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Pecuária avança por áreas protegidas e está por trás de 65% do desflorestamento. No Amazonas, moradores de unidades de uso sustentável tentam conter destruição da mata.
A reportagem é de
Nádia Pontes e publicada por
Deutsche Welle, 24-08-2017.
Na lógica que move a destruição da Floresta Amazônica, ainda é raro encontrar histórias de transformação como a de
Roberto Brito de Mendonça, de 43 anos. Foram necessários 100 anos para que se rompesse – por suas mãos – uma vocação que parecia natural na família: o
desmatamento ilegal.
Aos 12 anos, iniciado pelo pai e o avô, derrubou sua primeira árvore, às margens do rio Negro, no
Amazonas.
Trinta anos depois, abandonou a motosserra – e a ilegalidade. “Eu era
revoltado com o governo que nos pedia para preservar. Na minha
ignorância, eu falava: ‘Não estou nem aí, quero aproveitar a floresta da
forma que eu conheço'”, conta
Roberto, que dependia da madeira para sustentar a família.
A comunidade onde ele vive está dentro da
Reserva de Desenvolvimento Sustentável Rio Negro, no
Amazonas,
criada em 2008 para preservar a mata e o modo de vida das populações
tradicionais. Com 103 mil hectares e 693 famílias espalhadas por 19
vilarejos, a unidade de conservação, no entanto, não está livre do
risco.
“Hoje já temos a pressão de grandes fazendeiros migrando dos estados do
Pará e
Rondônia para o
Amazonas, com grandes empresários fazendo investimentos”, afirma
Renê Luis de Oliveira, coordenador-geral de fiscalização ambiental do
Ibama.
Em toda a Amazônia Legal, a sistemática do desmatamento segue um
roteiro conhecido pelos fiscais: o invasor derruba a floresta em terra
pública, vende madeira para se capitalizar, planta capim e coloca o
gado. Mais tarde, as terras de interesse da agricultura dão lugar ao
cultivo de soja, arroz e milho.
O método “boivigia”
Em sobrevoos de fiscalização, é possível avistar áreas desmatadas sem
qualquer construção –apenas os bois vigiam o terreno. “Os grileiros
invadem esperando, um dia, a regularização fundiária de uma terra que é
pública”, afirma
Oliveira.
O rebanho bovino na Amazônia Legal saltou de
37 milhões de cabeças em 1995, o que era equivalente a
23% do total nacional, para
85 milhões em 2016 – cerca de
40%.
“A pecuária para a criação de gado é a atividade que mais contribui
para o desmatamento na Amazônia, ocupando 65% da área desmatada”, afirma
o estudo recente do
Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia).
Marlene Alves da Costa, uma das lideranças comunitárias na
RDS
Rio Negro, já precisou barrar invasores que queriam trazer gado para as
terras. “Gado aqui é proibido. O que ainda acontece é o roubo de
madeira. Cortam de dia, escondido, e levam embora à noite. Mas nós
denunciamos”, conta.
Os moradores tradicionais de
Reserva Extrativista Jaci-Paraná, em Rondônia, não conseguiram o mesmo. Segundo o
Ibama,
trata-se de uma unidade de conservação mais desmatada do estado.
“Fazendeiros tomaram conta. São mais de 50 mil cabeças de gado na
reserva”, relata
Oliveira.
As áreas ocupadas por populações tradicionais, extrativistas, não
barram os invasores. “É comum a gente verificar aliciamento desses povos
dentro das reservas extrativistas e de uso sustentável. Eles acabam
vendendo sua terra e, muitas vezes, são até afugentados pelos grandes
proprietários”, relata
Oliveira. “É muito complexo”.
Alvo fácil para grileiros
As florestas públicas sem destinação são o alvo mais fácil para os
grileiros e seus bois. “São 60 milhões de hectares de florestas não
destinadas na
Amazônia. São terras públicas que estão à mercê da grilagem”, afirma
Cristiane Mazzetti, especialista em
Desmatamento Zero do Greenpeace. O tamanho da área em questão equivale a quase o dobro do território da Alemanha.
“Os povos da floresta são fundamentais para a conservação. Qualquer
planejamento tem que levar em consideração as populações tradicionais,
os indígenas, garantir o direito à terra e atividades econômicas que
mantenham a floresta em pé”, diz
Mazzetti a favor do aumento das unidades de conservação.
A pecuária não entraria nesta lista. O controle dessa atividade,
inclusive, virou prioridade para coibir a destruição do ecossistema. Em
mais de um ano de investigação, o
Ibama multou 14 frigoríficos que compraram produtos vindos de áreas desmatadas ilegalmente ou embargadas.
Mazzetti destaca ainda o peso da política: “É
fundamental que o governo não aprove medidas que sigam na direção
contrária. E o que a gente vê é o contrário: propostas discutidas no
Congresso que dão a expectativa de redução de unidades de conservação,
ou desafetação, o que acaba contribuindo com a invasão dessas áreas.”
Após a aprovação da chamada MP da Grilagem (MP 759/16), tramita no
Congresso o projeto que reduz a proteção na Floresta Nacional do
Jamanxim,
Pará. Na última quarta-feira, o governo
federal publicou um decreto que extingue a Reserva Nacional de Cobre e
Associados (Renca), na Amazônia. A reserva, criada em 1984, possui cerca
de 47 mil quilômetros quadrados.
Desmatamento e vocação
Embora o balanço divulgado pelo
Imazon tenha
apontado queda de 21% do desmatamento entre agosto de 2016 e julho de
2017, a situação não é de alívio. “A gente ainda está em 2017 muito
aquém de onde deveríamos estar para dizer: ‘Estamos no rumo da
eliminação do desmatamento e de cumprir as metas estabelecidas no
Acordo de Paris‘”, comenta Carlos Rittl, secretário-executivo do Observatório do Clima.
Para ele, Brasília erra ao mandar o seguinte recado: “Com a anistia
do Código Florestal, da grilagem, de invasão de áreas protegidas,
retirada de direitos de povos indígenas, flexibilização de leis
ambientais, eles mostram que o crime florestal compensa.”
Rittl dirige a crítica ao governo
Temer
e às concessões à bancada ruralista. “O chefe da bancada, inclusive, se
esquece que a agricultura, que ele em tese defende, depende de água,
que depende de floresta. Então preservar floresta nada mais é que
assegurar um serviço ambiental para a produção agrícola nacional”,
comenta, sobre a entrevista concedida pelo deputado e chefe da bancada
ruralista Nilson Leitão à DW Brasil. “Ele demonstrou ter uma visão muito
míope sobre o papel das florestas.”
Das margens do rio Negro,
Roberto acompanha
preocupado esses embates. O ex-desmatador, agora empreendedor, espera
que nada atrapalhe sua nova vocação. Para ele, é a falta de conhecimento
que atiça o instinto de destruição. “Passamos 100 anos para descobrir
que a floresta tem valor”, menciona, lembrando a história de sua
família. “O meu sonho é que as pessoas locais tenham a mesma
oportunidade. Porque é através das pessoas locais que a preservação vai
começar.”
(
EcoDebate, 28/08/2017) publicado pela
IHU On-line, parceira editorial da revista eletrônica EcoDebate na socialização da informação.
[IHU On-line é publicada pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da
Universidade do Vale do Rio dos Sinos Unisinos, em São Leopoldo, RS.]
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