sábado, 12 de maio de 2018

Harvard envolvida com grilagem de terras no Brasil

Harvard envolvida com grilagem de terras no Brasil

Fraudes cartoriais, expulsão de trabalhadores rurais e desmatamento ilegal marcam a história da área de 140 mil hectares do Oeste na Bahia comprada por fundo da universidade americana

Em parceria com
(Colaborou Alícia PragerEdjarsson Cardoso coloca uma pasta de documentos antigos na mesa de sinuca de um bar mal iluminado em Riachão das Neves, no Oeste da Bahia. Numa manhã chuvosa de domingo, ele reuniu outros seis homens que queriam nos dar provas de sua luta de 20 anos por um pedaço de terra. Todos foram gradualmente expulsos de onde viviam e plantavam comida. Depois de passar por outras mãos, hoje o imóvel pertence a uma subsidiária do fundo patrimonial da Universidade de Harvard.
A história desses sete homens e suas terras perdidas é uma amostra de como as investidas financeiras do fundo de Harvard na agricultura brasileira estão cercadas por acusações de fraudes cartoriais, desmatamento ilegal e expulsão violenta de agricultores de suas casas. E não se trata de um caso isolado. Desde a crise financeira de 2007-08, investidores internacionais vêm buscando ativos menos arriscados e mais rentáveis. Encontraram solo fértil na especulação com a compra de terras em países emergentes, como o Brasil. O aumento da demanda impulsiona as desapropriações de trabalhadores, muitas vezes por meio de grilagem, além de pressionar pelo desmatamento de biomas, como o do Cerrado.

Segue a luta: o grupo de agricultores que não desistiu das terras (Foto Alicia Prager)
Segue a luta: o grupo de agricultores que não desistiu das terras 
(Foto Alicia Prager)
Ameaças que levam à expropriação
A gleba Campo Largo está do lado esquerdo do Rio Grande, em Cotegipe, município próximo a Riachão das Neves. A área de 140 mil hectares, maior do que a cidade do Rio de Janeiro, está  no centro da disputa. Nos anos de 1990, cerca de 240 famílias de pequenos agricultores começaram a se estabelecer no local inabitado que, segundo souberam pelo programa de Reforma Agrária, pertencia ao governo (eram as chamadas terras devolutas). A região onde há a interseção do Cerrado com a Caatinga tinha pouca água, mas grande potencial de produção.
Os agricultores fizeram empréstimos, construíram suas casas e plantaram milho, feijão, arroz e mandioca. Também começaram a pagar os impostos relativos à terra, à espera da regularização de posse. Não tinham títulos, como muitos do Brasil rural. Antes trabalhadores de grandes fazendas, eles estavam ajeitando a vida de uma forma mais independente. Mas, ainda naquela década, começaram a sofrer ameaçadas para deixar o lugar.

Casas de agricultores destruídas em 2010: segundo ONG ação foi de pistoleiros (Foto de divulgação)
Casas de agricultores destruídas em 2010: segundo ONG ação foi de pistoleiros 
(Foto de divulgação)
“Pessoas armadas começaram a chegar aqui, colocar cercas, queimar plantações, destruir nossas casas”, contou Edjarsson, representante de uma associação de 22 famílias que reivindicam 50 hectares de terra cada. Ele também fugiu das ameaças e se estabeleceu em Riachão das Neves, onde vive de aposentadoria.
Muitos simplesmente desistiram da terra com medo da violência. Mas as famílias que resistiram seguem brigando pelos 1,100 hectares, uma ínfima parte da propriedade em jogo.
“Não pedimos muito. Só queremos colocar um fim nesse negócio de pistoleiro e ter o direito de ir e vir. Eu mesmo já fui ameaçado por homens armados na época, apontaram a arma para mim”, diz Antônio Augusto França. “Nós estamos sofrendo as consequências há 24 anos. Estamos todos pobres, velhos, cansados e doentes”.
Títulos forjados e desmatamento ilegal
Com a violência se intensificando, o Estado da Bahia decidiu intervir. Em 2014, a Coordenação de Desenvolvimento Agrário (CDA) do governo baiano concluiu uma ação discriminatória rural, uma perícia  que mapeou a situação da propriedade, recolhendo matrículas e depoimentos. Na denúncia, o procurador responsável pelo caso, Estácio Marques Dourado, concluiu que as terras foram “usurpadas” do estado através de “irregularidades cartoriais absurdas”, com a expulsão violenta de trabalhadores e “preocupantes agressões ambientais”. Também confirma a morte de um homem no conflito, sem dar detalhes.

“Esta (ação) discriminatória constitui-se – em extensão territorial – na maior já realizada pelo Estado (da Bahia)”, escreveu Dourado. A conclusão da ação discriminatória, à qual tivemos acesso, foi encaminhada à Procuradoria Geral do Estado (PGE) da Bahia pedindo a anulação das matrículas das terras, que foram adquiridas “de formas fraudulentas, irregulares e, portanto, ilegítimas”, acrescentou o procurador.
No entanto, ainda não houve abertura judicial do processo. “Posso afirmar que houve pressão de políticos ligados ao agronegócio para o caso não andar”, diz Maurício Correia, da Associação de Advogados de Trabalhadores Rurais do Estado da Bahia. Agora, o grupo planeja pressionar a PGE para dar continuidade ao processo.
Ligamos para a CDA, mas Dourado não trabalha mais na instituição e não conseguimos localizá-lo. Também contactada, a PGE diz que o processo está, sim, correndo e que a entidade vinha tentando uma mediação com os envolvidos.
“A questão transcende um litígio fundiário, mas envolve a própria atividade econômica predominante na região, com geração de empregos, e cujas conseqüências provocariam efeitos colaterais sociais graves”, justificou por nota a procuradora-chefe da Procuradoria Administrativa da PGE-BA, Bárbara Camardelli Loi.
Ela acrescenta que a Caracol não conseguiu justificar a posse da terra pela documentação e, “menos ainda, (como foi) capaz de formar o latifúndio hoje registrado em nome da empresa”. Com isso, diz ela, “a tentativa não obteve êxito”. Em fevereiro agora, a procuradora recomendou, portanto, a abertura de uma ação judicial, que deverá ser instaurada em breve, segundo o órgão, pedindo que as terras sejam devolvidas ao Estado
Propriedade internacional
As terras passaram de mãos em mãos desde a década de 1970. Do deputado estadual Márcio Cardoso, falecido, para o fazendeiro piauiense José Oduvaldo Oliveira Souza, e, por final, para a companhia sulista Caracol Agropecuária LTDA, criada em 2007. Esta última transição de propriedade ocorreu por partes entre 2008 e 2012.
O capital investido nessa terra vem de sócios estrangeiros.
A Caracol pertence à Harvard Management Company (HMC), que gerencia e faz parte do fundo patrimonial  (chamado endowment) da Universidade de Harvard. Mas esta ligação não é direta: a HMC detém duas subsidiárias que controlam a Caracol: Guara LLC e Bromelia LLC – como mostram dados da Receita Federal e da declaração de impostos da HMC  – este último vazado ao público.
O endowment é o patrimônio acumulado por meio de doações recebidas pela universidade, prática comum nos Estados Unidos. No caso de Harvard, esse patrimônio de US$ 37,1 bilhões (R$ 122 bilhões) é gerenciado pela HMC, subsidiária da universidade.
Tanto a Guara LLC quanto a Bromelia LLC têm registro ativo na Receita Federal, mas endereço no exterior: na HMC, em Boston. Não há contatos das empresas disponíveis na internet, nem mesmo no cadastro da receita. A assessoria da HMC foi contactada três vezes, inclusive com questionamentos de suas subsidiárias, mas reafirmou que “não discute investimentos específicos”.
“Muitas companhias deliberadamente criam estruturas que as tornam difíceis de rastrear”, diz Devlin Kuyek, pesquisador da ONG Grain. Ele também explica que sistemas complexos de propriedade foram desenvolvidos para ocupar brechas na legislação brasileira.
Com o aumento da compra de terras por estrangeiros, o Brasil decidiu restringir este tipo de aquisição em 2010 – projeto que voltou a ser discutido recentemente. Hoje, estrangeiros podem adquirir até 25% da área de um município; se for de uma única nacionalidade, o limite cai para 10%. A propriedade da Caracol representa 35% da área de Cotegipe.
“Caracol e Harvard têm a obrigação de checar se a terra adquirida está livre de conflitos. Se não fazem isso, é culpa deles”, diz Devlin Kuyek.
A Caracol, inclusive, foi informada sobre a natureza problemática da terra ainda durante as negociações, afirma Martin Mayr, da ONG 10envolvimento, que supervisiona o caso. Mayr também informou que o dono anterior ofereceu aos camponeses que restavam compensações materiais e financeiras para deixarem a terra antes de vendê-la à Caracol, a partir de 2008.
“Quem não aceitou, tornou-se alvo de ameaças e violências de pistoleiros”, acrescenta Mayr. Hoje, nenhuma das 240 famílias segue vivendo lá, acrescenta.
Além dessas alegações, a Caracol ainda foi multada em R$ 123 mil pelo Ibama por desmatamento ilegal. Os inspetores avistaram de um voo 47 pilhas de madeira removidas sem licença ambiental em 2013.

Comunidade de Cotegipe encontra a polícia: quem resistiu sofreu ameaças (Foto de divulgação)
Comunidade de Cotegipe encontra a polícia: quem resistiu sofreu ameaças 
(Foto de divulgação)
Parte de uma tendência maior
Famílias que perdem o acesso à terra hoje enfrentam um campo de batalha diferente do de anos atrás. “A grilagem é um processo histórico no Brasil, mas a dinâmica disso está mudando. Hoje, há estruturas de investimentos internacionais por trás destas violações. Isto é algo novo ao qual se deve prestar mais atenção”, diz Fábio Pitta, da ONG Rede Social de Justiça e Direitos Humanos.
Um trabalho do Banco Mundial identificou um crescente interesse global na aquisição de terras – tanto para a produção de comida quanto para a simples especulação com o ativo. E de acordo com o grupo de monitoramento global Land Matrix, ao todo 26,7 milhões de hectares foram transferidos para mãos internacionais entre 2000 e 2016, 2% da terra agriculturável.
A especulação internacional a partir da aquisição de terras é uma tendência que veio na esteira da crise financeira de 2007-08. Em busca de retornos estáveis, corporações financeiras se voltaram para a compra de propriedades rurais em países emergentes. O imóvel se torna o ativo – a produção agrícola gerada dali é uma via secundária de lucro. Uma vez convertida em área produtiva ou implementadas melhorias, o preço da terra tende a subir. Dessa forma, lucra-se através de aluguel, compra e venda de terras ou até por meio de produtos financeiros, como os debêntures.  
Mesmo com restrições, o Brasil é uma das cinco nações com as maiores taxas de aquisição de terras por estrangeiros. O que o torna tão popular é que aqui o ativo é considerado mais seguro do que em outros países em desenvolvimento, diz Devlin Kuyek: “Mas há também muitos conflitos de terras e violações de direitos humanos envolvidos”, pondera.
Os estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia – conhecidos pelo setor agrícola como Matopiba – estão na última fronteira de expansão do agronegócio e são o principal alvo da especulação com terras, de acordo com o relatório da ONG Rede Social de Justiça e Direitos Humanos. Matopiba é atraente a investidores estrangeiros porque a terra é barata e tem projeções de valorização rápida.

Cerrado: áreas ameaçadas pela ação de especuladores estrangeiros (Foto Alícia Prager)
Cerrado: áreas ameaçadas pela ação de especuladores estrangeiros 
(Foto Alícia Prager)
Esse aumento da procura por investidores estrangeiros está indiretamente relacionada com – ou terceirizando, como diz a Rede Social – a expropriação de agricultores, comunidades tradicionais e tribos indígenas, que comumente não têm títulos, como no caso de Campo Largo. No Brasil, isso ainda vem acelerando o desmatamento do Cerrado – um bioma que abriga 5% da biodiversidade mundial e oito das 12 bacias hidrográficas brasileiras.
Além de Harvard, outro fundo internacional, o Teachers Insurance and Annuity Association – College Retirement Equities Fund (TIAA-CREF) é atuante no setor agrícola brasileiro. Trata-se de uma das maiores firmas de investimento dos Estados Unidos, que gerencia fundos de pensão não só de lá, mas do Canadá e da Suíça. Já foi alvo de pressão em 2015 pela falta de transparência com seus ativos, sobre os quais também havia acusações de violações de direitos humanos.
Não se faz muito com a terra hoje
Do total da área da propriedade, menos de 300 hectares foram destinados à plantação de milho, feijão, soja e eucalipto, de acordo com o relatório baiano de 2014. Outros 14 mil hectares viraram pastos para as 3.200 cabeças de gado. Mas ano após ano, a área se torna menos produtiva.
Daniela Stefano, da ONG Rede Social, esteve em Cotegipe no início de março e conseguiu entrar na fazenda. Ela confirma não ter visto movimentação na propriedade, usada especialmente para o plantio de eucalipto e a criação de gado. Além disso, o número de empregados caiu para 50 pessoas, contra os 84 de poucos anos atrás, diz ela. Grandes porções da propriedade ainda estão cobertas por vegetação natural. Ela não avistou homens armados no local durante sua visita.
Ainda assim, a situação parece tensa como nunca. Stefano participou de uma reunião com a comunidade e a Granflor, que faz parte da Caracol e é responsável pela gestão do local. “Quando perguntaram ao representante da empresa se a Caracol sabia do conflito antes de comprar a terra, ele simplesmente saiu da sala”, diz. A Caracol e a Granflor não se posicionaram.
Enquanto isto, aqueles homens por trás da mesa de sinuca amargam a perda de suas casas. “A terra está lá parada, não podemos fazer nada”, diz Pedro dos Santos Serpa. “A única coisa que eu queria ouvir hoje é: olha, toma, aqui está a sua terra, você pode produzir nela”.
Após a conversa regada por um café açucarado, Edjarsson Cardoso recolhe cuidadosamente os documentos e os dispõem novamente em ordem cronológica nas folhas de plástico. Por uma última vez, ele folheia e confere a pasta verde-água antes de se despedir e deixar o bar. E sai segurando, com firmeza, cada pedaço de papel que possa provar que eles têm razão.

A pasta de documentos dos agricultores que lutam para recuperr suas terras (Alicia Prager)
A pasta de documentos dos agricultores que lutam para recuperr suas terras
 (Alicia Prager)
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Escrito por Flavia Milhorance

Flavia Milhorance

Jornalista com mais de dez anos de experiência em reportagem e edição em veículos de imprensa do Brasil e exterior, como BBC Brasil, O Globo, TMT Finance e Mongabay News. Mestre em jornalismo de negócios e finanças pelas Universidade de Aarhus (Dinamarca) e City University, em Londres.

Captação de água por grandes empresas compromete rios do Cerrado

Captação de água por grandes empresas compromete rios do Cerrado



“Ficava bem ali”, diz Marcos Rogério Beltrão apontando para uma depressão de terra avermelhada e cheia de pedras sob uma pequena ponte de madeira. É a estação chuvosa em Correntina, uma pequena cidade do Oeste da Bahia, e aquele caminho pedregoso deveria estar cheio d’água. No entanto, está totalmente seco.
Cerca de uma dúzia de outros riachos próximos está assoreado, quase vazio ou morto naquele dia empoeirado, de 40 graus, no final de fevereiro.
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Riacho que corta o Vale do Arrojado está completamente seco em plena época chuvosa.
Alicia Prager
Nascido em Correntina, o ex-pequeno agricultor e ambientalista Beltrão nos levou por um vale da zona rural abastecido por vários riachos que se conectam ao rio Arrojado. Na beirada do rio principal, ele explica: “Ele está fluindo com 40 mil litros por segundo durante a estação chuvosa. Esta deveria ser a vazão da estação seca”.
Correntina é coberta principalmente pelo Cerrado, que oferece abundantes recursos hídricos, apesar de secas sazonais. Localizado em sua maioria na porção central do Brasil e composto por chapadas, o bioma distribui águas para as regiões vizinhas. Oito das 12 bacias hidrográficas e três aquíferos – Guarani, Bambuí e Urucuia – estão neste segundo maior bioma brasileiro, perdendo apenas para a Amazônia, e é considerado o berço das águas do país.
Dos 31 mil moradores do município, 60% vivem no campo e dependem de sistemas artesanais e da chuva para irrigar sua pequena produção familiar. A pequena cidade rural entrou no holofote nacional no final do ano passado, quando um quarto da população foi às ruas protestar contra o uso excessivo da água por grandes fazendas das região. Eles acreditam que essa é a razão pela qual o nível dos rios está diminuindo.

Insatisfação crescente

O grande protesto tomou as ruas da cidade no dia 11 de novembro. Uma semana antes, no dia 2, centenas de pessoas (informações são pouco precisas sobre o total) destruíram a infraestrutura da fazenda Rio Claro, de propriedade da Lavoura e Pecuária Igarashi. Durante aquele dia, um pesado aparato policial foi enviado à fazenda. Ninguém se feriu.
O caso está sendo investigado pela delegacia local, que já identificou os possíveis envolvidos e está tomando depoimentos. A Rio Claro está recuperando sua operação depois de meses inoperante e diz que os prejuízos chegam a R$ 50 milhões.
O instituto de meio ambiente da Bahia, Inema, aprovou que ela retirasse de 176 milhões de litros de água por dia do rio Arrojado.
A fazenda chegou à região há 14 anos para produzir grãos e legumes. O instituto de meio ambiente da Bahia, Inema, aprovou que ela retirasse de 176 milhões de litros de água por dia do rio Arrojado. De acordo com os cálculos da Comissão Pastoral da Terra, com base na companhia de abastecimento local, isso poderia garantir água por mais de um mês a toda a população de Correntina.
Samuel Britto, da Comissão Pastoral da Terra, está supervisionando o caso. Ele diz que os protestos ocorreram depois que a população viu relatos na mídia local de que a empresa estava expandindo sua atividade. Ao mesmo tempo, houve uma queda brusca do nível do rio, não necessariamente relacionado ao uso da fazenda.
O advogado da Igarashi, Marco Aurélio Naste, explica que a fazenda usava água abaixo da vazão autorizada e que, na época do incidente, estava fazendo obras para chegar ao valor total. Mas a assessoria de imprensa não informou o quanto de água a empresa retirava do rio.
Naste ressaltou que a companhia operava com licença ambiental e foi surpreendida pelo ato: “A companhia não tinha um histórico de conflito com a comunidade. Ela opera totalmente regular, as denúncias [de que haveria remoção irregular de água] são improcedentes”.
Britto acrescenta que os atos eram contra a própria outorga do Inema. O órgão se manifestou sobre a situação.
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Povos mantém modo de vida simples no Vale do Arrojado.
Flávia Milhorance

17 rios secos

Correntina testemunha a redução da água à medida que a agricultura avança pela vegetação de Cerrado e instala grandes sistemas de irrigação na região. A cidade é um importante produtor de soja e colheu 357 mil toneladas ano passado, mas é campeã nacional de desmatamento: abriu 165 quilômetros quadrados de vegetação entre 2013 e 2015. Ela está no centro da expansão agrícola do Brasil e torna-se cada vez mais um local de conflitos pela água.
Desde 1985, a Pastoral da Terra contabilizou 41 conflitos na localidade, grande parte com relação à água.
“A cidade é emblemática da crescente insatisfação das pessoas com o agronegócio e seus impactos na água da região”, diz Britto, que acompanha os conflitos territoriais no Oeste da Bahia.
Desde 1985, a Pastoral da Terra contabilizou 41 conflitos na localidade, grande parte com relação à água. Em 2000, havia 17 rios secos, diz ele, com base em notícias da época. Não há dados exatos hoje, mas a situação não melhorou. “Pelo contrário, as coisas estão ficando piores à medida que as empresas avançam pela terra”, acrescenta.
A Fazenda Sudotex também está no centro de uma polêmica sobre abastecimento de água em Correntina. A companhia, que planta algodão, foi autorizada a construir 15 poços artesianos. A água retirada do aquífero Urucuia preencheria dez reservatórios com a capacidade para 190 milhões de litros cada e serviria para irrigar a plantação durante a estação seca. Isto significa uma capacidade de armazenamento de quase dois bilhões de litros d’água para uma única companhia.
O projeto estava em andamento quando, em 2015, a população protestou nas ruas. Depois, grupos ambientais entraram na Justiça e conseguiram embargar a obra. A Sudotex apelou, e o caso está em andamento em segunda instância. A empresa não quis se pronunciar.
“Eles dizem que trazem emprego, mas destroem o nosso rio”
Por causa da agricultura, a população de Correntina precisa prestar bastante atenção aos ciclos de chuva e ao nível dos rios. A qualquer um que se perguntasse por lá, a percepção era a mesma: de que a água diminuía ano a ano. A imagem das grandes fazendas entre os moradores é bem negativa.
“É por causa deles que estamos tendo problemas com água, e eles estão piorando”, diz Glauciene Moura, que vive na zona rural do vale do Arrojado. “Estas companhias não podem tomar o nosso rio. Nós usamos só um pouquinho dele. Se eles precisam de água, nós também”.
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Josivaldo, Francelina, Glaucilene e Lara de Oliveira Silva, 3 anos, são moradores do Vale do Arrojado.
Flávia Milhorance
“Eles dizem que trazem emprego, mas destroem o nosso rio. Eu olho para a minha filha, Lara. Ela tem 3 anos. Em 20 anos, talvez tenha que se mudar daqui”, continua.
Cinco gerações de sua família dependeram dos chamados regos, um sistema artesanal que retira uma pequena porção do rio e o reorienta a canaletas de terra para abastecer famílias vizinhas. Era usado na agricultura e até no consumo próprio. Hoje, além de boa parte dos riachos, a maioria dos regos está seco. Eles agora dependem do abastecimento municipal.
“Ela tem 3 anos. Em 20 anos, talvez tenha que se mudar daqui”
Sua mãe, Francelina Moura, diz que a chuva também tem diminuído. Nos últimos três anos, sua família perdeu a plantação por causa das fortes secas sazonais. A última vez que choveu, diz ela, foi duas semanas antes de nossa visita: “A chuva foi tão boa, ela traz tanta riqueza para a gente!”
Edite Silva também perdeu cinco colheitas. E o gado também sofreu cortes, porque sua família hoje precisa arrendar pastos verdes, disputados na região. “Aqui tinha água à vontade”, diz Silva, que se mudou para o local há 35 anos.
Representando 1300 agricultores, a Associação de Agricultores e Irrigantes da Bahia (Aiba) foi contactada, mas não respondeu às perguntas encaminhadas.

Cerrado: importante distribuidor de águas

A contínua expansão agrícola, que força o desmatamento, tem pressionado o Cerrado – que já cobriu dois milhões de quilômetros quadrado, mais de 20% do território brasileiro. Hoje, metade está de pé. Os grandes sistemas de irrigação também têm se expandido no bioma, segundo um estudo da Embrapa Cerrados.
O Código Florestal deixou de proteger as matas próximas a nascentes intermitentes
Um artigo dos EUA publicado no periódico Global Change Biology diz que o impacto da agricultura no Cerrado pode alterar seus ciclos hídricos. Ele sugere que o avanço da agricultura reduz a quantidade de água reciclada para a atmosfera a cada ano. Outra pesquisa, das universidades de Göttingen e do Mato Grosso, explica que a capacidade do Cerrado de distribuir e armazenar água depende muito de sua vegetação nativa. Os resultados mostraram que a conversão de mata para pasto deteriora o solo e reduz a evapotranspiração.
Enquanto isto, a legislação ambiental para a água afrouxa, por exemplo o Código Florestal deixou de proteger as matas próximas a nascentes intermitentes, alerta um estudo. Apenas as águas perenes são protegidas. Quarenta por cento das nascentes do Cerrado são sazonais, mas todas indispensáveis para a resiliência do bioma. A remoção da vegetação do entorno pode secá-las de vez, diz o autor do artigo, Rafael Loyola, da Universidade Federal de Goiás.

Potencial de irrigação

No Brasil, a irrigação corresponde a 67,2% da água consumida, de acordo com a Agência Nacional da Água. A demanda por água em geral cresceu 80% nas últimas duas décadas e deve aumentar mais 30% até 2030.
Pesquisador da Embrapa Cerrados, Jorge Enoch diz num artigo que o Brasil ainda tem potencial para expandir a irrigação no Cerrado, mas que o manejo inadequado e a concentração de grandes sistemas de irrigação em poucas regiões, incluindo o Oeste da Bahia, está provocando o acirramento de conflitos por água.
Os estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, no Norte e Nordeste, conhecidos como Matopiba, estão na última fronteira de expansão agrícola. Lá, o agronegócio avança tão rápido quanto o desmatamento do Cerrado e a intensificação de conflitos. Dados da CPT mostram aumento de 150% para 172 conflitos por água em cinco anos, o que afetou 44 mil famílias. A maior parte está no Sudeste, enquanto o Norte acumula o maior número de famílias afetadas – 16 mil – e o Nordeste, mais conflitos relacionados à apropriação privada de água pelo agronegócio – 17 no total.
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Juscelino Santos resiste na terra e constrói cercas para salvaguardar as nascentes dos rios.
Alicia Prager
Em suas porções mais ao sul, no caso do Norte, e a Oeste, da Bahia, esses estados foram historicamente ocupados por tribos indígenas e comunidades tradicionais. Desde os anos 1980, clima favorável e disponibilidade de terras atraíram grandes fazendas que vieram expandindo pela porção oposta. Hoje, estes dois tipos de ocupação se chocam. Juscelino Santos, representante da comunidade tradicional Fundo de Fecho de Pasto nasceu na região e se apropria do Cerrado para alguns modos de vida, como a criação de pasto solto. Nos últimos anos, sua comunidade tem tentado salvar as cabeceiras dos rios da região. Na chapada, as pessoas têm instalado cercas para evitar a movimentação intensa e definir seu espaço.
“Meus avós nasceram e viveram aqui. Agora, eu estou resistindo”, diz Santos.




Este texto foi originalmente publicado em inglês por Mongabay.

Foto em destaque: Parte final do Rio Arrojado flui a 40 litros por segundo na estação seca o que deveria ocorrer na época chuvosa, segundo ambientalista.

Protegido pelo desmatamento legal, agronegócio avança pelas últimas fronteiras do Cerrado

Protegido pelo desmatamento legal, agronegócio avança pelas últimas fronteiras do Cerrado

Plantações sem fim de soja, algodão e milho se contrapõem à vegetação nativa na beirada do asfalto no trajeto de 600 km de Brasília a Barreiras, no Oeste da Bahia. Outdoors de produtos agrícolas e caminhões abarrotados são companheiros na BR-020 em linha reta. A monocultura se expande na mesma direção que percorremos no fim de fevereiro rumo a Matopiba.
Após décadas de exploração das regiões central e sul do país, o agronegócio agora mira nas áreas inexploradas de Cerrado do Norte e Nordeste. Mercado e governo veem a região como estratégica para aumentar a produtividade nesta década. Terras baratas, relevo e clima adequados e legislação ambiental fraca a tornam atraentes. E a expansão da fronteira agrícola ocorre na mesma velocidade que a devastação do bioma até então ofuscado pela Amazônia.
“O Cerrado não está sendo protegido nem por unidades de conservação, nem pelo Código Florestal”
“É dramático o que está acontecendo”, diz Edegar de Oliveira, coordenador do programa de Agricultura e Alimentos da WWF Brasil. “O Cerrado não está sendo protegido nem por unidades de conservação, nem pelo Código Florestal”.
O desmatamento ilegal da Amazônia persiste. Mas, no caso do Cerrado, ele é permitido. O  Código Florestal preserva 80% da floresta amazônica, mas apenas entre 20% e 35% do Cerrado. Essas áreas são as chamadas reservas legais – trechos de propriedades privadas em que os donos precisam manter uma determinada parcela de vegetação nativa.  Aprovado em 2012, o código teve a constitucionalidade recentemente mantida pelo Supremo Tribunal Federal. Além disso, 7,5% do Cerrado é protegido por unidades de conservação, como parques nacionais. Na Amazônia, são 50% – seja por áreas de conservação ou terras indígenas.

5% da biodiversidade do planeta

Tem sido difícil competir com a atenção que a Amazônia recebe, mas o Cerrado é a savana mais rica do mundo: 5% das biodiversidade planeta vive ali. E 137 espécies animais do bioma correm risco de extinção, segundo a organização International Union for Conservation of Nature and Natural Resources, que mantém uma lista vermelha de biodiversidade ameaçada. O cerrado também é essencial para a distribuição de água do país porque alimenta oito das 12 bacias hidrográficas brasileiras, incluindo os rios Amazonas e São Francisco, além de três grandes aquíferos:  Guarani, Bambuí and Urucuia.
O Cerrado já ocupou dois milhões de quilômetros quadrados, abrangendo 20% do território brasileiro por dez estados e o Distrito Federal. Hoje, menos da metade está de pé.
O Cerrado já ocupou dois milhões de quilômetros quadrados, abrangendo 20% do território brasileiro por dez estados e o Distrito Federal. Hoje, metade está de pé. E a velocidade de desmatamento desse bioma esquecido é mais rápida que a da Amazônia. Segundo o Ministério do Meio Ambiente, 9,4 mil quilômetros quadrados foram desmatados de Cerrado, contra 6,2 mil da Amazônia em 2015 – para quando há dados de comparação.
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Solo avermelhado, galhos retorcidos e chapadas compõem paisagem singular do Cerrado, em Formosa do Rio Preto, na Bahia.
Foto: Flávia Milhorance
Enquanto isso, o Ministério da Agricultura olha para o bioma como uma área de exploração do agronegócio. Num relatório recente, escreveu que “a expansão (agrícola da década) deve ocorrer em áreas de grande potencial produtivo, como as de Cerrado compreendidas na região que atualmente é chamada de Matopiba”.

Soja toma a paisagem

Matopiba é a região que compreende os estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, nas regiões Norte e Nordeste. Pode ser pouco familiar para a maioria, mas é conhecido pelo setor como sinônimo de “última fronteira agrícola”. E não é apenas uma projeção. A ocupação da área começou lentamente nos anos 1980, mas agora galopa. Investidores de terras vêm comprando territórios na região, onde só a produção de soja cresceu 253% em pouco mais de uma década.
65% da perda de Cerrado brasileiro entre 2013 e 2015 ocorreu dentro destes quatro estados
O desmatamento segue junto com o avanço da fronteira agrícola. Um levantamento feito com base nos dados do Ministério do Meio Ambiente revela que 65% da perda de Cerrado brasileiro entre 2013 e 2015 ocorreu dentro destes quatro estados. Além disso, as cidades-chave do agronegócio de Matopiba mencionadas pelo relatório do governo são também as campeãs de desmatamento:  Balsas, no Maranhão; Uruçuí e Baixa Grande do Ribeiro, no Piauí; e Formosa do Rio Preto, São Desidério, Correntina, e Barreiras, na Bahia, correspondem a 1,5 mil (quase 10%) dos 17 mil km² desmatados de Cerrado no país no mesmo período.

Lei “exigente”

O Código Florestal permite ao agricultor desmatar até 80% de sua fazenda para a plantação. Essa regra recebe uma enxurrada de críticas de ambientalistas. Mas o engenheiro agrônomo Fernando Sampaio pondera. Ele diz que o código “é uma das leis mais conservacionistas e exigentes do planeta”. E explica que a lei ambiental de outros países não impõe a reserva legal como faz o Brasil. Na maioria, é o Estado que assume a responsabilidade pela conservação através da criação de parques e áreas de preservação.
“Imagine dizer a um fazendeiro texano ou australiano que eles não podem usar 20%, 50% ou 80% de sua propriedade privada. Lá isso é impensável”
“Imagine dizer a um fazendeiro texano ou australiano que eles não podem usar 20%, 50% ou 80% de sua propriedade privada. Lá isso é impensável”, diz Sampaio, diretor-executivo da Estratégia Produzir, Conservar e Incluir do Estado do Mato Grosso. “O problema todo está em colocar nas costas de uma parcela da sociedade, os produtores, todo o custo de um benefício – clima, água, biodiversidade – que em tese é de todos”.
Sampaio sugere, portanto, que o governo dê compensações ambientais a fazendeiros para que eles não desmatem o que poderiam legalmente e que crie novas áreas de proteção com as terras sem destinação.

Economia dependente do agronegócio

O agronegócio correspondeu a 23% do PIB e 44% das exportações em 2017 no Brasil. Enquanto o país continua imerso em uma crise econômica, a pequena recuperação – de 1% de aumento do PIB no ano passado – ocorreu devido ao setor.
Já Matopiba representa em torno de 10% da produção de grãos do país, e a projeção é de um aumento de 30% na produção (244,3 milhões de toneladas) e 15% (65,0 milhões de hectares) na área plantada na próxima década, segundo o relatório do Ministério da Agricultura.
“No início, eu trabalhava com pequenos produtores, mas hoje eu percebo a região tomando o rumo do Mato Grosso, dos grandes celeiros do agronegócio do Brasil”
Essa relevância econômica da região só se intensificou nos últimos anos. O agrônomo Deosdete Santiago chegou a Barreiras em 1980 e testemunhou o boom do Oeste baiano. Ele veio à região trabalhar em um extinto programa do governo, mas acabou seduzido, diz ele, pelo agronegócio. Por anos, vendeu agrotóxicos da Monsanto. “No início, eu trabalhava com pequenos produtores, mas hoje eu percebo a região tomando o rumo do Mato Grosso, dos grandes celeiros do agronegócio do Brasil”, conta.
A expansão foi estimulada principalmente por proprietários privados, e a presença do estado tem sido intermitente. Em 2015, o Ministério da Agricultura lançou um plano para resolver a falta de infraestrutura e estimular o setor por lá. A ex-ministra do governo Dilma Rousseff, Kátia Abreu, política e pecuarista do Tocantins, se encarregou de perto do projeto, acessando investidores internacionais e distribuindo recursos.
A crise política que levou ao impeachment de Dilma em 2016 mudou as prioridades. Quando assumiu, o presidente Michel Temer extinguiu o plano e indicou como novo ministro da Agricultura Blairo Maggi, empresário do agronegócio do Mato Grosso. A mídia especializada do Norte vem pressionando o ministro pela pouca atenção à região, enquanto aumenta recursos a prefeituras de seu Estado. Durante a viagem, observamos projetos de ferrovia e termoelétrica abandonados em São Desidério. O Ministério da Agricultura foi contactado para falar destes e outros desafios gerais de Matopiba, mas não respondeu às questões.
Apesar da momentânea pouca atenção de Brasília, a expansão rumo ao norte acontece por conta própria. Além disso, tramita no Congresso o projeto de lei 279/16, que se aprovado, autoriza a criação da Agência Matopiba para fortalecer a posição do agronegócio na região.
É no Congresso que as políticas ambientais vêm sendo afrouxadas. O agronegócio é representado por 40% dos deputados através da bancada ruralista. “Sua influência é muito forte, não se faz nada sem o consentimento deles no Congresso”, critica Tiago Reis, do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM).

Existe saída

À medida que a fronteira agrícola se expande, ambientalistas de diferentes organizações têm fortalecido seu papel na área e estabelecido conexões com os atores locais para acompanhar os potenciais impactos na paisagem e nas populações. Edegar de Oliveira viajou numa expedição da WWF para os estados do Matopiba no ano passado.  Dali foi lançado um relatório com recomendações para investimentos responsáveis de companhias que produzem e compram commodities. Ele acredita que é possível aliar objetivos do agronegócio e dos conservacionistas do Cerrado, mas apenas com muita atenção. A expedição da WWF observou experiências responsáveis com produtores de soja, ele diz, mas outras “muito traumáticas”.
Pesquisadores também argumentam que é possível salvar o Cerrado e aumentar a produção agrícola.
Pesquisadores também argumentam que é possível salvar o Cerrado e aumentar a produção agrícola. Por exemplo, a produtividade do setor pecuário em Matopiba é baixo, de acordo com um estudo publicado no periódico Nature Ecology & Evolution. Ao se aumentar a produtividade das fazendas de gado e se limpar parte delas para a cultura de soja, é possível promover o crescimento evitando o desmatamento ao mesmo tempo, diz o relatório.
“As peças do quebra cabeça já estão na mesa”, diz Bernardo Strassburg, fundador e diretor executivo do Instituto Internacional para Sustentabilidade (IIS), no Rio de Janeiro. Algumas ações precisam apenas ser fortalecidas e reajustadas, acrescenta.
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Cachoeira Acaba Vida, no Oeste baiano. O Cerrado é o berço das águas brasileiras, mas enfrenta devastação.
Foto: Flávia Milhorance
Entre as mudanças sugeridas está a expansão da moratória da soja para o Cerrado, já que esse foi um dos fatores-chave para reduzir o desmatamento da Amazônia por produtores do grão. Esse acordo veta a compra da produção de áreas desmatadas ilegalmente e foi firmado entre governo federal, ONGs e produtores de soja em 2006. Uma década depois, um relatório publicado em janeiro mostrou que apenas 1,2% do desmatamento na floresta amazônica  ocorreu pelo plantio do grão. Cerca de 20% dos 5 milhões de quilômetros quadrados da Amazônia Legal são de Cerrado e não estão coberto pelo acordo, nem o resto das terras do bioma ainda sem destinação no país.
Já se nota mais mobilização pelo Cerrado. Em outubro do ano passado, 23 companhias globais – na maioria cadeias de fast food e supermercados – assinaram o Cerrado Manifesto, uma convocação para cortar o desmatamento na região. Em três meses, o número de integrantes saltou para para 61 e ganhou a atenção de representantes do Fórum Econômico Mundial em Davos . Além disso, a campanha nacional “Sem Cerrado, sem água, sem vida” também se populariza: 43 entidades, entre elas ONGs e o Ministério Público Federal (MPF), pressionam o governo brasileiro, a ONU, o Banco Mundial e outras instituições por mais fiscalização dos prejuízos ao bioma. A campanha lançou na última sexta-feira uma petição para que o Cerrado se torne patrimônio nacional. Em menos de uma semana, já ultrapassou as 50 mil assinaturas.
Contactamos a Associação de Agricultores e Irrigantes da Bahia, baseada em Barreiras e representante de 1.300 produtores da região. A associação não nos recebeu durante a visita à cidade nem respondeu às questões por e-mail.

Muito nas mãos de poucos

A concentração de terras é grande em  Matopiba: apenas dez empresas controlam uma área de um milhão de hectares de fazendas. Grandes agroindústrias amarram os menores produtores através de financiamento para suas plantações e venda de produtos agrícolas, explica a economista Julliana Ramos Santiago, que escreveu sua tese de mestrado pela Universidade Federal da Bahia sobre o desenvolvimento do agronegócio nos cerrados baianos.
Deosdete Santiago largou o trabalho na Monsanto nos anos 1990 depois de se cansar do “jogo pesado”, do “deslumbramento perverso”, do modelo “cheio de contradições”.
“Eu decidi ficar com coisas mais simples”, conta.
Santiago nos recebeu no negócio da família, uma grande loja de ferramentas agrícolas no centro de Barreiras. Mas o que ele queria mesmo mostrar era uma pequena cafeteria no canto do estabelecimento, onde ele vende produtos feitos por comunidades tradicionais com plantas do Cerrado. Aquilo é parte de seu mais recente empreendimento: a Fundação Mundo Lindo.
Criar conscientização sobre a importância do Cerrado é um processo lento, ressalta. “Trabalhamos duro, mas provavelmente você não verá ninguém entrando aqui hoje”, diz com um riso.
A principal tarefa da fundação é, na verdade, recuperar áreas desmatadas de nascentes da região. A água, ele diz, é um dos maiores passivos ambientais do agronegócio por lá:
“O cálculo do crescimento econômico não pode desconsiderar este passivo, que só faz crescer ao longo do anos”.
Este texto foi originalmente publicado em inglês por Mongabay.

Foto em destaque: Plantação de soja perto de Barreiras, na Bahia. O município cresce em relevância no mercado agrícola.

Cerrado: cresce a conscientização sobre a savana negligenciada do Brasil

Cerrado: cresce a conscientização sobre a savana negligenciada do Brasil

Cresce o número de onças-pintadas em reservas, diz WCS

  • A WCS informa que o número de onças-pintadas aumentou quase 8 por cento entre 2002 e 2016 em reservas destinadas para estudos na América do Sul e na América Central.
  • Os locais possuem por volta de 400.000 metros quadrados de habitat para onças-pintadas.
  • Apesar das descobertas promissoras, os cientistas da WCS alertam sobre a destruição dos habitats, caça em resposta das matanças de gado e a busca por partes do corpo das onças-pintadas ainda ameaçam de forma grave as onças-pintadas.
Os números de onças-pintadas em reservas de estudos específicos localizadas na América do Sul e na América Central estão crescendo. Essa informação é baseada nas pesquisas realizadas na última década pela Wildlife Conservation Society.

Elizabeth Bennett, vice-presidente de conservação da espécie na WCS diz que os resultados positivos vêm da parceria com as comunidades locais, agências governamentais e outros grupos de conservação.

“Estamos animados que os nossos esforços para conservar as onças-pintadas nas últimas duas décadas têm demonstrado sinais de sucesso,” Bennet diz em uma declaração.
A onça-pintada sofre ameaça da caça e da destruição de habitats. Foto de © Julie Larsen Maher/ WCS.
O número de onças-pintadas (Panthera onca) em todos as reservas da WCS (com aproximadamente 400.000 metros quilômetros quadrados ) na América Latina cresceu quase 8 por cento por ano, entre 2002 e 2016. Esses locais são lares para aproximadamente 5.000 das 60.000 onças-pintadas presentes nas Américas.
Apesar das boas notícias, os cientistas da WCS alertam sobre o perigo que elas sofreram – e ainda sofrem – ainda é presente o baixo número de onças-pintadas.
“Duas ameaças têm sido extremamente pesadas contra a maior espécie de felino da américa: redução do habitat devido a conversão de florestas em terreno de desenvolvimento e agricultura, e matando por causa da perda do gado,” John Polisar, coordenador de espécie onça-pintada na WCS, disse em uma declaração.
As onças-pintadas foram listadas em perigo iminente pela IUCN. Elas vagam por volta de três terços do que costumavam percorrer antes de 1900. Sobram poucas onças nos EUA, a maioria da população delas vive entre matagais no México e no extremo norte da Argentina.
Por volta de 60.000 onças-pintadas ainda habitam em diversos sistemas em toda a América. Foto da armadilha fotográfica de Guido Ayala e Maria Viscarra/WCS.
Para proteger o habitat da onça-pintada, a WSC diz que trabalha em comunidades locais e indígenas, como por exemplo, Tacana que está localizada em Madidi na Bolívia. A Tacana finalmente está de acordo com a taxa de desmatamento do local. Essa taxa é 4 vezes menor dentro da área administrada pela WCS. Essa comparação é realizada com outras áreas que não são administradas. Informação de acordo com a estimativa da WCS no ano de 2015. A região de Tacana faz fronteiras com o Parque Nacional Madidi.
De fato, a densidade de onças-pintadas encontradas dentro do Parque Nacional Madidi, que é uma das maiores biodiversidades do mundo em uma área protegida, três vezes maior do que foi em 2002.
Os biologistas equilibram esse sucesso com as novas ameaças advindas de novos horizontes, como a caça com intuito de recolher partes específicas do corpo da onça-pintada, como informa Julie Kunen, vice-presidente do programa para américa da WCS. As presas são procuradas particularmente nos mercados chineses. Uma apreensão em 2016 confiscou 337 presas, muitas delas provavelmente vieram das onças-pintadas presentes no Parque Nacional Madidi.
As reservas da WCS possuem um habitat com aproximadamente 5.000 onças-pintadas. Foto da armadilha fotográfica de Guido Ayala e Maria Viscarra/WCS.
Até os dias de hoje a WCS registra um aumento dos números onças-pintadas em lugares específicos.
“Podemos olhar para o futuro das onças pintadas nas américas com otimismo” diz Bennet quando a WCS anunciou de primeira mão suas descobertas, no dia 3 de março, o dia Internacional da Vida Selvagem. Esse dia marca a data que o CITES (Convenção sobre Comércio Internacional das Espécies da Flora e Fauna Selvagens em Perigo de Extinção) foi adotada pelas Nações Unidas em 1973. “São ótimas notícias neste Dia Internacional da Vida Selvagem.”
Imagem do Banner: onças-pintadas em uma foto da armadilha fotográfica de Guido Ayala e Maria Viscarra/ WCS.

 por en 9 Maio 2018 | Translated by Talita Soares
 

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Consumo desenfreado da humanidade retratado em vídeo animado

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Consumo desenfreado da humanidade retratado em vídeo animado

Os riscos do consumo e da produção desenfreados sob o olhar crítico do artista Steve Cutts gera polêmica. 

O vídeo “Man” com quase três milhões e quinhentas visualizações na internet, a animação faz uma ferrenha crítica ao ser humano e o seu papel de superioridade perante os demais seres vivos do planetaAs análises do autor se voltam especificamente para o desenvolvimento e atuação não sustentáveis das indústrias em todo o mundo. A obra mostra diversos animais que são abatidos de forma brutal em prol de empresas atuantes no ramo da moda, gastronomia e até mesmo decoração, com tapetes de tigres e cabeças de ursos que funcionam como troféus.


O descarte de lixo nos rios, a exploração animal como entretenimento humano e a devastação ambiental desenfreada são outros problemas apresentados em “Man”, que faz um alerta a todos nós sobre os perigos do estilo de vida adotado pelo homem desde a sua existência.



O que pode acontecer com a humanidade?


Durante “Man”, Steve Cutts constrói um retrato da relação da humanidade com o restante do planeta. As diversas atrocidades evidenciadas pela animação acontecem de forma natural, já que são partes do nosso “sistema” de vida.



Dessa forma, os hábitos de matar, explorar e dominar são atribuídos equivocadamente como direitos da raça humana, sem que os reais impactos dessas atitudes sejam considerados. A evolução da sociedade atual foi solidificada em uma constante destruição, motivada pelo sistema capitalista e pela insaciável luta em busca de cada vez mais dinheiro. A devastação terrestre pode ocasionar o fim de diversas espécies e recursos naturais fundamentais para a manutenção do meio ambiente e, consequentemente, da vida no planeta.



Fonte: Mercado Ético

Termômetro do Código Florestal: transparência nas mãos do cidadão


15.11.2017Notícias
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Agora é possível ter, na palma da mão, uma análise ampla do Código Florestal, a mais importante lei ambiental do Brasil, que completou 5 anos da sua última reformulação em 2017.

O aplicativo “Termômetro do Código Florestal”, desenvolvido pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia – IPAM, acaba de ser lançado na 23ª Conferência do Clima, em Bonn, na Alemanha.

Pelo aplicativo, o cidadão pode checar o cumprimento dos principais instrumentos da lei que já estão em implementação, como o cadastramento no Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural (Sicar) , o remanescente de vegetação nativa e os passivos de Reserva Legal (RL) e Área de Proteção Permanente (APP), nos estados e municípios. Disponível no momento somente para Android, uma versão para iOS será lançada em 2018.
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Para Tiago Reis, pesquisador do IPAM, a ferramenta vai permitir ao cidadão comum acompanhar o nível da preservação da vegetação nativa e cobrar do poder público o avanço das questões ambientais. “O Termômetro aproxima as pessoas da implementação de uma política pública fundamental para a qualidade de vida. Afinal, o Código Florestal garante a nossa água, a produção de alimentos, a qualidade do ar e a saúde como um todo”, afirma Reis.

Esse nível de transparência e de facilidade de acesso colabora para políticas públicas mais efetivas e pode ser usado como instrumento de análise e controle da sociedade civil para a preservação do seu bioma local, uso planejadodo solo e menor incidência de conflitos fundiários.

Nesta primeira versão, já estão disponíveis dados do CAR em todos os estados do Brasil. O aplicativo usa diversas bases de dados e coloca em perspectiva o status do Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE) e dos Programas de Regularização Ambiental (PRA) dos estados, além de oferecer um glossário que explica os termos mais comuns relativos ao Código Florestal. Detalhes sobre os Programas de Regularização Ambiental e outras estatísticas e informações estarão disponíveis em breve. Ao todo, são 42 indicadores presentes.
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O usuário pode, depois de cadastro simples, salvar os dados que mais lhe interessam e ter um acesso rápido e offline dos estados e municípios mais relevantes para a sua realidade. No site do Termômetro uma análise mais detalhada do Código Florestal também pode ser acessada.

Para Natalia D’Alessandro, presidente do Engenheiros Sem Fronteiras no Brasil, que acompanhou o lançamento do Termômetro, essa iniciativa é inovadora ao traduzir tantos dados ambientais. “Achei interessante o quanto essa ferramenta levanta a questão da transparência da informação e como vai ser útil para a academia utilizar esses dados em diversas pesquisas”, disse.

O aplicativo é uma iniciativa do Observatório do Código Florestal, rede criada em 2013 para acompanhar e incentivar o cumprimento da Lei 12.651/ 12 em todo o país. Atualmente, o OCF conta com 27 instituições da sociedade civil.