terça-feira, 3 de julho de 2018

Deutsche Welle (Alemanha) – Epidemia de sarampo ameaça os yanomami, afirma ONG

Deutsche Welle (Alemanha) – Epidemia de sarampo ameaça os yanomami, afirma ONG


Survival International alerta que indígenas têm baixa imunidade à doença e que surto pode ter origem no garimpo ilegal em regiões remotas da Amazônia no Brasil e na Venezuela.

Entidades que lutam pela defesa dos povos indígenas no Brasil e na Venezuela alertaram nesta quinta-feira (28/06) para um grave surto de sarampo que estaria ameaçando os yanomani, a maior comunidade isolada na Amazônia.

A ONG Survival International alertou que os yanomani têm baixa imunidade à doença, o que poderia resultar em centenas de mortes caso medidas de emergência não sejam adotadas.

Segundo a ONG, milhares de garimpeiros invadiram a região, e eles podem ser a fonte do surto. A entidade denunciou que as autoridades não tomaram as providências necessária para removê-los do local.

"Estamos enfrentando muitos problemas, principalmente com o aumento do garimpo", afirmou Dario Kopenawa Yanomami, da ONG Yanomami Hutukara. "Sabemos que aproximadamente 10 mil garimpeiros estão na terra indígena yanomani."

"Estamos correndo riscos, nossos rios estão poluídos, contaminados com mercúrio. Os peixes morrem, a crianças pegam diarreia e essa série de doenças que estão aparecendo", afirmou.

Ao menos 23 indígenas foram levados para um hospital em Boa Vista, no estado de Roraima, mas a maioria dos que foram contaminados pela doença vive em locais remotos, sem cuidados médicos. Na Venezuela, a Survival International pediu que as autoridades enviem assistência médica para as comunidades mais isoladas.

"Quando indígenas são afetados por doenças comuns, como sarampo e gripe, às quais eles não conheciam, muitos morrem, e populações inteiras podem ser exterminadas. Estes povos são os mais vulneráveis do planeta. A assistência médica urgente é a única coisa prevenindo essas comunidades de serem devastadas", afirmou Stephen Corry, diretor da Survival International.

O discurso de Macron sobre o clima e o rio que virou figura jurídica na Nova Zelândia




Dia de boas notícias, para variar um pouco. E de boas reflexões também.

Começo com o discurso do presidente francêsEmmanuel Macron no Congresso norte-americano, divulgado pelas redes sociais. Macron falou sobre o processo civilizatório, condenou o presidente Donald Trump por ter tirado os Estados Unidos do Acordo de Paris. Mas, principalmente, exortou a todos para se livrarem do discurso de nacionalismo exagerado porque só juntos é que podemos enfrentar as verdadeiras ameaças contra o planeta. Está bem, pode ser apenas “mais-um-discurso” de político. Mas a mensagem foi tão forte que todos o aplaudiram de pé. E tem muito conteúdo para reflexão, por isso decidi reproduzir aqui:

“Eu acredito que contra a ignorância, nós temos educação. Contra as ameaças contra o planeta, temos a Ciência. Eu acredito em construir um futuro melhor para nossas crianças, o que quer dizer oferecer a eles um planeta que ainda seja habitável daqui a 25 anos. Algumas pessoas acreditam que manter seus empregos e as indústrias atuais é mais urgente do que transformar nossas economias para fazer frente ao desafio global das mudanças do clima. Precisamos achar um  meio de fazer uma transição suave para uma economia de baixo carbono. Poluindo os oceanos, não mitigando as emissões de dióxido de carbono, destruindo nossa biodiversidade, estamos matando nosso planeta. Vamos encarar a realidade: Não existe planeta B!

E estou certo de que um dia os Estados Unidos vão voltar atrás e se juntar novamente ao Acordo de Paris. Temos duas opções pela frente: podemos escolher o isolacionismo, a separação, o nacionalismo. Pode ser tentador pensar assim, pode parecer um remédio temporário para nossos medos. Mas fechar a porta para o mundo não vai parar a evolução do mundo. Não vai extinguir, mas inflamar o medo dos nossos cidadãos. Precisamos estar de olhos bem abertos aos novos riscos que estão em frente a nós.


Estou convencido de que se nós mantivermos nossos olhos bem abertos estaremos cada vez mais fortes. E não vamos deixar que o nacionalismo extremado ameace um mundo cheio de esperança de maior prosperidade.

Pessoalmente, se você me perguntar, eu não sou fascinado pelos novos poderes fortes, o abandono da liberdade e a ilusão do nacionalismo”.

São palavras alentadoras.

Outra notícia bem simpática que um amigo me enviou, publicada semana passada no site da BBC e no jornal “O Público”, português, dá conta de que o Parlamento da Nova Zelândia aprovou o reconhecimento do rio Whanganui como personalidade jurídica. Dessa forma, ele se torna o primeiro rio do mundo a ter, legalmente, os mesmos direitos dos seres humanos.

Segundo a reportagem, desde o século XIX que os Maori, um povo nativo do país, tentava obter este reconhecimento.  Os direitos do rio estarão, agora, assegurados através de dois intermediários humanos – um membro da tribo Maori e um membro da monarquia constitucional neozelandesa.

"Reconheço que a reação inicial de muita gente é achar estranho que se dê personalidade jurídica a um recurso natural. Mas não é mais estranho do que os fundos familiares, ou as empresas ou as sociedades",  disse Hon Christopher Finlayson, o ministro neozelandês responsável pelo acordo.

Este reconhecimento permite que o rio seja representado em processos judiciais e, além disso, foi ainda atribuído a ele uma compensação financeira de 110 milhões de dólares para melhorar a "saúde" do rio.

Trata-se, aqui, de uma questão fundamental: a relação do homem com a natureza. Neste sentido, busquei ajuda para reflexão com Luc Ferry, ambientalista e ex-ministro de educação da França, filósofo e autor de mais de 15 livros, entre eles "A nova ordem ecológica" (Ed. Difel), onde ele trata justamente desta imbricada convivência.

Ferry diz:

"Numa época em que os limites éticos estão mais do que nunca flutuantes e indeterminados, ela faz brotar a promessa inesperada do arraigamento, finalmente objetivo e certo, de um novo ideal moral: a pureza descobre seus direitos, mas eles não são mais fundados em crença religiosa ou ideológica. Eles pretendem ser realmente provados, demonstrados pelos dados mais incontestáveis de uma ciência nova, a ecologia, que, para ser global, como o era a filosofia, não é menos incontestável do que as ciências positivas nas quais ela se apoia permanentemente. Se os serviços de saúde demonstraram que fumar provoca doenças graves... se os próprios fabricantes de automóveis são obrigados a reconhecer um elo entre a poluição dos gases de escapamento e o desmatamento, não seria insensato, ou mesmo imoral, prosseguir despreocupadamente na via da depredação?"

O filósofo conta histórias de comunidades europeias do século XVI que montaram um julgamento – e absolveram – gafanhotos que provocaram a destruição de plantações inteiras. Afinal, teriam eles também, assim como os homens, direito de se alimentar, mesmo causando tantos males. Os homens que se defendessem.

Ferry descobre, em suas reflexões, que os debates teóricos sobre ecologia se estruturam em três correntes principais. A primeira parte da ideia de que, através da natureza, é ainda e sempre o homem que deve se proteger, até de si mesmo, "quando brinca de aprendiz de feiticeiro".

"Simplesmente se tem consciência de que, ao destruir o meio que o cerca, o homem corre o risco de realmente botar sua própria existência em perigo e, no mínimo, privar-se das condições para uma vida boa sobre a Terra. A natureza, então, passa a ser apenas a que ‘circunda’ o ser humano. Não tem valor absoluto em si mesma".

A segunda corrente dá um passo à frente e inclui os animais na preocupação moral dos humanos. Todos os seres suscetíveis de prazer e dor devem ser tidos como sujeitos de direito e tratados como tais.

E a terceira corrente identificada por Ferry, que se aproxima da história do rio que ganhou personalidade jurídica na Nova Zelândia, tende, na visão dele, a se tornar a ideologia dominante dos "movimentos alternativos na Alemanha e nos Estados Unidos". É a forma que reivindica também o direito das árvores, ou seja, da própria natureza sob suas formas vegetal e mineral.

"É um ‘contrato natural’ no qual o universo inteiro se tornaria sujeito de direito: não mais o homem, considerado o centro do mundo e precisando antes de mais nada ser protegido de si mesmo, mas o cosmos em si é que deve ser defendido dos homens", explica ele na tese publicada na França em 1992, talvez não por acaso o ano da Conferência Mundial do Meio Ambiente que aconteceu aqui no Rio de Janeiro. No Brasil, o livro de Luc Ferry foi editado em 2009.

O ex-ministro francês lembra, em suas conclusões filosóficas sobre nossa relação com o ambiente, que o homem continua sendo, até prova em contrário, o único ser suscetível de emitir julgamentos de valor. Nós é que sempre vamos decidir se vamos modificar ou proteger a natureza.

"A questão filosófica dos direitos inerentes aos seres naturais se acrescenta à outra, política, de nossa relação com o mundo liberal. A natureza não é um agente, um ser suscetível de agir com a reciprocidade que se espera de um alter ego jurídico. É sempre através dos homens que exerce o direito, é através deles que a árvore ou a baleia podem se tornar objeto de uma forma de respeito ligada a legislações – não o inverso", escreve Ferry.

Bom para refletir, não? Fiquem à vontade.

Países ricos ainda não ainda não cumpriram sua parte no Acordo de Paris para ajudar os mais pobres




Quando o Acordo de Paris foi conseguido, em 2015, na 21ª Conferência das Partes (COP) convocada pela ONU para debater as mudanças climáticas, alguns ambientalistas, mesmo comemorando o feito, alertaram para o fato de o trato poder se tornar mais uma retórica inútil.

O tempo passou e um relatório recentemente divulgado pela Oxfam - organização que centra suas atividades no combate à fome e à miséria no mundo – mostra que, mesmo depois de terem ratificado a decisão do Acordo com as devidas assinaturas, os países ricos não estão nem perto da soma de US$ 100 bilhões que haviam prometido para ajudar os pobres a passarem pelo drama dos eventos extremos causados pelas mudanças do clima. E este é um dos pontos fortes do Acordo.

O estudo  mostra que, entre 2015 e 2016, os países de renda mais alta repassaram apenas metade do valor acordado em Paris: US $ 48 bilhões. Como a meta deve ser atingida até 2020, legitimamente os pesquisadores da Oxfam dão o alerta: embora as contribuições tenham aumentado desde 2015 e o setor privado tenha novas iniciativas, o valor que se vai arrecadar provavelmente não vai alcançar os US $ 100 bilhões.

Mais grave ainda do que isso é o fato, também denunciado no estudo, de que o financiamento anunciado pelos países doadores envolve projetos que não estão diretamente relacionados a mudanças climáticas. A assistência, conforme ficou acordado, deve estar relacionada à redução das emissões de gases de efeito estufa e à construção de resiliência aos eventos extremos. Muitos projetos nem esbarram nisso.

O resultado do estudo da Oxfam foi divulgado no site da Africa Climate Smart Agriculture Summit (Conferência de Agricultura Inteligente do Clima na África, em tradução literal) que vai acontecer nos dias 15 e 16 de maio no Quênia. O encontro, convocado pelo Forum de Ajuda e Desenvolvimento Internacional (Aidf), uma plataforma que reúne líderes, organizações não-governamentais, empresários e a própria ONU, tem como objetivo fomentar o debate, estabelecer colaborações. O foco é a segurança alimentar de um continente que tem 20% de sua população, ou seja, 243 milhões de pessoas, passando fome.

No site do evento, outras notícias dão conta das privações que têm atingido alguns países, sobretudo na África Subsaariana. No Mali, por exemplo, a seca e as inundações custam ao país cerca de US $ 140 milhões por ano. O governo está fazendo um projeto, que será implementado pelo Banco Mundial, para fortalecer seus sistemas de alerta contra inundações ao longo do rio Níger e melhorar seus boletins de inundação. Está sendo, para isso, apoiado pela Austrália, França, Alemanha, Luxemburgo e Holanda.

Mas o Mali também está na lista dos países africanos que estão sofrendo com fome severa. Além dele, Níger, Burkina Faso e Chade estão precisando de assistência alimentar a tal ponto que suas reservas de alimentos devem se esgotar até o fim do mês.

“A fome e a escassez de alimentos foram provocadas por condições climáticas incomuns que limitaram o crescimento das produções agrícolas. Em condições climáticas normais, os suprimentos de comida geralmente duram até setembro”, informa o site da Conferência.

Abdou Dieng, diretor regional do Programa Mundial de Alimentos da ONU (WFP) para a África Ocidental e Central, contou as cenas que tem presenciado:

"Estamos vendo pessoas reduzirem o número de refeições diárias e crianças que estão abandonando a escola. O mundo não pode continuar ignorando esses sinais de um desastre iminente", disse Dieng.

As crianças são as mais afetadas. Há mais de 1,6 milhão delas vítimas de desnutrição severa este ano, um aumento de 50% em comparação com a última grande crise na região do Sahel, uma faixa de 500 a 700 quilômetros de largura que fica entre o deserto de Saara e a savana do Sudão.

Julgam os especialistas do Fundo das Nações Unidas para a Infância, que dando chances para que as pessoas possam se organizar para saber com antecedência quando haverá seca ou enchente, parte dos problemas pode começar a ser resolvido. Será preciso também, certamente, apoio financeiro para que os pequenos produtores possam se instrumentalizar.

“Para mitigar a atual crise, o Pam, o Unicef e a FAO lançaram uma iniciativa de resposta conjunta para fornecer suprimentos emergenciais de alimentos, proteger os meios de subsistência e combater a desnutrição. Juntos, eles fornecerão alimentos para 3,5 milhões, protegerão 1 milhão de crianças da desnutrição aguda grave e evitarão mais deterioração para 2,5 milhões de agricultores e suas famílias”, diz o texto no site da Conferência que vai tentar debater e encontrar soluções para a crise, que não é a primeira nem é rara.

A tremenda falta de recursos do continente africano tem feito estudiosos buscarem respostas. A África tem o solo riquíssimo em minerais que são extraídos por muitos. Desde quando ela se tornou apenas uma espécie de território livre para os países e empresas retirarem de lá o que quiserem sem deixar nem terça parte de seu lucro para os habitantes?

Busquei parte dessa resposta (não a explicação total) no livro “A corrida pelo crescimento”, escrito pelo professor emérito indiano  Deepak  Nayyar (Editado pelo Instituto Celso Furtado).  O estudioso analisa, com dados de pesquisa, a drástica transformação da economia mundial a partir da segunda década do século XIX quando, aos poucos, as divisões geográficas do mundo “transformaram-se em divisões econômicas, e estas transformaram-se rapidamente num imenso abismo”.

“A Revolução Industrial na Grã-Bretanha, durante o fim do século XVII, que se espalhou pela Europa nos cinquenta anos seguintes, exerceu uma profunda influência na moldagem do que estava por vir”, escreve ele.

“Os cem anos decorridos de 1850 a 1950 assistiram à integração progressiva da Ásia, da África e da América Latina na economia mundial, através do comércio internacional, dos investimentos internacionais e das migrações internacionais, que criaram entre os países uma divisão do trabalho que teve consequências desiguais para o desenvolvimento. Os resultados desse processo foram o declínio e a queda da Ásia e o retrocesso da África... de modo que, em 1950, a distância entre os países industrializados ricos e os países pobres em desenvolvimento era enorme”.

Desde então, como se sabe, esta distância só fez aumentar.  A pergunta é: as mudanças climáticas e seus eventos extremos causadores de tantas desgraças e mortes poderão ser o efeito catalisador de uma nova geopolítica que inclua a palavra solidariedade entre os países ricos?

O Estado de S. Paulo – China quer se tornar próxima potência de energia limpa

O Estado de S. Paulo – China quer se tornar próxima potência de energia limpa

01/07/2018

Os chineses têm buscado solucionar o desafio de continuar crescendo e ao mesmo tempo diminuir as emissões de gases poluentes. Pelos próximos dois anos, o país tem a ambição de gerar 100 gigawatts de energia solar, uma quantidade suficiente para iluminar mais de 30 milhões de residências. Até 2030, a energia produzida por fontes renováveis na China deve atingir 20% do total – contra os atuais 13%. A China tem a expectativa de se tornar a próxima superpotência de energia limpa. O país já é o maior investidor mundial de energia renovável, tendo feito um aporte de US$ 126,6 bilhões (cerca de R$ 488,1 bilhões, em valores atuais) no setor no ano passado, uma alta de 30% em relação ao ano anterior.

Na comparação com o resto do mundo, os projetos chineses dominaram a expansão global da capacidade de geração renovável ao longo de 2017, que somou 157 gigawatts em novas usinas ao redor do mundo, mais que o dobro do crescimento dos combustíveis fósseis, mostrou um relatório feito com apoio da Organização das Nações Unidas (ONU). Desse total, 98 gigawatts em capacidade solar foi adicionado ao redor do mundo em 2017, com a China contribuindo com mais de metade desse acréscimo de capacidade de produção, ou 53 gigawatts. Sinal de alerta. O distanciamento dos chineses de fontes poluentes de energia, como o carvão e outros combustíveis fósseis, fazem parte de um esforço para a diminuição da emissão de gases poluentes. E esse movimento em direção a fontes limpas é relativamente recentes, se acelerando na última década. Nos anos recentes, o país viu brotar um grande número de parques de energia solar.

De acordo com um estudo de 2016, comandado por pesquisadores chineses e americanos, a queima de carvão foi o principal indutor de mortes relacionadas à poluição do ar na China em 2013, causando cerca de 366 mil mortes prematuras no país. No ano passado, foi inaugurada em Datong, no norte da China, uma estação de energia solar diferente: as placas de captação de energia formam o desenho de um panda, animal que é um dos símbolos do país. No entanto, ainda que fabricantes de equipamentos do setor tenham elevado a produção nos últimos dois anos, conforme os governos apoiaram centenas de projetos para atingir metas de energia limpa, a indústria agora pode estar sofrendo com um excesso de capacidade.

O rápido crescimento do setor de energia solar foi impulsionado, sobretudo, por generosos subsídios estatais. Mas o país tem buscado mudar as formas de incentivo e o crescimento do parque de usinas solares deve sofrer uma desaceleração este ano na comparação com o ano passado. Na avaliação do vice-presidente do Conselho da Associação Fotovoltaica da China, Wang Bohua, a capacidade instalada em geração de energia solar na China deve aumentar cerca de 40 gigawatts em 2018, contra os 53 gigawatts de crescimento registrado em 2017. / COM AGÊNCIAS INTERNACIONAIS

Valor Econômico – Custo ambiental do diesel

Por Márcio Pereira
Getty Images/iStockphotos

O recente movimento grevista dos caminhoneiros levou o governo federal a buscar alternativas para a solução da crise que paralisou o país, definindo-se pela concessão de subvenção ao consumidor de diesel, além da retirada temporária da obrigatoriedade da mistura B10 (10% de biodiesel), entre outras medidas. A par da discussão econômica e política, a solução surge bem no momento em que o governo discute a implementação do RenovaBio (Lei 13.576/2017), que compõe o pacote de políticas públicas destinadas a atender os compromissos assumidos pelo Brasil, por meio do Acordo de Paris, como o de reduzir em 43% as emissões de gases do efeito estufa (GEE) e aumentar a participação de bioenergia sustentável na matriz energética brasileira para 18% até 2030.

O tema biocombustível é atual e urgente. A recente audiência pública, realizada pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), em 5 de junho, Dia Mundial do Meio Ambiente, possibilitou discutir o processo de certificação da produção eficiente de biocombustíveis, que é necessário para a emissão dos créditos de descarbonização (CBIOs), em mais uma etapa para a implantação do RenovaBio. Na mesma data, o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) anunciou a meta de redução de carbono em 10% até o fim de 2028, outro importante instrumento que também aguardava regulamentação. Espera-se, segundo o governo, o crescimento da participação dos biocombustíveis dos atuais 20% para 28,6% na matriz de combustíveis, bem como maior previsibilidade para os investimentos.

É inegável que o Brasil possui uma forte dependência do transporte rodoviário, movido essencialmente a óleo diesel, sendo certo que a sua oneração tributária ou fiscal impacta a cadeia produtiva. Por isso, soluções na mesma linha da que foi adotada na recente crise, por meio da adoção de medidas fiscais e tributárias, para fins de redução das emissões e remoção de gases de efeito estufa, conforme previsto na Política Nacional de Mudanças Climáticas (Lei 12.187/2009), não são um caminho fácil e dependem de lei específica.

Optou-se, assim, pela adição compulsória de biocombustíveis aos combustíveis fósseis. O biodiesel, que apresenta reduzida emissão de gases de efeito estufa na sua cadeia produtiva, foi introduzido na matriz energética brasileira por meio de sua mistura obrigatória ao diesel fóssil (Lei nº 11.097/2005). Com o amadurecimento do mercado brasileiro, foi determinado um cronograma de aumento do teor de biodiesel (Lei 13.263/2016).

Segundo o Ministério de Minas e Energia, em 2017 foram consumidos 4,29 bilhões de litros de biodiesel, o que dá ao Brasil a posição de segundo maior mercado mundial, atrás apenas dos EUA (7,4 bilhões de litros). Importante destacar que alguns segmentos já chegaram a propor a antecipação do aumento gradual da mistura de biodiesel no diesel fóssil de 10% para 15%, podendo se chegar a 20% em dez anos, como meio de obter uma redução do preço final ao caminhoneiro no curto prazo, o que também traria um impacto positivo na redução de emissões do setor de transporte.

Participação dos biocombustíveis deve aumentar de 20% para 28,6% na matriz de combustíveis

Em reforço às adições compulsórias determinadas em lei, o RenovaBio traz uma inovação ao acrescentar no atual quadro normativo um mecanismo inédito no Brasil, que tem sido apresentado como a primeira experiência de criação de um mercado de eficiência ambiental e energética na América Latina, inspirado em solução similar já implementada nos Estados Unidos ("Renewable Fuel Standard"). Como parte do conjunto de medidas para colocar esse mercado em operação, a recente meta nacional de redução em 10% será desdobrada em metas individuais, a serem fixadas anualmente para os distribuidores de combustíveis, conforme sua participação no mercado de combustíveis fósseis. A comprovação ao atendimento da meta individual será por meio da apresentação de CBIO, a ser emitido pelo produtor ou importador de biocombustível em quantidade proporcional ao volume de produção, importação e comercialização de biocombustíveis.

O valor do CBIO dependerá da certificação da produção de biocombustíveis, que atribuirá notas diferentes para cada produtor, em valor inversamente proporcional à intensidade de carbono do biocombustível produzido. A nota refletirá exatamente a contribuição individual de cada agente produtor para a mitigação de uma quantidade específica de gases de efeito estufa em relação ao seu substituto fóssil.

Com a regulamentação da ferramenta de cálculo da Nota de Eficiência Energético-Ambiental (RenovaCalc), em ajustes finais pela ANP, poderá ser contabilizada a intensidade de carbono do biocombustível por meio de uma metodologia que considera a avaliação dos impactos ambientais de um produto durante todo o seu ciclo de vida.

Nesses moldes, o CBIO, que valorizará os combustíveis de menor intensidade carbônica, será um ativo financeiro, negociado em bolsa. Existe, porém, a preocupação de que a aquisição obrigatória desses créditos possa vir a ser um custo operacional das distribuidoras que, por sua vez, poderão repassá-lo adiante até chegar na bomba ao consumidor final. Porém, o governo espera o contrário, estimando uma redução em 0,84% do preço do conjunto de combustíveis oferecidos ao consumidor final. A questão, portanto, parece voltar ao cerne da recente crise: o custo a que a sociedade estará disposta a pagar pelo combustível de menor potencial poluidor, que poderá contribuir para uma economia sustentável e a melhoria da qualidade de vida.

A expectativa é que o RenovaBio agregue, por meio de um mecanismo de mercado, ganhos de eficiência na produção e no uso dos biocombustíveis, inclusive com a busca por matérias-primas com menor pegada de carbono, bem como crie condições para a redução das emissões de gases de efeito estufa no setor de transporte.

Márcio Pereira é advogado e sócio do BMA - Barbosa, Müssnich, Aragão.

Valor Econômico – Sem biomassa, usinas de MT recorrem a eucalipto para geração de energia

MEIO AMBIENTE E ENERGIA


Por Camila Souza Ramos | De São Paulo

Os investimentos em curso para produzir etanol à base de milho em Mato Grosso provocarão uma expansão de outra cultura, ainda rara no Estado: o eucalipto. A árvore, que transformou as paisagens do Sudeste por causa da demanda por celulose, deve começar a ocupar áreas próximas às novas unidades industriais para servir de matéria-prima na geração de energia elétrica dessas unidades.

As usinas que produzem etanol da cana usam o bagaço para gerar energia, que faz rodar as fábricas e as tornam autossuficientes. Já as de etanol de milho não têm biomassa capaz de servir de matéria-prima para cogeração. Logo, a saída dessas usinas é comprar biomassa de eucalipto para abastecer as caldeiras a vapor, que geram energia para a produção de biocombustível.

Mas Mato Grosso hoje está longe de ser uma potência em floresta de eucalipto. O dado mais recente do IBGE indica que o Estado tinha 192 mil hectares plantados com a árvore em 2016, o que o colocava em 11º lugar no ranking de florestas de eucalipto do país.

A cultura está concentrada no sul do Estado - onde se instalou o parque industrial de celulose -, enquanto a maior parte das novas usinas serão erguidas no norte, diz Ricardo Tomczik, presidente da União Nacional de Etanol de Milho (Unem). E, para ser economicamente viável, a área de eucalipto não deve estar a uma distância da usina muito maior que 150 quilômetros, segundo Rafael Abud, diretor financeiro da FS Bioenergia.

"Vamos ter necessariamente um aumento de plantio de eucalipto para atender esses projetos. E com plantio muitas vezes dedicada a uma usina", acredita Tomczik. Ele estima que cada 1 milhão de toneladas de milho processadas demande 10 mil hectares de eucalipto para a cogeração. Isso significa que quando todas as usinas estiverem operando a plena capacidade, de 7,5 milhões de toneladas, serão necessários mais 70 mil hectares de eucalipto no norte do Estado.

A FS Bioenergia, que está ampliando sua capacidade na usina de Lucas do Rio Verde e em breve irá erguer sua segunda unidade em Sorriso, fornece assistência técnica a fazendeiros da região e financia parte do plantio de eucalipto para garantir 30 mil hectares que, no futuro, abastecerão suas duas unidades. Até agora, foram plantados dois mil hectares.

Segundo Abud, a região que será ocupada pelo eucalipto é de áreas marginais de grãos, que não produzem a safrinha de milho no inverno. Já Tomczik aposta em uma expansão do eucalipto sobre áreas de pastagens.