio: reduzir temperatura do ambiente, retirada do combustível (gás, gasolina, madeira, carvão) e/ou do comburente (oxigênio, por exemplo).  Os recém- formados brigadistas aprenderam a manejar sopradores, queimador para incêndio controlado (pinga-fogo) e abafadores.

José Domingos Benites foi um dos participantes do curso. “A experiência que estou tendo é muito importante. Se acontecer um incêndio de novo, Deus ajude que não, a gente já vai saber o que fazer até a chegada da equipe e dar continuidade no combate”. Amarildo Pereira Mendes citou as técnicas aprendidas em queimada na ilha com uso dos equipamentos. “Aprendemos o básico para apagar o fogo.  Isso é muito importante”.

Resposta emergencial de apoio ao Pantanal

Para apoiar o Pantanal, o WWF-Brasil, que já tinha envolvimento na formação de brigadas comunitárias, focou em Mato Grosso do Sul para criar brigadas comunitárias no Assentamento 72 (Ladário), Parque Estadual Nascente do Rio Taquari, Comunidade São Francisco/Paraguai Mirim e Barra do São Lourenço, ambas em Corumbá. As ações ainda se estenderão até junho de 2021, com implantação dos grupos em outras localidades.
Para o próximo ano, de acordo com Gajardo, também há perspectiva de parceria com Imasul para formação de mais 60 brigadistas e ainda grupo em aldeias indígenas do Mato Grosso. “Não é a solução do problema, mas é a primeira resposta para minimizar ou conter o fogo para que não vire um grande incêndio”, disse, acrescentando ser estratégia de adaptação às mudanças climáticas.

A doação dos equipamentos no Pantanal faz parte do Projeto “Respostas Emergenciais em Campo”. O analista de conservação do WWF-Brasil, Cassio Bernardino, diz que a ideia é focar em diferentes tipos de ação, que envolvem, ainda, ajuda humanitária, fomento às pesquisas sobre impacto na flora e fauna dos incêndios e melhorias em técnicas de manejo do fogo. “Este foi ano atípico nos dados de incêndio, identificamos o problema e entendemos que é fundamental estruturar essa resposta da melhor maneira possível”.

Desmatamento no Cerrado aumenta 12,3% e bioma perde 7,3 mil km² de vegetação nativa

 WWF

Desmatamento no Cerrado aumenta 12,3% e bioma perde 7,3 mil km² de vegetação nativa

 

23 dezembro 2020    

Maior conversão da vegetação nativa se concentra no Matopiba e segue dando lugar à produção de commodities, principalmente pecuária e soja

Por WWF-Brasil

De agosto de 2019 a julho de 2020, o desmatamento do Cerrado foi de 7,3 mil km2. A área representa 12.3% a mais do que o total registrado no período anterior. O desmatamento foi maior nos Estados do Maranhão, Tocantins e Bahia, que fazem parte do território do Matopiba, atual fronteira agrícola do Cerrado que também inclui o Piauí.

Os dados são do PRODES Cerrado, criado e operado pelo Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) para monitorar e quantificar anualmente a remoção da cobertura natural do bioma a partir de dados do satélite Landsat.

"Precisamos reverter esse cenário de destruição em nome do nosso futuro. E, para isso, é necessário um grande esforço em conjunto dos governos e das empresas”, afirma Mauricio Voivodic, diretor executivo do WWF-Brasil. “Infelizmente, a combinação entre uma legislação que não protege adequadamente o bioma, em conjunto com a impunidade e o desmantelamento das agencias fiscalizadoras, está levando ao colapso de serviços ecossistêmicos fundamentais à população que vive no bioma e que depende, entre outros, da água das nascentes e rios do Cerrado, gerando conflitos sociais e disputas pela água como nunca vistos, em diversas regiões”, afirma Voivodic.

A região do Matopiba concentra os últimos remanescentes contínuos da vegetação nativa do Cerrado, onde também mais avança o agronegócio irresponsável, principal motor do desmatamento no bioma.

O Mato Grosso é o estado que tem a maior perda acumulada –e ainda assim perdeu 727 km2 de vegetação nativa para a produção de commodities, principalmente na região do Araguaia. Estudos demonstraram que o Brasil não precisa destruir um hectare sequer para atender a demanda esperada de crescimento da agricultura e da pecuária – o que é necessário é aumentar a produtividade das áreas já exploradas. E já temos tecnologia amplamente conhecida para isso.

Há pouco mais de uma semana, em 15 de dezembro, o grupo de 163 empresas que assina o Manifesto do Cerrado –e são grandes compradoras da soja brasileira– pediu aos produtores e empresas da cadeia da soja que elevassem seu compromisso com zero conversão (sem abrir novas áreas) no Cerrado. Está no bioma a produção de 60% da soja do Brasil. Este pedido não está isolado: Reino Unido e Europa discutem legislações para reduzir a importação de commodities que causam desmatamento, o que pode significar uma oportunidade ou uma restrição para o produto brasileiro dependendo de como a questão será tratada. Infelizmente, seguimos na direção da restrição.

Consequências
Os novos dados do Inpe para o Cerrado confirmam também o que já vinham alertando os cientistas: o ritmo de destruição da savana mais rica em biodiversidade do mundo está acelerado.

De acordo com o Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), em 15 anos o desmatamento no Cerrado foi mais intenso que na Amazônia. De 2000 a 2015, o Cerrado perdeu 236 mil km2, enquanto a perda na Amazônia, bioma duas vezes maior, foi de 208 mil km2, segundo pesquisadores do instituto.

O Cerrado é considerado a formação savânica mais biodiversa do mundo. Com aproximadamente dois milhões de km2, ocupa cerca de 25% do território brasileiro. No entanto, há pouca proteção: apenas 8% são Unidades de Conservação.

De acordo com o Mapbiomas (Mapeamento Anual de Uso e Cobertura do Solo do Brasil), 47,1% do Cerrado já foram convertidos, principalmente para a produção agrícola e pecuária. A produtividade do setor obtida na região tornou o Brasil um dos principais produtores mundiais de commodities agrícolas. A maior parte dessa produção agrícola é exportada, enquanto a carne tem como principal destino o mercado interno, com uma parcela menor sendo exportada para diferentes regiões do mundo.

A partir da década de 1970 o Cerrado se transformou na fronteira agrícola brasileira. Essa transformação modificou os aspectos socioeconômicos, concentrou riqueza e criou tensões com povos indígenas e comunidades que ocupavam tradicionalmente a região.

A biodiversidade –única no mundo– desaparece junto com o desmatamento, sem que se conheçam suas propriedades, que poderiam se tornar importantes ativos para fármacos, cosméticos e alimentos, 40% das espécies do Cerrado só acontecem neste bioma.

O desmatamento também preocupa os cientistas quanto ao futuro hídrico e climático. O conflito pela água já se estabelece nas fronteiras do desmatamento do Cerrado, em especial no Matopiba, onde o alto consumo de água para irrigação das lavouras deixa a população com dificuldades de acesso ao recurso hídrico.

O rio São Francisco, por exemplo, tem registros recentes de seus menores níveis históricos de vazão, o que compromete a agricultura, a geração de energia e diversos outros setores de nossa economia", diz Mariana Napolitano, gerente de Ciências do WWF-Brasil.

O desmatamento do Cerrado também contribui para liberar na atmosfera gases de efeito estufa. Com menos vegetação, os períodos de seca tendem a ficar mais longos, e o regime de chuvas se altera.

Com flecha na cabeça, veado no Canadá passa por cirurgia de risco, mas surpreende a todos com sua recuperação

 

Com flecha na cabeça, veado no Canadá passa por cirurgia de risco, mas surpreende a todos com sua recuperação

Encontrado com flecha na cabeça, veado no Canadá passa por cirurgia de risco, mas surpreende a todos com sua recuperação

Faz três anos que a fotógrafa de vida selvagem Lee-Anne Carver viu Orange pela primeira vez. O filhote de veado era órfão e aparecia constantemente no quintal da casa da família na pequena cidade de Kenora, ao norte de Ontário, no Canadá.

“Quando conheci Carrot sabia que ele era diferente. Havia algo sobre ele que era profundamente pacífico. Nunca fui capaz de descrever adequadamente o que ele fez ao meu coração”, diz Lee-Anne.

Mas recentemente, Carrot não apenas tocou o coração da fotógrafa, mas também o de milhares de pessoas no mundo inteiro. O animal foi ferido e surgiu diante do marido de Lee-Anne com uma flecha atravessando a parte de trás da cabeça. Apesar de parecer bem e estar se movimentando normalmente, ela sabia que algo precisava ser feito.

Ela conseguiu a promessa de autoridades locais de que Carrot não seria sacrificado. Mas a princípio, especialistas acharam que a retirada da flecha provocaria uma infecção e sem dúvida nenhuma, a morte do cervo.

Encontrado com flecha na cabeça, veado no Canadá passa por cirurgia de risco, mas surpreende a todos com sua recuperação

Orange, com a flecha atravessando a cabeça

Todavia, dias depois, outros veterinários foram consultados e aconselharam que fosse feito um procedimento para a remoção da flecha.

Foram necessários dois dias para tal. Apesar da anestesia, Carrot se mexia muito. Como nunca antes nada igual havia sido feito em Kenora, uma equipe de veterinários em Ontário, a 2 mil km de distância, deu as orientações por telefone.

Embora a flecha tenha sido retirada com sucesso e nenhum sangramento causado, havia pus no ferimento e Carrot ficou com a língua roxa.

“Houve vários momentos em que as coisas não estavam indo bem para Carrot e quase o perdemos, mas eles não desistiram. Durante quase 8 horas, eles ficaram com ele, mesmo quando suas pernas ficaram dormentes”, Lee-Anne escreveu na página do Facebook criada para contar essa inscrível história, Carrot the Magic Deer and the Orange Heart Club.

Encontrado com flecha na cabeça, veado no Canadá passa por cirurgia de risco, mas surpreende a todos com sua recuperação

No meio da neve, o animal foi sedado e passou pelo procedimento

Após a remoção da flecha, durante dois dias, Carrot não foi visto, o que deixou a fotógrafa realmente apreensiva, mas na última segunda, ele reapareceu. E bem!

“Eu não poderia imaginar que seu sofrimento recente afetaria tantas pessoas ao redor do mundo. É assim que sua magia funciona. Cada mensagem que recebo é uma prova para mim de que todos fazemos parte da mesma história…

Eu sabia que ele era diferente, como se ele viesse de outro lugar – o mesmo lugar onde as estrelas são feitas. Ele é uma força vital de paz que derrama gentileza e afeto. Eu não consigo acreditar ainda que ele foi flechado na cabeça e sobreviveu, mas parece que o Universo tinha planos para ele que eu nunca poderia imaginar. Seja qual foi o encanto que ele teve sobre mim, parece que também teve sobre vocês. É assim que a magia funciona”.

Parece que Orange foi um pequeno milagre para esse Natal de 2020!

Encontrado com flecha na cabeça, veado no Canadá passa por cirurgia de risco, mas surpreende a todos com sua recuperação

Orange, descansando no quintal de Lee-Anne

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Fotos: Lee-Anne Carver

Greenpeace usa novas mídias em busca de maior engajamento do brasileiro com a sustentabilidade

 

Greenpeace usa novas mídias em busca de maior engajamento do brasileiro com a sustentabilidade

 

Greenpeace usa novas mídias em busca de maior engajamento do brasileiro com a sustentabilidade

201204c Greenpeace

Fonte: Unsplash

A proteção ao meio ambiente foi um dos temas mais debatidos em 2020, principalmente por ONGs e órgãos públicos. Entretanto, foram algumas ações do Greenpeace que conseguiram maior destaque durante o ano. A organização decidiu apostar no uso das novas mídias para buscar mais engajamento, e também mostrar a importância da sustentabilidade em diferentes regiões do território brasileiro.

Desde 2016, o Greenpeace é uma das organizações que mais atua no Brasil quando o assunto é sustentabilidade. Desde relatórios sobre mudanças climáticas até comunicados oficiais, o Greenpeace sempre buscou alternativas para alcançar diferentes públicos, desde pequenas empresas até órgãos oficiais do Governo Federal. Contudo, foi neste ano que eles conseguiram chamar mais atenção ao apostar em novas mídias.

Uma dessas ações aconteceu em maio deste ano, e teve como alvo os fãs de jogos eletrônicos. A organização criou o projeto Streamers em Extinção, que reuniu diferentes personalidades da internet, principalmente do eSports, para realizar transmissões especiais em busca de doações. Além disso, a iniciativa também serviu para aumentar o engajamento desse público com as ideias de sustentabilidade no Brasil.

O projeto recebeu diversos elogios, e foi considerado um sucesso. Um dos maiores problemas quando o assunto é sustentabilidade, principalmente com os brasileiros, é a pouca comunicação com diferentes públicos do país. Essas ações recentes do Greenpeace, principalmente usando as novas mídias, mostram que isso pode mudar nos próximos anos. Essas tecnologias possuem um maior alcance e, por conta disso, podem ser usadas como ferramentas essenciais em favor do meio ambiente.

Outras iniciativas

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Fonte: Unsplash

Além desse projeto que citamos, o Greenpeace também está atuando de maneira mais ativa em outros campos da internet. Por exemplo, durante todo o ano, a organização produziu diversos conteúdos para o canal autoral no YouTube. A plataforma conta com quase 40 mil inscritos e está sempre atualizada. Hoje, é possível encontrar mais de 100 vídeos disponíveis no canal, e que abordam todo o tipo de conteúdo possível.

A organização também conta com uma forte presença das redes sociais, principalmente no Facebook, no Instagram e no Twitter. Somando essas três plataformas, são mais de 5,5 milhões de pessoas que consomem o conteúdo publicado. A ideia do Greenpeace é continuar expandindo o alcance online, e assim buscar cada vez mais engajamento no Brasil. Isso é algo que já está dando resultado, segundo algumas pesquisas.

Alguns dados da Environment Research mostram que cerca de 73% dos brasileiros acreditam que a sustentabilidade é algo importante, e que é necessária uma mudança de hábito pensando nas futuras gerações. Além disso, 35% das pessoas conhecem quais são os selos das organizações que buscam a proteção do meio ambiente, e também o consumo sustentável no país. Um número que pode parecer pequeno, mas que significa um passo enorme para essas ONGs.

Meio ambiente em alta

Todas essas ações, somadas com o momento que passamos, está fazendo com que a natureza se transforme em um tema bastante explorado na internet. Por exemplo, em setembro deste ano, o documentário David Attenborough e Nosso Planeta ganhou espaço em uma das principais plataformas de streamings do Brasil, que já conta com outras produções que abordam a natureza. Até mesmo os jogos de aposta online estão atentos ao assunto. Entre as melhores slots machines de cassinos online, o jogo Pixies of the Forest aparece entre uma das caça-niqueis indicadas para os jogadores na lista. Dessa forma, é possível entender como é importante contar com uma presença forte na internet e nas novas mídias.

O Greenpeace possui até a tradição de criar jogos online que abordam o tema de sustentabilidade. Por exemplo, recentemente, a ONG criou o jogo Shark vs. Mermaid Death Squad, que é uma versão de Pac-Man que aborda o problema de pescas ilegais que acontece no mundo. É uma forma de abordar um tema importante, mas de forma leve e que consiga atingir o máximo de público possível.

Essa parte de atuação do Greenpeace merece elogios, principalmente por quebrar barreiras importantes e, dessa forma, alcançar um público maior. Essas iniciativas são essenciais para trazer a sustentabilidade como um assunto necessário na nossa rotina diária, principalmente pelos benefícios. Alguns dados mostram que isso está dando resultado, e essa é a parte mais interessante. As ONGs são essenciais para abordar esse assunto, e as novas mídias podem ser perfeitas para ajudar a cumprir esse e outros objetivos.

 

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 04/12/2020

Nota: Para receber atualizações pelo grupo de notícias do EcoDebate no WhatsApp, adicione o telefone 21 98682-4779 e, em seguida, envie uma mensagem com o texto ADICIONAR.

 

Política de Consumo: Governo Sustentável, artigo de José Austerliano Rodrigues

 

Política de Consumo: Governo Sustentável, artigo de José Austerliano Rodrigues

[EcoDebate] Os órgãos governamentais têm mais poder para investigar e proibir produtos potencialmente perigosos. As normas de segurança e saúde para as áreas de alimentos, automóveis, vestuários, aparelhos elétricos e construção também estão mais restritivas (KOTLER, KELLER, 2018).

Contudo, produtos novos devem atender a requisitos de segurança do consumidor, a preocupações ambientais e sociais e a severas restrições de produção (KOTLER; KELLER, 2018; RODRIGUES, 2020).

Desta forma, os governos têm papel direto na eliminação e na prevenção da poluição criada por produtos e serviços. Assim sendo, os governos estadual e municipal desenvolvem políticas ambientais, leis e regulamentações que impactam direta ou indiretamente nos produtos e serviços dos fornecedores e fabricantes de produtos finais (OTTMAN, 2012; RODRIGUES, 2020).

O governo tem o poder de subsidiar, cobrar impostos, regular ou influenciar os processos da indústria e o design do produto com base em sua sustentabilidade ou custo externo ao meio ambiente.

Mas nem todos os oficiais de governo têm conhecimento dos negócios, muito menos dos aspectos técnicos do design e da distribuição do produto, e isso pode resultar em política mal orientadas que podem, desnecessariamente, prejudicar a indústria (OTTMAN, 2012; RODRIGUES, 2020).

Desta maneira, atuar com os reguladores, e não contra eles, pode ajudar as corporações a se prepararem e reduzirem os riscos associados com os desafios jurídicos, como proibições de produtos químicos visados ou leis que possam trazer custos adicionais a um processo já caro. Atuando com os representantes do governo, a indústria pode fazer parte do diálogo para garantir que as novas regulamentações sejam bem informadas e que as novas regras seja equilibradas (OTTMAN, 2012).

Para Ottman (2012), o governo também tem habilidade de alocar apoio financeiro para projetos e negócios que possam estimular a economia; ultimamente, incentivo financeiro é dada em grande medida aos negócios sustentáveis e às tecnologias verdes. Então, é conveniente que os profissionais de marketing sustentável procurem fundos disponíveis (OTTMAN, 2012; RODRIGUES, 2020).

Assim sendo, desde o início dos anos 1990, os governos federal, estadual e municipal descobriram que atuar com a indústria pode trazer melhores benefícios do que exercer o tradicional “comando e controle” (OTTMAN, 2012).

José Austerliano Rodrigues. Especialista Sênior em Sustentabilidade de Marketing e Doutor em Marketing Sustentável pela UFRJ, com ênfase em Sustentabilidade e Marketing, com interesse em pesquisa em Marketing Sustentável, Sustentabilidade de Marketing, Responsabilidade Social e Comportamento do Consumidor. E-mail: austerlianorodrigues@bol.com.br.

 

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 22/12/2020

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Às pressas, Fundo Clima aprova consórcio para executar Lixão Zero em Rondônia

 ((o))eco

Às pressas, Fundo Clima aprova consórcio para executar Lixão Zero em Rondônia

José Alberto Gonçalves Pereira
quarta-feira, 23 dezembro 2020 15:49
O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, em mutirão de coleta de lixo e
m mangue localizado em Santos, São Paulo, em 2019.
 Foto: Ministério do Meio Ambiente/Flickr.

O MMA está promovendo operação relâmpago para viabilizar até o fim deste mês o uso de todo o orçamento não reembolsável do Fundo Clima de 2020 no projeto Lixão Zero. Tendo o controle do comitê gestor do Fundo Clima, o MMA conseguiu ontem, dia 22, aprovar como novo executor do projeto o Consórcio Intermunicipal da Região Centro-Leste de Rondônia (Cimcero). A presidente da entidade, Gislaine Clemente (MDB), conhecida como Lebrinha, foi presa no final de setembro por envolvimento em um suposto esquema de corrupção nos contratos com coleta e destinação de lixo em Rondônia. Lebrinha é prefeita de São Francisco do Guaporé, uma das 15 cidades que serão beneficiadas pelo Lixão Zero.

Chama a atenção o fato de que o Cimcero substituiu o governo de Rondônia como proponente e executor do projeto no último dia 15 e o contrato com a Caixa e o MMA deverá estar assinado até o dia 30. Em duas semanas, o MMA está viabilizando um novo executor para a proposta. A pasta demorou quase quatro meses para admitir publicamente que o governo de Rondônia possuía pendências fiscais com a União que  impediam a Caixa de lhe repassar dinheiro do Fundo Nacional do Meio Ambiente (FNMA) e do Fundo Clima.

A operação relâmpago começou pouco mais de duas horas após a publicação da primeira reportagem de ((o))eco sobre o assunto, no último dia 9. A segunda reportagem informa detalhes sobre a troca do governo de Rondônia pelo Cimcero como executor do projeto.

O processo de análise e aprovação do projeto no FNMA e no Fundo Clima apresenta pelo menos 16 procedimentos suspeitos, revelados por ((o))eco nas duas reportagens anteriores sobre o caso. Veja no box uma relação atualizada de procedimentos suspeito.

A Caixa contará com três a cinco dias úteis apenas para analisar e aprovar farta documentação sobre o projeto Lixão Zero e seu novo executor – o Consórcio Intermunicipal da Região Centro-Leste de Rondônia (Cimcero). O projeto tem valor total de R$ 12 milhões, que virão das linhas não reembolsáveis do Fundo Nacional do Meio Ambiente (FNMA) e do Fundo Clima. Para a análise e aprovação da proposta pelo banco, o proponente precisa encaminhar documentação técnica, social e jurídica, plano de trabalho e projetos básicos de engenharia.

Verificada a viabilidade da proposta e comprovada a ausência de pendências financeiras e fiscais do proponente, será formalizado o contrato de repasse de recursos entre a Caixa e o Cimcero. Os repasses são efetivados de acordo com as etapas executadas, devidamente comprovadas. Como o início do projeto ocorrerá no próximo dia 31, o contrato precisa ser assinado até 30 de dezembro.

O Cimcero entrou no circuito do Lixão Zero no dia 10 de dezembro, quando protocolou proposta similar à do governo de Rondônia, que visa eliminar 11 lixões, beneficiando 15 cidades do estado. Em menos de dois dias, o MMA analisou eventuais pendências fiscais e problemas com órgãos de controle e a capacidade técnica e econômica do consórcio executar o projeto.

No dia 14, o MMA protocolou parecer favorável à troca do governo de Rondônia pelo Cimcero como executor do projeto. Ainda sem aval do comitê diretor do Fundo Clima, o MMA empenhou (reservou) R$ 8,9 milhões em 15 de dezembro para o consórcio, que foi ratificado ontem pelo colegiado.

Em um único dia, a última segunda-feira, o consórcio incluiu 117 documentos na Plataforma +Brasil, antes mesmo da reunião do colegiado do Fundo Clima. No caso de Rondônia, proponente inicial do projeto, a documentação foi incluída somente depois que o projeto havia sido aprovado pelos colegiados dos dois fundos.

Os 15 municípios que serão beneficiados pelo Lixão Zero são Candeias do Jamari; Colorado do Oeste; Jaru e municípios localizados nos arranjos Abunã (Nova Mamoré e Guajará-Mirim), Madeira-Guaporé (Costa Marques, Seringueiras, São Francisco do Guaporé e São Miguel do Guaporé), Leste Rondoniense (Ouro Preto do Oeste, Mirante da Serra e Vale do Paraíso), Presidente Médici (Presidente Médici, Alvorada D’Oeste e Castanheiras).

Deflagrada em 15 de setembro passado pelo Ministério Público de Rondônia e Polícia Federal (PF), a operação Reciclagem apurou que Lebrinha e outros três prefeitos teriam recebido cerca de R$ 1,5 milhão em propina para autorizar o pagamento de dívidas com uma empresa responsável pelo serviço de lixo em várias cidades rondonienses. O dono da empresa se tornou delator e colaborou com a operação, filmando a entrega de maços de dinheiro à Lebrinha e aos prefeitos de Cacoal, Ji-Paraná e Rolim de Moura. Em decorrência de sua prisão, Lebrinha foi substituída na presidência do consórcio pelo prefeito de Parecis, Luiz Brito (MDB), cujo mandato termina no fim deste mês.

CNI vota com o governo

Na reunião do comitê gestor do Fundo Clima realizada ontem, apenas a Confederação Nacional da Indústria (CNI) alinhou-se ao governo federal entre as quatro confederações empresariais com assento no colegiado. Foram seis votos favoráveis à substituição do governo de Rondônia pelo Cimcero, consorcio integrado por 44 municípios.

Houve dois votos contrários – Confederação Nacional do Comércio (CNC) e Fórum Brasileiro de Mudança do Clima; duas abstenções (Ministério da Economia e Confederação Nacional do Transporte); e uma notável ausência – a do representante da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), que costuma manter interlocução privilegiada com o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles.

Raio X da votação

Entre os integrantes do comitê diretor do Fundo Clima que não pertencem ao governo, apenas o representante da CNI votou a favor da ratificação do novo proponente do projeto Lixão Zero. O consórcio Cimcero substituiu em 15 de dezembro o governo de Rondônia, antes, portanto, da deliberação do colegiado na terça-feira, 22 de dezembro. Veja como foi a votação sobre a ratificação do Comcinero como novo executor do projeto:

A favor 

    • Ministério do Meio Ambiente (MMA): Luiz Biagioni 
    • Ministério da Agricultura (Mapa): Elvison Nunes Ramos
    • Ministério de Minas e Energia (MME): Luiz Banhan 
    • Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCT): Marcelo Morales 
    • Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES): Julio Leite 
    • Confederação Nacional da Indústria (CNI): Marco Cantarino 

Contra

    • Confederação  Nacional do Comércio (CNC): Cristiane Souza
    • Fórum Brasileiro de Mudança do Clima (FBMC): Flavia Frangetto 

Abstenções

    • Confederação Nacional do Transporte (CNT): Thiago Ticchetti
    • Ministério da Economia (ME): Peng Yaohao 

Ausente

    • Confederação Nacional da Agricultura (CNA): Rodrigo Justus de Brito.

Apelo por cautela foi ignorado

Os representantes do governo federal e da CNI ignoraram o apelo da representante titular do FMBC, Flávia Frangetto, especialista em direito ambiental e mudanças climáticas, para que o comitê gestor decidisse o assunto com maior cautela. Ela mencionou solicitação feita ao MMA na reunião virtual do FBMC realizada na última sexta-feira, 17 de dezembro, para que aguardasse uma pré-análise do novo proponente pela Caixa, contratada pela pasta para administrar os repasses dos dois fundos aos executores dos projetos aprovados.

Dessa forma, afirmou Flávia, o processo como um todo ganharia maior eficiência, uma vez que o escopo da análise da Caixa seria mais abrangente, comparativamente ao que fora trazido pelo MMA, que afirma não ter encontrado pendências do consórcio na dívida ativa da União e no Cadin (cadastro com informações sobre débitos de pessoas físicas e jurídicas com a administração pública federal).

Com isso, prosseguiu a advogada, os membros do Fundo Clima poderiam verificar as condicionantes de governança e os requisitos específicos para um investimento climático. A representante suplente do FBMC, Linda Murasawa, especialista em mudanças climáticas, reforçou a importância de ser preservada a reputação do Fundo Clima.

Os representantes da CNT e da CNC frisaram a necessidade de haver mais elementos para avaliar a substituição do proponente. A ((o)eco, ambas as entidades já haviam comunicado que desconheciam os procedimentos suspeitos relatados pela reportagem.

Na reunião virtual ordinária do comitê gestor do Fundo Clima, ocorrida em 22 de outubro, Flávia, do FBMC, foi a única que votou contra a proposta do MMA de usar todo o orçamento de 2020 do Fundo Clima no projeto Lixão Zero, na ocasião ainda tendo o governo de Rondônia como executor. Dez votaram a favor.

Rafael Torino, diretor de fundos de meio ambiente do MMA, admitiu na última quinta-feira, em reunião virtual do Fórum Brasileiro de Mudança do Clima (FBMC), que a pasta estava ciente das pendências fiscais do estado antes do encontro do comitê gestor do Fundo Clima em outubro. O MMA não informou o colegiado sobre o impedimento fiscal de Rondônia para receber recursos federais por meio de convênios.

Os 16 enroscos que o MMA não esclarece

O processo de análise e aprovação do projeto Lixão Zero no comitê gestor do Fundo Clima apresenta inúmeros procedimentos suspeitos não esclarecidos pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA), que não respondeu a nenhum dos e-mails enviados à sua assessoria de comunicação (Ascom) desde o início deste mês. Respostas às questões feitas foram cobradas por telefone da Ascom ao menos uma meia dúzia de vezes. Segue a relação atualizada dos procedimentos nebulosos do MMA identificados por ((o))eco na tramitação do projeto Lixão Zero no MMA:

    • MMA não realizou chamada pública para o envio de projetos destinados à análise e eventual aprovação pelo comitê gestor do Fundo Clima em 2020.
    • Nota técnica inicial do MMA, favorável ao projeto Lixão Zero de Rondônia, foi produzida em tempo recorde – menos de cinco horas em 23 de junho último.
    • MMA ignorou ausência no projeto de estudos de viabilidade técnica e econômica e sobre emissões de gases de efeito estufa.
    • Pauta e ata da reunião de 15 de julho deste ano do conselho deliberativo do FNMA não foram divulgadas no portal do MMA.
    • Documentos do projeto também não foram publicados no site do MMA.
    • O plano original de alocação de recursos para o projeto de Rondônia não previa o repasse de dinheiro do Fundo Clima, conforme atesta a ata da reunião do FNMA realizada em 15 de julho, obtida por ((o))eco por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI).
    • Parecer do MMA de 18 de agosto confirmou a aprovação da proposta pelo conselho do FNMA e a encaminhou à Caixa, agente financeiro responsável pelos repasses ao governo de Rondônia. O documento não diz que metade do custo total do Lixão Zero dependia da autorização do comitê gestor do Fundo Clima para o MMA aplicar no projeto o valor integral disponível em 2020 para a linha não reembolsável do Fundo Clima.
    • O MMA tinha conhecimento das pendências fiscais de Rondônia que impediam o estado de receber recursos federais por meio de convênios, mas a informação foi omitida dos integrantes do comitê gestor do Fundo Clima na reunião de 22 de outubro, que aprovou a aplicação no projeto do orçamento total da linha não reembolsável do instrumento em 2020.
    • Três notas de empenho foram geradas em 2020, somando R$ 8,9 milhões, mas o plano de trabalho da proposta prevê desembolso de apenas R$ 400 mil este ano.
    • Documentos técnicos do projeto são assinados somente por ocupantes de cargos comissionados, sem assinaturas de analistas ambientais de carreira e não comissionados, normalmente responsáveis pela produção desses documentos.
    • Duas notas de empenho foram emitidas em 15 de dezembro pelo MMA, assegurando a destinação de 70% do valor total do projeto para consórcio Cimcero, sem autorização dos colegiados do FNMA e do comitê gestor do Fundo Clima. Como o plano de trabalho do projeto permanece o mesmo, 97% dos desembolsos serão efetuados somente em 2021 e 2022.
    • O orçamento integral do Fundo Clima para 2020 foi incluído em uma das notas de empenho emitidas em favor do Cimcero. Ou seja, o orçamento ficou reservado para o Cimcero, antes que o colegiado do fundo deliberasse sobre a troca de proponente, o que impossibilitou o uso do dinheiro em projetos com maior relevância para a política de combate às mudanças climáticas.
    • O proponente do projeto foi substituído no dia 15 de dezembro pelo Cimcero sem que houvesse análise de sua capacidade técnica e econômica para executá-lo e anuência dos colegiados do FNMA e do Fundo Clima.
    • Parecer do MMA favorável à troca do proponente comunica que os colegiados do FNMC e do Fundo Clima deveriam ratificar a substituição. A reportagem ficou sabendo por vias informais da reunião do comitê gestor do Fundo Clima, agendada para esta terça-feira, 22 de dezembro, às 10h30. Não há, contudo, informação no portal do MMA sobre a provável reunião extraordinária do conselho deliberativo do FNMA.
    • A troca do executor do projeto Lixão Zero foi aprovado pelo colegiado do Fundo Clima, que desconsiderou os pedidos dos representantes do FBMC, da CNC e da CNT para que a decisão fosse tomada depois que houvesse mais informações, inclusive financeiras, sobre o Comcincero, que teve sua presidente presa em setembro numa operação do MP-RO e da PF contra um suposto esquema de corrupção envolvendo serviços de lixo em quatro cidades de Rondônia.
    • Caixa terá três dias úteis para analisar o projeto Lixão Zero e volumosa documentação do Cimcero a tempo de deferir ou não o apoio do Fundo Clima ao projeto, cujo contrato deve ser assinado até 30 de dezembro.