A partir de setembro, o Cerrado não terá somente onças, araras, antas
ou capivaras circulando pelo bioma, mas também elefantes. Isto porque –
a cerca de uma hora do Parque Nacional da Chapada dos Guimarães – será inaugurado o
Santuário de Elefantes Brasil (SEB),
o sexto do mundo, numa área de 1.100 hectares que, antes, eram
dedicados à criação de gado de corte. Isso será possível graças ao
trabalho de duas organizações internacionais – a
Global Sanctuary for Elephants (GSE)*, do Tenessee, EUA, e a
ElephantVoices** – ambas dirigidas por renomados especialistas.
A iniciativa se deve também à paixão de uma brasileira, Junia Machado, por esse bicho amoroso.
Ela representa a
ElephantVoices no Brasil e se uniu à Scott Blaiss –
que
tem mais de 20 anos de experiência no manejo de elefantes africanos e
asiáticos em zoos, circos e em santuários e é o fundador da GSE –
para tocar o projeto. Por conta disso, ele está morando no Brasil há um
bom tempo: inicialmente, para escolher o terreno para a instalação do
santuário –
visitou mais de 100 propriedades! – e acompanhar a primeira fase das obras.
Se você gosta de elefantes, pode ficar feliz com a iniciativa que vai
devolver uma vida digna para alguns deles, mas não espere vê-los de
perto. A reserva não será aberta à visitação pública. Os elefantes que
lá chegarem terão apenas a companhia dos tratadores, dos veterinários e
especialistas e o motivo é muito nobre. Todos são animais que viveram
muitos anos em cativeiro – circo ou zoológico – e sofreram maus tratos.
Alguns, como as elefantas Maia e Guida –
que serão as primeiras moradoras do santuário -,
ficaram encarceradas por mais de 40 anos e, agora, finalmente, serão
tratadas com espaço e muito amor. Outros estão muito debilitados e até
sofrem de distúrbios mentais. Por isso, precisam ficar em paz.
50 jardineiros de florestas tropicais no Cerrado
Mas será possível, mesmo, que eles se recuperem dos traumas sofridos?
No blog do
Santuário de Elefantes Brasil,
há relatos terríveis sobre a vida desses animais em cativeiro.
Mas lá,
também, Scott relata que os elefantes podem levar cerca de um ano para
resgatarem a confiança e a tranquilidade perdidas, mas se restabelecem
completamente. Se depender do empenho de todos os envolvidos, não tenho
dúvida.
50 elefantes chegarão ao santuário com estas tristes características.
Do Chile, vem
Ramba, que é mantida sob os cuidados da
ONG Ecópolis e
mora em um zoológico desde que foi tirada do circo onde “trabalhava”.
Junia e Blaiss ajudaram a ONG a removê-la de lá.
Mas ela só irá para o
santuário depois de as elefantas asiáticas
Maia e
Guida,
que moram em um sítio em Minas Gerais, estiverem devidamente
instaladas. E, este ano, a previsão é que de mais dois elefantes, da
Argentina, conheçam sua nova casa.
Mas o dinheiro para essas remoções não é suficiente – o santuário
brasileiro se mantém com o aporte das duas instituições que apoiaram sua
criação e também de doações de simpatizantes da causa. Por isso, o
Santuário de Elefantes Brasil acaba de criar uma campanha de
crowdfunding para levar suas primeiras moradoras. Falo melhor disso no final deste post.
Por que no Brasil?
Nosso país foi escolhido para abrigar o sexto santuário por diversos motivos e é Junia quem explica: “Desde 2010, a
ElephantVoices, através da
ElephantVoices Brasil,
monitorava os cerca de 30 elefantes mantidos em cativeiro no país e
trabalhava com legisladores para aprovação de uma lei nacional para
proibir o uso de animais em circos.
Hoje, onze estados brasileiros já
têm leis nesse sentido e será necessário um local para receber os
animais quando a lei nacional for implementada.
Além disso, a América do
Sul caminha na mesma direção, tendo cinco países com leis nacionais
implantadas. Soma-se a isso, o fato de que o país tem regiões com
excelente clima, como é o caso da região escolhida, e muita diversidade
de vegetação”.
Foi assim que, em 2012, os diretores das duas entidades juntaram-se a Scott Blais como cofundadores da
Global Sanctuary for Elephants,
para implementação do projeto no Brasil. E Junia completa, com pesar:
“O projeto de lei que proibirá o uso de animais em circos no Brasil
ainda aguarda votação, infelizmente”.
Dos 1.100 hectares do santuário –
marcado por vales e colinas, além de grande variedade de vegetação e muita água –, apenas 40% foi pesquisado até agora e já foram encontrados um rio e 12 nascentes.
Blaiss estudou a região e o
Cerrado
e ficou impressionado com sua beleza e abundância. Ele acredita que os
elefantes se adaptarão muito bem, não só porque são originários da
África e da Ásia, mas porque eles poderão se alimentar de gramíneas –
que adoram! – e também de frutas, folhas diversas, grãos e vegetais.
O Santuário protegerá todos os animais que ali morarem: os nativos e
seus novos amigos. Mas não só eles se beneficiarão da nova vida: a
biodiversidade
local também. Isto porque os elefantes ajudarão a proteger o meio
ambiente local.
Eles utilizam apenas 30% dos nutrientes dos alimentos
ingeridos e não digerem todo o alimento, devolvendo as sementes para a
natureza quando defecam.
Assim, fertilizam as as áreas que habitam,
tornando-as mais produtivas já que a natureza fica ainda mais abundante.
Não é à toa que eles são conhecidos como
jardineiros das florestas tropicais.
Por isso, mesmo antes de ficar pronto, o novo lar dos elefantes já
está sendo pesquisado por professores e estudantes da UNESP de Rio
Claro. Os cientistas querem
mapear e documentar a fauna e a flora
existentes na reserva e também entender os hábitos dos animais que lá
vivem.
Além de abrigar os elefantes e os animais que já vivem na área, o
local será utilizado para a
reintrodução de animais silvestres
como a anta e servirá de objeto de estudos científicos.
Isto significa
que, mesmo depois da chegada dos novos moradores, os pesquisadores
continuarão acompanhando a reserva para identificar e registrar
alterações na biodiversidade. Que, certamente, ficará ainda mais
exuberante com tanta vida nova por lá.
‘Vaquinha’ online para Maia e Guida
A plataforma
Vakinha foi a escolhida para abrigar o primeiro
crowdfunding
do Santuário de Elefantes Brasil, que vai até 15/9 e tornará possível o
transporte das elefantas asiáticas Maia e Guia para a Chapadas dos
Guimarães.
A história delas é muito triste, como a da maioria dos
elefantes que viveram em cativeiro: ambas foram tiradas de sua família,
ainda bebês, na Ásia, e passaram mais de 40 anos trabalhando em circos.
Desde que foram libertadas das apresentações no picadeiro, em 2010,
vivem acorrentadas em um sítio na cidade de Paraguaçu, em Minas Gerais.
O
transporte das duas é caro e o SEB não tem condições de assumir essa
despesa já que está com sua verba integralmente comprometida na
construção das instalações do santuário. São necessários R$ 141 mil que a
ONG dividiu da seguinte forma: R$ 90 mil arrecadados pelo site da
Vakinha,
no Brasil, e o restante em outra plataforma no exterior.
O total
será usado para pagar o custo da transportadora e da construção de duas
grandes caixas metálicas, especialmente projetadas para o transporte de
elefantes com máxima segurança, e que serão reutilizadas em outras
remoções.
O valor de cada contribuição foi estipulado de acordo com a quilometragem que será percorrida:
– 28 reais para cobrir 0,5 km
– 56 reais para 1 km
– 112 reais para 2 km
– 280 reais para 5 km
– 562 reais para 10km.
Caso a meta seja superada, o valor adicional será aplicado na compra
de tubos de aço e petróleo usados para a ampliação dos currais do
santuário. Com um detalhe: as doações também podem ser feitas
diretamente no
site do Santuário.
Vale comentar que o americano Scott Blais já transportou cerca de 50
elefantes para santuários, quando trabalhava nos Estados Unidos –
entre eles, elefantas do Zoo de Toronto, no Canadá, para o Santuário PAWS, na Califórnia – e será o responsável pela supervisão e pelo plano de transporte de Maia e Guida.
Agora, assista ao vídeo da campanha. É de cortar o coração. Ajude
Maia e Guida a encontrarem seu novo lar e viverem felizes como os
elefantes da foto que abre este post.
https://youtu.be/jRx3CBdDE3o
*Santuário de Elefantes Brasil é uma
organização da sociedade civil, sem fins lucrativos, fundada em 2013 e
presidida por Junia Machado, com sede na Chapada dos Guimarães/MT, que
resgata elefantes cativos em situação de risco e oferece a eles o
espaço, as condições e os cuidados necessários para que possam se
recuperar física e emocionalmente dos anos passados em cativeiro.
*
Global Sanctuary for Elephants (GSF) é
uma organização sem fins lucrativos, sediada no Tennessee, EUA, que tem
por missão o fomento e o desenvolvimento de projetos de santuários de
elefantes ao redor do mundo, sendo responsável pela instalação dos cinco
já existentes: dois nos Estados Unidos e três na África e na Ásia. Seu
presidente é Scott Blaiss que, hoje, mora no Brasil devido à implantação
do santuário brasileiro.
*
ElephantVoices é uma organização científica e
sem fins lucrativos da Califórnia, EUA, que mantém suas bases
operacionais no Quênia em em Moçambique, onde realiza projetos de
conservação, trabalhando com o bem-estar de elefantes que vivem em
cativeiro no mundo todo. Tem como objetivo o desenvolvimento da
cognição, comunicação e comportamento social dos elefantes, além da
promoção de seu manejo e cuidados éticos dos mesmos, com base em
pareceres científicos. Sua missão é inspirar a admiração pela
inteligência, complexidade e vozes dos elefantes, garantindo-lhes um
futuro melhor por meio de pesquisa, conservação e troca de
conhecimentos. Seus diretores são a renomada Dra. Joyce Poole, etóloga e
Phd em comportamento de elefantes, e Peter Granli, economista.
Fotos: Divulgação/Santuário de Elefantes Brasil