Por Duda Menegassi
- terça-feira, 04 julho 2017 19:07
O diretor do Departamento de Áreas Protegidas do Ministério do Meio Ambiente, Warwick
Manfrinato. Foto: Duda Menegassi.
No final de junho, o Ministério do Meio Ambiente (MMA) assinou uma Portaria (
Portaria MMA n°229/2017)
que institui um Comitê e Grupo Técnico (GT) para formular e implementar
o Programa Conectividade de Paisagens. A meta é construir um programa
de Estado que pense e ordene a conectividade territorial, tanto do ponto
de vista da biodiversidade e da conservação, quanto do humano e do uso
do solo. Por isso, apesar de ter sido criada dentro do âmbito do MMA, a
Portaria convida outros ministérios, como o da Agricultura, para se
juntarem à mesa de discussões.
Nas vésperas da primeira reunião oficial para dar início à construção
do programa, o diretor do Departamento de Áreas Protegidas do
Ministério do Meio Ambiente, Warwick Manfrinato, um dos articuladores do
programa, conversou com ((o))eco. Manfrinato explicou que “o objetivo
do programa é reunir projetos que hoje são operados de maneira
independente e desconectada e trazê-los para dentro de uma estrutura de
conexão institucional”. Ainda de acordo com ele, existem áreas
prioritárias, como a costa oeste do Brasil, que liga o Pantanal com a
Amazônia. A consolidação de corredores no sentido norte - sul para
facilitar a migração das espécies diante das mudanças climáticas também é
uma das pautas em destaque no programa.
Leia a entrevista:
((o))eco: Como surgiu a iniciativa do Programa Conectividade de Paisagens?
“O Programa Conectividade de Paisagens, como
vem sendo desenvolvido e proposto no MMA, tenta conciliar lados
aparentemente conflitantes para ampliar seu alcance”.
Warwick Manfrinato: Os
corredores ecológicos
estão sendo discutido no mundo todo, principalmente nos países
signatários das convenções do Clima e da Biodiversidade. No Brasil não é
diferente. O
Ministério do Meio Ambiente (MMA) trata
há algum tempo desse tema de corredores do ponto de vista ambiental e
da conservação. O programa não surgiu, portanto, do nada.
Há dois anos,
uma iniciativa da Universidade Federal de São Paulo (USP) propôs à
várias organizações, inclusive ao governo federal da época, que se
iniciasse uma discussão sobre corredores ecológicos. A proposta foi
liderada pelo então professor José Pedro de Oliveira Costa, atual
Secretário de Biodiversidade. Quando ele assumiu a pasta, ele propôs
diretamente ao ministro, José Sarney Filho, transformar essa iniciativa
em um programa com maior amplitude e espectro de ação. Percebemos que os
projetos em andamento poderiam ser perenizados através do
estabelecimento de um programa. Essa transição de um projeto de governo
para um programa de Estado é uma das principais direções norteadoras da
discussão que vem ocorrendo nesses últimos meses dentro do MMA,
juntamente com outros ministérios, como o da Agricultura, da Defesa e
das Relações Exteriores.
Nós tentamos fazer com que os objetivos do programa sejam amplos o
suficiente para que ele tenha uma sobrevida para além do próprio MMA. O
Programa Conectividade de Paisagens, como vem sendo desenvolvido e
proposto, tenta conciliar lados aparentemente conflitantes para ampliar
seu alcance. O próprio secretário de Áreas Protegidas foi falar com os
secretários do Ministério da Agricultura, para que esse olhar sobre o
problema de degradação ocorra de uma forma em que os potenciais da
agricultura e da conservação possam ser maximizados, cada um no seu
campo, porém de maneira dialogada.
Qual a estratégia para tirar o programa do papel?
A
Portaria n° 299/2017
que dá início ao programa foi publicada semana passada, no dia 23 de
junho. Antes disso, o Programa de Conectividade de Paisagens já havia
sido anunciado pelo ministro Sarney Filho no México, na Convenção da
Biodiversidade, em dezembro do ano passado.
Ao longo desse semestre, nós
trabalhamos na articulação do programa, que será coordenado pela
Secretaria Executiva do MMA, já que não integra somente assuntos de
interesse da conservação e conectividade no sentido físico, mas também
envolve questões de articulação institucional. O objetivo do programa é
reunir projetos que hoje são operados de maneira independente e
desconectada e trazê-los para dentro de uma estrutura de conexão
institucional. O programa será um lugar de discussão e avaliação dessas
iniciativas frente a outras secretarias que também possuem voz naquela
temática específica.
Por exemplo, a questão de
Reserva Legal e de
Área de Preservação Permanente (APP) hoje é tratada principalmente dentro de um departamento do MMA e no
Serviço Florestal Brasileiro através do
CAR (Cadastro Ambiental Rural).
Haverá um fórum de discussão onde a política pública do Cadastro vai
dialogar com o Departamento de Áreas Protegidas quando o tema envolver
questões referentes ao
Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC).
Essa relação proposta pelo programa atuará em duas instâncias
operacionais.
Uma será o Comitê Diretivo, composto por secretários,
pelos presidentes das autarquias e pelos diretores de diferentes
divisões do MMA. E o Grupo Técnico, composto por servidores de cada uma
dessas divisões e do Ministério da Agricultura, Pecuária e
Abastecimento, do Ministério das Relações Exteriores e do Ministério da
Defesa. Esse grupo irá estabelecer as diretrizes do programa e discutir
as questões operacionais e controversas do dia-a-dia.
Segundo o texto da Portaria nº 229/2017, “O Programa a ser
implementado tem como objetivo central promover a integração de
políticas públicas que propiciem a conectividade entre as áreas naturais
protegidas e os seus interstícios, visando reduzir os efeitos da
mudança do clima sobre a biodiversidade, com ênfase nas condições de
adaptabilidade das espécies, bem como assegurar a sustentabilidade dos
processos produtivos relacionados, contemplando questões afetas ao
clima, água, florestas, aspectos socioambientais, econômicos e
culturais.” |
A portaria foi publicada, agora o próximo passo é reunir um
grupo de trabalho para construir esse programa. Como funcionará esse
processo?
A ideia do Programa Conectividade de Paisagens é que ele possua
múltiplos autores. Ele não foi desenhado por nós e repassado às outras
instâncias. O que nós fizemos foi um esboço de uma proposta que foi
discutida com todos os secretários preliminarmente. Foram diversas
reuniões onde os diferentes grupos trouxeram documentos, textos e
opiniões.
E em maio nós realizamos uma reunião final onde houve o
alinhamento dessas contribuições. A partir disso, nós desenhamos a
proposta da Portaria, que prevê a construção do programa de forma
conjunta com seus diferentes atores, inclusive de fora do MMA. Não é uma
Portaria interministerial. É uma Portaria do Ministério do Meio
Ambiente, mas que convida os outros ministérios para contribuir.
Inclusive, ela prevê a participação do setor privado na mesa de
discussões.
A partir da data de publicação, nós temos um prazo de 120 dias para
consolidar a estrutura do programa e encaminhar a proposta. A primeira
reunião do Grupo Técnico que irá construir o programa está marcada para
dia 4 de julho. Com a aprovação do programa, ele entrará em operação, e
será implementado e executado dentro de uma ordem multi-mandatária.
Nosso planejamento é de longo prazo, para os próximos 10, 15 e 20 anos,
para que ele possa ser continuado por quem quer que venha futuramente a
assumir a pasta de Meio Ambiente.
Quais são os pontos focais e prioritários do programa?
Existem características físicas e geográficas que precisam ser
consideradas, como rios, montanhas e biomas. Existem também as
características humanas, que não podem ser ignoradas, porque são elas
que levam à degradação ou à conservação. Como nós ordenamos tudo isso é a
grande questão do programa. Sob a ótica de prioridades, nós obviamente
precisamos olhar para o que ainda existe de área preservada; e para os
grandes campos de ocupação transformados pelo uso da agricultura e
pecuária; e pensar como nós unimos regiões demasiadamente desconectadas.
Nós temos, por exemplo, a Calha Norte, a Calha do São Francisco e a
Calha do Rio Guaporé, na fronteira com a Bolívia. Toda a região que liga
o Pantanal à Amazônia, na nossa fronteira oeste, é uma região
prioritária - onde já foram reconhecidos, inclusive, vários
Sítios Ramsar.
No centro do país existem rios como o Araguaia, o Xingu e o São
Francisco, que naturalmente criam ligações entre os biomas no sentido
norte-sul. Porque além da Calha Norte, que seria um corredor
leste-oeste, também tem sido uma preocupação fazer essa conexão
norte-sul.
Porque isso vai de encontro com outra prioridade que é a
questão climática e a adaptação às mudanças que virão. Nós precisamos
proteger os corredores norte-sul porque nas próximas décadas haverá a
necessidade de migração das espécies para os polos. Esse é um assunto
muito discutido na
Convenção do Clima que precisa ser ordenado na
Convenção de Diversidade Biológica
também. Quando falamos de corredores, além de priorizar regiões
específicas que estão desconectadas do ponto de vista ambiental mais
imediato, para garantir o fluxo gênico entre elas, é preciso também
pensar no longo prazo, na necessidade de criar esses corredores para
facilitar a migração das espécies. Os governos devem tomar essa
iniciativa.
Além disso, no Programa Conectividade de Paisagens há diferentes
níveis de prioridade. Existe a prioridade biológica de regiões
específicas e zonas de encontro entre biomas, e também os locais de
interesse humano e cultural. Existem corredores culturais, como as
estradas, que também precisam ser observados à luz da conectividade. O
programa é uma iniciativa multidimensional e multidisciplinar, que
precisa ser construída com muitas cabeças e visões distintas. O programa
busca integrar não só áreas, mas ações e instituições.
De que forma o Cadastro Ambiental Rural (CAR) pode ajudar a incluir propriedades privadas no projeto de corredores?
“Não há nenhuma possibilidade de corredores e
do programa ocorrer sem a participação do setor privado, dos
proprietários e das atividades agrícolas.”.
Essa presença do CAR no planejamento do Programa de Conectividade é
uma necessidade, que inclusive já está sendo articulada com o
diretor-geral do Serviço Florestal Brasileiro. Não há nenhuma
possibilidade de corredores e do programa ocorrer sem a participação do
setor privado, dos proprietários e das atividades agrícolas.
Recentemente eu estive em uma indústria de açúcar e foi constatado lá
que o próprio canavial estava cumprindo o papel de conectividade entre
os diferentes fragmentos de floresta nativa daquela região. Existem
alternativas para que a atividade agrícola seja menos impactante e mais
permissiva à biodiversidade, e técnicas para aprimorar a malha de
relações em regiões onde a necessidade de conectividade é mais ampla.
O
programa permitirá a criação de políticas públicas através de incentivos
e projetos para que o proprietário possa produzir sem perder de vista a
necessidade de proteger um bem que é da sociedade. O proprietário rural
cumpre um papel social para além da função econômica de produção.
Existem ferramentas que devem ser olhadas à luz da conectividade e o CAR
será uma delas. O Cadastro irá fornecer instrumentos e informações para
que possamos aumentar as alternativas de diálogo com o proprietário
rural.
Até que ponto a implementação de trilhas de longo curso, como a Trilha Transcarioca no Rio de Janeiro, que conecta seis unidades de conservação, pode ser uma estratégia aliada na consolidação de grandes corredores ecológicos?
É muito importante evidenciar que não existem corredores se não
houver uma ação de conectividade em nível local. Não existe um corredor,
qualquer que seja ele, que funcione sem essa visão local. Nós podemos
conceber um grande corredor na Calha Norte, mas se os prefeitos, as
empresas e os proprietários locais não entenderem que aquilo é
importante, eventualmente a degradação vai acontecer.
Mesmo com um
arcabouço legal robusto, ele não se implementa. Nesse sentido, a ação de
trilhas de longo curso é muito importante porque desperta o
envolvimento e o engajamento das comunidades que moram ao longo dessa
trilha.
As pessoas passam a ter, não somente o benefício econômico
gerado pela presença da trilha, mas a noção de que aquilo serve a um bem
maior. E aí sim, de baixo para cima, essa ação de corredor começa a
fazer sentido. Áreas protegidas valorizadas por trilhas são essenciais e
os
trekkings de longo curso são um assunto em emergência, algo que está crescendo até por ação muito diligente do
Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio).
Nós só iremos conseguir efetivar o programa de corredores se houver
essa ação local junto com parques municipais, grupos de voluntariado e
outros. Sem isso, faremos algo de gaveta, que não sairá do papel. Nós
precisamos ter a visão continental, mas não podemos achar que só isso
irá resolver. Esse trânsito em nível local é o que faz o projeto se
concretizar.
A
Trilha Transcarioca, um corredor ecológico de 180 quilômetros que
conecta seis unidades
de conservação no Rio de Janeiro. Foto: Duda
Menegassi/WikiParques.
Já existe alguma previsão de quais seriam as fontes de recurso para financiar o programa?
Sim. Em primeiro lugar, apesar de estarmos vivendo um momento
orçamentário público muito difícil, o Brasil é privilegiado por seus
parceiros internacionais. Existem inúmeras agências internacionais que
atuam historicamente no Brasil, como o
GEF (Global Environment Facility).
Essas agências e interações nos fornecem recursos externos ao orçamento
que permitem hoje a instalação e condução de projetos bem-sucedidos,
como o
ARPA (Programa de Áreas Protegidas da Amazônia), que é financiado por um grupo de doadores, que inclui a Alemanha e a Noruega, e ONGs como a
WWF e a
Moore Foundation, assim como empresas privadas.
Existem recursos já disponíveis que estão sendo operacionalizados
para que a gente faça esse planejamento de médio e longo prazo. Por
outro lado, existem novos recursos em vista. A Fase 6 do GEF acaba ano
que vem, e eles já abriram a chamada para Fase 7.
Nós estamos planejando
para que a submissão ao GEF de uma nova demanda brasileira de recursos
tenha uma estrutura muito ligada à questão da conectividade, tanto
marinha quanto terrestre. Na região marinha nós queremos construir
corredores como, por exemplo, Vitória – Trindade, no Espírito Santo.
A
Ilha de Trindade, que fica bem longe do continente, é uma cordilheira
submersa e nós estamos olhando para ela como um corredor ecológico que
será contemplado no Programa Conectividade de Paisagens. Esse
planejamento irá estruturar nossas propostas para angariar recursos
externos. Ao mesmo tempo, nós precisamos enxergar como é que os
orçamentos federal, estaduais e municipais podem vir a partir do
reconhecimento pelas jurisdições estaduais e municipais da importância
do programa e do que ele representa.
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