O entendimento dos especialistas é que, no caso de uma declaração de
inidoneidade, governo e empresas não precisam interromper obras. Segundo
Bruno Werneck, do escritório de advocacia Mattos Filho, os contratos
suspeitos podem ser suspendidos de forma isolada pelo poder público. Ou,
ainda, terem preços repactuados. Mas o efeito da inidoneidade, na
verdade, é o impedimento de as companhias disputarem futuras licitações.
Ou seja, a barreira diz respeito a novas obras.
A inidoneidade é interpretada como medida extrema, e só seria tomada
após ser concedido espaço ao contraditório e à ampla defesa - o que
levaria ao menos um ano e ainda poderia ser alvo de discussões na
Justiça. No caso das empreiteiras investigadas, as justificativas mais
prováveis para essa penalização são as práticas de cartel e
superfaturamento.
Em um cenário extremo - caso todas as envolvidas nas investigações da
Lava-Jato (Odebrecht, Camargo Corrêa, Queiroz Galvão, UTC, OAS, Engevix
e Galvão Engenharia) sejam realmente declaradas inidôneas - o país
ainda teria alternativas. "As grandes empresas hoje são integradoras, muitas apenas gerenciam
outras empreiteiras. São gestoras de obras. Que elas têm expertise, não
há duvidas. Mas há várias outras empresas que executam obras e que podem
fazer interface com outras empresas e com o setor público", diz Cláudio
Frischtak, da Inter.B Consultoria Internacional de Negócios.
Há mais de dez empresas de engenharia e construção que atualmente não
constam como alvo das investigações e que têm receita líquida superior a
R$ 1 bilhão no Brasil. Entre elas, estão Andrade Gutierrez, Carioca
Christiani-Nielsen Engenharia, Construcap, Contern, Somague e MPE. O que causa dúvida é quantas dessa empresas têm expertise e
capacidade financeira para tocar grandes obras. A empreiteira deve ter
disponibilidade de caixa - pois, no caso de contratos públicos (por meio
da Valec, por exemplo), o governo federal costuma fazer os desembolsos
às construtoras à medida que a obra é feita, e não antecipadamente.
Ainda assim, a exigência de recursos próprios não são considerados tão
expressivos em grande parte das vezes.
Mario Engler, professor de direito da infraestrutura da Fundação
Getúlio Vargas (FGV), é otimista. Ele acredita que o impedimento das
grandes empreiteiras vai fomentar a ascensão de outras companhias. "O
mercado vai se acomodar e vão surgir outros players", diz. "Não acho que
o Brasil está tão dependente dessas empresas [grandes empreiteiras]
como pode parecer. Elas têm muito poder, mas o país não deve se
comportar como refém delas. Acho precipitado dizer que o Brasil vai
parar".
Outra medida apontada pelos especialistas é facilitar a abertura do
mercado de engenharia e construção a grupos estrangeiros. Há ao menos 11
empreiteiras maiores do que a Construtora Norberto Odebrecht (maior do
país) ao redor do mundo em termos de receita. Entre elas, segundo a
revista especializada Engineering News-Record (ENR), estão a espanhola
ACS, a alemã Hochtief, as americanas Bechtel e Fluor, as francesas Vinci
e Technip e a sueca Skanska. Outros grandes que, inclusive, já atuam
no Brasil são Ferrovial, Acciona e Isolux Corsán.
Apesar de um bom cenário macroeconômico no país ser mencionado como
condição para atração de estrangeiras, um exemplo recente mostra que há
interesse das companhias de fora por obras no país. Neste ano, foi
iniciada uma licitação internacional em São Paulo para a construção do
túnel submerso Santos-Guarujá - que custará R$ 3 bilhões, segundo o
governo paulista. A disputa atraiu nove empresas estrangeiras, em
consórcios com brasileiras, sendo três da Espanha (Ferrovial Agroman,
FCC e Acciona), três da Itália (Salini Impregilo, Grandi Lavori Fincosit
e Ing. E. Mantovani), uma da Holanda (Strukton), uma da Coreia do Sul
(Daewoo) e uma da Turquia (Nurol Insaat VE Ticaret).
As empresas estrangeiras também têm um atrativo "extra", que é o
maior cuidado com regras de compliance - principalmente no caso das
americanas, onde a legislação anticorrupção é mais rígida. No Brasil,
essa prática entre as empreiteiras ainda é muito superficial, quando
existente. Shin Jae Kim, sócia da área de compliance e investigação do
escritório de advocacia Tozzini Freire, diz que hoje não há impedimentos
legais para empreiteiras de fora atuarem no país. Outros especialistas,
no entanto, apontam que há empecilhos burocráticos para elas.
Entre as
dificuldades apontadas, estão o cumprimento de exigências de editais
como a requisição de experiência em grandes obras dentro do país (algo
impossível para estreantes de fora) e a obtenção de documentos de
homologação nos conselhos regionais de engenharia (os CREAs).
"Esses escândalos mostram que há algo profundamente errado no setor,
tanto se as empresas são achacadas ou se elas estimulam isso. Temos que
abrir esse mercado. É possível que o sistema de licitações possibilite
uma abertura", diz Frischtak, da Inter.B. "A hipótese de todas essas
empresas serem declaradas inidôneas e o governo romper unilateralmente é
um fato [ainda a ser verificado]. Mas o país não pararia", diz o
economista. (Valor Econômico)