Estadão
Por EDUARDO KATTAH, FAUSTO MACEDO, RICARDO BRANDT e RICARDO CHAPOLA
Dos
413 recursos apresentados pelas defesas em segunda e terceira
instâncias da Justiça, desde que Lava Jato foi deflagrada em março de
2014, somente 16 foram concedidos total ou parcialmente
O juiz federal Sérgio Moro, que conduz os processos da Lava Jato em primeira instância. Foto: Evaristo Sá/AFP
O índice de revisão das decisões do juiz federal Sérgio Moro na Lava
Jato é de menos de 4% (cerca de 3,8%) do total de habeas corpus e
recursos de habeas corpus ajuizados pelas defesas na Justiça de segundo
grau e nas cortes superiores. Moro é o responsável pela condução da
operação na primeira instância, em Curitiba.
Conforme levantamento feito pela Procuradoria-Geral da República e
pelo Estado nos tribunais, desde o início da Lava Jato, em março de
2014, até meados de janeiro deste ano, foram ao menos 413 recursos
apresentados pelas defesas. Deste total, somente 16 reclamações dos
defensores foram concedidas total ou parcialmente e 313 (76%) negadas.
Cerca de 85 habeas corpus ainda estão em trâmite (incluindo algumas
decisões que foram alvo de recursos).
Na carta aberta em repúdio ao que chamam de “regime de supressão
episódica de direitos e garantias verificado na Operação Lava Jato”, os
advogados afirmam que “magistrados das altas cortes do País estão sendo
atacados ou colocados sob suspeita para não decidirem favoravelmente aos
acusados em recursos e habeas corpus”.
O documento, assinado por pouco mais de 100 advogados e publicado nos
principais jornais do País no dia 15, classifica a Lava Jato como uma
“espécie de inquisição (ou neoinquisição)” e uma “tentativa de
justiçamento, como não se via nem mesmo na época da ditadura”.
A manifestação gerou respostas contundentes de entidades da
magistratura e do Ministério Público. “Mero falatório, fumaça, que não
gera benefício nem para o cliente pretensamente protegido”, disse a
Associação dos Juízes Federais do Brasil.
A Associação Nacional dos Procuradores da República destacou que as
queixas dos advogados “já são objeto de ações e recursos em trâmite no
Poder Judiciário e vêm sendo rechaçadas em repetidos julgamentos,
afastando qualquer alegação de supressão de direitos aos investigados”.
“Os números absolutos de habeas corpus e recursos na Lava jato
mostram que há, em verdade, um abuso do uso desses recursos em nosso
país”, disse ao Estado o procurador Carlos Fernando Lima, da equipe de
investigadores em Curitiba. “Quanto às críticas, penso que ataques
genéricos, sem a coragem de nominar pessoas ou apontar fatos concretos,
somente desqualificam o manifesto. Mas, é claro, o choro é livre.”
‘Punitivo’. Para o advogado Antonio Claudio Mariz de
Oliveira, um dos signatários da carta aberta, as instâncias superiores
estão sendo influenciadas por um “movimento social punitivo”. “Discordo
das decisões dos tribunais. Os tribunais têm dado muita guarida, apoio
às decisões dele (
Sérgio Moro) porque, de uma certa forma,
estão influenciados por um movimento social punitivo, uma cultura social
punitiva, e os tribunais, de certa forma, receiam contrariar esse
movimento.”
O criminalista Nélio Machado, que também assinou o documento dos
advogados, aposta em análises futuras do Supremo Tribunal Federal. “Esse
score é artificial. Só considero que tem goleada quando a
Suprema Corte efetivamente julgar essas situações anômalas, aí podemos
dizer algo que houve decisão arbitrária. Esses números são falaciosos.
Eles não correspondem a alguma coisa que tenha consistência”, disse.
‘Constrangimento ilegal’. No STF, de 54 recursos,
quatro foram concedidos. No último deles, há dez dias, o presidente da
Corte, ministro Ricardo Lewandowski, mandou soltar o publicitário
Ricardo Hoffmann, acusado de ser um dos operadores da Lava Jato.
Lewandowski apontou “a existência de constrangimento ilegal” na
manutenção da prisão. Dias antes, o presidente do Supremo negou pedido
de liberdade do empreiteiro Marcelo Odebrecht, que está preso
preventivamente desde 19 de junho do ano passado.
A defesa de Odebrecht foi ao Supremo após o Superior Tribunal de
Justiça, em decisão colegiada, manter o empresário preso. Conforme
levantamento da Procuradoria-Geral da República, o STJ já rejeitou 97
recursos das defesas da Lava Jato e não concedeu nenhum habeas corpus
(já transitado em julgado).
Em dezembro, o ministro Ribeiro Dantas
deixou a relatoria da Lava Jato no STJ e repassou os casos ao ministro
Felix Fischer, presidente da Quinta Turma da corte. Ribeiro Dantas
relatou 18 processos da Lava Jato e votou a favor da liberdade de
empreiteiros da Odebrecht e da Andrade Gutierrez. O ministro recorreu a
um procedimento regimental para deixar a função.
Precisamos de pessoas firmes na ética e na moral.