Any man’s death diminishes me,
because I am involved in Mankind; And therefore never send to know for
whom the bell tolls; It tolls for thee.
John Donne
A taxa anual de mortalidade de um policial em serviço no Estado de São Paulo no 4º trimestre de 2013 foi de 41,8
1 por 100 mil policiais
2,
praticamente 4 vezes a taxa prevalecente na população em geral, de 11
por 100 mil. Mantida essa taxa, um policial em cada 2.400 será morto por
ano. Ao longo de 25 anos de carreira a mortalidade esperada de um
policial paulista será de 1,1 para 100.
Já no Rio de Janeiro, o número de policiais assassinados – em serviço ou em folga – é de 1 para 377 neste ano de 2014
3,
ou de 265 homicídios por 100 mil. No Rio de Janeiro especialmente, os
criminosos não têm feito, quando atacam policiais, a sutil diferenciação
entre militar em serviço ou de folga. A taxa de homicídios na população
em geral no Estado é de 28,9 por cem mil – nove vezes inferior à
enfrentada pelos policiais.
Mantida essa taxa, um policial militar do RJ que conseguir sobreviver
aos 25 anos de carreira observará que a tropa terá perdido 1 membro
para cada 14, o equivalente a uma mortalidade de 7%.
A comparação desse dado com outras causas de mortalidade é alarmante.
Entrar para a Polícia Militar do Rio de Janeiro, atualmente, é quase
tão perigoso quanto ser acometido por melanoma de pele (8,7% de
mortalidade)
4 e bem mais perigoso do que desenvolver câncer
de tiroide (2,3% de mortalidade). De fato, ser PM do RJ é 6 vezes mais
letal do que desenvolver câncer de próstata (mortalidade de 1,1%).
Nos Estados Unidos, entre 2007 e 2013, a média de policiais mortos em enfrentamento com criminosos foi de 50,1 por ano
5,
para um contingente de aproximadamente 700 mil policiais e uma
população de cerca de 300 milhões. A taxa de homicídios dolosos nos EUA é
de 4,7 por 100 mil
6, enquanto a taxa de policiais
assassinados em confronto no período indicado foi de 7,1 por 100 mil,
equivalente a 1,5 vez à da população em geral. A taxa de mortes anual
por 100 mil entre policiais americanos é, portanto, 1/6 da observada
entre a Polícia Militar de São Paulo e 37 vezes menor que a enfrentada
pela PM do Rio de Janeiro. Já o número de policiais mortos por milhão de
habitantes ficou em 6,8 no RJ; 0,82 em SP; e 0,17 nos Estados Unidos.
Na Alemanha foram mortos 3 policiais em 2012
7, frente a um efetivo de 243
8
mil, o que corresponde a uma taxa de mortalidade de 1,2 por cem mil na
tropa e de 0,04 por milhão de habitantes. A taxa de homicídios na
Alemanha é de 0,8 por 100 mil habitantes. Assim, a mortalidade dos
policiais na Alemanha é de 1,5 vez à da população em geral. Na
Inglaterra (e Gales), a taxa de homicídios é de 1,15 por 100 mil (2013) e
a mortalidade dos policiais na média dos anos entre 2007 e 2013
9 foi de 1,0 por 100 mil
10
– inferior, portanto, à taxa de homicídios na população em geral. A
mortalidade anual de policiais em relação à população nesse período foi
em média de 0,02 por milhão.
A comparação internacional é útil para demonstrar o risco
inadmissível a que estão expostas as nossas polícias, com taxas de
mortalidade muitas vezes superior à da população em geral. No entanto, é
menos eficaz para analisar a taxa de letalidade da polícia, por uma
razão simples de entender: a letalidade da polícia não guarda relação
somente com o número de criminosos na população, mas também com o grau
de agressividade e resistência desses criminosos. No Brasil, criminosos
têm acesso a armamento exclusivo das forças armadas – incluindo granadas
– e passaram a atacar também com o uso de explosivos. Além disso têm
nível de organização que lhes dá grande poder de emboscar policiais e
atacar até mesmo quartéis.
Nos Estados Unidos, entre 2003 e 2009, 2.931 criminosos foram mortos pela polícia em enfrentamentos
11,
uma média de 419 por ano. Tomando-se a média de 50,1 policiais mortos
em confrontos observada entre 2006 e 2013, a relação entre letalidade
policial e letalidade dos criminosos é de 8,4. No caso brasileiro, a
letalidade da polícia de São Paulo no 4º trimestre de 2013 foi de 94,
contra uma letalidade inversa dos criminosos de 9. A relação entre a
letalidade policial e a dos criminosos foi de 10,4 – pouco superior à
observada nos Estados Unidos nos períodos indicados. Isso sem contar que
a mortalidade dos criminosos decorrente de reações em legítima defesa
de cidadãos privados equivale a 64% daquelas resultantes de confrontos
com policiais.
Recapitulando, os policiais militares de São Paulo têm uma taxa de
mortalidade de 41,8 por 100 mil e os do Rio de Janeiro, de 265 por 100
mil, o que corresponde, respectivamente, a 4 vezes e a 9 vezes as taxas
enfrentadas pela população desses estados. Nos Estados Unidos, o
multiplicador é de 1,5; na Alemanha, é de 1,5; e na Inglaterra (e Gales)
é de 0,8. Deve-se observar, também, que esses multiplicadores maiores
observados no Brasil se aplicam a taxas de homicídio na população em
geral extremamente elevadas.
Diante dessa situação, o mais esperado é que a sociedade estivesse
mobilizada para a defesa dos seus policiais e suporte das famílias dos
que morreram ou se feriram.
Infelizmente não é esta a realidade. No que concerne a mortes por
enfrentamento, a proposição legislativa com maior evidência no momento é
a que torna mais severo para o policial os procedimentos investigativos
relacionados aos chamados autos de resistência. Essa alteração da
legislação é bem-vindo, pois toda morte deve ser mesmo minuciosamente
investigada pelo Estado, ainda mais se de responsabilidade de seus
agentes.
Entretanto, o fulcro da proposta está em outro lugar: também
modifica o art. 292 do Código de Processo Penal para estabelecer que o
uso da força deverá ser “moderado” nas situações de confronto. Mesmo
cientes de que a taxa de homicídio contra policiais é 9 vezes superior à
da população em geral no Rio de Janeiro, a preocupação mais urgente dos
proponentes dessa alteração é impor mais moderação… aos policiais.
É óbvio que tal situação é insustentável e só pode ser alterada se
houver inversão dessas prioridades. A vida do policial, se não restar
outra alternativa, deve ter precedência sobre a do criminoso. Esse
postulado é tão óbvio que nem deveria ser explicitado. A compaixão pela
morte de qualquer ser humano deve ser a mesma, mas prioridade absoluta
deve ser dada à preservação da vida de quem protege a todos.
Além dessa
razão de ordem ética e moral, há várias outras que justificam a
precedência da preservação do policial, inclusive de ordem econômica. Ao
tornar cada vez mais arriscada, penosa e, principalmente, estigmatizada
a profissão de policial, a sociedade terá crescente dificuldade em
recrutar pessoas adequadas ao serviço policial e, assim, acabará por
contribuir para o aumento da violência.