segunda-feira, 31 de outubro de 2016
Conheça os estudos independentes do seminário Rio de Gente que vão
nortear os debates sobre os impactos sociais e ambientais da lama no Rio
Doce.
Pouco mais de um mês após 40 bilhões de litros de lama da Samarco causar
um rastro de 650 km de destruição, a mobilização de organizações e
artistas que gerou o projeto Rio de Gente conseguiu arrecadas cerca de
R$ 450 mil reais em dois shows beneficentes. O acordo foi que esses
recursos seriam investidos em estudos e monitoramento independentes para
avaliar os reais impactos em toda a extensão do Rio Doce. Agora, um ano
depois do desastre, chegou a hora da primeira “prestação de contas”.
Os seis estudos selecionados nas áreas de água, fauna, flora, saúde,
impacto sociais e direitos humanos, realizados por pesquisadores de
diversas universidades brasileiras, ainda não estão prontos – a previsão
é que as conclusões saiam em janeiro – mas os resultados parciais serão
compartilhados durante o “Seminário Rio de Gente: os desafios da
recuperação do Rio Doce”, que realizaremos nos dias 31/10 e 1/11, no
campus da UFOP, em Mariana (MG).
A intenção é que os novos dados ajudem a alimentar o debate com
especialistas e a comunidade sobre como impulsionar a recuperação do Rio
Doce. “Queremos ter uma discussão com a sociedade para que ela se
aproprie desses estudos e os use em suas reivindicações, tendo mais
embasamento para as medidas de reparação”, diz Fabiana Alves, da
Campanha de Água do Greenpeace.
Em todas as expedições, entrevistas e rodas de conversa realizadas, as
equipes relataram que foram muito bem recebidas, seja pelos agricultores
como os moradores das cidades visitadas. “Isso deixa claro a carência
de apoio e o anseio de respostas por parte da população”, afirma
Fabiana.
Conheça a seguir os objetivos de cada pesquisa e o que elas pretendem responder.
Que água é essa?
Em julho deste ano, uma equipe de sete pesquisadores da UFRJ, sob a
coordenação do doutor em Biofísica Ambiental João Paulo Machado Torres,
realizou sua primeira expedição para detectar possíveis contaminações na
água usada para irrigação e consumo animal nas propriedades de
agricultores familiares da bacia do Rio Doce. Foram coletadas amostras
em 48 pontos diferentes ao longo de 300 km da região para determinar a
presença de metais pesados como chumbo, arsênio, mercúrio, manganês e
cádmio.
O que os animais revelam?
Alguns bichos, por serem tão sensíveis ao lugar que vivem, funcionam
como bioindicadores, ou seja, conseguem transmitir as condições ou
alterações do ambiente natural. É por isso que pesquisadores da UFBA e
da UEFS, liderados pela doutora em Zoologia Flora Juncá, se voltaram com
tanta atenção para girinos, peixes, crustáceos e bivalves (animais que
possuem duas conchas) expostos às áreas de rejeitos em 15 pontos da
bacia do Rio Doce. Após coletar esse animais, eles analisam se esses
animais estão acumulando metais em seus organismos.
Como ter a floresta de volta?
Quando a barragem se rompeu, a onda de lama varreu e soterrou o que
estava pela frente, incluindo a vegetação e áreas agrícolas, criando uma
grossa camada de barro e rejeito de mineração de ferro sobre o solo
original. Qual a forma mais efetiva de recuperar as florestas nessas
condições é o que a pesquisa conduzida pelo doutor em Biologia Vegetal e
professor da Esalq/USP Ricardo Rodrigues e sua equipe pretende avaliar.
Para isso, propriedades rurais da região servirão de experimento para
testar diferentes metodologias de restauração. Elas serão comparadas,
levando em conta os custos de implantação e manutenção e sua eficiência
nas condições ambientais ali existentes. Para isso, integrantes do
Movimento dos Atingidos por Barragem (MAB) se propuseram a conseguir a
mão-de-obra dentro do próprio movimento e as espécies da Mata Atlântica
serão fornecidas por uma empresa de Governador Valadares, cujo viveiro
pode produzir até um milhão de mudas por ano.
O quanto a vida mudou?
Nem só o ambiente foi alterado. O impacto da lama, além de causar 20
mortes, incluindo um aborto, alterou profundamente a vida das pessoas,
mas quanto? Por meio de questionários e entrevistas, rodas de conversa e
observações em espaços de interação, a investigação desenvolvida pela
cientista social Flávia Amboss Merçon Leonardo, pesquisadora do Grupo de
Estudos e Pesquisa em Populações Pesqueiras e Desenvolvimento no
Espírito Santo (GEPPEDES), busca traçar a dimensão social do desastre,
mensurando o impacto no cotidiano, nos modos de trabalho e no lazer dos
atingidos que vivem na região da foz do Rio Doce, no litoral do Espírito
Santo.
Quais os riscos para a saúde?
Mesmo após a tragédia, a lama continua afetando os moradores, que sofrem
com doenças de pele e problemas respiratórios, sem que a Samarco e os
órgão oficiais divulguem dados confiáveis sobre os efeitos para a saúde.
E é justamente isso que a avaliação conduzida pela doutora em Patologia
e diretora do Instituto Saúde e Sustentabilidade, Evangelina Vormittag,
pretende identificar. A intenção é que, com dados claros sobre os
impactos na saúde física e mental, o estudo a partir de três mil
habitantes de Bento Rodrigues e Barra Longa possa orientar as ações e
auxiliar os governantes em suas escolhas sobre políticas e programas
prioritários para reduzir os danos em saúde e a gravidade das
repercussões futuras.
Como amparar os mais fracos?
Entre tantos afetados, o povo Krenak está entre os mais vulneráveis.
Para avaliar os danos aos direitos humanos da comunidade indígena, a
pesquisadora Leticia Soares Peixoto Aleixo, da UFMG, tem visitado as
aldeias para estudar como a lama impactou a vida dos índios, identificar
as consequências jurídicas e as medidas judiciais e extrajudiciais
capazes de reparação a esse povo que vive às margens do Rio Doce e já
foi tão castigado no convívio com a sociedade.
Fonte: Envolverde