Negócio da China de ‘obrar’ aqui é um risco desgraçado, artigo de Beatriz Carvalho Diniz
Publicado em maio 20, 2015 por
Redação
Foto de Beatriz Carvalho Diniz
[
EcoDebate]
A China quer construir uma estrada de ferro através da floresta
amazônica. O percurso proposto é de 5.300 quilômetros no Brasil e Peru,
começando perto do Porto do Açu, no estado do Rio de Janeiro, passando
por Goiás, Mato Grosso, Rondônia e Acre.
A ferrovia cortaria florestas
de maior biodiversidade no mundo, ligando a costa atlântica brasileira
com a costa peruana do Pacífico, para reduzir custos de transporte de
petróleo, minério de ferro, soja e outras commodities que a China
importa. É de chorar de joelhos só de pensar no insustentável modo
chinês de obrar seus megaempreendimentos para viabilizar o estúpido
crescimento econômico custe o que custar.
Os prováveis impactos sobre o meio ambiente, populações tradicionais e
indígenas são fortemente preocupantes. Não podemos ser pegos de
surpresa já com a decisão tomada pelas ôtoridades, em nome de todos os
brasileiros, de fechar esse negócio da China. A natureza não tem
fronteiras, um grande estrago feito aqui tem consequências mundo afora, e
estamos no momento mais grave que a humanidade já enfrentou exatamente
porque extrapolamos limites. Todos precisamos de florestas em pé, para
captura de carbono, para manter fontes de água doce, para regular o
clima globalmente.
A informação que o ministério das Relações Exteriores divulgou é que a
China fará no Brasil investimentos de aproximadamente 50 bilhões de
dólares. Parece ótimo, né? Só que não necessariamente. Tanto pelos
problemas ambientais e sociais que a construção e a operação da ferrovia
devem gerar, quanto pela governança frouxa que marca as construções
gigantescas por aqui [licenciamentos contestados, condicionantes não
cumpridas], causa insegurança jurídica [suspensão de licenças,
paralisação de obras] e faz de obras atrasadas oportunidade de “tirar
vantagem”[aditamentos de contratos, aumento de preços].
Precisamos saber mais. O primeiro ministro chinês Li Keqiang, em
turnê por países da América Latina, incluindo Brasil [18 e 19/05], traz
para a região um plano com vários projetos pesados de infraestrutura. Um
canal na Nicarágua, uma estrada de ferro na Colômbia, essa monstruosa
ligação Brasil/Peru. De acordo com o jornal inglês The Guardian, o
investimento chinês na América Latina deve sair do Banco de
Desenvolvimento da China. As obras seriam executadas por empresas locais
e chinesas. E o interesse da China é também criar negócios para suas
empresas siderúrgicas e de engenharia atingidas pela desaceleração da
economia por lá.
Os chineses são colecionadores de degradações do meio ambiente,
poluidores número 1 no planeta. Muito espertos, querem garantir o
crescimento econômico lá às custas do meio ambiente e da qualidade de
vida aqui. Os desafios logísticos dão a dimensão da grandeza dos
impactos, como construir por entre florestas densas, pântanos, deserto,
montanhas e áreas em que há conflitos, traficantes de drogas,
madeireiros, mineradores. É a velha “estratégia” de europeus e
norte-americanos lidarem com países “pobres” na versão BRICS.
O presidente da Câmara de Comércio Brasil-China, Charles Tang, nem
disfarça: “O quintal dos Estados Unidos está se transformando no da
China. E não só o Brasil, mas toda a América Latina”. Ui, é de doer…
Ainda mais doído é o modo distorcido de exaltar a presença chinesa no
Brasil. O ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior,
Armando Monteiro, espera que nosso país possa se tornar uma plataforma
de produção local de bens industriais chineses. Que futuro próspero,
hein, produzir bugigangas e vender aqui mesmo para os chineses
faturarem.
Grande demais para passar despercebido, o projeto de construção da
estrada de ferro Brasil/Peru é avaliado como tremendamente controverso
pela diretora da Iniciativa para o Investimento Sustentável América
China-América Latina, Paulina Garzón. Ela alerta para os erros do
passado, de desconsiderar estudos de impacto ambiental e consultas à
população local, e sugere que seria inteligente estabelecer um processo
robusto de diálogo com stakeholders desde o início, pois é possível que a
ferrovia seja o centro das atenções das organizações da sociedade civil
da América Latina.
O título da matéria do The Guardian diz tudo: China’s Amazonian
railway ‘threatens uncontacted tribes’ and the rainforest ou em tradução
livre Ferrovia amazônica da China ameaça tribos isoladas e a floresta
tropical. Aliás, nela foram citadas as obras da Transamazônica, de Belo
Monte e de Carajás como exemplos da pouca preocupação com os impactos
sobre o meio ambiente e as pessoas em empreendimentos brasileiros de
infraestrutura. E do jeitinho como é “vantajoso” obrar por aqui, capaz
do BNDES financiar o aparentemente lindo investimento chinês com todo
apoio dos governos federal e estaduais e do congresso. Vamos mesmo
chancelar mais esse “negócio da China” no Brasil?
Leia a matéria do The Guardian China’s Amazonian railway ‘threatens uncontacted tribes’ and the rainforest
http://www.theguardian.com/world/2015/may/16/amazon-china-railway-plan?utm_medium=twitter&utm_source=dlvr.it
Veja o pouco que nos informa o Subsecretário-geral de Política do
ministério das Relações Exteriores embaixador José Graça Lima,
encarregado do Itamaraty sobre as relações com a Ásia e a Oceania, no G1
{
http://g1.globo.com/economia/negocios/noticia/2015/05/china-investira-us-50-bilhoes-no-brasil-diz-itamaraty.html
Saiba mais sobre a “promessa” da China que o governo brasileiro acha que é milagrosa {
https://br.noticias.yahoo.com/primeiro-ministro-chin%C3%AAs-chega-ao-brasil-pacote-investimentos-195033074–business.html
E, mais recente, leiam, ainda, a matéria 1Brasil e China vão construir ferrovia do Atlântico ao Pacífico
http://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2015-05/brasil-e-china-vao-construir-ferrovia-que-ligara-brasil-ao-pacifico
Beatriz Carvalho Diniz é Consultora de Comunicação e
Sustentabilidade. Criativa de Eco Lógico Sustentabilidade, conteúdo
produzido com amor, sem fins lucrativos, desde 2009.
Publicado no Portal
EcoDebate, 20/05/2015
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