O ativismo e a militância por direitos ambientais sociais e
humanos são parte do processo civilizatório das sociedades e, pasmem,
são uma qualificada porta de acesso para jovens no mercado de trabalho
Uma sociedade liberal e conservadora não tem espaço para ativismo da
população. Não tem lugar para a insatisfação de grupos em relação a
políticas públicas e demanda sociais e ambientais.
Em uma sociedade liberal ideal existem as empresas e a absoluta
liberdade empreendedora, e o Estado, com as devidas amarras do “estado
mínimo”. Se algo precisa ser feito, o “mercado” com suas mãos invisíveis
suprirá, tal qual um pastor que cuida de seu rebanho. Não há
insatisfação da sociedade que não mereça uma resposta por parte de
empreendedores sempre dispostos a criar soluções, mas que se possa
comprar.
Mesmo que o mercado e o empreendedorismo tenham uma imensa capacidade
de ação, em um planeta cada vez mais apertado em seus limites há coisas
que o mercado e os economistas insistem em chamar de “externalidades”
ou mesmo em fazer uma veemente negativa em relação aos fatos.
Alguns dos temas que o “mercado” insiste em lançar para baixo do
tapete são de alto impacto sobre a qualidade de vida das pessoas, a
biodiversidade do planeta, alterações climáticas e mesmo a saúde da
economia.
Podemos começar com um dos temas queridos das pessoas na hora de
consumir e absoluto na hora de receber críticas, os plásticos. Há
estimativas de que até 2050 haverá mais plásticos nos oceanos da Terra
do que peixes. Além disso o plástico, em seus mais diversos formatos e
composições é um dos vilões da biodiversidade, matando animais em todos
os biomas do planeta.
Em seguida podemos falar do automóvel, responsável pela ocupação de
mais da metade dos espaços urbanos e por apenas 27% em média da
mobilidade nas grandes cidades. É, também o principal vilão da poluição
urbana e da emissão de gases estufa a partir da queima de combustíveis
fósseis.
Tem a carne bovina, que no Brasil é representada por um rebanho de
quase 220 milhões de cabeças, há um boi para cada brasileiro. Esse
rebanho é responsável por uma imensa ocupação de territórios na
Amazônia, onde a média é de menos de 1 cabeça por hectare de pastagem.
Em termos de desigualdade, apenas um terço da população brasileira
cumpre os requisitos de uma classe média saudável, produtiva e
consumidora. O restante da população é composto por externalidades que
se refletem em pobreza e necessidade de filantropia do Estado, como
escolas públicas, saúde pública e bolsas de mitigação da miséria. Para o
“mercado” é bom que as pessoas paguem suas despesas escolares e de
saúde.
Ou seja, no Brasil de hoje mais da metade da população é apenas uma
“externalidade”. O desemprego é outro exemplo de que o mercado não dá
conta de oferecer qualidade de vida para toda a população. O Brasil vive
um “desemprego estrutural”, provocado principalmente pelo fato de que a
grande maioria dos desempregados são, na verdade, não empregáveis, por
conta de má formação e/ou capacitação para o trabalho do século 21.
Para lidar com as mazelas dessa exclusão existe o ativismo social,
ambiental e de direitos, que busca oferecer algum suporte para essa
população que não consegue se enquadrar na economia liberal. Esse
ativismo oferece comida, cria programas de apoio à produção de alimentos
mais baratos e de preferência orgânicos, atua em comunidades para
garantir o respeito a direitos universais que só existem nos bairros
ricos, busca equilibrar o jogo para que mais gente entre os excluídos
possa emergir com seus talentos em cultura, ciência e conhecimentos que
ainda dependem e muito das pessoas.
O ativismo vai além da simples vontade individual, é um movimento
transversal às empresas, que em sua grande maioria mantém programas de
voluntariado e de financiamento a projetos de organizações não
governamentais (ONGs). No campo do trabalho grande parte as empresas
valorizam jovens que tem trabalhos voluntários em seus currículos. Ou
seja, é uma importante porta de acesso ao mundo do trabalho.
Ativismo e militância formam parte do processo evolutivos das
sociedades modernas. Negar sua importância é rastejar em direção a um
passado sem direitos. (#Envolverde)
Com informações da Prefeitura de Curitiba e Fiocruz
Ipês amarelos, roxos e brancos vão colorir a avenida João
Gualberto em Curitiba, no Paraná. Os plantios integram o projeto 100 mil
árvores, cuja meta deve ser alcançada até setembro de 2020.
“No total, serão 1,5 mil mudas de ipês das três cores ao longo das
avenidas João Gualberto e Paraná”, informou o diretor do Departamento de
Produção Vegetal da Secretaria do Meio Ambiente, José Roberto Roloff.
Em cerca de dois anos, os ipês brancos devem começar a floração. “Já
os amarelos e roxos podem aparecer coloridos já no ano que vem”,
completou.
Quem mal pode esperar pela floração é o engenheiro agrônomo
responsável pelo Horto da Barreirinha, que produz as mudas da cidade,
Roberto Salgueiro. “Para mim também é um sonho realizado ver esse
corredor verde se formando, 40 anos depois que fiz o plantio em volta da
canaleta de ônibus da Rua Padre Anchieta”, lembrou.
Foto: Pedro Ribas/SMCS
Os cerca de 270 berços já abertos começaram a receber os plantios.
“Novos berços serão abertos na sequência. Foram seis meses para poder
fazer os cortes nas calçadas e camadas de asfalto para garantir o
plantio e a saúde das árvores”, reforçou o engenheiro civil do
Departamento, Murilo Fiorucci.
Ainda devem ter corredores semelhantes mais três avenidas da cidade: Sete de Setembro, República Argentina e Winston Churchill.
A flor nacional do Brasil
Ipê é uma palavra de origem tupi, que significa árvore cascuda, e é o
nome popular usado para designar um grupo de nove ou dez espécies de
árvores com características semelhantes de flores brancas, amarelas,
rosas, roxas ou lilás. Os ipês ocorrem principalmente em florestas
tropicais, mas também aparecem no cerrado e na caatinga.
O presidente Jair Bolsonaro foi o primeiro a ventilar seu ressentimento à menina Greta, “é só uma pirralha”, disse ele. Trump retrucou “Greta precisa controlar sua raiva”.
Parece ser mesmo insuportável aos patriarcas olhar uma menina miúda, de
olhos firmes, e serem obrigados a silenciar-se diante de um “how dare you?”.
A pergunta não é sobre como eles ousam desqualificá-la pela juventude,
pelo gênero ou pela deficiência — é mais abstrata e impessoal: Greta
provoca-os sobre como ousam ocupar o poder e ignorar o justo para a
humanidade.
Greta ousou tanto que está na capa da prestigiosa revista Time
— é a pessoa do ano. Há quem a descreva como líder, personalidade ou
ativista. O melhor de todos os títulos é exatamente o mais simples: é a
pessoa do ano para o mundo. Uma pessoa “com uma mensagem”,
como ela mesma se define. Mas a política não é um espaço plural para as
mulheres, e menos ainda para as meninas com deficiência. Desqualificar o
pensamento de Greta é um gesto naturalizado pelo capacitismo entranhado
na misoginia: uma menina com autismo não pode ser alguém com ideias
razoáveis. Por isso, até mesmo o título pessoa lhe é espoliado pela
deficiência — a pessoa com deficiência é reduzida ao que falta ou excede
em seu corpo. No seu caso, o autismo ameaça a legitimidade de
apresentar-se em público sem sofrer desqualificações pela juventude ou
pela neurodiversidade.
Gente
bem-intencionada repete o coro de que Greta seria uma marionete, uma
alegoria para a participação de jovens na política de adultos. É verdade
que Greta não é uma cientista de jaleco branco com publicações
internacionais sobre os efeitos do aquecimento global. É só uma menina
que fincou os pés na porta do parlamento sueco em greves sistemáticas da
escola. “Algumas pessoas dizem que eu deveria estudar para ser uma
cientista climática, pois poderia ‘resolver a crise climática’. Mas a
crise climática já foi solucionada”, diz ela, em um sarcasmo sobre seu
lugar de mensageira da certeza — se não há dúvidas científicas sobre a crise climática, o que faltam são mensageiras do jargão científico. Ela é uma delas.
Se
rejeitar o título de marionete a aproxima da experiência de outros
jovens engajados em questões políticas, Greta enfrenta uma jornada muito
particular de desqualificação: é interpelada pela deficiência. Sua
resposta ao ódio capacitista é apropriar-se do diagnóstico médico do
autismo como uma “dádiva”, uma singularidade existencial que movimenta
seu estranhamento sobre o senso de normalidade do mundo. Acompanhá-la
exige um descentramento de quem se sente interpelado por ela: sua
epistemologia é binária, seus discursos são breves como seu senso de
urgência, suas alegorias sobre a crise climática seguem seus sentimentos
de finitude do planeta. Os que rejeitam ou se sentem incomodados pela
interpelação de Greta se unem e, em coro, esbravejam “pirralha raivosa”.
Como Greta, nós também acreditamos que “vivemos em um mundo estranho”.
Para nós, o mais estranho é que a rejeição ao debate político não se dá
por argumentos, mas por “cancelamento” ou “apagamento” de pessoas. Há
uma personificação do ódio — é a menina com deficiência que se torna o
alvo de quem ignora a crise climática. O mesmo ocorre com defensores de
causas feministas, anti-racistas ou de direitos humanos — são pessoas
ameaçadas por ousarem desafiar a normalidade de uma ordem política
desigual. O cancelamento dos mensageiros da democracia é uma das
características do esvaziamento do político pelo ódio e, mais
temerosamente, como diria Hannah Arendt, um forte sinal de fumaça das
políticas fascistas de banalidade do mal.
Debora Diniz é brasileira, antropóloga, pesquisadora da Universidade de Brown.
Giselle Carino é argentina, cientista política, diretora da IPPF/WHR.
Anvisa retira alerta de consumo para produtos que podem até “corroer a córnea”
Levantamento
inédito mostra que 93 produtos com glifosato tiveram classificação
reduzida sob Governo Bolsonaro – ao mesmo tempo que o cerco ao pesticida
se fecha no mundo
O cenário mundial não está favorável aos fabricantes de glifosato. O herbicida enfrenta vetos em países europeus e mais de 18.000 ações nos tribunais nos Estados Unidos que relacionam o seu uso a doenças como o câncer.
Mas, no Brasil, o agrotóxico mais vendido no mundo não só teve a licença de comercialização renovada como também, oficialmente, tornou-se menos perigoso aos olhos do Governo brasileiro.
Isso porque, após a reclassificação de toxicidade aprovada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária
(Anvisa), 93 produtos formulados à base de glifosato tiveram a
classificação de toxicidade reduzida, segundo um levantamento inédito
realizado pela Agência Pública e Repórter Brasil com base na publicação no Diário Oficial.
Antes,
24 produtos à base do herbicida eram considerados “Extremamente
Tóxico”. Agora não há nenhum produto enquadrado na categoria máxima de
toxicidade.
O levantamento mostrou ainda que três produtos se mantiveram na mesma classe toxicológica.
“Esse
alerta vai sair da embalagem do glifosato, um produto que pode corroer a
córnea. A embalagem agora será igual a de qualquer produto de uso
doméstico. Estamos seguindo contra todos os alertas que o mundo está
abrindo para o glifosato”, afirma Luiz Cláudio Meirelles, pesquisador da
Fiocruz.
A portaria que diminuiu a classificação toxicológica
dos produtos à base de glifosato foi publicada em julho deste ano.
Agora, só receberá o alerta máximo os pesticidas que causarem morte ao
serem ingeridos ou entrarem em contato com os olhos ou pele.
Especialistas acreditam que as mudanças vão afetar mais aqueles que manuseiam os produtos,
porque o símbolo de perigo, a caveira, passará a ser usado apenas no
rótulo de produtos que causem a morte ao serem ingeridos ou entrar em
contato com olhos e pele. Os demais agrotóxicos terão apenas um símbolo
de atenção.
Veja as mudanças na tabela:
No Brasil e no mundo
Há mais de 40 anos no mercado mundial, o glifosato é líder de vendas no Brasil e no mundo.
No Brasil, existem hoje 102 produtos técnicos,
duas pré-misturas e 123 produtos formulados à base do ingrediente ativo
glifosato. São usados para o controle de mais de 150 plantas
infestantes em variados cultivos – de soja e café até feijão, maçã e
uva. Em 2017, 173.000 toneladas de glifosato foram vendidas no Brasil,
segundo o Ibama.
Porém,
estudos acenderam o alerta sobre a segurança, correlacionando o uso do
pesticida com o aparecimento de doenças como depressão, autismo,
infertilidade, Alzheimer, Parkinson e câncer em diversas partes do corpo. Em 2015, após análise de diversos estudos a Agência Internacional para Pesquisa sobre Câncer (Iarc) da Organização Mundial de Saúde concluiu que o glifosato era “provavelmente cancerígeno” para humanos.
Em
fevereiro deste ano, a Anvisa concluiu a reavaliação do glifosato, que
durou 11 anos, e entendeu que o produto não se enquadra nos critérios
proibitivos previstos na legislação brasileiras: não é classificado como
mutagênico, carcinogênico, tóxico para a reprodução e teratogênico (que
causa malformação fetal).
“A principal conclusão da
reavaliação é que o glifosato apresenta maior risco para os
trabalhadores que atuam em lavouras e para as pessoas que vivem próximas
a estas áreas”, informou a agência.
Agora, não há
previsão de uma nova avaliação por parte do governo, já que a legislação
não estipula um novo prazo, diferentemente do que acontece na União Europeia e nos Estados Unidos.
Gerente-geral
de toxicidade agência regulatória na época do começo da ação, Luiz
Cláudio Meirelles conta que o produto entrou em reavaliação devido às
suspeitas de doenças crônicas, como câncer e autismo.
“Uma das maiores preocupações eram os efeitos crônicos, aqueles que
apareceriam anos depois, após a pessoa ter exposição contínua ao
produto”, explica.
Hoje, Luiz Cláudio entende que o
caminho a ser tomado deveria ser o da proibição. “Hoje a situação do
glifosato é um caminho sem volta. Tudo que começa a ser apontado como
problemático na saúde e no meio ambiente, a ciência guia para uma condenação”, explica.
O glifosato é defendido pela Bayer, dona da Monsanto.
A reportagem questionou a empresa sobre a reavaliação da Anvisa, a
queda na classe toxicológica, os processos nos Estados Unidos e o
banimento na Europa. No entanto, a Bayer limitou-se em comentar os dois
últimos pontos. Por nota, a empresa informou que se solidariza com os
demandantes e suas famílias, mas que “o glifosato não foi a causa de
suas doenças”.
“Há um extenso trabalho de pesquisas sobre
o glifosato e os herbicidas à base do mesmo, incluindo mais de 800
estudos analisados pela Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos
(EPA), por agências europeias e outros reguladores no momento do
registro dessa molécula. Todas as agências regulatórias que analisaram
estes estudos chegaram à mesma conclusão: produtos à base de glifosato
são seguros quando usados conforme as instruções”, disse em nota.
Segundo
Ricardo Carmona, professor de Produção Vegetal na Faculdade de
Agronomia e Medicina Veterinária da Universidade de Brasília (UnB),
ainda não há no mercado um herbicida capaz de substituir o glifosato.
“Se o glifosato fosse proibido, não teríamos outro herbicida de ação tão
ampla que sozinho pudesse substituí-lo. Teríamos que aplicar pelo menos
dois, para controlar tipos diferentes de ervas daninhas, que
possivelmente seriam mais tóxicos, e aumentaria o uso dos agrotóxicos e
causaria consequências a saúde e ao meio ambiente”, diz.
Cerco ao glifosato pelo mundo
Nos
Estados Unidos, a Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos
(EPA) avaliou, em 2017, que o glifosato é “provavelmente não cancerígeno
para humanos”. No entanto, a Justiça americana tem decidido de maneira
oposta.
A Bayer — dona da Monsanto, primeira empresa a
vender agrotóxicos à base de glifosato — responde a mais de 18.000 ações
contra o glifosato, sendo que 5.000 dessas foram registradas apenas em
abril deste ano.
Em agosto e 2018 a Monsanto perdeu uma ação na Júri da Califórnia e foi condenada a pagar 289 milhões de dólares ao jardineiro Dewayne Johnson. A vítima enfrenta um linfoma. Segundo a defesa, ele teria desenvolvido a doença por utilizar nos jardins de uma escola na Califórnia os herbicidas Roundup e RangerPro, feito à base de glifosato.
Em
março deste ano, o Júri Federal de São Francisco entendeu que a
exposição ao glifosato foi um fator significativo para que o aposentado Edwin Hardeman desenvolvesse câncer, e determinou que a Bayer pague mais de 80 milhões de reais em indenização à vítima.
Edwin
enfrenta um linfoma não-Hodgkin, um tipo de câncer que tem origem nas
células do sistema linfático. Durante 20 anos ele utilizou o herbicida
Roundup, à base de glifosato, em sua propriedade. O produto é da empresa
Bayer/Monsanto.
Na Europa, o debate ocorre no sentido de
retirar o glifosato do mercado. Em julho deste ano, o Parlamento da
Áustria baniu o uso de glifosato no país, o tornando o primeiro membro
da União Europeia a tomar a medida.
Em 2017, o presidente da França, Emmanuel Macron,
prometeu proibir o glifosato no país até o fim de 2020. Porém, no
começo deste ano, afirmou que não seria possível banir o produto do
mercado dentro do prazo estipulado. Até o momento o herbicida já está
fora de 20 municípios franceses devido a leis municipais.
Na Alemanha,
o governo se comprometeu a retirar o glifosato do mercado até 31 de
dezembro de 2023, como parte de um programa de proteção de insetos
lançado neste ano.
Ações no Brasil
Em agosto deste ano, o Ministério Público do Trabalho
(MPT-MT), Ministério Público Federal (MPF-MT) e o Ministério Público
Estadual (MP-MT) do Mato Grosso iniciaram uma ação civil pública para
proibir a utilização de qualquer agrotóxico à base de glifosato no
estado.
O Mato Grosso é o maior exportador de soja do
Brasil, com mais de 16,2 milhões de toneladas apenas entre janeiro e
julho deste ano. As culturas do grão são as que mais usam herbicidas à
base de glifosato.
Segundo o MPT, a ação tem como enfoque
defender a saúde dos produtores rurais e o direito à vida. Os
promotores justificam que as condições climáticas do Mato Grosso não são
adequadas à bula de alguns dos principais produtos à base de glifosato,
que tem como especificações, por exemplo, que a aplicação seja feita
com a umidade relativa do ar mínima de 55% e com temperatura máxima de
28Cº, condições que não coincidem com o clima do estado em grande parte
do ano.
A próxima audiência da ação está marcada para 13 de novembro.
Esta
reportagem faz parte do projeto Por Trás do Alimento, uma parceria da
Agência Pública e Repórter Brasil para investigar o uso de Agrotóxicos
no Brasil. A cobertura completa está no site do projeto. Este texto foi publicado originalmente no site da Agência Pública.
Correção
Luiz Cláudio Meirelles era gerente-geral de toxicidade à época das ações, e não diretor.
Correção
A portaria da Anvisa tratou de classificação toxicológica, e não de classificação de risco.
Como um acordo com a China provocou uma corrida ao abate de asininos e agora ameaça a espécie símbolo do Nordeste
Joana Suarez
11 Dec 2019 - 16:08 CET
Na feira de animais de Cansanção, a 350 quilômetros de Salvador,
três jumentos dóceis e aptos ao transporte de carga esperam na sombra
por um novo dono. Ali vende-se de tudo quanto é animal que sirva ao
sertanejo daquela terra seca, e o jegue já foi um dos mais populares.
Mas, aproximando-se dos três espécimes, com chapéu de couro bem
trabalhado, o agricultor José Araújo de Souza decreta: “Quem tem o seu
que o segure, porque o jegue vai acabar!”
O
jumento, jegue ou asno da espécie asinina chegou ao Brasil com os
portugueses há cinco séculos e adaptou-se tão bem ao clima semiárido que
se tornou símbolo do trabalho pesado no interior nordestino, “o maior
desenvolvimentista do sertão”, como cantou Luiz Gonzaga. No entanto,
começou a sumir da vista do sertanejo após um inusitado negócio com a China.
O
país asiático tem interesse, principalmente, no couro do animal
—matéria-prima para a produção do Ejiao, uma gelatina usada na medicina e
em cosméticos chineses, que movimentou o equivalente a R$ 22 bilhões em
2018. Já a carne é um subproduto consumido no norte.
A China
não consegue atender sozinha à demanda de criar até 10 milhões de
jumentos por ano para o abate, por isso importa o animal de países da
África e América do Sul. Nos últimos dois anos, o Brasil entrou com
força nesse mercado.
Essa investigação revela,
entretanto, um faroeste na cadeia de atravessadores de asininos do
Nordeste ao mercado chinês. Nos 2.600 quilômetros que percorremos em
setembro do Sertão ao Sudoeste da Bahia, que viu o boom do negócio, avistamos apenas 15 jumentos. Por mais de um ano, milhares foram submetidos a condições degradantes e abatidos sem rigor.
Quando chegamos à região, o negócio estava interrompido por força de uma ação judicial em resposta aos maus-tratos. O ciclo, porém, já vem sendo retomado nos antigos moldes.
Um negócio fácil
Que
o fiel companheiro do sertanejo poderia despertar o interesse de
grandes investidores estrangeiros foi uma surpresa até para autoridades
brasileiras. Nem a então ministra da Agricultura, Kátia Abreu, acreditou no pedido feito durante sua viagem à Ásia em 2015.
“Pareceu
piada”, escreveu no Twitter sobre um empresário chinês interessado em
importar asininos. “Inacreditável, mas sua demanda é de 1 milhão de
jumentos [por] ano”.
O Brasil nem sequer tem um milhão de
jumentos para vender. Em 2012, o IBGE contabilizou 902 mil animais no
país, sendo 97% (877 mil) no Nordeste. Mesmo assim, em julho de 2017, a
Bahia começou a exportar carne e couro à China, com meta de enviar 200
mil unidades por ano.
Em
um ano e quatro meses após o acordo, mais de 100.000 jumentos foram
mortos nos três frigoríficos da Bahia autorizados pelo governo federal
—nos municípios de Amargosa, Itapetinga e Simões Filho. Outros
abatedouros registrados para a atividade estão em Estados onde há poucos
jegues para suprir o mercado. Se o ritmo de abate chegar à expectativa
chinesa, a espécie pode desaparecer em menos de cinco anos no Nordeste.
Comércio ao estilo faroeste
A redução drástica de jumentos ocorre porque sua cadeia é extrativista
—ele é pego na natureza e morto. Não há produção estruturada, normas de
criação, fiscalização de transporte ou medidas contra condições
precárias; tampouco há uma contagem recente de sua população. Nela, há
em média seis atravessadores, incluindo sertanejos, comerciantes,
transportadores, fazendeiros ou arrendatários, donos de abatedouros e de
empresas de logística aqui e na China.
No início, está o
sertanejo nordestino, que vende jumentos soltos ou de seu próprio
quintal por valor entre R$ 20 e R$ 50. Em alguns casos, até doa o animal
que apenas gera gastos à família. É o caso de Leonardo, de 16 anos, que
recolhia jegues sem dono para vendê-los. Na feira de Euclides da Cunha,
a 300 km de Salvador, era conhecido como o jovem que levava animais
para o abate. Na frente de colegas, garantiu que apenas ajudava um amigo
no transporte. “Mal sabia o que estava fazendo”, disse envergonhado,
arrancando risadas irônicas de quem estava perto.
Na
segunda etapa, está o pequeno comerciante, também sertanejo, que junta
um grupo de jumentos para revendê-los a transportadores ou fazendeiros.
Por exemplo: João Ferreira, que há duas décadas compra e vende jegues em
feiras de animais, mas que de tempos para cá diz que o comércio
minguou: “Tem caído muito o movimento”, comentou na feira de Cansanção.
Ferreira
contornou a queda do mercado vendendo os animais mais velhos e fracos a
atravessadores chineses. Cada animal saiu por R$ 100 aos estrangeiros,
enquanto na feira o jegue bom para trabalho custa R$ 300.
Na
terceira etapa, transportadores levam animais até fazendas baianas
habilitadas. Quando o abate se intensificou em 2017, uma centena de
propriedades rurais se cadastrou como criadora de asinino na Agência de
Defesa Agropecuária da Bahia (Adab).
Mas não há dados
sobre a criação formal no Brasil. Essas fazendas são, na realidade,
entrepostos para animais trazidos não só de municípios baianos como de
todo o Nordeste. Soubemos de transportadores que vinham de Maranhão,
Piauí, Pernambuco, Ceará e Rio Grande do Norte.
Para
trafegar com animais, o motorista deve portar a Guia de Trânsito Animal
(GTA), um documento obrigatório de controle dos serviços de defesa
agropecuária. Na prática, no entanto, transportadores viajavam sem
permissão. Para burlar a fiscalização, trafegavam à noite cortando
propriedades rurais.
Uma das fazendas habilitadas é a de
Herysnaldo Marinho, em Teofilândia. A propriedade consta como uma das 12
fornecedoras de jumentos ao frigorífico Cabra Forte, a 200 quilômetros
dali, em Simões Filho, na região metropolitana de Salvador.
As
GTAs indicam sua fazenda como o local de origem de jegues abatidos. Mas
chegando lá soubemos que os animais eram apenas abrigados na
propriedade enquanto o documento era forjado. Os jumentos desembarcavam,
segundo o fazendeiro, de um caminhão cujo dono era conhecido como
Moral, que percorria o Nordeste coletando animais.
Marinho
contou ter sido recentemente procurado pelo caminhoneiro, mas, dessa
vez, negou acordo. “Quando eu vi na televisão [as denúncias de
maus-tratos], eu parei, vi que não era coisa de Deus”, afirmou. Em sua
fazenda, garante, “era um dengo danado” com os jegues.
Com
a GTA em mãos, caminhoneiros podem levar a carga a frigoríficos das
cidades mais próximas —o quarto atravessador da cadeia. Nos
estabelecimentos com registro para comercializar asininos, o
transportador recebe, em média, R$ 240 por animal abatido.
Até
setembro, nenhuma empresa brasileira estava habilitada a exportar
asinino para a China —recentemente, o frigorífico Frinordeste, de
Amargosa, recebeu a permissão. Por isso, o transporte marítimo era feito
por companhias de logística do Vietnã e Hong Kong—
o quinto grupo de atravessadores. A HL Vietnam International e a
Fortune Freight (FFC International) compravam a carga de frigoríficos
—por entre R$ 300 e R$ 400 cada animal— e a despachava no porto de
Salvador.
Não localizamos compradores da sexta e última
etapa da cadeia, mas o desembarque era igualmente problemático na Ásia. A
carga chegava pelos portos de Haifom, no Vietnã, e de Hong Kong. “O
jumento entrava por contrabando”, informou Rui Leal, da Adab.
Na
China, uma peça de pele de jumento é comprada por até US$ 4 mil (R$ 16
mil). Já o produto final, uma caixa de Ejiao, custa US$ 186 (R$ 750).
O Ministério da Agricultura
não forneceu dados oficiais desse mercado. Pelos cálculos aproximados, o
comércio do jumento gerou, em pouco mais de um ano, uma receita bruta
em torno de R$ 40 milhões aos frigoríficos da Bahia,
últimos atravessadores brasileiros. Para se ter ideia, o Brasil
exportou no último ano US$ 5,4 bilhões (R$ 21 bilhões) de bovinos, sendo
US$ 1,26 bilhão (R$ 5,08 bilhões) apenas para a China.
“Os
jumentos estão indo de brinde para os chineses”, alertou Sônia Martins
Teodoro, representante da ONG SOS Animais de Itapetinga, que acompanha
denúncias de maus-tratos. O acordo, segundo ela, foi um agrado dos
governos brasileiro e baiano para atrair investimentos. A Bahia espera
abrigar grandes obras de infraestrutura chinesas nos próximos anos, como
parque industrial e a revitalização do porto de Aratu, construção de
ponte ligando Salvador a Itaparica e da Ferrovia de Integração
Oeste-Leste.
Jegues ficam confinados
Foi
o município de Itapetinga, no Sudoeste baiano, que protagonizou as
cenas mais duras de maus-tratos em 2018. Numa fazenda ao lado do
Frigorífico Regional Sudoeste, mais de 800 jumentos viviam caídos no
solo, com fome e sede. Outros 200 foram encontrados mortos.
Urubus
chamaram a atenção de moradores que denunciaram a fazenda. Em um vídeo
feito por eles, um jumento filhote tenta sair do corpo da mãe, fraca
demais para parir. Ambos morrem. Outro jumento, bastante fraco, agoniza
por não conseguir se livrar de corpos que o sufocam.
Em
novembro de 2018, após as denúncias, a Justiça da Bahia proibiu o abate.
Mas a pressão empresarial derrubou a liminar em setembro deste ano. O
Tribunal Regional Federal (TRF) da 1º Região entendeu que a suspensão
impôs “grave lesão à ordem e a economia da região” e provocou “perda de
investimentos nacionais e internacionais”, sem exemplificar o prejuízo.
A
fazenda em Itapetinga era arrendada pela empresa chinesa de
intermediação Cuifeng Lin, homônimo de sua proprietária. Ela e o marido,
Zenan Wen, foram indiciados. A reportagem não conseguiu encontrá-los.
“Era
uma coisa terrível, nunca vista aqui”, lembrou o delegado de
Itapetinga, Irineu Andrade, que os responsabilizou por crimes de
maus-tratos e poluição do rio, causada pela decomposição dos animais.
“Não tinha alimento suficiente, os animais iam no rio beber água e
ficavam boiando, porque não conseguiam voltar [de tão fracos]”.
Dias
depois do escândalo, uma segunda fazenda foi interditada no município. O
dono João Batista, que recebia R$ 150 por caminhão carregado para
pernoite dos animais, foi multado. “Faz pena demais, você sofre junto
com eles”, afirmou Batista, que se arrependeu do acordo. “Os jegues já
saíam de Pernambuco passando necessidade e ficavam dois, três dias com
fome, chegavam aqui e ruíam todos os paus [das plantas]”.
Cinco
meses depois, em Euclides da Cunha, a 700 km de Itapetinga, novas
denúncias de maus-tratos surgiram envolvendo a Cuifeng Lin. Na fazenda
Santa Isabel, outros 800 animais viviam em condições precárias
semelhantes. Pelo menos outros 400 estavam mortos.
“Nunca
chegou um caminhão aqui com GTA”, observou Márcia Costa Miranda,
responsável pela propriedade. “Eu achava errado, porque tinha jumento
morrendo demais, mas eu não sou do órgão fiscalizador, ia fazer o quê?”
A
agricultora lembra que o grupo dava pouca ração aos animais
propositadamente. “Eles diziam que os desnutridos eram bons porque a
pele descolava melhor”, conta Miranda.
Três chineses e um
brasileiro da Cuifeng Lin coordenavam a chegada de caminhões carregados
no período que o abate estava suspenso judicialmente, e os jumentos se
acumulavam confinados numa área apertada e sem pasto.
Justificativa econômica
Por
conta da decisão judicial, Amargosa, município de 40 mil habitantes,
perdeu 150 empregos diretos e 200 indiretos com o fechamento do
Frinordeste. Por isso, empresários locais e a prefeitura apelaram contra
a ação, e boa parte da população aplaudiu.
“A gente
sente que as pessoas comemoraram a volta do abate”, afirmou o diretor da
rádio amargosense Vale FM, Eduardo Gordiano. “Aqui não chegou denúncia
de jumento maltratado, e o povo não se sensibilizou com o que aconteceu
em outras cidades”.
Dois brasileiros e dois chineses
compõem a sociedade da Frinordeste declarada à Receita Federal. Mas
segundo o empresário Walter Andrade Filho, o Walter do Couro, chineses
hoje detém a empresa. Ele é um dos quatro fornecedores de jegue
habilitados ao abatedouro, mas a atividade não compensava com a
exportação via atravessadoras asiáticas.
Com
a permissão da Frinordeste para vender a produção diretamente à China, a
expectativa é de reaquecimento do mercado. “Já está tudo certo para [o
abatedouro] voltar a funcionar”, disse Andrade Filho. “O povo está doido
pra abater os jegues”.
Ele acredita que isso estimulará a
produção regular: “Hoje, o jegue é pego na natureza, de graça ou a
preço baixo, mas se a China continuar comprando, a gente vai produzir”.
O
Frinordeste não concedeu entrevista. Já o dono do abatedouro Cabra
Forte (em Simões Filho), Reginaldo Filho, afirmou que a falta de
segurança jurídica do setor o levou a desistir da atividade. “É página
virada na nossa trajetória”, garantiu.
Rui Leal, da Adab,
defende que os frigoríficos só voltem a abater asininos se conseguirem
habilitação para exportar diretamente à China. Além do lucro maior,
seria possível rastrear quem compra o produto. “Em Amargosa, eles vão
comprar e exportar, então a aquisição e o transporte terão mais
controle”, explicou.
No dia 3 de dezembro, uma audiência
pública sobre o abate de jumentos foi realizada na Câmara dos Deputados,
em Brasília. Na ocasião, João Adrien, assessor de Assuntos
Socioambientais do Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA), se
mostrou contra a proibição do abate, por se tratar de uma alternativa
econômica, e defendeu a estruturação da cadeia produtiva. “Estamos
discutindo como fazer as regulamentações, exigir todo o guia de tráfico
animal, para que eles possam ser bem tratados”, afirmou na audiência.
Risco à saúde humana
Enquanto
isso, o Fórum Nacional de Proteção e Defesa Animal, composto de
universidades e entidades de proteção aos animais, vem se mobilizando
para combater os maus-tratos aos jumentos. O grupo atuou nos episódios
de Itapetinga, onde a única solução foi abater os sobreviventes, e em
Euclides da Cunha, assumindo a tutela dos animais.
O Fórum hoje cuida de 200 animais sobreviventes, com apoio da ONG britânica The Donkey Sanctuary
e de doações individuais de brasileiros. Quase um ano após o episódio,
alguns jegues ainda estão vulneráveis. “Têm os que continuam
debilitados, que não conseguem se levantar sozinhos”, explicou a
veterinária Aline Rocha, que os acompanha diariamente.
Rocha
espera que, nos próximos meses, estejam aptos a serem doados a reservas
ecológicas. “A gente sente que está fazendo diferença, que eles estão
ficando sadios”, comemorou.
Observações em Euclides da
Cunha subsidiam pesquisas sobre enfermidades com jumentos, uma área
pouco estudada. Cerca de 5% dos animais morreram por doenças como mormo e
anemia infecciosa, segundo as análises. “A situação de estresse
intensifica as doenças, que vão sendo transmitidas entre eles como num
campo de concentração”, comparou o veterinário Pierre Barnabé Escodro,
professor Universidade Federal de Alagoas (Ufal).
O mormo
é a maior preocupação nesse negócio informal. Trata-se de uma zoonose
de alta letalidade que pode ser transmitida ao ser humano.
Jumento produtivo
Na
produção de sisal, no município baiano de Valente, o jegue prova que
ainda tem utilidade ao Nordeste. Em sua cangalha, ele carrega folhas da
planta típica do semiárido até a máquina de processamento, e dali até o
varal onde os fios secam. Só ele para conseguir desviar de folhas que
espetam por entre caminhos estreitos.
José de Jesus, de
59 anos, trabalha com seu jumento Zé Mané de segunda a quinta-feira —nos
outros dias o animal folga. “É manso e bom de serviço”, elogia o
agricultor, que convive com o colega de trabalho há duas décadas.
A
manufatura do sisal, que emprega 3.000 famílias e cerca de 3.000
jegues, gerou R$ 40 milhões no ano passado. Segundo Misael Lopes, da
associação local, Valente deve ao jegue o título de Capital do Sisal:
“Isso é inegável”.
Outros usos sustentáveis para empregar
o jumento seriam terapia com equino, turismo rural e até produção de
leite. Professor de medicina veterinária da USP, Adroaldo José Zanella
tenta implementar estratégias de bem-estar e segurança dos jegues
nordestinos.
“Estamos tentando construir um Nordeste do
século XXI que possa conviver com os jumentos, pois um animal que está
aqui há 500 anos não pode acabar em cinco”, concluiu.
Esta reportagem independente foi produzida pela Wide Avenues em parceria com a Repórter Brasil e financiada por uma bolsa da The Donkey Sanctuary, uma ONG britânica dedicada a promover o bem-estar dos jumentos.