domingo, 19 de julho de 2015

O papa Francisco como zeloso cuidador da casa comum, a Terra



Enfim, um papa que faz a defesa da preservação ambiental


Leonardo Boff
O Tempo


Tempos atrás escrevemos que o papa Francisco, por causa do patrono que lhe inspirou o nome – Francisco de Assis –, teria tudo para ser o grande promotor de uma proposta ecológica mundial. Deveria ser ele, pois, lamentavelmente, faltam-nos líderes com autoridade, palavras e gestos convincentes que despertem a sociedade para as ameaças que afetam o destino comum da Terra e da humanidade, e para a responsabilidade coletiva e diferenciada de salvaguardá-lo para todos.


Eis que esse desiderato se realizou plenamente com a publicação da encíclica “Laudato si”: “Cuidar da casa comum”. Oferece-nos um texto de grande amplitude e de rara beleza intelectual e espiritual, unindo o que era tão caro a são Francisco de Assis e também a Francisco de Roma: o comportamento de cuidado para com a Terra e um amor preferencial para os condenados do planeta.


Essa conexão atravessa todo o texto como um fio condutor. Não há verdadeira ecologia caso não resgate a humanidade dos milhões de empobrecidos de nossa história. O papa Francisco comparece como zeloso cuidador da casa comum. Mostra-se extremamente coerente com a marca registrada da Igreja da Libertação latino-americana, com sua correspondente teologia, a opção preferencial pelos pobres, contra a pobreza e a favor da justiça social e de sua libertação. O oposto da pobreza não é a riqueza. É a injustiça de proporções estruturais e mundiais.



NOVO ESTILO DE VIVER
A ecologia significa mais que um mero gerenciamento dos bens e serviços escassos da natureza. Ela representa um novo estilo de viver, uma arte nova de habitar diferentemente a casa comum, de tal forma que todos possam caber nela. Não somente os humanos, o que configuraria o antropocentrismo duramente criticado pela encíclica, mas todos os seres vivos e inertes, especialmente a grande comunidade de vida que sofre pesada erosão da biodiversidade por causa do predomínio da tecnocracia, outro nome para identificar o principal causador da crise ecológica globalizada: a fúria produtivista e consumista. Esse sistema impõe a todos um comportamento, como enfatiza o papa, que “parece suicida”.



A vinculação entre o grande pobre (a Terra) e os pobres se justifica porque vivemos tempos de extrema urgência: a Terra precisa de um ano e meio para repor o que lhe subtraímos pelo nosso consumo durante um ano. Esse dado nos coloca a questão de nossa sobrevivência coletiva. Temos que mudar se quisermos evitar o abismo.


FRANCISCO DE ASSIS
Como devemos nos relacionar com a natureza e com a Mãe Terra? Com cuidado, fraternidade universal, respeito a cada ser e aceitação da inter-relação de todos com todos.



Nesse particular, Francisco de Roma foi buscar inspiração num exemplo vivo, e não teórico: em Francisco de Assis. Explicitamente, diz: “Creio que Francisco seja um exemplo por excelência do cuidado por tudo o que é débil e de uma ecologia integral vivida com alegria e autenticidade”.



Todos os biógrafos do tempo atestam “o terníssimo afeto que nutria para com todas as criaturas”. Libertava passarinhos das gaiolas, cuidava do animalzinho ferido e chegava a pedir aos jardineiros que deixassem um cantinho livre, sem cultivá-lo, para que as ervas daninhas ali pudessem crescer. O papa adverte que isso não é “um romanticismo irracional, porque influencia as escolhas que determinam nosso comportamento”.



Transparece outro modo de estar no mundo, diferentemente daquele da modernidade tecnocrática. O modo de estar de Francisco é colocar-se junto com todas as coisas para conviver como irmãos em casa. Isso nos poderá abrir um caminho de superação da crise ecológica global.