Após onze dias de mobilização e muita angústia, hoje, sexta-feira 13, finalmente a garça avistada pelo biólogo e veterinário Jeferson Pires, do CRAS (Centro de Recuperação de Animais Silvestre) da Universidade Estácio de Sá, em 2/12, foi capturada à margem do Canal de Sernambetiba – popularmente conhecido como Rio Morto -, no Recreio dos Bandeirantes, Rio de Janeiro.
O que parecia ser um copo plástico entalado em seu pescoço – que também parecia tê-lo atravessado, na verdade, era um copo dentro de um saco plástico, que se agarrou a seu pescoço e dificultava sua alimentação.
Desde o dia seguinte ao avistamento, a ave vinha sendo monitorada pela arquiteta e ambientalista Isabelle de Loys e, também, pelos integrantes da equipe de Jeferson.
Foi o veterinário, aliás, quem “laçou” a ave, hoje. O momento emocionante foi registrado em vídeo por uma seguidora de Isabelle (da Muttspets, organização protetora de animais abandonados), que passava pelo local, viu a movimentação e parou para registrar.
Nas fotos acima e abaixo - reproduzidas de vídeo feito durante a ação - é possível ver a localização do copo, que está dentro de um saco plástico enroscado no pescoço da ave
Foto: reprodução do Instagram
A garça foi levada para o CRAS, da Estácio, em Vargem Pequena, coordenado por Jeferson, para exames e acompanhamento. Quando estiver recuperada, será devolvida à natureza.
“Estamos acompanhando de perto sua recuperação e, em breve, traremos atualizações sobre seu estado de saúde e a remoção do copo que estava preso em seu corpo”, declarou Isabelle que mantém uma plataforma de monitoramento – Salvem a garça do copo -, onde registra cada passo dado em relação à sua sobrevivência e a seu resgate.
Uma sexta-feira 13 de sorte!
Desde que tomou conhecimento do estado da garça, Isabelle publica notícias todos os dias, cobrando as autoridades. Irritada com a inércia, chegou a ameaçar entrar na Justiça contra o poder público caso nada fosse feito com urgência.
Também reivindicou uma força-tarefa para tentar resgatar a ave, o que se concretizou apenas no último domingo (8), com a ajuda do amigo e jornalista André Trigueiro, que levou o caso ao ar na TV Globo, no sábado.
A partir daí, órgãos ambientais das três esferas – municipal, estadual e federal - passaram a frequentar o local. Mas, mesmo assim, Isabelle não sossegou um dia, incentivando (e conseguindo) que o público participasse.
“A mobilização em torno deste caso mostra que somos uma ferramenta de mudança, para o que for. E esta garça é um símbolo marcante de como foi a união dos órgãos ambientais, que conseguiram fazer um trabalho em conjunto, sem nenhum tipo de presunção, foi imprescindível. O foco era resgatar a garça”, destaca.
“A sociedade civil se empenhou. Mobilizei muita gente que me segue, pedi para que quem passasse pela estrada do Rio Morto e visse a garça e os agentes, avisasse. Ou seja, “monitore o monitoramento!”. Meu medo era que, depois de uma ou duas semanas, o caso esfriasse, como às vezes acontece aqui: começa e cai no esquecimento. E é por isso que eu fui lá todos os dias, de manhã cedo, pra ver se ela ainda estava lá”.
Lembrando que hoje é uma sexta-feira 13 – um dia de superstições infundadas, comentou: “Com o resgate, nos mostra que não é uma sexta-feira 13 para algo ruim, mas sim, uma coisa boa, uma notícia boa, uma ação positiva”.
Mutirão de limpeza
A ambientalista também conta que, devido ao estado de abandono do rio, deu a ideia de um mutirão de limpeza no Canal de Sernambetiba, para mostrar o problema do lixo de perto, porque, ali, não é só a garça que vive. “Você tem capivaras, jacarés-de-papo-amarelo, frangos d’água, animais que estão padecendo literalmente com uma quantidade de resíduos absurda, que poderia estar sendo descartada corretamente e vale dinheiro”.
Falou da urgência de um programa de Logística Reversa, que seja cumprido de fato, no país. “Isso é fundamental! Se assim fosse, não estaríamos passando por tudo isso. O Brasil recicla muito pouco. E falta educação ambiental para que as pessoas tenham mais consciência na hora de consumir, de escolher produtos e, principalmente, na hora do descarte”.
E finalizou: “Que a garça seja um símbolo realmente, como foi o cavalo Caramelo no Rio Grande do Sul. A garça-moura nos traz uma reflexão importante em relação ao impacto que estamos provocando no nosso planeta”.
Sim, a garça é um símbolo de resiliência num cenário inóspito – o rio Morto está tomado por lixo! Jeferson contou que recebe animais impactados por plástico e outros resíduos, todos os dias: “Uma vez, tirei a cabeça de uma ‘Pepa Pig’ da boca de um jacaré!”.
E está mais do que na hora de acabar com a circulação dos plásticos de uso único – que sequestraram a tranquilidade e a saúde da garça-moura, a maior espécie do Brasil, por tantos dias -, como já fizeram alguns vizinhos nossos, na América Latina: Chile (foi o primeiro, em 2018), Costa Rica (2021) e México (32 dos 27 estados), além de países da África e Europa e da Califórnia, nos EUA.
A garça do rio Morto, ‘do copo plástico no pescoço’, poderia ser protagonista de uma campanha nacional pelo banimento dos plásticos descartáveis e de uso único.
Mas sabemos que o lobby do plástico no mundo é forte: vide o fiasco da Cúpula da ONU sobre poluição por plásticos, no início de dezembro, que não chegou a qualquer acordo apesar de a maioria dos países-membro apoiar medidas ambiciosas. A luta tem dimensões oceânicas.
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Foto (destaque): reprodução do Instagram de Jeferson Pires