sexta-feira, 10 de agosto de 2018

CEPAL denuncia ‘falsa dicotomia’ entre proteção ambiental e desenvolvimento econômico

CEPAL denuncia ‘falsa dicotomia’ entre proteção ambiental e desenvolvimento econômico


Na sede da ONU, em Nova Iorque, a chefe da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), Alicia Bárcena, convocou os países da região a ratificar o novo acordo ambiental sobre informação, participação e justiça. Firmado em 4 de março, em Escazú, na Costa Rica, o documento vinculante foi elogiado pela dirigente por redefinir as relações entre Estado, mercado e sociedade.
Foco de queimada no Brasil. Foto: Agência Brasil/Renato Araújo
Foco de queimada no Brasil. Foto: Agência Brasil/Renato Araújo

Na sede da ONU, em Nova Iorque, a chefe da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), Alicia Bárcena, convocou os países da região a ratificar o novo acordo ambiental sobre informação, participação e justiça. Firmado em 4 de março, em Escazú, na Costa Rica, o documento vinculante foi elogiado pela dirigente por redefinir as relações entre Estado, mercado e sociedade.

“Nossos países estão refutando a falsa dicotomia entre proteção ambiental e desenvolvimento econômico. Não pode haver crescimento às custas do meio ambiente e esse não pode ser administrado se as economias e as pessoas forem ignoradas”, disse a secretária-executiva do organismo em evento paralelo ao Fórum Político de Alto Nível. Encontro teve a participação de delegações da França, Itália, Chile, Costa Rica e ONU Meio Ambiente.

Bárcena lembrou que o texto é fruto de nove rodadas de negociação, com participação significativa do público. Diálogos foram liderados pelos governos chileno e costa-riquenho, com a CEPAL desempenhando a função de secretariado técnico do processo de discussão.

O mecanismo — que é o primeiro acordo da região sobre temas ambientais — promove os chamados direitos de acesso. O marco normativo assegura que a população latino-americana e caribenha poderá reivindicar o acesso a dados sobre atividades que ameaçam os cidadãos; à participação em processos decisórios e de gestão ambiental; e à reparação, por meio de mecanismos jurídico-legais que garantam o ressarcimento de danos e perdas de recursos naturais.

“Seus principais beneficiários são as pessoas de nossa região, os grupos mais vulneráveis e as comunidades”, ressaltou Bárcena. “Também aborda a proteção dos defensores dos direitos humanos em assuntos ambientais, em uma região onde, lamentavelmente, essas pessoas são atacadas ou intimidadas com demasiada frequência.”

A chefe da CEPAL convocou os 33 países da América Latina e Caribe a ratificar o documento assim que o mecanismo for aberto para assinatura, em 27 de setembro, durante a próxima sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas.

UNESCO anuncia 24 novas reservas naturais em 20 países


UNESCO anuncia 24 novas reservas naturais em 20 países

Para proteger a vida silvestre do planeta, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) anunciou a criação de 24 novas reservas da biosfera. Pela primeira vez, Moçambique, na África, e Moldávia, na Europa, tiveram áreas de preservação reconhecidas pela iniciativa da agência da ONU. Zonas de conservação também foram definidas em outros 18 países.
Arquipélago de Quirimbas, em Moçambique, uma das novas reservas da biosfera da UNESCO. Foto: UNESCO
Arquipélago de Quirimbas, em Moçambique, uma das novas reservas da biosfera da UNESCO. 
Foto: UNESCO

Para proteger a vida silvestre do planeta, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) anunciou em julho (25) a criação de 24 novas reservas da biosfera. Pela primeira vez, Moçambique, na África, e Moldávia, na Europa, tiveram áreas de preservação reconhecidas pela iniciativa da agência da ONU. Zonas de conservação também foram definidas em outros 18 países.
Com a decisão do organismo internacional, sobe para 686 o número de sítios naturais que integram a Rede Mundial de Reservas da Biosfera. O programa da UNESCO visa reconciliar a atividade humana com o meio ambiente, promovendo a gestão sustentável dos recursos naturais.
“Esses sítios são laboratórios de interação harmoniosa entre as pessoas e a natureza, tornando possível avanços nas ciências e no conhecimento tradicional”, afirmou a chefe da agência da ONU, Audrey Azoulay, em pronunciamento para divulgar a nova lista.
O organismo internacional reconheceu reservas na África do Sul, Burkina Faso, Cazaquistão, com duas novas áreas, China, Coreia do Norte, Coreia do Sul, Equador, Emirados Árabes, Eslovênia, Espanha, Holanda, Índia, Indonésia, com três novas reservas, Irã, Itália, também com dois novos sítios, Madagascar, Rússia e Tanzânia.
Espécie da reserva do Baixo Prut, na Moldávia. Foto: UNESCO
Espécie da reserva do Baixo Prut, na Moldávia. Foto: UNESCO

“Elas (as áreas do programa da UNESCO) facilitam o compartilhamento de saberes, promovem a interação entre ciência e sociedade e ajudam a trazer melhorias concretas nas vidas das populações locais”, completou Audrey.

Na Moldávia, a recém-declarada reserva do Baixo Prut cobre uma área de ecossistemas de florestas, de padro e aquáticos. A agricultura garante 90% da renda dos moradores da região.

Em Moçambique, o sítio reconhecido pela UNESCO é o arquipélago de Quirimbas, formado por 11 ilhas que são o lar de 3 mil espécies de flores. Dessas, mil são endêmicas, ou seja, não existem em nenhuma outra parte do mundo. A região também abriga 447 espécies de pássaros, 23 de répteis e 46 de mamíferos terrestres, incluindo elefantes, leões, búfalos e leopardos, além de oito espécies de mamíferos marinhos, como baleias e golfinhos.

A UNESCO lembra que os ecossistemas não apenas são a base para atividades como pesca, agricultura, acasalamento de animais e turismo, mas também funcionam como habitats para aves migratórias e espécies raras ou em perigo.


  Acesse a lista completa de novas reservas clicando aqui.

Mudar padrões de produção e consumo pode ser antídoto contra obesidade, diz FAO



Temas como a demanda global de alimentos, a epidemia de obesidade e as novas tendências de mercado foram abordados pelo diretor-geral da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), o brasileiro José Graziano da Silva, durante congresso promovido pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) na terça-feira (31). 


“O maior problema do mundo já não é mais a fome, a fome hoje é algo bem equacionado, a gente sabe onde está, e sabe por que. Ela está basicamente nas regiões de conflito e seca”, declarou.
“Uma epidemia que afeta tantos países desenvolvidos, como os em desenvolvimento, é a obesidade, que é uma questão ainda não equacionada e que vai afetar o futuro da alimentação de uma maneira que nós ainda não conseguimos dizer”, alertou.
Extinguir a fome no mundo; alcançar a segurança alimentar e melhoria da nutrição e promover a agricultura sustentável são ações que sintetizam o Objetivo 2 do Desenvolvimento Sustentável (ODS). Foto: ONU Meio Ambiente
Extinguir a fome no mundo; alcançar a segurança alimentar e melhoria da nutrição e promover 
a agricultura sustentável são ações que sintetizam o Objetivo 2 do Desenvolvimento 
Sustentável (ODS). Foto: ONU Meio Ambiente

Temas como a demanda global de alimentos, a epidemia de obesidade e as novas tendências de mercado foram abordados pelo diretor-geral da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), o brasileiro José Graziano da Silva, durante a 56º edição do Congresso da Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural (SOBER), promovido pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) na terça-feira (31).

Na ocasião, Graziano citou prognóstico lançado pela FAO em relatório conjunto com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) em julho deste ano, em Paris, no qual se preveem desafios impostos pelo crescimento populacional em todos os níveis da segurança alimentar – não apenas aqueles relacionados à fome, mas também às outras formas de má nutrição.

“O maior problema do mundo já não é mais a fome, a fome hoje é algo bem equacionado, a gente sabe onde está, e sabe por que. Ela está basicamente nas regiões de conflito e seca”, declarou.

“Uma epidemia que afeta tantos países desenvolvidos, como os em desenvolvimento, é a obesidade, que é uma questão ainda não equacionada e que vai afetar o futuro da alimentação de uma maneira que nós ainda não conseguimos dizer. Hoje, projetar o consumo da demanda de commodities ao passo do crescimento da população parece um erro”, alertou.
Dentro desse contexto, o diretor-geral da FAO destacou a importância de se olhar para novas visões de logística, transporte e armazenamento que podem ter efeitos sobre a demanda por alimentos e o combate a má nutrição.

Ainda segundo Graziano, as tendências da “gourmetização” da alimentação caseira, com pessoas querendo cozinhar cada vez mais e melhor em casa, cultivando seus próprios temperos e atentos para a qualidade e para o preço do que consomem, devem mudar, cada vez mais, as formas de produção e a dinâmica do mercado.

Tais mudanças também podem trazer, aos poucos, impactos positivos na epidemia da obesidade. Nesse contexto, ele citou a popularização da quinoa. “O produto fresco, legumes, verduras, carnes, são fundamentais em uma dieta para prevenir a obesidade. Na Europa, ninguém come mais para matar a fome, come por prazer. É o gourmet que influencia”.

“A FAO atuou maciçamente para colocar a quinoa no mercado internacional. Hoje, é parte desse mercado gourmet. Quinoa que aqui você compra por menos de um dólar, na Europa não compra por menos de 10. Essa logística, essa transformação da marca, esse lado gourmet do prazer da alimentação, conectado à questão da obesidade, pode transformar completamente a forma da produção da alimentação do futuro”, concluiu.

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Chefe ambiental da ONU pede mais esforços contra mudanças climáticas e destruição da natureza

Chefe ambiental da ONU pede mais esforços contra mudanças climáticas e destruição da natureza


Em entrevista às Nações Unidas, o chefe da ONU Meio Ambiente, Erik Solheim, cobrou que países e setor privado acelerem esforços contra as mudanças climáticas e a perda de vida silvestre. Dirigente lembrou que 2017 foi o primeiro ano em que a energia solar gerou mais eletricidade do que o uso de petróleo, carvão e gás somados. Marco histórico deve estimular mudanças mais amplas rumo a modelos de crescimento econômico sustentáveis.
Elefante na selva, em Gana. Foto: Banco Mundial/Arne Hoel
Elefante na selva, em Gana. Foto: Banco Mundial/Arne Hoel


Em entrevista às Nações Unidas, o chefe da ONU Meio Ambiente, Erik Solheim, cobrou que países e setor privado acelerem esforços contra as mudanças climáticas e a perda de vida silvestre. Dirigente lembrou que 2017 foi o primeiro ano em que a energia solar gerou mais eletricidade do que o uso de petróleo, carvão e gás somados. Marco histórico deve estimular mudanças mais amplas rumo a modelos de crescimento econômico sustentáveis.

Solheim apontou avanços no uso de fontes renováveis e lembrou que a Índia já tem um aeroporto mantido apenas com energia solar. Localizado no sul do gigante asiático, o Aeroporto Internacional de Cochin é maior do que todos os aeroportos da África, com a exceção dos encontrados na África do Sul.

Nos Estados Unidos, o número de empregos no setor de energia solar já é cinco vezes maior do que a quantidade de vagas no setor de carvão, acrescentou o diretor-executivo da ONU Meio Ambiente.

O especialista também chamou atenção para conquistas na proteção da natureza e dos animais. Na Indonésia, políticas de conservação reduziram em quase 90% o desmatamento das zonas de turfa, uma cobertura vegetal que consegue armazenar quantidades significativas de dióxido de carbono. A


China suspendeu todo o comércio de marfim, o que deve fragilizar o mercado de caçadores na África.
“Estamos indo na direção certa, mas realmente precismos acelerar”, alertou Solheim, que lembrou o recente caso de uma baleia encontrada na Tailândia, com 80 sacolas plásticas em seu estômago.


O dirigente espera que a Conferência de Beijing de 2020 produza resultados tão concretos para a proteção da biodiversidade quanto o Acordo de Paris. O encontro na China marca a 15ª Conferência das Partes da Convenção da ONU sobre Diversidade Biológica. Durante a reunião, países avaliarão o cumprimento das metas do Protocolo de Cartagena e do Protocolo de Nagoia, mecanismos internacionais de proteção da vida silvestre.

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Estudo publicado na revista Nature alerta para o colapso da biodiversidade global

Estudo publicado na revista Nature alerta para o colapso da biodiversidade global


Estudo publicado na revista Nature ressalta que 3/4 de todas as espécies do planeta estão nos ecossistemas tropicais

Um artigo publicado na revista Nature indica que apenas medidas urgentes podem reverter a perda de espécies nos ecossistemas tropicais, que concentram mais de 3/4 de todas as espécies do planeta, incluindo aves e corais. Segundo o estudo, realizado por pesquisadores de instituições de oito países, incluído o Museu Goeldi, os trópicos ocupam apenas 40% do planeta. Contudo, abrigam mais de 90% das espécies de aves existentes. A maioria dessas espécies não é encontrada em nenhum outro lugar, e milhares de outras ainda são desconhecidas da ciência.
“No atual ritmo de descrição de novas espécies – em torno de 20 mil por ano – podemos estimar mais 300 anos para catalogar a biodiversidade do planeta”, afirma a pesquisadora Cecília Gontijo Legal, do Museu Goeldi.
Junto com uma equipe de cientistas do Brasil, África do Sul, Austrália, China, Estados Unidos, Japão, Reino Unido e Suécia, ela é uma das autoras do estudo – primeira síntese detalhada do estado dos ecossistemas tropicais mais diversos do planeta: florestas, savanas, lagos e rios e recifes de corais.

Pressões e florestas silenciosas

Em todos os ecossistemas tropicais, muitas espécies são ameaçadas duplamente por pressões humanas. A pesca predatória ou a extração seletiva de madeira, que privilegia espécies de alto valor comercial, causando a degradação de extensas áreas, são alguns exemplos. As ameaças se agravam quando se considera o impacto dos fenômenos climáticos de larga escala, como secas e ondas de calor.
De acordo com o ornitologista Alexander Lees, da Universidade Metropolitana de Manchester (Reino Unido), a captura massiva de animais selvagens ilegalmente traficados resultou na perda anual de milhões de indivíduos de espécies conhecidas, como o bicudo (Sporophila maximiliani), o bicudinho (Sporophila crassirostris), o cardeal-amarelo (Gubernatrix cristata) e o pintassilgo-do-nordeste (Spinus yarrelli).
“A captura massiva também afetou muitas outras espécies sobre as quais pouco sabemos. Várias espécies de pequenas aves cantoras estão em risco iminente de extinção global, por exemplo. Por conta disso, as florestas tropicais onde vivem estão cada vez mais silenciosas”, alerta Lees.

Humanidade afetada

O pesquisador Jos Barlow, da Universidade de Lancaster (Reino Unido), lembra que a degradação dos ecossistemas tropicais ameaça também o bem-estar de milhões de pessoas em todo o planeta. “Embora cubram apenas 0,1% da superfície do oceano, os recifes de corais fornecem recursos pesqueiros e proteção costeira para 200 milhões de pessoas. Da mesma forma, florestas e savanas tropicais armazenam 40% de todo o carbono encontrado na biosfera terrestre e são determinantes para a ocorrência de chuvas em algumas das regiões agrícolas mais importantes do planeta”, ressalta.

Soluções

Além de qualificar um problema de escala global, o estudo também aponta ações necessárias para recuperar e proteger esses ecossistemas vitais. “Esses ambientes têm sido o lar e o refúgio da esmagadora maioria da biodiversidade da Terra por milhões de anos. Em países como o Brasil, boa parte da solução passa por fortalecer as instituições de pesquisa nos trópicos. Apesar de algumas exceções notáveis, a grande maioria dos dados e pesquisas relacionados à biodiversidade está concentrada em países desenvolvidos e não tropicais”, afirma a pesquisadora Joice Ferreira, da Embrapa Amazônia Oriental.

Rede Amazônia Sustentável

Os autores do estudo fazem parte da Rede Amazônia Sustentável (RAS), formada por cientistas de dezenas de instituições do Brasil e do exterior, sob a liderança da Embrapa Amazônia Oriental, Museu Paraense Emílio Goeldi, Universidade de Lancaster (Reino Unido) e Instituto Ambiental de Estocolmo (Suécia).
Um artigo publicado na revista Nature indica que apenas medidas urgentes podem reverter a perda de espécies nos ecossistemas tropicais, que concentram mais de 3/4 de todas as espécies do planeta, incluindo aves e corais. Segundo o estudo, realizado por pesquisadores de instituições de oito países, incluído o Museu Goeldi, os trópicos ocupam apenas 40% do planeta. Contudo, abrigam mais de 90% das espécies de aves existentes. A maioria dessas espécies não é encontrada em nenhum outro lugar, e milhares de outras ainda são desconhecidas da ciência.
“No atual ritmo de descrição de novas espécies – em torno de 20 mil por ano – podemos estimar mais 300 anos para catalogar a biodiversidade do planeta”, afirma a pesquisadora Cecília Gontijo Legal, do Museu Goeldi.
Junto com uma equipe de cientistas do Brasil, África do Sul, Austrália, China, Estados Unidos, Japão, Reino Unido e Suécia, ela é uma das autoras do estudo – primeira síntese detalhada do estado dos ecossistemas tropicais mais diversos do planeta: florestas, savanas, lagos e rios e recifes de corais.
Fonte: Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI)
Referência:
The future of hyperdiverse tropical ecosystems
Jos Barlow, Filipe França, Toby A. Gardner, Christina C. Hicks, Gareth D. Lennox, Erika Berenguer, Leandro Castello, Evan P. Economo, Joice Ferreira, Benoit Guénard, Cecília Gontijo Leal, Victoria Isaac, Alexander C. Lees, Catherine L. Parr, Shaun K. Wilson, Paul J. Young & Nicholas A. J. Graham
Nature, volume 559, pages 517–526 (2018)
DOI: 10.1038/s41586-018-0301-1
https://www.nature.com/articles/s41586-018-0301-1

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 09/08/2018

[CC BY-NC-SA 3.0][ O conteúdo da EcoDebate pode ser copiado, reproduzido e/ou distribuído, desde que seja dado crédito ao autor, à EcoDebate e, se for o caso, à fonte primária da informação ]

‘Todos os instrumentos da economia verde obedecem à mesma lógica perversa da financeirização’, entrevista com Amyra El Khalili




Por Gabriel Brito, da Redação, Correio da Cidadania


O debate ambiental tem tudo para ser escamoteado ou repetir velhas tergiversações sobre desenvolvimento e sustentabilidade no cenário eleitoral que começa a se aquecer. Mais ainda no que tange a chamada economia verde, conceito ainda novo para o público. Colunista do Correio da Cidadania, a economista e ativista socioambiental Amyra el Khalili acaba de lançar o e-book Commodities Ambientais em Missão de Paz – novo modelo econômico para América Latina e Caribe. Como até o título sugere, não se trata de um debate de fácil apreensão. Nesta entrevista, tratamos de trazer tais conceitos à luz.

“As commodities ambientais são o oposto das commodities convencionais por fazerem contraponto aos critérios de padronização e comercialização, ao questioná-los tecnicamente confrontando os números e estatísticas das grandes escalas de produção, incluindo as variáveis sociais e ambientais e principalmente as reinvindicações dos que são os legítimos representantes de sua ‘eminência parda, O Mercado’, ou seja, os produtores e consumidores que somos todos e todas nós”, explicou.

Na extensa entrevista, Amyra el Khalili também critica os limites do discurso ambientalista majoritário, pois em sua visão coloca motes de fácil assimilação – como “água não é mercadoria” – acima da análise do modelo de produção e consumo no qual estamos todos inseridos. Do outro lado, trata de precisar as diferenças entre mercados financeirizados e oligopolizados daqueles que envolvem produtores e consumidores de pequena escala, em nome de quem sempre se estimulam os instrumentos de economia sustentável, mitigação de danos, compensações ambientais etc.

“Uma coisa é financiar um projeto de mitigação (redução de emissões), a outra é emitir títulos para as Bolsas ou negociar commodities nas Bolsas. São coisas diferentes, têm funções diferentes; não deveriam se fundir e muito menos se confundir. Ocorre que com os instrumentos da economia verde citados anteriormente, estão fundindo e confundindo propositadamente os contratos em uma arquitetura financeira perigosa. 

Mitigar não ocorre da noite para o dia, leva anos e anos, e muitos que estão assinando contratos, acordos e projetos nem estarão vivos para saber seus resultados, comprometendo assim o patrimônio ambiental e cultural das presentes e futuras gerações, como é o caso das terras dos povos indígenas e tradicionais”, analisou.


A entrevista completa com Amyra El Khalili pode ser lida a seguir.
Commodities Ambientais em Missão de Paz – novo modelo econômico para América Latina e Caribe
Correio da Cidadania: Começando pelo título do livro, o que são commodities ambientais e quais suas finalidades na economia atual?


Amyra El Khalili: Primeiramente, é preciso compreender o que são “commodities” para depois definirmos o que são “commodities ambientais”. Commodities são mercadorias padronizadas para compra e venda que adotam critérios internacionais de comercialização em mercados organizados (bursáteis, ou seja, de Bolsas de Mercadorias e de Futuros). Hoje classificamos as produções convencionais em commodities agropecuárias (soja, milho, café, boi, cana, cacau, açúcar etc.) e commodities minerais (petróleo, gás, ouro, prata, cobre, ferro etc.).
 

Foi justamente com o objetivo de questionar como se dão esses “critérios” de padronização e seu modus operandi que passei a estudar o binômio “água e energia” e cunhei a expressão “commodities ambientais”. Fui operadora de commodities e de futuros por mais de duas décadas, treinei e capacitei operadores para as corretoras, passei a ser estrategista em engenharia financeira, estruturei e montei quatro corretoras associadas à Bolsa de Mercadorias & de Futuros (antiga BM&F), na década de 90 negociava duas toneladas de ouro por dia nos mercados spot (à vista) e derivativos (futuros) até chegar à condição de consultora da BM&F assessorando-a na implantação de instrumentos econômico-financeiros, como, por exemplo, o contrato futuro de soja em grão a granel. Fiz a rota da soja no Brasil para o lançamento deste contrato futuro de soja. Como conheço essa engrenagem por dentro, sei separar produção de finanças como também identificar quando produção e finanças se “fundem e confundem”.


As commodities ambientais são o oposto das commodities convencionais por fazerem contraponto aos critérios de padronização e comercialização, ao questioná-los tecnicamente confrontando os números e estatísticas das grandes escalas de produção, incluindo as variáveis sociais e ambientais e principalmente as reinvindicações dos que são os legítimos representantes de sua “eminência parda, O Mercado”, ou seja, os produtores e consumidores que somos todos e todas nós, pagadores de impostos e taxas, além de pagarmos também as exorbitantes taxas de juros praticadas no Brasil quando recorremos a empréstimos e financiamentos.

Assim sendo as “commodities ambientais” são mercadorias originárias de recursos naturais, produzidas em condições sustentáveis, e constituem os insumos vitais para a indústria e a agricultura. Estes recursos naturais se dividem em sete matrizes: 1. água; 2. energia, 3. biodiversidade; 4. floresta; 5. minério; 6. reciclagem; 7. redução de emissões poluentes (no solo, na água e no ar). As commodities ambientais estão sempre conjugadas a serviços socioambientais – ecoturismo, turismo integrado, cultura e saberes, educação, informação, comunicação, saúde, ciência, pesquisa e história, entre outras variáveis que não são consideradas nas commodities convencionais.

Enquanto as commodities convencionais (agropecuárias e minerais) se concentram em alguns poucos produtos da pauta de exportação com escalas de produção, com alta competividade e tecnologia de ponta (transgenia, nanotecnologia, biologia sintética, geoengenharia etc.) nas commodities ambientais desenvolvemos critérios de produção alternativa como a agroecologia, a orgânica, a permacultura, a biodinâmica, a agricultura de subsistência consorciada com pesquisa de fauna e flora, como as plantas medicinais, exóticas e em extinção. Exemplifico a pesquisa com o banco de germoplasma do bioma macaronésia (misto de bioma amazônico com mata atlântica).

É o caso da semente de linho e das tinturas resgatadas pelo banco de germoplasma para bordados tradicionais da Ilha da Madeira em Portugal que foram clonados pelos chineses e industrializados. O mercado foi inundado por falsificação chinesa dos bordados da Ilha da Madeira. Resultado: as bordadeiras já não querem mais ensinar suas filhas o ofício por serem exploradas pela industrialização e por empresários que exportam seus bordados para boutiques e pagam uma miséria para as bordadeiras.

Outra contradição: enquanto na Amazônia combatemos a biopirataria, nos países do norte pesquisam as sementes e espécies para recuperar o que degradaram e desmataram. São essas contradições, seus paradoxos e reflexões entre problemas e soluções que estamos debatendo e analisando ao construir coletivamente o conceito “commodities ambientais”. As commodities ambientais são como um espelho diante da face do sistema financeiro para que possamos enxergar em tempos de trevas alguma luz no fim do túnel, propondo um modelo de transição à economia de mercado em sua fase neoliberal (neo = novo; liberal = livre mercado).

Ora se vivemos em uma economia onde quem comanda é o livre mercado, por que somente os detentores de capital podem decidir sobre o que, como e de que forma devemos produzir e consumir? Se é livre para os capitalizados, por que deles somos reféns e estamos “presos”? Devemos ser eternamente “escravos do livre mercado”?

Se somos os que produzem, os que consomem, os que pagam impostos, taxas e os juros, por que temos que nos subordinar às regras de padronização e comercialização internacionais, fora de nossa realidade e ainda aceitar passivamente que esse mercado se “autorregule”?

No Brasil sabemos que o legislador é questionável e muitas vezes injusto; é quando a lei beneficia o réu (o degradador) e penaliza a vítima (o ambiente). E quando é conveniente para bancos e corporações, prevalece o negociado sobre o legislado.

Correio da Cidadania: Considera a exploração das commodities ambientais sustentável? Qual a “separação a se fazer do joio do trigo”, como a obra propõe?

Amyra El Khalili: As matrizes das commodities ambientais são recursos naturais e processos renováveis e não renováveis: a água, a energia, a biodiversidade, a floresta, o minério, a reciclagem, a redução de emissões de poluentes (no solo, na água e no ar). Não são mercadorias, não podem ser “comoditizadas” por se tratarem de bens difusos, de uso comum do povo.
As commodities ambientais são as mercadorias que se originam destas matrizes, por exemplo, o doce de goiaba da produtora de doces de Campos dos Goytacazes (RJ). A goiabeira é matriz. A goiaba é matéria prima, o fruto. A mercadoria é o doce de goiaba. A prestadora de serviços é a mulher doceira de Campos dos Goytacazes que aprendeu com a índia Goytacá a receita tradicional para fazer goiabada cascão. A mulher doceira se organiza em associação e cooperativa. A água e a energia como commodity ambiental, neste caso, é o insumo usado pela mulher doceira para produzir o doce de goiaba. Torna-se commodity ambiental quando essa mulher doceira cuida da bacia hidrográfica e trabalha com energia renovável e/ou maximizando o uso da água e da energia para poder produzir seu doce. É quando água e energia são captadas da natureza e passam para a cadeia produtiva.
Nas commodities ambientais trabalhamos as sete matrizes integradas ao aprendermos como funciona um ecossistema. Na natureza não há separação entre as matrizes porque a natureza está integrada. Se separamos em sete matrizes é para poder estudar e analisar os impactos socioeconômicos de seu uso justamente para não permitir a exploração desenfreada e nem o extrativismo industrializado como ocorreu no desastre ambiental com a mineração em Mariana, Minas Gerais.

Estamos falando de commodity, ou seja, de mercado organizado e não de extrativismo pura e simplesmente (sem organização social). Commodity não se dá na informalidade e nem é possível dizer que qualquer coisa vira commodity na ilegalidade e sem critério de padronização. Agora mercadoria pode ser lícita tanto quanto ilícita. A lista de coisas ilícitas que se tornam mercadorias é enorme, dá pano pra burca!

Na economia verde chamam os processos de serviços ecossistêmicos e ambientais. Ocorre que também não são “serviços”, já que a natureza não está a serviço dos humanos, não cobra por seus trabalhos. No conceito “commodities ambientais” estamos falando de “benefícios providenciais” e não de serviços ambientais.
Se alguém presta algum serviço nessa equação, é a bordadeira da Ilha da Madeira, a costureira, o extrativista, a quebradeira de coco de babaçu, o ribeirinho que pesca o peixe, a doceira que retira a goiaba mantendo a goiabeira em pé e plantando uma muda de goiabeira ao lado da árvore que extraiu o fruto, os povos indígenas e tradicionais que protegem e guardam as florestas e as águas. Estes, sim, prestam serviços e deveriam ser devidamente remunerados por manter os “benefícios providenciais” que a natureza nos proporciona. Eles e elas trabalham para que tenhamos água em quantidade e qualidade, assim como o ar, a terra e o mar.
Correio da Cidadania: E os verdadeiros prestadores de serviço estão sendo excluídos dos benefícios econômicos?

Amyra El Khalili: A academia e as grandes ONGs têm por hábito criar novas expressões e palavras-chaves para desviar a atenção do principal, tanto os que defendem o neoliberalismo quanto os que o criticam. É muita tergiversação política, distorção e enviesamento das bandeiras e justas causas que defendemos e discutimos no mundo real. Mas o povo não é bobo. É bom, mas não é bobo. Como disse uma liderança Jaminawá “capivara é capivara, paca é paca, cobra é cobra e nem vem com esses nomes complicados que a gente não sabe o que é, pra gente as coisas são simples”.

Se usamos a palavra-expressão “commodities” é porque dominamos o assunto e estamos rebatendo argumentos frouxos e inconsistentes. Derrubando mitos que se apresentam como verdades absolutas e inquestionáveis. Quem nos ouve e nos lê com atenção entende perfeitamente o que estamos falando.

Também nunca soube de um investidor que colocasse dinheiro em algo que não entendesse, pelo contrário, se o fazem sem entender é porque estão sendo enganados. Enganar pessoas é estelionato (abuso da boa fé do indivíduo) e se tiver papéis com palavras-expressões enroladas, certificadores duvidosos, auditores incompetentes (na melhor das hipóteses) é fraude. Se tiver juros impraticáveis e escorchantes, é agiotagem. Daí a coisa sai da esfera, do campo técnico e ideológico e passa à condição de jurídico-econômico. Nessa última hipótese, é crime.
Portanto, estamos entrando no território do direito penal, mais especificamente no direito ambiental e no direito humano sem perder de vista que estamos tratando também com direito econômico, tributário e fiscal. É matéria multidisciplinar e não dá para uma única mortal se rogar de doutora no tema. Eu não me atreveria a tanta prepotência!

Senão vejamos, quando privatizaram a Vale do Rio Doce o que venderam? Uma empresa estatal? Não, venderam as riquezas do subsolo, o bem público, o minério explorado pela Vale do Rio Doce que passou a ter acionistas estrangeiros e se submeter às regras de mercado (ou a falta delas!). Aqui estou falando de mercado financeiro e não do mercado como um todo que somos todos nós, produtores e consumidores de bens e serviços.
Quando leiloaram o pré-sal, entregaram para exploração de outros países em território brasileiro o bem comum do povo, o petróleo. Eu respondo sua pergunta com outra pergunta: é viável?

Tomemos como fato a recente greve dos caminhoneiros. Ao indexarem os preços dos combustíveis ao preço praticado nas bolsas internacionais, as bombas de gasolina e álcool nos postos passaram à condição de corretores e cambistas, com reajustes de preços diários e inesperados.

É impossível conviver com uma situação dessas quando nem os caminhoneiros conseguem saber o que estão pagando para continuarem na estrada; quando nem seus salários estão garantidos e ainda correm riscos de vida com assaltos e péssimas condições de trabalho com a frota sucateada ou como vão pagar as prestações dos caminhões novos que compraram.
Quando propomos “as commodities ambientais” estamos falando de alternativas de geração de emprego e renda para os que vivem da mineração, da exploração desenfreada do bem comum, pois os argumentos das mineradoras e do agronegócio são de que tal atividade extrativista gera emprego e renda, traz divisas (dinheiro de investidores estrangeiros) para o país. Mas sabemos que as empresas multi e transnacionais que se estabelecem no Brasil vêm aqui em busca de insumos (água e energia), de matéria prima (minério e produtos agropecuários) e mão de obra barata ou mesmo de graça e escravizada.

Eles trazem seus funcionários bem pagos do exterior, altamente capacitados falando duas ou mais línguas, com mestrados e doutorados, não contratam mão de obra regional, exploram o ambiente local com a cumplicidade de políticos. Assim privatizam-se os lucros e socializam-se os prejuízos.
Imagem relacionada A professora e economista Amyra el Khalili


Correio da Cidadania: Nesse sentido, em textos no Correio da Cidadania você escreve provocativamente que água, energia e alimentos são, sim, mercadoria, a despeito dos slogans mais famosos em movimentos sociais ou do discurso de grupos e partidos. Como explicar isso?
Amyra El Khalili: Pois digo que é bem o contrário dessas campanhas que vêm de fora para dentro, cunhadas por ONGs internacionais quando a palavra commodities traduzida ao pé da letra significa mercadoria. Querendo “padronizar as campanhas” para que sejam usadas em todos os continentes, as ONGs cometem um equívoco e alimentam mais ainda a confusão entre produção e finanças. Eles fazem a mesma coisa que os colonizadores que tanto criticam fizeram: nos submetem a sua voz de comando sem nos perguntar se essas expressões nos servem para dizer o que gostaríamos de dizer.

Explico: commodities é palavra-expressão utilizada em finanças e podem ser bem mais que simples mercadorias, dependendo de como é usada e em que contexto está sendo empregada, como o agronegócio em suas propagandas quando afirma que o Brasil se tornou o maior exportador de soja com o boom das commodities, tendo os chineses comprando nossa produção, tanto quanto os que dizem que “tudo vai virar commodity” sem explicar como é possível essa metamorfose desconsiderando que ainda temos uma Constituição Federal com o artigo 225, além do direito econômico, tributário e fiscal.

Eis a síntese do texto: o bem ambiental é definido pela Constituição como sendo “de uso comum do povo”, ou seja, não é bem de propriedade pública, mas sim de natureza difusa, razão pela qual ninguém pode adotar medidas que impliquem gozar, dispor, fruir do bem ambiental ou destruí-lo. Ao contrário, ao bem ambiental, é somente conferido o direito de usá-lo, garantindo o direito das presentes e futuras gerações.
Estão usando a palavra-expressão commodities de forma enviesada, distorcida e descontextualizada ou simplesmente jogando a palavra-expressão de um lado para outro sem aprofundar o debate que está em curso há décadas, desta forma, desviando a atenção do principal e na maioria das vezes invertendo o sentido de nossas colocações, demonstrando que não sabem do que estão falando e que desconhecem os gargalos das cadeias produtivas de bens e serviços.

Correio da Cidadania: Mercantilização da Natureza?

Amyra El Khalili: Desde que o primeiro colonizador meteu os pés neste continente latino-americano caribenho, a natureza foi mercantilizada. Estamos em outra fase: a da militarização da natureza. Sem dúvida é inquestionável que o objetivo da “militarização” é para seguir mercantilizando tudo e qualquer coisa, da natureza a vida – aliás, seria hipocrisia dizer que esta ainda não foi mercantilizada. Já se vão mais de 500 anos de colonização mercantil e ninguém fez nada. A cada governo, seja de direita ou esquerda, reproduz-se o mesmo “modus operandi”. Proferi palestra na sede do BNDES (em 2000) promovida pelo governo dos EUA a falar sobre o Plano Colômbia, quando jogaram veneno nas plantações de coca, papoulas, maconha, que além de matar a terra atingiram a população com graves sequelas.

Alguém citou essa fala nos relatórios? Nada! O que os jornalistas escreveram na “grande imprensa” foi apenas o que interessava ao mercado de carbono, mas não escreveram o que disse sobre a necessidade de criar alternativas agroecológicas para os pobres campesinos (as) que plantam coca, maconha e papoulas (BERNA, Vilmar 2018).

Desta forma sou solidária com as propostas do “Comunicado do Componente da FARC no Programa Nacional Integral de Substituição de Cultivos de Uso Ilícito (PNIS)”. Se queremos paz nas florestas, nos campos, nas montanhas e nas águas, temos de caminhar para as soluções dos problemas e não “problematizar mais e mais jogando gasolina onde já há incêndio”.

Como é possível explicar para Dona Maria, para Seu João, que alimento não é mercadoria se eles têm de comprar na feira, no supermercado, na padaria, no açougue a comida dos filhos? Como é possível explicar para minha mãe que água e energia não são mercadorias se as contas de água, luz, gás e combustível estão pela hora da morte?

Será que dá para a gente usar esse argumento com as Empresas-Estados que nos abastecem com água, luz e gás, que não são mercadorias? Que o Estado tem de nos prover de serviços que jamais deveriam ser mercantilizados como saúde, educação, segurança pública, previdência, entre outros que pagamos com impostos e taxas na hora que temos que quitar nossas dívidas? 

O funcionário que me atende no guichê pode me isentar desses pagamentos apenas com tal argumento?
Penso que as afirmações “água, energia e alimento não são mercadoria” não explicam nada para ninguém, a não ser para os funcionários públicos e os da academia que têm seus salários garantidos no fim do mês e podem dispor de bolsas de pesquisas para ficarem estudando e pesquisando, com despesas de viagens pagas pelo Estado ou por instituições para participarem de seminários, reuniões, encontros e palestras, enquanto a grande maioria, na qual me incluo, mal consegue manter seus empregos com seus diplomas de curso superior e algumas especializações. E veja você que não fiquei rica negociando commodities nas Bolsas. Sigo em caravana dando aulas em comunidades pobres, muitas vezes trabalho sem receber honorários.
Devemos sem dúvida alguma discutir a qualidade do que produzimos e consumimos, se o que comemos nos alimenta ou se o que pagamos tem preço justo, mas devemos evitar confundir mais ainda o que já está confuso e obscuro. Enfim, para quem estamos falando e com quem estamos dialogando? Essa é a pergunta que não quer calar.
Para os simples mortais, galinha é galinha, paca é paca, como diz sabiamente a liderança Jaminawá do Acre.
Correio da Cidadania: Você estabelece diálogo direto com o que chama de “eminência parda”, o mercado. Qual o grau de incidência deste ente nas políticas ambientais e como você descreve os instrumentos financeiros por ele desenvolvidos como incentivos de preservação ambiental?
Amyra El Khalili: Vamos identificar quem é sua eminência parda: o Mercado. Faço essa provocação depois de anos e anos ouvindo o sistema financeiro falar em meu nome sem me perguntar o que eu penso ou o que eu gostaria de dizer. Como operadora da Bolsa repetia todos os dias: o mercado subiu, o mercado caiu, o mercado está nervoso, o mercado está parado. E a gente nem se dá conta do que está dizendo de tão condicionados que ficamos nesse universo.
O mercado a que me refiro no e-book “Commodities ambientais em missão de paz”, como disse anteriormente, somos todos nós que produzimos e consumimos, e não o mercado financeiro, que absolutamente não produz nada e tem sobrevivido como parasita de rentismo e da especulação.

O colega Ladislau Dowbor esclarece esse imbróglio com rigor científico em seu indispensável livro “A era do capital improdutivo”. Ladislau também coordena um grupo de estudos sobre o tema “ financeirização” ao qual temos contribuído e apoiado por considerarmos importante a iniciativa de organizar uma frente que faça contraponto ao modelo neoliberal globalizado.

O atual sistema financeiro é que está determinando o que sua eminência parda, o Mercado, deve produzir e consumir. Por isso mesmo, se sentem à vontade de falar em nome de sua eminência parda, o mercado, de forma generalizada, sem separar mercado financeiro de mercado de trabalho, de mercado alternativo, de mercado de produção, de mercado de bens e serviços. Há mercados e mercados e distinguir produção de finanças é o primeiro passo para não confundirmos trigo com joio.

Por outro lado, acontece também que a economia que vivemos se estabeleceu (establishment) no paradigma mecanicista onde tudo tende a ser mercantilizado, com escalas de produção utilitárias e não como produção com valor de uso social. É evidente que qualquer instrumento econômico-financeiro que seja pensado nesse mesmo paradigma será usado para concentrar mais ainda o capital rentista (que vive de juros e não de produção) do que realmente ser usado para efetivamente financiar a produção. E consequentemente acabam sendo usados para financeirizar (endividar) os que produzem bens e serviços.

Portanto, as críticas aos instrumentos econômicos da economia verde, como Créditos de Carbono, REDD – Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação, Créditos de Efluentes, Créditos de Compensação, Pagamentos por Serviços Ambientais, Pagamentos por Serviços Ecossistêmicos etc. são pertinentes e merecem atenção. Principalmente que órgãos fiscalizadores e reguladores, bem como o Ministério Público, apurem as denúncias que estão sendo registradas em nossas redes de informação.

No entanto, não podemos generalizar e confundir gente séria e bem intencionada com oportunistas, especuladores e criminosos. Muitos acreditam ingênua e equivocadamente que tais instrumentos financiarão a transição de uma economia marrom para uma economia verde, e não estão compreendendo as armadilhas financeiras e jurídicas engendradas com operações que envolvem questões de ordem geopolítica casadas com terras e recursos naturais estratégicos, regulados e legislados com a cumplicidade de políticos para a implementação destes perigosos contratos financeiros e mercantis. É o pacote que vem da chamada economia verde ou economia de baixo carbono.

Correio da Cidadania: Ainda sobre tais instrumentos, que pensa de créditos de carbono e outras modalidades de compensação ambiental?

Amyra El Khalili: Escrevi o artigo “O que são créditos de carbono?” em 1998 (presente no e-book) para explicar a diferença entre títulos bursáteis (negociados em bolsas) e commodities (mercadoria padronizada) e esclarecer que “créditos de carbono” não podem ser “commodities ambientais”.

Questiono se há emissão de um título para que e para quem ele deveria servir? Se é um crédito seja do que for, como se pode usar-aplicar esse crédito?

Primeiramente, carbono não pode ser considerado mercadoria se a intenção é reduzir as emissões. Não existe conta para reduzir nada no sistema financeiro, somente para multiplicar. Confundem “sequestro de carbono” com “créditos de carbono”.


Na natureza, o sequestro de carbono é a fotossíntese. As plantas capturam o CO2 para depois eliminar o oxigênio. Em finanças não há como fazer essa equação. Ainda mais no mercado de commodities que está desregulamentado e hoje a Chicago Board negocia até 100 vezes a mesma saca de soja por ação de especuladores e manipuladores que nada têm a ver com a atividade produtiva. Tais ações distorcem os preços e prejudicam os financiamentos das lavouras, condicionando os agricultores a comprarem as tecnologias de ponta que os países do norte patentearam, como sementes, agrotóxicos, químicos, máquinas e equipamentos.

Uma coisa é financiar um projeto de mitigação (redução de emissões), a outra é emitir títulos para as Bolsas ou negociar commodities nas Bolsas. São coisas diferentes, têm funções diferentes; não deveriam se fundir e muito menos se confundir. Ocorre que com os instrumentos da economia verde citados anteriormente, estão fundindo e confundindo propositadamente os contratos em uma arquitetura financeira perigosa.


Suspeitamos que o fazem para se apropriarem de terras e recursos naturais estratégicos (bens comuns). Com a crise financeira internacional de 2008 após a quebra do Banco Lehman Brothers, os investimentos que estavam no subprime (hipotecas de residências) migraram para o que chamamos de subprime ambiental (hipotecas de terras).


Como disse, nenhum investidor coloca dinheiro naquilo que não conhece e nem assina contratos que não entende. Ainda mais com contabilidades complexas em contratos financeiros e mercantis que necessariamente devem medir a quantidade de carbono sequestrado. Como é feita a medição? Quem audita tal engenharia?


Se na academia há divergências do que pode ou não ser “sequestrado”, se especialistas a todo momento publicam estudos e relatórios que derrubam teses e projetos de carbono, em quem confiar tamanha tarefa para assinar acordos, contratos e projetos que envolvem bilhões e ainda alienam terras por 30, 40, 50 e até 100 anos?


Mitigar não ocorre da noite para o dia, leva anos e anos, e muitos que estão assinando contratos, acordos e projetos nem estarão vivos para saber seus resultados, comprometendo assim o patrimônio ambiental e cultural das presentes e futuras gerações, como é o caso das terras dos povos indígenas e tradicionais.

Correio da Cidadania: Enquanto não esse debate fica ausente do conhecimento público as experiências aqui criticadas avançam pelo Brasil.

Amyra El Khalili: Sim, e não precisamos ir até lá na Amazônia para verificar: aqui mesmo, em território paulista, as terras dos agricultores podem ficar em garantia por tantos anos e alienadas somente para receberem os trocos dos tais “serviços ambientais e ecossistêmicos”, seja de sequestro de carbono ou da gestão das águas de uma represa, cachoeira ou rio que passa dentro de uma propriedade ou fazenda? Será que não estão colocando em risco o patrimônio público (como são as terras indígenas e tradicionais da União) ou privado, como são as terras de meus avós maternos e paternos em Minas Gerais e na Palestina, para receberem um valor insignificante quando essas terras valem muito mais, não para serem exploradas à exaustão, mas por nos proporcionarem os “benefícios providenciais” que nos mantêm vivos, como água, ar e solo?

Analisando um contrato que estamos auditando, encontramos a seguinte cifra: contrataram uma consultora individual em capacitação para plantarem hortas comunitárias pela módica quantia de R$ 95.000,00 por 15 (quinze) meses; em contrapartida ofereceram a uma liderança indígena o valor de R$ 180.000,00 (para três aldeias) por ano em troca de assinarem um contrato de REDD+. Veja , a consultora individual recebe pouco mais da metade do valor oferecido para três aldeias. É uma discrepância absurda. Nunca recebemos essa módica quantia para capacitar comunidades nos cursos de commodities ambientais. Como estamos auditando, por segredo de justiça não vou revelar nomes.

Todos os instrumentos da economia verde obedecem a mesma lógica de outros contratos financeiros e mercantis tanto quanto a lógica dos empréstimos internacionais que escravizam a nossa economia, tais como os empréstimos do FMI, do Banco Mundial, dos Bancos Multilaterais para financiamento de obras públicas, de transporte e de saneamento básico. Basta olhar a quantidade de obras paradas cujos investimentos fizeram de estradas, trilhos e trens um monte de sucata.


Correio da Cidadania: O que pensa, em linhas gerais, dos conceitos de economia verde?
Amyra El Khalili: Participamos de várias frentes que se opõem ao modelo econômico-financeiro chamado “economia verde”. Somos contrários aos projetos de “economia verde” que vêm de cima para baixo e de fora para dentro, como a implementação de uma agenda de venda rápida, com objetivos como legislar, dar números e estatísticas.


Há três principais mercados mundiais ilícitos: o de armas, o do narcotráfico e o da biopirataria. Esse dinheiro passa pelo sistema financeiro – o verdadeiro responsável pelo financiamento do mercado de armas e de todo o aparato gerador de guerras e misérias. Defendemos projetos socioambientais que, focados na preservação e conservação ambiental, contribuem para a segurança pública, combatem as drogas, a violência contra a mulher, a criminalidade, a discriminação étnica, racial e religiosa, promovem a igualdade de gênero, concorrem para a geração de emprego, ocupação e renda.


Como alternativa, construímos coletivamente a economia socioambiental. Diferentemente da economia verde, a socioambiental passa por um processo de consulta à base popular, de ampla consulta pública e suficientemente lenta para ser entendida. O processo que adotamos é de baixo para cima e de dentro para fora. É, sobretudo, desvinculado da agenda de eleições. Todo trabalho de consulta e construção coletiva demora anos, dadas as dificuldades de chegar onde poucos conseguem, em regiões afastadas e sem acesso à comunicação, locais caracterizados por uma população que necessita de assistência e orientação sobre impactos socioambientais

Agimos em duas frentes: primeiro, ao orientar a respeito da produção de um projeto econômico, financeiro e jurídico com a mudança de paradigma; segundo, ao divulgar e publicar relatórios produzidos por formadores de opinião e lideranças que participaram de cursos e oficinas que aplicamos em parceria com universidades, centros de pesquisas e grupos locais, além de divulgar também os relatórios de outras frentes que apoiamos.

Os relatórios indicam o mapa da região, o perfil da população, as características do bioma, identificam as potencialidades alternativas da biodiversidade, entre outras informações relevantes. Dessa forma, podem apresentar os tipos de problemas a eles conectados, como o de água contaminada e o do enfrentamento de violência, de drogas, de degradação ambiental, exclusão e desigualdades sociais e propor soluções. É assim que se idealizam projetos socioambientais e se buscam maneiras de viabilizá-los.


Correio da Cidadania: A maior transparência sobre os conceitos de economia verde nos levaria a observar dilemas e jogos de interesse parecidos com os que o país em crise se defronta no momento?


Amyra El Khalili: Antes de idealizar um projeto socioambiental, é necessário que a sociedade seja devidamente informada, em linguagem de fácil compreensão, sobre questões técnico-científicas. Nossa proposta é questionar esse modelo econômico para que os atores sociais se informem melhor sobre as alternativas e riscos ao tomar suas decisões. Afinal, em casos como os dos projetos oriundos do mercado de carbono, recusar dinheiro é um direito, quando não um dever.


Vários casos poderiam ser citados. Por exemplo: com a divulgação do “Dossiê Acre”, demos visibilidade às denúncias feitas com projetos do mercado de carbono e pagamentos por serviços ambientais no Acre. Elaborado em 2012, o estudo não tinha ainda conseguido o merecido espaço na mídia e nos mais diversos fóruns de debate, como também se ignorava seu ponto de vista técnico, operacional, jurídico, socioeconômico, além de essas políticas de cima para baixo interferirem no modo de vida das comunidades indígenas, tradicionais e campesinas da região amazônica.


Temos, atualmente, mais de cinco mil distribuidores, multiplicadores e parceiros na produção e disseminação de informação. São essas parcerias e “nós de comunicação” que formam a “aliança” que ora completa mais de duas décadas de trabalho voluntário, sem recursos de empresas e de governos. Não somos a mídia. Representamos para a imprensa um contraponto. Apoiamos a mídia alternativa para que também consiga seus financiamentos, posto que nos presta um serviço de utilidade pública da maior relevância.


Há mais de 20 anos trabalhamos nesse projeto, de envergadura geopolítica, pela cultura de paz, pela autodeterminação e emancipação dos povos com a cultura de resistência, cujo resultado se dará a longo prazo. Não buscamos resultados imediatos, mas duradouros e verdadeiramente sustentáveis, formando “alianças” inquebrantáveis.


Clique aqui para acessar e baixar o livro Commodities ambientais em missão de paz – novo modelo econômico para América Latina e Caribe em PDF.


Gabriel Brito é jornalista e editor do Correio da Cidadania.
Do Correio da Cidadania, in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 09/08/2018
[CC BY-NC-SA 3.0][ O conteúdo da EcoDebate pode ser copiado, reproduzido e/ou distribuído, desde que seja dado crédito ao autor, à EcoDebate e, se for o caso, à fonte primária da informação ]

Aquecimento Global: Proteger e regenerar florestas é crucial para limitar a mudança climática a 1,5°C

Aquecimento Global: Proteger e regenerar florestas é crucial para limitar a mudança climática a 1,5°C


Conversão de grandes áreas de terra em plantações como biomassa liberaria tanto CO2, que proteger e regenerar florestas é uma opção melhor

Tentando combater a mudança climática substituindo as florestas por plantações de usinas de bioenergia que captam dióxido de carbono (CO2) poderia aumentar a quantidade de CO2 na atmosfera, dizem os cientistas .

As usinas de energia de biomassa com captura e armazenamento de carbono (BECCS) são projetadas para produzir energia e armazenar o dióxido de carbono (CO2) resultante no leito de rocha subterrânea.
University of Exeter*

 estudo conduzido pela Universidade de Exeter sugere que a conversão de grandes áreas de terra em plantações como biomassa para BECCS liberaria tanto CO2 que proteger e regenerar florestas é uma opção melhor em muitos lugares
Cenários para uso da terra e mudança climática. a , b Terra usada para produção de alimentos (culturas e pastagens) e culturas bioenergéticas dos cenários IMAGE SSP2 IM1.9 e IM2.6 (disponível em https://data.knmi.nl/datasets?q=PBL ). c Perfis de temperatura para os cenários idealizados que atingem aproximadamente 1,5 ° C e 2 ° C até 2100. d Concentrações de CO 2 para cada um dos 34 ESMs emulados com IMOGEN. As concentrações de CO 2 referem-se às temperaturas em c, dependendo da sensibilidade climática de cada modelo (Métodos). e , fMapas espaciais de mudança de terra para culturas bioenergéticas em IM1.9 e IM2.6. Para cada cenário, a alteração é apresentada como a diferença entre 2000 e o ano de extensão máxima das culturas de bioenergia (2060 para IM1.9 e 2085 para IM2.6)

Mas um estudo conduzido pela Universidade de Exeter sugere que a conversão de grandes áreas de terra em plantações como biomassa para BECCS liberaria tanto CO2 que proteger e regenerar florestas é uma opção melhor em muitos lugares.

“A grande maioria dos atuais cenários do IPCC sobre como podemos limitar o aquecimento global a menos de 2°C incluem o BECCS”, disse a principal autora, Anna Harper , da Universidade de Exeter.

“Mas a terra necessária para cultivar biomassa nesses cenários seria o dobro do tamanho da Índia”.

Isso motivou a equipe de pesquisa a olhar para as consequências mais amplas de uma mudança tão radical no uso global da terra.

Os pesquisadores usaram um modelo computacional de ponta de vegetação e solo global e apresentaram cenários de mudança no uso da terra, consistentes com a estabilização do clima a menos de 1,5°C e 2°C de aquecimento global.

Os resultados advertem que o uso do BECCS em uma escala tão grande poderia levar a um aumento líquido de carbono na atmosfera, especialmente onde se supõe que as plantações substituam as florestas existentes.

O co-autor Dr. Tom Powell, da Universidade de Exeter, explicou: “Em alguns lugares BECCS será eficaz, mas descobrimos que em muitos lugares proteger ou regenerar as florestas é muito mais sensato”.

O quão bem o BECCS funciona depende de fatores como a escolha da biomassa, o destino da biomassa inicial acima do solo e as emissões de combustível fóssil compensadas no sistema de energia – para que melhorias futuras possam torná-la uma opção melhor.

O professor Chris Huntingford, do Centro de Ecologia e Hidrologia do Reino Unido, disse: “Nosso artigo mostra que a manipulação da terra pode ajudar a compensar as emissões de dióxido de carbono, mas apenas se for aplicada a certos locais bastante específicos”.

O Dr. Harper concluiu: “Para atender às metas de mudança climática do acordo de Paris, precisamos reduzir drasticamente as emissões e empregar uma mistura de tecnologias para remover o dióxido de carbono da atmosfera. Não há um cartão único para sair da cadeia. ”
A equipe envolvida no novo estudo incluiu pesquisadores do Centro de Ecologia e Hidrologia e do Met Office.

Reunir expertise para criar soluções para as mudanças globais que os humanos estão causando agora é um dos principais focos do novo Global Systems Institute da Universidade de Exeter
Referência:
Land-use emissions play a critical role in land-based mitigation for Paris climate targets
Anna B. Harper, Tom Powell, […]Shijie Shu
Nature Communications, volume 9, Article number: 2938 (2018)
http://dx.doi.org/10.1038/s41467-018-05340-z

* Tradução e edição de Henrique Cortez, EcoDebate.
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 09/08/2018

[CC BY-NC-SA 3.0][ O conteúdo da EcoDebate pode ser copiado, reproduzido e/ou distribuído, desde que seja dado crédito ao autor, à EcoDebate e, se for o caso, à fonte primária da informação ]
Inclusão na lista de distribuição do Boletim Diário da revista eletrônica EcoDebate, ISSN 2446-9394,

A questão ambiental entre a ciência e a ideologia, Parte 7/7 (Final), artigo de Roberto Naime

A questão ambiental entre a ciência e a ideologia, Parte 7/7 (Final), artigo de Roberto Naime


artigo

[EcoDebate] SILVA et al (1997) assinalam que apesar dos confrontos entre as diferentes correntes de pensamento atual, Fucks argumenta que as grandes questões ambientais parecem tender a um posicionamento consensual entre os atores.

De acordo com VIOLA & LEIS, ao final da década de 80, o movimento ambientalista possuía duas posições distintas.

Uma minoritária, que não assumia nem as características, nem as regras da dimensão política, enfatizando atitudes éticas e espirituais de tendência biocêntrica.

E outra majoritária, que assumia plenamente a dimensão política, sendo esta subdividida em uma subclasse minoritária, a qual achava necessária uma rápida e intensa disseminação de valores ecológicos, com redistribuição do poder político-econômico em níveis local e global.

E em uma subclasse majoritária, de caráter reformista, que apontava para a necessidade da adoção gradual de um novo modelo de desenvolvimento o qual, baseado na racionalidade científica, interiorizasse a sustentabilidade social e ambiental (VIOLA & LEIS, 1992).

SILVA et al (1997) assinalam que a ciência se move do conhecido para o desconhecido, tentando revelar as regularidades, as leis, os processos que se acham escondidos nas aparências, em que o método significa o caminho a ser seguido.

Atualmente, por meio das Ciências da Complexidade, buscam-se teorias que possibilitem decifrar a linguagem universal dos padrões evolutivos para os quais todos os sistemas se dirigem.

Partindo das descobertas da termodinâmica, da física quântica, transportando-as para a biologia evolucionária dos sistemas vivos, as ciências encontram seus limites onde a relação entre o particular e o universal continua um desafio em aberto.

Deste modo, a complexidade poderia ser útil para uma melhor compreensão da realidade social e ambiental que vivenciamos, indicando a necessária integração, mediante uma Ecologia Complexa.
O cartesianismo contribui para o fracionamento e a internalização, tanto nos indivíduos, quanto nas instituições, sendo preciso buscar alternativas metodológicas, técnico-científicas, político-institucionais, industriais e comportamentais, incorporando todos os setores envolvidos com as questões sociais e ambientais emergentes.

Para enfrentar tais desafios, se concorda com JONAS (1973) ao afirmar que não há uma receita única, mas somente muitos caminhos como compromissos que deverão hoje e sempre ser procurados em uma vigilância a cada instante.

Quanto à viabilização de uma nova prática para o desenvolvimento, Brüseke indica a necessidade de aprimoramento das teorias, considerando-se a pluridimensionalidade da sociedade global no seu contexto natural.

As propostas para um desenvolvimento sustentável, embora não consensual entre diversos autores, apontam nesta direção.

A introdução de elementos das discussões sobre sistemas dinâmicos não lineares parece oportuna e também foi realizada por Fernando Spilki e Roberto Naime no “Padrão de (des)ordem da natureza da editora da Universidade FEEVALE.

Há que se elaborar melhor a capacidade de interpretação, na tentativa de se preverem os riscos de fracasso de novas propostas de desenvolvimento, mesmo que estas levem em conta as limitações ecológicas e sociais em seu bojo (BRÜSEKE, 1993).

É necessário realizar previsões e tomar decisões num contexto de incertezas, de riscos tecnológicos, ambientais estruturais e de proporções globais, como determina a sociedade de risco de Ulbrich.
SILVA et al (1997) descreve que quanto aos desdobramentos futuros para a humanidade de questões como a desordem global da biosfera, podem-se vislumbrar alguns cenários possíveis, tais como, continuidade desequilibrante, eco-autoritarismo, centralismo ecológico global com auto-organização democrática local e auto-eco-organização global (VIOLA & LEIS, 1991).

Contudo, para evitar que os embates produzam decisões autoritárias, se faz necessária a construção de uma ética que possibilite orientar os rumos da tecnociência e da política em nível mundial.

Hottois propõe uma ética de solidariedade para a era da tecnociência, sendo baseada num diálogo aberto, que determina um confronto pluralista e interdisciplinar e também na ética reguladora.
Pragmatismo, não-exclusão de apropriações, ética da ambivalência, no sentido de ser esta uma escolha, e não uma conclusão lógica, ou um resultado mecânico, ética evolutiva e da reversibilidade dos princípios e ética da corresponsabilidade (HOTTOIS, 1994) são adequados para a situação contextual.

Para FERRY (1994), é além do cartesianismo e do utilitarismo, assim como da ecologia fundamentalista, que se deve elaborar uma teoria dos deveres com a natureza, sendo importante realizar uma fenomenologia dos sinais do humano na natureza para se ter acesso à consciência clara do que pode e deve ser valorizado.

A partir disto e impondo limites ao intervencionismo da tecnociência, é que a ecologia democrática poderia responder aos desafios lançados.

A sorte está lançada, é preciso criar uma nova autopoiese sistêmica para a civilização humana, sem apelos ideológicos inúteis e o uso de apanágios científicos inovadores ou não, mas meramente camufladores.

Dr. Roberto Naime, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em Geologia Ambiental. Integrante do corpo Docente do Mestrado e Doutorado em Qualidade Ambiental da Universidade Feevale.
Sugestão de leitura: Civilização Instantânea ou Felicidade Efervescente numa Gôndola ou na Tela de um Tablet [EBook Kindle], por Roberto Naime, na Amazon.

Nota da Redação: Sugerimos que leia, também, as partes anteriores desta série de artigos:
A questão ambiental entre a ciência e a ideologia, Parte 1/7
A questão ambiental entre a ciência e a ideologia, Parte 2/7
A questão ambiental entre a ciência e a ideologia, Parte 3/7
A questão ambiental entre a ciência e a ideologia, Parte 4/7
A questão ambiental entre a ciência e a ideologia, Parte 5/7
A questão ambiental entre a ciência e a ideologia, Parte 6/7

Referências:
ACOT, P., 1990. História da Ecologia. Rio de Janeiro: Campos.
ANDERSON, T. L. & LEAL, D., 1992. Ecologia de Livre Mercado. Rio de Janeiro/Porto Alegre: Expressão e Cultura/Instituto Liberal.
BERTALANFFY, L. V., 1977. Teoria Geral dos Sistemas. Petrópolis: Vozes.
BORNHEIM, G., 1989. Tecnologia e política. In: Anais do Seminário Universidade e Meio Ambiente: Documentos Básicos, pp. 165-167, Brasília: Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis ­ IBAMA.
BRUNDTLAND, G.H., 1991. Nosso Futuro Comum. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas.
BRÜSEKE, F. J., 1993. Para uma teoria não-linear e pluri-dimensional do desenvolvimento. In: As Ciências Sociais e a Questão Ambiental Rumo à Interdisciplinaridade (P. F. Vieira & D. Maimon, orgs.), pp. 189-216, Rio de Janeiro/Belém: Associação de Pesquisa e Ensino em Ecologia e Desenvolvimento ­ APED/Universidade Federal do Pará ­ UFPA.
CHÂTELET, F., 1994. Uma História da Razão: Entrevistas com Emile Noël. Rio de Janeiro: Zahar.
COMUNE, A. E., 1994. Meio ambiente, economia e economistas. Uma breve discussão. In: Valorando a Natureza (P. H. May & R. S. da Motta, orgs.), pp. 45-58, Rio de Janeiro: Campus.
COSTA, W. M., 1989. Bases epistemológicas da questão ambiental: determinações, mediações e contradições. In: Anais do Seminário Universidade e Meio Ambiente: Documentos Básicos, pp. 99-105, Brasília: Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis/IBAMA.
COUTINHO, M., 1992. Ecologia e Pensamento Ambientalista. Uma Reflexão acerca do Tráfego de Idéias e Conceitos. Tese de Doutorado, São Paulo: Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Sociais, Universidade de São Paulo.
CRAMER, J. & VAN DEN DAELE, W., 1985. Ecology an “alternative” natural science? Synthese, 65:347-400.
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in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 09/08/2018
"A questão ambiental entre a ciência e a ideologia, Parte 7/7 (Final), artigo de Roberto Naime," in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 9/08/2018, https://www.ecodebate.com.br/2018/08/09/a-questao-ambiental-entre-a-ciencia-e-a-ideologia-parte-77-final-artigo-de-roberto-naime/.

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