Estará o maior felino das Américas voltando ao norte do continente após ser dizimado no século passado?
A onça-pintada (Panthera onca) é a maior espécie de felino das Américas e a terceira maior do mundo. Linda e majestosa, num passado distante ela era observada desde o sudoeste dos Estados Unidos até o norte argentino, mas acabou desaparecendo em muitos desses lugares, sobretudo, nas áreas mais ao norte do continente. Foi caçada e dizimada, inclusive, com apoio governamental.
Todavia, ainda existe uma pequena população de onças-pintadas, cerca de 200 indivíduos, na região de Sonora, na fronteira entre o México e o estado do Arizona, nos Estados Unidos. E nos últimos anos, diversos pesquisadores e organizações que monitoram esses animais perceberam que alguns deles têm se aventurado mais ao norte, talvez tentando recuperar o território perdido no século passado.
No mês passado, por exemplo, a ONG mexicana Profauna compartilhou imagens de armadilhas fotográficas que mostram “El Jefe” nas montanhas de Santa Rita, no Arizona. O macho, que tinha sido avistado pela última vez em 2015, foi reconhecido pelos biólogos do projeto.
El Jefe foi flagrado pelas câmeras das armadinhas pela primeira vez em 2011, quando tinha cerca de dois anos. Na época, andava pelas montanhas de Whetstone, no sudeste de Tucson. Atualmente deve ter uns 12 anos, o que o faz ser uma das onças mais velhas da população de Sonora.
Para especialistas, sua sobrevivência todos esses anos e sua presença na região são prova da capacidade notável das onças de repatriar seu território histórico.
El Jefe flagrado no Arizona em 2015
(Foto: University of Arizona/USFWS)
A Profauna é uma das oito instituições que fazem parte da iniciativa Borderlands Linkages Initiative. Liderada pela Wildlands Network, ela tem como objetivo de proteger os corredores mais ao norte do habitat da onça-pintada e monitorar esses felinos.
“O reaparecimento de El Jefe, a quase 200 km ao sul de onde ele foi registrado pela última vez no Arizona, é um sinal de que a conectividade de habitat em grande escala persiste entre o estado e Sonora, apesar das crescentes ameaças de desenvolvimento, mineração e o muro de fronteira”, diz Juan Carlos Bravo, diretor de Programas de Conservação da Wildlands Network.
El Bonito e Valerio
Não é apenas El Jefe que vem sendo monitorado em Sonora. Em 2020, o biólogo Ganesh Marin, da Universidade do Arizona, se deparou pela primeira vez com imagens de um macho de onça-pintada na região. Marin decidiu dar a ele o nome de “El Bonito”.
Mas ao comparar novas gravações das armadilhas fotográficas instaladas naquela área no ano passado, o pesquisador notou algo diferente. As rosetas, manchas pretas espalhadas pelo corpo, que possibilitam a identificação entre os indivíduos, não eram iguais. Na verdade, aquele era outro animal, batizado de Valerio.
El Bonito andando por Sonora
(Foto: reprodução vídeo/Ganesh Marin)
Em geral, os machos tendem a cobrir maiores extensões de territórios do que as fêmeas, pois elas costumam ficar mais próximas de seus territórios de reprodução e também, até os dois anos de vida, seus filhotes as acompanham.
Tanto El Bonito e Valerio foram documentados em uma área que está sob os cuidados da Fundação Cuenca Los Ojos, que trabalha pela preservação e restauração da biodiversidade.
No vídeo abaixo, a imagem de Valerio:
Um muro no meio do caminho
No ano passado, um grupo de cientistas defendeu a reintrodução da Panthera onca nos Estados Unidos. No artigo científico publicado no jornal Conservation Science and Practice, da Sociedade para a Biologia da Conservação, eles alegam que já é hora de reparar um erro histórico.
“A reintrodução – definida aqui como o retorno de uma espécie a uma parte de sua área onde foi extirpada – é um caminho crítico para a conservação no século XXI. Ainda na década de 1960, as onças habitavam uma região expansiva nas cordilheiras centrais do Arizona e do Novo México, nos Estados Unidos, um habitat único em toda a área de onças. Aqui, defendemos a reintrodução, construindo uma ponte retórica entre a ciência da conservação e a prática”, ressalta o estudo.
Para os cientistas, a volta das onças trará benefícios para as economias locais e a natureza, assim como representaria o retorno de uma parte original da fauna norte-americana. Espécie carnívora, no topo da cadeia alimentar, ela é responsável por controlar a população de uma série de outros animais.
“A onça-pintada vivia em nossas montanhas muito antes dos americanos. “Se feita de forma colaborativa, a reintrodução pode melhorar a economia desta região e a ecologia desta incrível área histórica de distribuição da espécie”, acredita Eric Sanderson, ecologista sênior de conservação da Wildlife Conservation Society e principal autor do estudo.
A possível reintrodução da onça-pintada depende de aprovação do U.S. Fish and Wildlife Service, o Departamento Nacional de Pesca e Vida Selvagem, mas de antemão sabe-se que já existe uma séria barreira. Física mesmo. O muro contra a entrada de imigrantes ilegais erguido durante o governo do ex-presidente Donald Trump, com mais de 700 km de extensão.
“A vida selvagem nativa do sudoeste evoluiu com as onças. Elas têm um lugar histórico e vital em nossos cânions e florestas, então devemos planejar um programa de reintrodução inteligente e humano”, reforça Michael Robinson, do Centro de Diversidade Biológica.
*Com informações das organizações Defenders of the Wildlife e Wildlands Network
Foto de abertura: domínio público/pixabay