Por Nathalia Clark
WWF-Brasil
Como calcular as vantagens a longo prazo de se conservar rios e mares para a economia pesqueira? Ou, no campo mais lúdico, como medir a satisfação de um banho de cachoeira, em água limpa e sem cloro? Ou mesmo a sensação de fluidez que é respirar um ar realmente puro? Com as queimadas dos últimos tempos, a perda crescente de biodiversidade, a ameaça das mudanças climáticas e os efeitos decorrentes dessas alterações, a população tende a cada vez menos poder experimentar esses prazeres, que nada mais são do que princípios básicos de bem-estar.
A sociedade começa a passar por situações cada vez mais difíceis e diretamente ligadas a alterações nos ecossistemas. E é só assim, com a falta, que percebemos o verdadeiro valor dos benefícios que os recursos naturais e a diversidade biológica trazem à vida cotidiana das pessoas em todo o mundo. Portanto, mensurar o valor dos serviços prestados pelo meio ambiente e a sua importância é urgente para que as tomadas de decisão no âmbito ambiental, econômico e político sejam melhor embasadas.
Na 10ª Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica (COP 10/CDB), a ser realizada em outubro em Nagóia (Japão), o governo brasileiro pretende levantar essa bandeira e ressaltar a necessidade de se medir os custos do desmatamento, das mudanças climáticas e da perda da biodiversidade, que, segundo Carlos Eduardo Young, pesquisador e professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), já estão sendo sentidos no bolso da sociedade.
UCs como vetor principal de conservação
O potencial econômico das Unidades de Conservação (UCs) e áreas protegidas do Brasil foi o tema da terceira sessão de debates do Seminário de Atualização para Jornalistas sobre Biodiversidade, organizado pelo WWF-Brasil, em São Paulo, nos dias 1 e 2 de setembro de 2010 e que discutiu as principais metas nacionais de biodiversidade para este ano, e o Plano Estratégico da CDB para 2020.
O Ministério do Meio Ambiente (MMA), em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e a UFRJ, prepara um estudo para levar à COP 10. O objetivo do estudo é elaborar um diagnóstico das oportunidades econômicas que as áreas de preservação, aliadas à conservação dos ecossistemas, oferecem.
Para Fábio França, diretor do Departamento de Áreas Protegidas do Ministério do Meio Ambiente (MMA), a criação de UCs e o reconhecimento do valor dessas iniciativas por parte da sociedade e, principalmente, dos tomadores de decisão, é fundamental para a política nacional de contenção do desmatamento e para o alcance das metas mundiais de conservação.
“Reconhecendo que essas áreas não estão isoladas do processo de desenvolvimento, mas, ao contrário, são áreas onde podemos promover atividades compatíveis com a conservação da natureza e da biodiversidade, podemos contribuir de fato com o desenvolvimento justo e sustentável da sociedade. Devemos ter clareza do valor dessas áreas e estudar na economia formal quanto valem essas áreas e os ecossistemas que elas resguardam, bem como os custos dessa perda definitiva”, afirmou.
Recursos finitos e alternativas sustentáveis
Marcos Vaz, diretor de sustentabilidade da Natura, comparou a visão atual da sociedade brasileira com a de seu filho de três anos, que crê haver sempre dinheiro disponível na conta bancária de seu pai.
“Desprezamos o fato de que para crescer precisamos das plantas e elas de uma infinidade de microorganismos no subsolo, do regime de águas, que por sua vez é dependente da vegetação e da biodiversidade, e de uma série de outros recursos provenientes da natureza. Por analogia, somos tão infantis quanto meu filho, ao achar que o banco é uma fonte infinita de renda ou que basta plantar para colher ou expandir as frentes de crescimento econômico e que elas continuarão sempre existindo. Por isso, escolhemos o uso sustentável da biodiversidade como vetor de desenvolvimento e crescimento, gerando valor para os negócios”, disse ele.
Segundo ele, que defende o envolvimento do setor empresarial com o uso sustentável dos recursos, promover o desenvolvimento social aliado à conservação é fundamental. “A abordagem da Natura é dar opções de subsistência. Por exemplo, para produzir a castanha que é extraída da floresta e que é matéria-prima dos nossos produtos, tem que se manter a floresta em pé, e valorizar as comunidades extrativistas. Assim, o ciclo da conservação se completa”, ressaltou.
Déficit orçamentário
Desde a criação do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) houve um crescimento expressivo de unidades de conservação no Brasil, o aumento foi de 80% nos últimos 10 anos. O Brasil foi responsável por 70% da criação de unidades de conservação em todo o mundo e esse esforço foi reconhecido mundialmente. No entanto, mesmo com o aumento do número de áreas protegidas, Fábio França ressalta que o aporte orçamentário não seguiu essa tendência de crescimento e permanece baixo.
“Se não ocorrerem iniciativas imediatas para manutenção dessas áreas recém-criadas, em termos de suporte financeiro e de capacitação de funcionários, todos os esforços conquistados até agora irão retroceder. É fundamental investir nessas áreas, e o Brasil ainda está muito atrasado nesse sentido”, afirmou. Segundo ele, o país ocupa o sexto lugar no ranking mundial de investimento em unidades de conservação, mas os recursos destinados representam apenas metade do que é necessário para manter minimamente essas áreas.
Ainda segundo França, há uma concepção difundida pelo mundo de que quando se cria uma unidade de conservação ou quando se delimita uma área protegida, ela fica ilhada do processo de desenvolvimento econômico. Segundo ele, “mesmo as unidades de uso mais restrito, reservadas à pesquisa e educação ambiental, proporcionam uma contribuição econômica significativa, que é a obtenção de recursos genéticos para melhoria de tecnologia agrícola, por exemplo".
Lucas Mation, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), afirmou que, em 2009, foi instituída uma coordenação dedicada especificamente à área ambiental, constituída inicialmente por 12 técnicos, que passou a produzir estudos que antes não se esperava de uma casa de economistas: estudos sobre repartição de benefícios, valoração dos dejetos, do lixo, da biodiversidade, etc. “Nossa intenção é estabelecer uma ponte entre a academia e o governo”, explicou.
Inclusão dos passivos ambientais nas contas nacionais
Para o economista Carlos Eduardo Young, “preço é um acontecimento de mercado, um evento de mercado. Valor é uma coisa distinta, derivado da utilidade que tem para cada indivíduo, que parte do nível de satisfação. Natureza tem muito valor, mas não necessariamente tem preço”, afirmou.
Para Young, a questão crucial é definir qual a lógica do crescimento econômico. “O questionamento é porquê a gente deveria aceitar como dado que é melhor para a economia derrubar a floresta do que mantê-la em pé? É possível calcular o custo de não fazer um empreendimento? A conta que a gente ainda não tem é o valor do ecossistema, porque é difícil ainda saber, depende de muito mais informação. Estamos trabalhando nessa busca. Conservar gera serviços ambientais que contribuem para o desenvolvimento”, afirmou.
Young falou ainda no custo inverso, aquele que pagamos por causa de práticas insustentáveis. E finalizou sua fala com a alarmante ressalva das emissões de gases do efeito estufa. Segundo ele, 58% de todas as emissões do país são decorrentes da mudança de uso do solo, e com ela o desmatamento.
“A floresta é um grande absorvedor de carbono. Queimar floresta é jogar carbono na atmosfera. Uma coisa é você cortar o cabelo, que dá força, outra muito diferente é arrancar o couro cabeludo”, disse ele, em analogia a uma prática comum a todos.